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Eventualmente tomo um caldo de cana com coxinha de camarão na “Casa da Maçã”, encostada na Delícias do Mate, esquina das ruas Coronel Cascudo com Princesa Isabel, na Cidade Alta. Digo eventualmente porque nos meus 56 anos de idade, não é bom abusar dessas iguarias, então, quando me programo para exercer tal abuso, esqueço o mundo e comporto-me como quem escreve um poema, sem qualquer sentimento de culpa. Talvez como quem fosse morrer amanhã e precisasse levar o gosto desses acepipes maravilhosos para o túmulo…
Eis que sentando-me numa daquelas mesas envoltas em cadeiras, defronte ao estabelecimento, ouço uma voz afirmando que o PT estava acabado com a Cidade Alta. Olho para o lado e dou-me com um grupo sentado à mesa ao lado. Então programo os meus ouvidos no modo “captação total das vozes”. Era um senhor, dois rapazes e uma moça. O senhor alegava que a Cidade Alta, antigo bairro de Natal, estava se acabando, o comércio fechando, o movimento diminuindo, “o PT quase havia acabado com as Lojas Americanas, mas conseguiu acabar com a Lojas Marisa”…
Dizem que “ouvido não é penico”, mas, confesso, quando estamos na rua, devemos programar as nossas “oiças” no modo “penico”, afinal não podemos andar pelo mundo em constantes desacordos com estranhos, e como eu estava em estado de êxtase alimentar, não quis gastar a minha boca com coisa que não fosse deleitar-me com as delícias que consumia. Gastei apenas os ouvidos. E minha decisão foi sábia, pois imediatamente ouvi um rapaz falando por mim, discordando totalmente daquele homem equivocado. As palavras do jovem pareciam sair de dentro dos meus neurônios. Então passei a comer aquela conversa também.
O rapaz explicou cientificamente que as Lojas Marisa havia fechado porque os donos fizeram o mesmo que os donos das Lojas Americanas, cujo rombo foi de bilhões, que houve incompetência admistrativa etc. E que isso não teve nada a ver com o PT. A moça, ampliando o sabor daquela conversa, reforçou as palavras do rapaz. O outro jovem só ouvia, como quem concordasse com o senhor iniciante da palestra, mas por faltar-lhe argumentos, só assistia o diálogo.
Eis que o senhor, não querendo dar por vencido, listava uma sequência de pequenas lojas fechadas naquelas imediações, reforçando a culpa petista. Logo, o rapaz, que parecia bem enfronhado no bairro, destrinça a situação das casas comerciais fechadas, explicitando cada caso, e no frigir dos ovos, a Pandemia havia gerado aquele fracasso. Nesse ponto, sou testemunha. Vi várias lojas fechando durande a Pandemia. Essa área da Cidade Alta tem uma infinidade de pequenas casas comerciais cujos produtos oferecidos oscilam. Abre um armarinho que funciona durante seis meses e fecha. Depois instala-se no mesmo local uma lanchonete que não chega a um ano de funcionamento. Em seguida vem uma loja de roupas que não esquenta o local. O Google Maps que o diga. É só fazer um passeio digital e constatar a variedade de fachadas com nomes distintos. Creio que seja uma questão de inexperiência em empreendedorismo ou concorrência acirrada. Suponho. Também ouvi dizer que alguns comerciantes iniciantes querem ganhar dinheiro com a cara. Comércio é renúncia. O dono tem que “morar ali” e ter consciência de que um dia está ótimo e o outro, não.
Enfim a conversa se dava nesses conformes, quando sorvi o último gole do açúcar líquido concentrado, também chamado de caldo de cana, e degluti o último pedaço da pomposa coxinha de camarão, também chamada de bola de gordura. Delícias estonteantes que nos acalmam, nos desarmam de brigas com gente desnutrida de visão. Eu ia bem invadir a prosa e brigar com aquele homem! Claro que não. Aqueles jovens falaram por mim…
Depois, conversando com Alysgardênia, disse desse episódio. As pessoas, hoje em dia, salvas as exceções, tem a mania de não gostar de algo, e usar esse algo como culpa das desgraças que vê. Isso é ingênuo e sem noção. De fato a Cidade Alta está numa aparente decadência comercial. Isso não é novidade. Hoje mesmo, 15.7.2023, estive na Rio Branco com Alysgardênia e ela comentou sobre a baixa frequência de pessoas. Recentemente, assisti a uma reportagem na InterTV Cabugi sobre esse mesmo fenômeno, mas no bairro do Alecrim. Os comerciantes reclamavam sobre lojas fechando as portas e público diminuto.
É esquisito afirmar, mas isso tudo é reflexo do próprio progresso. O progresso traz maravilhas, mas arrasta junto a ele muitos estragos em diversos aspectos. Natal deu um salto. A Zona Norte cresceu vertiginosamente. Natal se confunde com Parnamirim, e Parnamirim em breve se confundirá com São José de Mipibu. Em cem anos, essas cidades serão uma só. Sem lugar para enfiar uma casa.
O progresso muda tudo. Supermercados e Armazéns imensos estão dentro de shoppings e nas margens das rodovias. Quantos grandes armazéns e atacadões se espalharam em toda a geografia de Natal? Inúmeros. Há trinta anos tudo isso se resumia ao Alecrim e a Cidade Alta (grandes pontos comerciais). O que segura, de certo modo, hoje, o Alecrim, são alguns armazéns, mas isso também vai mudar (Pelo andar da carruagem). Ressalvando-se que esse fenômeno não é exclusivo de Natal, mas acontece em quase todo o Brasil.
Essa coisa que esse senhor - que eu prefiro chamar de inocente - ao culpar o PT, nada mais é que o progresso acontecendo em novos lugares. Antes, onde tudo era mato, hoje é um gigantesco armazém. Onde era um terreno baldio, hoje é um imenso condomínio habitacional. A geografia muda e com ela mudam os hábitos, o trânsito etc. Os novos bairros, que antes eram apenas residenciais, cujos moradores vinham para o Alecrim e Cidade Alta para fazerem compras, hoje estão permedados de lojas, agências bancárias, feiras, supermercados, lotéricas, praças etc. Tem de tudo na ruam onde moram, ou próximo. Quem vai sair da Zona Norte para comprar grãos se lá tem preço até melhor?
Esse fenômeno de desocupação comercial se estende também à desocupação residencial. Há muitas casas fechadas no centro de Natal. A moda no momento é morar em condomínio. É um fenômeno nacional. As pessoas se sentem mais seguras, dizem que dormem de janelas e portas abertas, e nada contece (diferente de estar numa casa no centro de uma metrópole). O condomínio é outro causador dessa evasão comercial, pois o povo deixa determinados bairros em massa, diminui os clientes e as lojas deixam de vender. Quisera que todos pudessem dormir de portas e janelas abertas no centro de Natal, sentar nas calçadas e ter, de certo modo, aquele antigo costume mais humanizado, mas o progresso traz mazelas com ele.
As autoridades falam sobre plano diretor, estatuto das cidades, plano de urbanismo, reurbanização, reocupação de áreas, são tantas expressões… mas não praticam políticas públicas civilizadas nos locais onde tais problemas se agravam. Tudo está mais no campo dos discursos e de fotografias para constar. Segurança pública e educação vem a calhar como nunca nesse assunto. A Câmara de Dirigentes Lojistas deveria protestar mais, buscar caminhos. Na verdade, esse assunto é muito complexo e envolve muitas causas.
Pois bem, quando esse senhor, da história lá em cima falava o tempo todo do PT, creio que, na verdade, ele queria dizer sobre os Políticos Tortos (PT). Natal está cheia de Políticos Tortos, satisfeitíssimos com seus altos salários e benesses. É uma pena que apenas esses senhores tenham o poder da caneta. Natal poderia ser pioneira num grande projeto que desse uma virada nesse fenômeno de evasão das áreas nobres da metrópole. Mas isso exige muito compromisso e ação, coisa que não costumamos ver muito em nosso estado. Não tem nada a ver com o PT (partido). Todos são culpados. Temos um povo inerte, que entrou em casa, fechou a porta, que o mundo se exploda. Não importa que saindo de casa, ele mesmo pode ser explodido a qualquer minuto.
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