Hoje em dia o Carnaval de Camurupim tem diversão para todos os gostos, e atende de católicos a evangélicos, crianças a velhos, malandros, vagabundos e heróis, mas nada lembra o bucolismo e a tônica singela d’outrora. Já ouvi histórias que consistem em verdadeiros poemas, narradas por gente idosa, quando as casas eram feitas de palha de coqueiro, quando só os mais “ricos” erguiam casas de taipa. “Era uma casa aqui, outra a meio km”, como disse o sr. José Carão, em 1992. Um pedacinho do paraíso.
As florestas de coqueirais gigantescos perderam lugar para as casas e ruelas desconexas. Hoje as dunas estão forradas com lençol estampado de casas de veraneio. Dos nativos daquele tempo, sobrou apenas uma família. Camurupim virou cidade, e durante o Carnaval, metrópole.
Nesse período há casos de residências minúsculas que abrigam até 100 foliões. Banho é uma confusão. Na hora de dormir o terraço se transforma em tapete humano. A madrugada é a chance de gatunos que, tais quais os “pés-de-lã”, podem aparecer para passear mansos, silenciosos, recolhendo roupas de marca, carteiras e celulares. Alguns fazem do varal alheio o seu Midway Mall. Camurupim evoluiu a tal ponto.
O trânsito de carros, motos, bicicletas e pedestres divide espaço com vendedores ambulantes, carrinhos de sorvete, cachorros... é a Índia do Brasil.
A “Rua dos crentes”, como até hoje é conhecida a principal via de trânsito local, está longe da "santidade" do passado. Originalmente muitos evangélicos tinham casinhas de palha ali e, além de se divertirem nas águas do mar e pescar, realizavam cultos noturnos, de onde se ouviam de longe a Harpa Cristã alumiada pela lua, por fogueira ou lampiões.
Mas até isso mudou. A Harpa Cristã desapareceu, embora os crentes ficaram. Hoje até os evangélicos vão ali curtir a fuzarca do Carnaval. São os primeiros a se sentarem nas muretas das varandas para assistir a tudo o que por ali aparece. Adoram. Ninguém sabe quem é crente, quem é macumbeiro, quem é ateu, quem é católico... todos estão vestidos de Carnaval. Sr. Maurício, um evangélico que residia defronte à minha casa, dizia "não se faz mais crente como antigamente".
Quem busca sossego ou tem um grau maior de pudor e recato, não apareça ali nesse período, pois a “Rua dos crentes” treme. A Harpa Cristã deu lugar ao terremoto dos carros de som. As aparelhagens nas casas ou os paredões nos carros fazem uma orquestra tresloucada, eletrizando tudo.
As músicas típicas de carnaval desapareceram, engolidas pelas “swingueiras” com letras de cunho erótico, sempre apelativas. A marchinha perdeu espaço para o axé baiano ou músicas atuais com coreografias naqueles termos, por vezes mais lembram uma cópula que dança. Cada um expõe o seu gosto musical, numa palreira ensandecida. Quem não gosta de barulho nem bebedeira não apareça na praia nessa época!
Ali passa o espetaculoso desfile do “Barreta Gay”, cujas fantasias e apetrechos vão desde uma simples maquiagem a ingênuas máscaras e vestidinhos ousados trajados por homens heteros ou gays, aventando os dotes masculinos numa tônica de malícias, insinuações, ditos picantes e muita galhofa. A isso se somam mulheres e crianças de todos os sexos numa farra que sepulta qualquer estresse. Todos os problemas “se afastam” dando espaço a uma animação sem fim.
Não apareça ali com ares de remoque que poderá ser “linchado”, pois, naquele momento o “diabo” está solto. Carros, pessoas, muros e até os postes ficam sarapintados de araruta, trigo, farinha, espuma de spray, tinta e água. As “caras e bocas” de homens vestidos de mulher provocam uma “risadagem” sem fim. Até alguns velhinhos se travestem, colocando os netos em polvorosa.
Mas nem tudo é “modernidade”. Sobrevive, intacto, os encantadores “papangus”; normalmente meninos em busca de algumas “pratinhas”, (como denominam as moedas), ou refrigerante, conforme reza a tradição. Eles percorrem Camurupim, Barreta e Barra de Tabatinga, despercebidos da água e óleo que os difere daquela modernidade louca.
A manifestação do Papangu é uma das expressões mais lindas que já vi. Eles vestem molambos e tapam o rosto com pano, deixando apenas o buraco dos olhos. Nas mãos, levam tampas velhas, latas vazias, apitos e fazem um barulho danado. A brincadeira começa na cidade, passando nas casas, recolhendo prendas - como fazem os brincantes de Folia-de-Reis -, depois seguem para a praia. Sempre eu reservava um litro de refrigerante para alimentar aquele folguedo. É o que faz avivar a tradição.
Camurupim vira a metrópole de Momo, com direito à coleta de lixo que quase não acaba. Aparecem padarias, bares, restaurantes, pousadas com freguesias intermináveis. Entregadores de água requebram lá e cá, sem parar a dança do dinheiro. Dizem até que alguns ficam ricos nessa época. É a modernidade! 7.2.2015.
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