Antes de ontem fui presenteado
com “A SAIA DO AMOR”, ofertada pela autora Ana Catarina Silva Fernandes,
lindamente bordada pelos pinceis de Roberto Silva. Já a conhecia de ler, à ocasião
que ela me mostrou assim que saiu da figurinista. A primeira impressão que tive
ao julgar o livro pela capa, é que a história falaria de saias, portanto um filme
de saias diversas saltou do meu imaginário. Vi, primeiro, os “dervixes
rodopiantes” de Istambul com suas saias que os fazem quase flutuar. Eles rodam incontinenti
em torno do próprio corpo num ritual com música e vestimentas próprias, acreditando
que assim atingem o nirvana. Mas parece que a autora de fato atinge esse nirvana em sua obra... meu imaginário não parece errado.
Os "Dervixes", de Estambul, Turquia. |
Veio as imagens das belas saias armadas dos pais e mães de santos, sob possessões e batuques, e Ana Catarina pareceu-me possuída de fato pelo verbo, quando divaga coisas, quando diz sem dizer... Lembrei-me das batinas sacerdotais, quais saias, farfalhando nas procissões. E Ana Catarina também mostra-se sacerdotiza das palavras apoucadas, que dizem o bastante, que sugerem... Reportei-me às saias das cirandeiras. E Ana Catarina, de fato vive numa ciranda a partir de sua própria vida dinâmica e suas próprias saias diferenciadas... Ocorreu-me as HQ nas saias esvoaçantes da Madame Mim sobre sua vassoura voadora que povoou a minha infância. E Ana Catarina também traz umas doses de feitiço, pois ela nos enebria e nos confunde às vezes. Visualizei a saia da Virgem Maria, a Mãe De Deus, exatamente como se apresentava numa imensa peanha de mogno que ficava na entrada da Matriz da minha cidade natal. E Ana Catarina também é mãe, portanto possui essa santidade... Enfim lembrei-me das saias da minha mãe e de minhas cinco irmãs...
Madame Mim |
Ao lado da autora, quando da primeira apresentação de sua obra, li-a saborosamente, e encontrei uma escritora sensível, que serviu-se das saias de sua mãe para falar de amor, em especial uma saia de bolinhas coloridas. Parecida com o poeta Manoel de Barros, “que era da invencionática”, a personagem imaginária da obra era da Matemática, e passava horas contando as bolinhas coloridas da saia. De fato, no sentido mágico da infância, as crianças viajam no inimaginável. Quando eu era criança, viajava no piso de taco de peroba rosa e grapia da casa dos meus padrinhos. Sua geometria me permitia imaginar degraus, então eu descia e subia mentalmente aquelas escadarias infinitas que tomavam conta da sala. Aquele chão lúdico combinava com os meus nove anos, assim eu disfarçava assistir televisão.
Pois bem, “A SAIA DO
AMOR” é uma obra encantadora pelas infâncias contidas nela. Suas letrinhas de
macarrão quais formiguinhas inquietas, atiçam os olhinhos das crianças e
adultos que tem o poder de se permitir essa viagem. Seus desenhos buscam a mesma ingenuidade
contida em Miró. A história desperta um caudal de outras histórias de amor.
Amor materno. Amor filial.
A obra não pintou a mãe, a dona, ou o dono da saia de bolinhas, mas sugeriu ao leitor reconhecer a sua mãe, o seu pai-mãe e outros modelos de mães reais. Acabo de lembrar, nesse exato momento, da minha mãe contando histórias antigas de família, estórias de Trancoso, de assombração, coisa de fazer medo, e sempre de saia abaixo do joelho.
“A SAIA DO AMOR” é um poema de amor, cuidadosamente traduzido de forma trilíngue, com um apelo artístico, externando o sentimento da autora em três belos idiomas. Mas uma observação não vou revelar – apenas vou divagar – e devagar – pois não sou o autor. Assim como Machado de Assis magistralmente construiu um cipoal que não deixa clara a traição entre Capitu e Bentinho, “A SAIA DO AMOR” deixa para o leitor sugerir um detalhe que não vou contar, pois não percebi na primeira leitura. Percebi ontem, quando recebi um exemplar da autora e me sentei para viajar. Então notei uma intenção. Se é que estou certo.
A autora, cavilosamente filosofante, não quis ser óbvia e divagou alguns pontos. Ela diz mais do que está escrito. Suas palavras ecoam, como se tivessem sido escritas dentro daquele imenso caramujo Búzio que ela exibe na fotografia. Não diz o ditado que “para o bom entendedor, meia palavra basta”? Acho que ela foi por esses desvios. A mãe é mãe? É pai-mãe, é mãe-mãe? Seus filhos são adotivos? O resto não vou dizer... Um educador ou mediador de leitura viajará muito n“A SAIA DO AMOR”. Em síntese, como apaixonado por livros de crianças em plenos 53 anos de idade, constato que o Rio Grande do Norte possui autores maravilhosos e literatura infantil de grande bom gosto e qualidade. Parabéns, Ana Catarina! Parabéns, Roberto Silva! Viva o livro!
Obra "Olho", do pintor espanhol Juan Miró. |
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