ANTES DE LER É BOM SABER...

Contato (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Ou pelo formulário no próprio blog. Este blog, criado em 2009, é um espaço intelectual, dedicado à reflexão e à divulgação de estudos sobre Nísia Floresta Brasileira Augusta, sem caráter jornalístico. Luís Carlos Freire é bisneto de Maria Clara de Magalhães Peixoto Fontoura (*1861 +1950 ), bisneta de Francisca Clara Freire do Revoredo (1760–1840), irmã da mãe de Nísia Floresta (1810-1885, Antônia Clara Freire do Revoredo - 1780-1855). Por meio desta linha de descendência, Luís Carlos Freire mantém um vínculo sanguíneo direto com a família de Nísia Floresta, reforçando seu compromisso pessoal e intelectual com a memória da escritora. (Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do IHGRN; disponível no Museu Nísia Floresta, RN.) Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta e membro de importantes instituições culturais e científicas, como a Comissão Norte-Riograndense de Folclore, a Sociedade Científica de Estudos da Arte e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Os textos também têm cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos, pesquisas sobre cultura popular, linguística regional e literatura, muitos deles publicados em congressos, anais acadêmicos e neste blog. O blog reúne estudos inéditos e pesquisas aprofundadas sobre Nísia Floresta, o município homônimo, lendas, tradições, crônicas, poesias, fotografias e documentos históricos, tornando-se uma referência confiável para o conhecimento cultural e histórico do Rio Grande do Norte. Proteção de direitos autorais: Os conteúdos são de propriedade exclusiva do autor. Não é permitida a reprodução integral ou parcial sem autorização prévia, exceto com citação da fonte. A violação de direitos autorais estará sujeita às penalidades previstas em lei. Observação: comentários só serão publicados se contiverem nome completo, e-mail e telefone.

sábado, 4 de outubro de 2025

ACTA NOTURNA - QUAL ERA A RELIGIÃO DE NÍSIA FLORESTA?


Por mais que quem não conheça a intelectual Nísia Floresta hoje, e possa vê-la sob os holofotes de calúnias, preconceitos e equívocos propagados ao longo do tempo, dispostos no imaginário popular e até mesmo em jornais e livros, não estranharia que alguém estranhasse quando afirmo que ela era católica, moralista e conservadora.

Parece uma antítese, afinal ela causou "escândalo" na pequenina Vila Imperial de Papary quando, aos 13 anos de idade escolheu por livre e espontânea vontade, o seu marido e, por livre e espontânea vontade, separou-se poucos meses depois. Isso não combina com moralismo, conservadorismo e catolicismo, mas deixando esses detalhes para outro texto, vamos conversar sobre a Nísia Floresta católica apostólica romana.

Por tudo o que Nísia Floresta deixou escrito em livros e jornais, sem dúvida alguma Nísia Floresta era católica. Ela foi instruída cristãmente e, para surpresa de muitos, alguns de seus livros trazem referências bíblicas, inclusive encontros que ela teve com diversas autoridades católicas em suas viagens, inclusive, como escrevi neste mesmo blog, o seu encontro com o papa Pio IX.

Mas não se enganem, longe de uma fiel cegamente obediente, ela guardava reservas e, como lhe era peculiar, olhava como águia e observava com acuidade, ouvia as entrelinhas, muito embora muitas práticas eram tão claras e óbvias que não via quem não queria.

Ela diferiu de uma pessoa católica comum porque viu, criticou e escreveu o que viu. Deixar escrito é muita responsabilidade. Ela era uma católica reflexiva e crítica, o que não poderia ser diferente para uma intelectual. Estava muito longe dela a adesão acrítica, apologética e fanática.

O seu catolicismo é evidente em vários momentos de sua obra, e darei aqui alguns breves exemplos. Nos seus escritos de cunho autobiográfico e nos diários de viagem, acima de tudo Três anos na Itália, ela conta alguns episódios ocorridos no mundo católico e revela-se uma pessoa aberta às práticas culturais do catolicismo europeu daquele tempo, inclusive uma audiência com o Papa Pio IX e que se fez acompanhar da filha Lívia Augusta de Faria Rocha.

 

 

Seu relato e outros registros escritos de próprio punho a partir de diversas viagens são fontes claras do seu catolicismo. Se isso não deixar evidente o seu lado religioso, o que mais precisará?

No livro Conselhos à minha filha (escrito em homenagem ao aniversário da filha) encontramos várias citações bíblicas e morais, evidenciando seu profundo conhecimento da Bíblia Sagrada. A partir desse conhecimento cristão, ela faz várias recomendações à filha, apresentando-os como virtudes.

Há um trecho em que ela adverte Lívia sobre a vaidade, e para isso busca em Provérbios 16:18 a seguinte orientação “a soberba precede a ruína”. Numa outra situação ela se serve de Mateus 5:4 quando é dito que “bem aventurados os que choram, porque serão consolados”.

As citações bíblicas usadas por Nísia não são por mera casualidade, há na Nísia-Mãe uma autoridade moral em que ela se serve da tradição espiritual cristã para aconselhar maternalmente a filha.

Suas referências sagradas e sua narrativa cristã, deixa nítido o quanto ela era familiarizada ao universo católico, portanto para uma mãe moralista que foi Nísia, ao contrário de muitos julgamentos contrários (por ignorância), ela buscava na tradição o seu recurso narrativo e formador.

As escolas católicas de Mondovi, na Itália, adotaram Conselhos à minha filha como livro didático. E o que isso significa senão uma consonância dos padres católicos com o seu pensamento. Mas enquanto ela se mostra católica, principalmente nessa obra, outras obras trarão críticas pesadas à Igreja católica e as práticas clericais. E ela poderia nem ter deixado isso escrito, mas o fez, e o fez com a intenção de que o futuro não a julgasse como ingênua.

Num dos seus textos ela diz que “o luxo que rodeia certos prelados contrasta com a humildade pregada no Evangelho”, e denuncia a vida nababesca de muitos padres. Ainda em Conselhos à minha filha, ela referencia Provérbios e o Sermão da Montanha.

No ensaio Um passeio ao aqueduto da Carioca, em que ela se faz cicerone de um turista, ao passar por um convento de freiras ela diz “Deus não criou a mulher para viver encerrada em conventos, mas para exercer sua missão na sociedade”. Ela entendia que aquelas religiosas enclausuradas seriam muito mais úteis vivendo no meio do povo, ajudando-os de forma concreta. Isso, obviamente, não agradou os religiosos que a leram (mas ela não estava nem aí!).

Na obra Três anos na Itália ela descreve o Vaticano e cita diversas figuras religiosas, eventos católicos e relata minuciosamente o seu encontro com o Papa Pio IX, o qual perguntou-lhe se ela não tinha interesse em morar na Itália. Ela, inclusive, critica o comportamento inconveniente de algumas mulheres da realeza que estavam no local para se encontrar com o Papa, digamos um comportamento desprovido da etiqueta que costumamos achar que essas senhoras priorizam.

Nísia também fez críticas ao celibato dos padres, alegando que a igreja exigia uma prática difícil e desnecessária, e alegava que muitos padres não cumpriam tal regra.

Tudo isso parece contradição, afinal, como alguém critica uma religião que aparenta seguir? Mas não é bem assim. Na verdade, ela estava apenas dizendo que a fé não pode estar fora da realidade social, nem transmutada num mero formalismo imposto por religião, contrariando a natureza do homem.

Tudo isso nos revela uma Nísia que não se ocultou atrás do dogma a partir do momento que enxerga injustiças e hipocrisias sociais em silêncio.

No frigir dos ovos, ao olharmos o lado religioso de Nísia, vemos uma mulher católica, sim, mas capaz da autocrítica. Não era alienada e nem encobria os podres daquilo que analisava como contraditório, arbitrário ou errado.

O catolicismo nela provinha de sua formação cristã, inclusive de todos os seus ancestrais: pai, mãe, tias, tios etc. Desse modo vemos uma Nísia cujas convicções morais pautaram-se no cristianismo.

Sua sensibilidade, seu olhar jornalístico de observadora social não a impediram de pensar - e deixar escrito - sua capacidade de se confrontar com a própria igreja que segue no momento em que vê incongruências entre o que se prega nos altares e o que se vê no cotidiano.

Nesse sentido muito sensato, Nísia não está sozinha, pois era o perfil comum a muitos escritores do seu tempo, os quais, iguais a ela, convertiam a sua experiência pessoais e sua crítica social em produto literário e argumentativo. E assim tudo se transformava em material para textos jornalísticos, poemas, poesias, crônicas etc.

Nísia não renega o catolicismo, mas expõe que os ensinamentos cristãos estejam alinhados à vida dos que pregam o Evangelho e harmonizados com a justiça e à coerência moral.

Nísia Floresta Brasileira Augusta era católica, mas uma católica que se valia de um catolicismo reflexivo, consciente e crítico.

De Conselhos à minha filha às observações vivas de Três anos na Itália e Um Passeio ao aqueduto da carioca, por exemplo, constatamos isso. Mas sem impedir sua coragem intelectual para mostrar as falhas e reivindicar coerência e ética. Essa moeda de duas faces - fé e crítica - revelam sua grandeza como escritora com visão civilizada e admirável. 22.8.2025, 01h50.

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