ACTA NOTURNA - Quando soldados norte-americanos pretos foram impedidos de virem para a Base Aérea de Natal - Década de 40
Você já viu um soldado preto em fotografias feitas durante a Segunda Guerra Mundial em Natal? Os flagrantes de militares norte-americanos enchem álbuns. Mostram-nos fazendo o policiamento na Ribeira, em despachos no Porto de Natal, construindo estrada, trabalhando aqui e lá, ou em folgas deliciosas no Grande Hotel do Major Teodorico Bezerra… até em diversões no “Maria Boa”... Mas não há registros de soldados pretos.
Isso tem uma explicação. Toda história tem seus bastidores. Alguns são maravilhosos, excepcionais, outros, terríveis (como esse). Durante a Segunda Guerra Mundial os norte-americanos se instalaram aos poucos nas plagas de Manoel Machado, dando a origem à Base Leste, encostada à Base Oeste (dos brasileiros). Essa história é mais mastigada que gengiva de idoso.
A Base Aérea montada pelos americanos é usada até hoje. A instalação da maior Base militar norte-americana fora dos EUA ocorreu em Natal, mais precisamente entre 7 de julho de 1942 (data oficial do início das atividades) e 1946, ano em que os norte-americanos foram deixando gradativamente a base então administrada só por brasileiros.
Durante o vavavu chegaram a pernoitar na base 22.000 homens, cujo movimento diário de aviões era em torno de 500 a 700. Eles deixaram mais de 700 galpões, grande quantidade de Jipes, armas e munições.
A História muitas vezes se prende aos fatos maiores, preocupando-se com começo, meio e fim, sem destaque para determinados detalhes, chamado bastidores que, se analisados com a devida decência, dão outra história, tão necessária quanto a que foi impressa nos jornais e livros da época. Esse é um caso cujas minúcias, aos olhos atuais, ferem a ética e a lei, mas à época, não era tão vigiado e recriminado devido a fatores culturais, embora anômalos.
É exatamente sobre isso que comentarei abaixo. Já li sobre isso em outro lugar diferente de Clyde Smith, mas aqui me pauto nele. Trata-se de uma página esquecida da História dos norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial, e que aconteceu aqui no Rio Grande do Norte.
Durante os preparativos para o referido projeto, apareceu um imbróglio complicado. Houve a necessidade de que o pessoal da 194th “Quarter-Master Truck Company” fosse enviado ao Brasil para demandas que essa companhia era tecnicamente mais preparada.
Com o fim da Guerra, vários despachos e demandas aconteceram paulatinamente. Surgiu o Projeto Verde (“Geen Project”), um programa de transporte que levava o pessoal norte-americano de volta aos Estados Unidos.
Ocorre que todos os membros da companhia 194th Quarter-Master Truck Company (soldados, oficiais, funcionários comuns, corpo técnico etc) eram pretos. Por aqui não existiam militares brasileiros pretos. A Marinha americana disponibilizou marinheiros pretos no Brasil, mas nem o ATC nem o Quartel-General importou-se em servir-se de seus trabalhos.
A partir dessa observação, suspeitaram que o general Walsh tinha feito acordo com as autoridades brasileiras para não trazer soldados pretos para o Brasil. Teria sido um pedido de Vargas? Não se sabe. Sabe-se que não vieram pretos para cá e pronto.
Vale lembrar que o Rio Grande do Norte, apesar de ter vivido o período da escravidão negra tão estupidamente quanto qualquer lugar do Brasil - pois não existe escravidão boa, e longe de engolir a tese estúpida, defendida por alguns historiadores de que os potiguares foram bondosos com os seus escravizados – teve poucos escravos pretos, portanto Natal era predominantemente branca. Aliás o estado quase inteiro.
Até então, a população norte-rio-grandense se resumia aos portugueses que se multiplicaram, misturados aos holandeses, franceses e indígenas. O Seridó é um pedaço da Europa no Brasil, em termos de cor de pele e olhos. Em diversos pontos do estado se veem pontos geográficos que predominam gente com fortes traços europeus, como por exemplo, a área de Boa Água, no município de Nísia Floresta até o início da década de 1990.
Enfim, o Rio Grande do Norte era predominantemente branco, outra parte miscigenada aos índios, outra, mínima, preta. Mas vamos retomar o fio da meada. Diante desse nó górdio, o chefe da Divisão de Pessoal dos Estados Unidos enviou um documento ao Quartel-General do ATC ordenando que enviassem apenas os equipamentos necessários, mas que não viesse nenhum membro do pessoal da Divisão. Essa objeção velada significava dizer que não viessem militares pretos.
Certamente, para que não ficasse feio e muito notório, criaram uma série de justificativas com relação a tal proibição. Enfim, proibiram e deu certo, cujos argumentos foram considerados favoráveis. Logo em seguida chegou os documentos informando que todos os equipamentos seriam enviados, mas sem militares pretos… Eis uma página amarga, dolorosa e vergonhosa dos bastidores da história da presença dos militares norte-americanos no Rio Grande do Norte. Infelizmente é fato é fato. E contra fatos, não há argumentos. 12.5.1999.
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