POEMA ÀS PACAS
Pacas carregam no currículo uma solidão tisnada de noturno. É animal predestinado à timidez das tocas e dos corixos. Há nelas uma conformação trilhada em quietude, à maneira que é animal mais para túneis do que para descampados. Pacas têm compromisso com a noite. É quando praticam o repasto de vegetais e frutas. Desgastam o dia inteiro viajando o ventre da mata, num silencioso desacordo com o sol. Trilham horas em seus carreiros ermos. Amam estar afagadas pelos braços das matas, como a esconder segredos. Bichos estradeiros, comedores de caminho. Sua comida é sua trilha. Desassistidas de visão, mal veem o focinho, mas trazem ouvidos de tuberculoso e cheiram a léguas. Narinas e ouvidos cumprem os olhos. Como poetas, têm os sentidos aguçados, ouças e narinas em profusão. Trafegam submersas em verde, despercebidas de bichos e homens, camufladas de invisíveis matizes. Pisam tal voassem, e assim mais voam em seus carreiros que pastam. Em seu emaranhado de trilhas há sempre o túnel das águas, onde se alimentam de vida, onde fogem dos predadores. Nadam qual peixe. Antipatizadas com a lua, se guardam nas pregas dos esconderijos. Na lua nova ou crescente, vigiam o pôr-da-lua para gastar a escuridão em repasto. Na lua cheia e minguante, se despem do ventre verde e retornam antes do luar. Paca dá à luz em segredo escuro, escondidas nas pregas das pregas das tocas. Pare um filhinho por ninhada. Ali, num labirinto de destinos que só ela traduz, a paca exercerá o magistério da vida silvestre. Ensinará ao seu infante o idioma da sobrevivência. Ensinará a filosofia do silêncio e os segredos de viver.
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