A imagem surpreendente deste antiquíssimo ônibus - de aparência singular -, me fez viajar numa viagem que meus pais fizeram inúmeras vezes. E por terem narrado-a para mim e meus irmãos, não pude deixar de viajar também - e me emocionar - nessa fotografia que conta 68 anos de idade.
Você já imaginou como era a estrada que liga São José de Mipibu a Natal em 1953? Pois é. Minha mãe, atualmente com 88 anos, conta que viajou muitas vezes nesse ônibus de propriedade de seu primo, e que naquele tempo eram obrigados a usarem algo para cobrir suas vestimentas, pois chegavam a Natal cheios de pó. Por isso era tão comum, por exemplo, que muitos usassem “guarda-pó”, espécie de jaleco, sobre os vestidos e ternos.
Alguns se cobriam com uma espécie de manta fina. Naquela época, segundo ela, as roupas predominantes eram de cor branca, inclusive os homens se "enfatiotavam" em elegantes ternos com direito a lenço exposto no bolso superior, chapéu e relógio de bolso. Alguns portavam até bengala.
Ivanaldo Pereira da Silva era o motorista daquela época, nesta imagem ele se encontra com 20 anos de idade. |
Minha mãe andava muito a cavalo de um lugar a outro - ela e a irmã. Normalmente o trajeto era feito com o pai ou irmãos homens. Mas quando o assunto era Natal, a viagem se dava nesse velho ônibus, cujo nome ela tanto falava, mas não me lembro neste momento. Segundo ela as viagens normalmente eram para "comprar fazendas e aviamentos na Ribeira (entendam por "fazenda" tecidos, pois era a expressão que ela usa até hoje e que era normal àquele tempo). Outras vezes iam visitar tias em primas também na Ribeira.
Meu pai dizia que muitas vezes o veículo atolava, exigindo que os passageiros, homens, descessem para empurrá-lo. Algumas pessoas levavam camarão de Papari para Natal e o fedor era insuportável na volta, quando o líquido secava e impregnava o piso do veículo. Algumas pessoas levavam cestos de mangaba para vender em Natal, outros levavam um garajal com galinhas vivas para mimar médicos, compadres e comadres... enfim havia um lado pitoresco nessas viagens. Algo inadmissível nos tempos atuais.
O percurso era uma odisseia. Os bancos duros de madeira, massageavam os ossos doa passageiros a cada solavanco na estrada de barro. Naquele tempo o amortecedor era de mola dura. Enfim o percurso demorado permitia fatos engraçados. Figuras icônicas findavam embalando muitas histórias no curso da viagem, causos ainda mais antigos, outros levavam comida e degustavam no caminho, enfim era uma alegria... era a forma encontrada para passar o tempo. Isso somado a eventuais contratempos em que o motor prego e a viagem se demorava ainda mais.
O nome da empresa era Transporte Potiguar LTDA, de propriedade de Cícero Isaías de Macedo, primo legítimo de minha mãe, inclusive a rodoviária de São José de Mipibu tem o seu nome, justamente por ele ter sido o pioneiro no ramo de empresa de ônibus ligando Mipibu à Natal e outros municípios vizinhos. Num tempo incomparavelmente distante da empresa Barros. Hoje, isso não diz muito, mas há mais de meio século - num tempo em que o transporte eram os pés ou o lombo de cavalos e jumentos - esse empreendimento era o máximo em conforto e modernidade. Mesmo que duro como trator.
Meu pai contava que quando apareceram os primeiros veículos em Mipibu muitas pessoas iam para o ponto de saída e chegada do ônibus somente para admirar o "cavalo de ferro", pois era algo incomum, como poderia ser, hoje, uma nave voadora que levantasse um voo vertical e levasse passageiros a Natal.
A imagem aqui postada, feita em Natal, traz, inclusive, o motorista Ivanaldo Pereira da Silva, 20 anos de idade (esse, da fotografia), sentado à direita, de chapéu. Inclusive é possível ler o painel anunciando “São José a Natal”... Enfim essa fotografia me causou emoção, pois meu pai faleceu em 2018, aos 95 anos, e me contou muitas outras histórias passadas nesse “cavalo de ferro”.
Saber que ele e minha mãe usufruíram desse prodígio do progresso me causa duas reações. Admiro sobre o quanto as coisas se modernizaram em termos de conforto dentro dos veículos atuais (comparados ao passado), assim como a facilidade do trajeto atual por uma moderna BR de mão dupla. É a história cumprindo o seu papel… OBS> Se alguma pessoa da família quiser enviar, abaixo, mais informações, fico grato, pois poderei ampliar esse importante registro.
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