I - O encontro inusitado
Na Ribeira iluminada,
Numa noite faceira,
Gutemberg, cheio de crença,
Tomava pinga caseira.
Entrevistava a benzedeira,
De mão firme e respeitada,
Quando a porta se escancarou,
Zé Areia entrou com risadaiada.
Gutemberg, assustado, quase tombava
Da cadeira do balcão,
Pois sabia que o malandro
Já morava no caixão.
Mas lembrando suas histórias
E vencendo a comoção,
Resolveu bater um papo
Com respeito e devoção.
Na Ribeira iluminada,
Vive eterna tradição.
II - O espanto e a saudade
- “Ò Zé, que grande alegria
Encontrar-te na Ribeira!
O senhor já foi da glória,
Improviso e brincadeira.
Hoje o povo se distrai
Na tal rede costumeira,
Mas cadê o riso largo
Da Natal tão verdadeira?”
Zé Areia deu gargalhada,
De fazer chão estremecer:
- “Meu amigo dotô, no outro mundo
Nem sobra tempo pra sofrer.
Aqui embaixo era bom,
Com folia pra valer,
E até vendi papagaio
Que não sabia nem ler!”
Na Ribeira iluminada,
Vive eterna tradição.
III - O carnaval de outrora
Gutemberg se benzeu logo,
Fez três rezas, coçou a testa,
Mas o medo foi embora
Com a força dessa festa.
Falou do velho carnaval,
Com marchinha sempre honesta,
Onde a rua se enfeitava
Sem briga, só pura gesta.
- “Era festa de família,
Não havia confusão,
Cada esquina tinha banda,
Era pura diversão.
Hoje em dia a cantoria
Não traz verso nem paixão,
Só repete a mesma frase
Que não leva inspiração.”
Na Ribeira iluminada,
Vive eterna tradição.
IV - Maria Boa entra em cena
De repente, alegre e forte,
Maria Boa apareceu,
Com riso de atrevimento
E uma piada que teceu:
- “Quem só vive de saudade,
Se esquece do que viveu!
Natal ainda é folia,
Basta olhar o que nasceu.”
Era dama respeitada,
Entre briga e gargalhada,
Defendia marinheiros
Na calçada iluminada.
Entre copos e batuques
Fez história consagrada,
Sendo musa da boemia
Da Ribeira encantada.
Na Ribeira iluminada,
Vive eterna tradição.
V - A chegada de Maria Mula Manca
Mancando pela calçada,
Outra figura chegou,
Era Maria Mula Manca,
Que na briga se firmou.
Defendia Dinarte Mariz
Com a força que herdou,
E na política da rua
Seu respeito conquistou.
Com o dedo em riste e bravo,
Logo quis participar:
- “Se tem papo de Natal,
De política vou falar!
Pois memória da cidade
Ninguém pode apagar,
E quem nega sua história
Vai com o vento voar!”
E acrescentou com firmeza,
De voz rouca e decidida:
— “Falta homem de palavra,
Que defenda a sua lida!
Dinarte foi um gigante,
Nessa terra tão sofrida,
Hoje só vejo promessa
Que se perde na descida.”
- “Era briga na calçada,
Era rixa no café,
Mas Dinarte tinha pulso,
Tinha honra e tinha fé.
Hoje falta liderança
Que se imponha como é,
Homem reto, sem enrolar,
Que não corra do que é!”
Gutemberg riu nervoso,
Zé Areia gargalhou:
Maria Boa rebateu,
Mas no fundo concordou.
Pois Natal sempre guardava
Quem no peito lutou,
E Maria Mula Manca
Mais uma vez defendeu.
Na Ribeira iluminada,
Vive eterna tradição.
VI - O riso se espalha
Gutemberg ficou pasmado
Com figuras do passado,
Parecia uma procissão
De folclore consagrado.
Era riso em toda parte,
O boteco encantado,
E o povo que ali passava
Ficou logo abismado.
Zé Areia então falou
Com malícia e emoção:
- “Se eu tivesse hoje vivo,
Improvisava o baião!
Cantaria na calçada,
Rimaria no salão,
Que o folclore nunca morre
Dentro do povo cristão.”
Na Ribeira iluminada,
Vive eterna tradição.
VII - A despedida
O relógio bateu forte
Meia-noite na esquina,
A benzedeira rezava
Com a fé sempre divina.
Zé Areia se afastava,
Com a face cristalina,
Deixando no ar da rua
Uma brisa nordestina.
Gutemberg de copo erguido,
Pensativo, emocionado:
- “Natal guarda em sua gente
Um passado abençoado.
Pois quem vive na lembrança
Nunca será sepultado,
E no peito da Ribeira
Segue sempre celebrado.”
Na Ribeira iluminada,
Vive eterna tradição.
VIII - O fecho
E ficou naquele canto
Um silêncio de emoção,
Mas também uma certeza
Guardada no coração:
Que Natal, mesmo moderna,
Não perdeu sua canção,
Pois o riso ainda ecoa
Na memória da nação.
Na Ribeira iluminada,
Vive eterna tradição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário