Ao longo da minha vida presenciei alguns eventos em que pessoas discursam para multidões de homens, mulheres e crianças defendendo a importância de Nísia Floresta. Em geral, esses discursos se dirigem quase exclusivamente às mulheres, alegando: “vocês foram abençoadas por ter existido uma Nísia Floresta, ela que defendeu vocês”. Embora esse tipo de fala tenha sentido e seja, de fato, importante - afinal, Nísia foi pioneira na luta pelo reconhecimento da mulher como sujeito de direitos -, a forma como sua imagem é apresentada acaba por reduzi-la a uma única dimensão: a de feminista. É como se toda a sua trajetória pudesse ser contida apenas na defesa das mulheres.
Ocorre que Nísia Floresta foi incomparavelmente muito mais do que isso.
Ela foi educadora, indianista, abolicionista, republicana, escritora,
jornalista, pensadora de seu tempo e do futuro. Seus escritos não se limitam a
levantar a bandeira da emancipação feminina - ainda que essa tenha sido uma
causa fundamental de sua vida - e muito importante, diga-se de passagem, mas
abrangem reflexões sobre liberdade, justiça social, identidade nacional e
progresso humano. Creio que, ao falarmos sobre essa intelectual em eventos
públicos, especialmente quando ambos os sexos estão presentes, é essencial
sintetizar de forma mais ampla sua obra, suas ideias e os diversos pioneirismos
que a tornaram singular. Reduzir Nísia Floresta apenas ao feminismo é também
reduzir o próprio legado dessa intelectual, é deixar de dizer sobre o seu
gigantismo de ideias.
Se tivesse existido na época de Nísia a
tecnologia de comunicação que temos hoje, certamente seu pensamento teria
ecoado em todos os continentes. Os temas que ela abordava - como o direito das
mulheres à educação, a defesa dos povos indígenas, a crítica à escravidão e a
reflexão sobre os rumos políticos do Brasil - eram inéditos não apenas em nosso
país, mas em muitas partes do mundo. Era o discurso que faltou a muitos países
e que chegou ali muitos anos depois. Sua ousadia em escrever sobre tais assuntos
a colocaria em diálogo com os maiores pensadores de sua época, despertando o
interesse de intelectuais e reformadores sociais de diferentes nações. Não foi
à toa que ela foi amiga dos mais notáveis intelectuais de seu tempo.
Sempre digo que Nísia Floresta nunca esteve
de todo esquecida. Ela foi presença constante nas mídias de seu tempo, pois
jornais e revistas publicaram seus textos e comentaram suas ideias. Após sua
morte, ainda que de forma mais tímida, seu nome continuou circulando aqui e ali.
É verdade que a centralização cultural e midiática no eixo Rio-São Paulo
contribuiu para que sua presença fosse mais forte nesses lugares, além de seu
estado natal, o Rio Grande do Norte (óbvio). Em outras regiões, como no Pará ou
no Mato Grosso etc, sua obra talvez não tenha tido a mesma difusão. Mas afirmar
que Nísia foi esquecida por longos anos é um equívoco. O que houve foi um
acanhamento natural, fruto das limitações de comunicação de seu tempo.
Hoje, ao celebrarmos Nísia Floresta, temos
a responsabilidade de apresentá-la em toda a sua complexidade. Sim, ela foi uma
defensora das mulheres. Mas foi também uma intelectual de alcance universal,
preocupada com a educação, a liberdade e o futuro da humanidade. Nísia não cabe
em uma única biblioteca. Cabe em muitas, e talvez por isso mesmo transcenda
todas elas. Por isso, quando falarmos de Nísia, é necessário olhar para além da
militante. É preciso enxergar a pensadora que pensou os mais impactantes
pensamentos...

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