Escrever sobre quem se conhece parece difícil quando quem escreve opta por uma ótica racional. Foi assim que assisti a palestra do nosso confrade, o escritor SEVERINO VICENTE, da Comissão Norte-Rio-Grandense de Folclore, hoje, dia 31 de outubro de 2015, durante o CURSO DE FOLCLORE ministrado pela citada instituição.
Apesar de ter cultivado uma amizade muito próxima com o saudoso
professor DEÍFILO GURGEL, ele manteve um discurso racional ao falar do amigo. E
é com esse mesmo olhar racional que escrevo as minhas impressões sobre a fala do
Professor Severino Vicente. Na realidade ocorreram mais duas importantes
palestras - hoje - mas optei por falar sobre as demais nas próximas postagens,
diferente do que costumo fazer, pois senti um incômodo muito grande com o
discurso do referido professor. Ao mesmo tempo ele tocou num assunto que deve
chegar ao maior número de pessoas, vislumbrando o devido respeito ao
Folclore/Cultura Popular.
Severino Vicente é autor de importantes obras sobre Folclore/Cultura
Popular. É presidente da Comissão Nacional de Folclore e Presidente de Honra da
Comissão Norte-Rio-Grandense de Folclore. Um dos mais importantes nomes quando
se fala em abnegados pesquisadores do referido assunto em nível de Brasil. Se
não for o maior atualmente.
Costumo dizer que nesse assunto ele é o pilar principal do nosso país,
pois, apesar de se tratar de um pesquisador atualizado, não abre mão de que, em
Folclore, a essência deve ser sempre intocável. Essa visão é diferente de
muitos que se proclamam estudiosos, mas diluem a tal ponto certas manifestações
da cultura popular, ou as deturpam de tal maneira que, no "frigir dos
ovos", ninguém sabe mais o que é cultura popular, o que é folclore o que é
parafolclórico, o que é moderno, o que é releitura, o que é música popular, o
que é música popularesca, o que é fruto de alienação cultural etc (isso não
quer dizer que o folclore não esteja mais vivo; pelo contrário, está tão
presente que nem imaginamos).
Deífilo Gurgel era discípulo de Câmara Cascudo. Depois dele, ninguém
pesquisou tão profundamente o folclore do Rio Grande do Norte da sua época. Ele
escreveu várias obras riquíssimas no ramo, tendo a sua primeira obra datada de
1981, inclusive o Professor Severino Vicente trouxe para o auditório todas as
obras do professor Deífilo Gurgel e apresentou breves comentários sobre cada
uma.
Poucos sabem, mas Deífilo Gurgel foi pesquisar o referido assunto depois
de "velho" (assim ele mesmo dizia). Talvez esse detalhe o fez ser tão
abnegado a ponto de querer salvaguardar o que via no seu tempo. Graças a Deus!
Tal comportamento o fez não gostar de se ausentar muito do RN, sua eterna
inspiração.
Dentre alguns pontos importantes da explanação do Professor Severino
Vicente, um deles chamou a minha atenção de forma especial e, confesso,
gerou-me indignação. Observei também que o referido professor, apesar de manter
um diálogo muito sereno, respeitoso, sensato - e racional, obviamente - não
escondeu a mesma indignação.
Falo da maneira indevida como a UFRN tratou o Professor Deífilo Gurgel e
suas pesquisas. O Professor Severino Vicente não usou essas palavras, mas não
foi nada mais ou menos que isso. Não houve o devido respeito com o trabalho
desse respeitável pesquisador. Tudo isso pelo fato de Deífilo Gurgel não
possuir o título de doutor. Não lhe proveram dos necessários recursos
econômicos para a pesquisa. Ora, que bobagem!
Desafio quem em sua época ou até mesmo hoje - da UFRN - tem um terço do
conhecimento sobre Folclore/Cultura Popular, a ponto de ser comparado a Deífilo
Gurgel. Falo de um pesquisador inato, abnegado, minucioso, incansável,
apaixonado... Ele escrevia com propriedade, profundidade, substancialidade,
riqueza de detalhes, nem por isso se despia da necessária cientificidade. Mas
parece que nossa instituição não percebeu isso. Que pena! O altruísmo do Professor Deífilo Gurgel era
tanto que ele sobrepujou essa política incompreensível e fez milagres,
produzindo às suas custas e de alguns admiradores, diversas obras de
excepcional valor. Imagine se esse homem tivesse manifestado a mesma aquietação
da UFRN?
É certo que o seu legado se deve - de certo modo - à instituição na qual
ele era professor, mas nada se compara ao que ele produziu, sozinho, bancado
por suas economias, perquirindo os recônditos mais inóspitos do Rio Grande do
Norte para garantir o registro fiel às novas gerações. É impossível estudar
Folclore e Cultura Popular do Rio Grande do Norte sem conhecer as obras desse
pesquisador. Quisera a UFRN ter se dado conta disso à época!
Entendo que essa respeitável instituição educacional pecou por priorizar
algo irrelevante diante do homem monumental que integrava o seu quadro docente.
O fato de se tratar de um professor, de certo modo adiantado na idade àquela
época (a julgar pelo perfil atual de professores doutores com menos de trinta
anos), ignoraram que ele sabia o "caminho das pedras", tinha
maturidade e profundidade no assunto, incomparáveis a qualquer professor
universitário de sua época e até mesmo atualmente. Ninguém melhor do que ele
para receber todo o aparato financeiro para se aprofundar em suas pesquisas
pelo Rio Grande do Norte da sua época.
Faltou ao ambiente acadêmico - não diria o jeitinho brasileiro - mas
rever sua política e fazer o diferencial. Não era oportuno a ele iniciar um
doutorado em adiantadas primaveras, pois ou se dedicava ao estudo (que não tem
segredos, mas exige muito tempo) ou ia atrás das suas pesquisas sobre cultura
popular. Ele preferiu gastar os seus últimos tempos (menos da metade do que já
havia vivido até então) para se debruçar apaixonadamente no seu objeto de
estudo. E morreu com um caderninho "sambado" de tanto anotar coisas e
um "catoco" de lápis nas mãos. Morreu pesquisando.
Como disse o próprio professor Severino Vicente, nada pode ser comparado
à obra de Câmara Cascudo, o qual era um gênio (só essa afirmação basta), mas em
se tratando de outro tempo, de outro momento, o professor Deífilo Gurgel marcou
época e deixou um legado digno do respeito de todos, inclusive dos doutores
atuais da UFRN no âmbito de Folclore/Cultura Popular, os quais deveriam tê-los
como Bíblia.
Hoje, quando vejo o Professor Severino Vicente destacando esse ponto
importante da história de Deífilo Gurgel, entendo que isso não acontece por
acaso. Até parece algo providencial, pois cabe a todos valorizar, divulgar,
enaltecer o trabalho de quem continua hoje essa missão tão importante. É o caso
de Severino Vicente.
Dia desses, lendo um livro na área de Cultura Popular, escrito por uma
Professora Doutora, tive pena. Lastimável que uma instituição tão séria, gaste
dinheiro e tempo para produzir coisas tão diluídas e tímidas. Pena que uma
instituição federal dê todas as condições econômicas para um doutor produzir
algo tão amplo e dispendioso, mas, ao mesmo tempo, tão fraco. Isso jamais
deveria chegar às escolas e bibliotecas brasileiras, pois não contribui em
nada. O que é diferente das obras de Deífilo.
Quisera os reitores brasileiros, diretores de escolas, ocupantes de
pastas nas áreas de educação e cultura, ministro da Educação etc. integrarem
uma assembléia para ouvir uma explanação como essa do Professor Severino
Vicente (verdadeiro presente). É pela inexistência desse momento tão necessário
que assistimos os ambiente que promovem o conhecimento e a cultura cometendo
equívocos imperdoáveis.
Hoje, quando vejo as crianças trocando o nosso Saci Pererê, ou melhor, a
nossa Cultura Popular pelo "Hallowen" - pasmem! dentro das próprias escolas -, entendo porque assistimos a uma juventude tão
vazia e alienada, com exceções obviamente. Decepcionante é saber que dentro de
muitas instituições educacionais;culturais, que deveriam educar e levar-nos ao
pensar, existam professores a alunos dizendo: "travessuras ou
gostosuras?". Viva Deífilo! Leiamos Deífilo! Leiamos Severino Vicente. (L.C.F. 31.10.2015)
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