ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Lenda do Fogo Batatão (Nísia Floresta - Rio Grande do Norte).



LENDA DO FOGO BATATÃO (registrada em 1992).

Contam os mais velhos que, antigamente, quem andava de noite pelas estradas rurais de Nísia Floresta via um malassombro chamado “Fogo Batatão”. O fato de o município ser muito bem servido de sítios e granjas, permite ao povo um constante trânsito por todos os lados, em carroças, jumentos, bicicletas ou a pé. Boa parte dos nativos são agricultores, ou plantam “de meia”, dividindo com o dono da propriedade o fruto do seu trabalho. Assim eles passam o dia zelando de suas belas roças de macaxeira, inhame, batata doce e outros frutos deliciosos da terra, ofertados pelo trabalho desses anjos, chamados “homens do campo”.


Nísia Floresta é um município de moldura verde. Assim que você atravessa a linha da velha Great Western, sente um ar frio, emanado de um túnel de árvores que liga esse município a São José de Mipibu. Na estrada se encontra uma única casa, aliás, um casarão do engenho São Roque, construção centenária dos tempos áureos do açúcar. É mato de um lado a outro. Toda a área é marcada por uma vegetação viva, viçosa e aprazível. A região é um vale de terras férteis, permeada de lagoas de água doce, incluindo a segunda maior do Brasil, por nome de Bonfim, pequenos rios e incontáveis olhos d’água. Esse habitat permite um frescor incomparável, cuja brisa lhe chega diferente, marcada pelo farfalhar das árvores, sinfonias de pássaros de toda espécie, atraídos pelo clima agradável.

Assim como a fauna e flora exuberante se acomodam à paisagem nisiaflorestense de Norte a Sul, complementando o cenário paradisíaco, os malassombros encontraram em suas matas abundantes, refúgio ideal para fazer morada. Contam os escribas das coisas fantásticas que os seres inumanos se apetecem dos lugares ermos, das tocas, dos túneis de capim e matas fechadas.

A presente lenda me foi contada em maio de 1992, pela senhora Maria Lidônea. Segundo ela, o malassombro lhes apareceu numa época em que a energia elétrica do centro da cidade era encerrada às nove horas da noite. Daí por diante os candeeiros e lampiões assumiam a função de esparramar luz, mesmo que amarela e acanhada, sobre as casas. Algumas vezes, ela e marido se demoravam até a noitinha no roçado próximo das instalações da mata que atualmente é o IBAMA, área conhecida como “Moita”. Era tradição dos agricultores daquele tempo. Muitas vezes alguns se estendiam até às 18h00, quando definitivamente, o sol de fato desaparecia. Até hoje um túnel de árvores praticamente engole a estrada, cujo local permanece ermo e sem moradores nas imediações.

Naquela época a violência era de 'se ouvir falar'. Parecia restrita às grandes metrópoles. Ninguém sabia o que era droga e suas mazelas. Os trabalhadores andavam por todos os lados, à noite, a pé, sem qualquer preocupação. Ninguém mexia no roçado alheio, não havia assaltos, assassinatos, etc. Pelo menos por aqui. Raramente acontecia algo que chocasse a cidade.  

Ela e o marido madrugavam no roçado. Mal os primeiros raios de luz furavam o telhado, às 04h00, eles calçavam o chão de terra batida e se afunilavam ao túnel de árvores velhas, mimetizando-se à paisagem como se tudo fosse suas roupas e suas carnes. Costumavam levar um cantil com água e um bornal com rapadura, farinha, sobras da janta e outras comidas para preparar no roçado. Normalmente complementavam com os frutos do próprio cercado: macaxeira, inhame, fruta pão, coco, jaca, manga, araçá etc. Nos períodos de colheita eles improvisavam fogões a lenha sobre pedras, preparando as iguarias à sombra de uma árvore, ou num barraco de palha improvisado. Era essa a vida que encontraram desde que chegaram ao mundo.

Durante a safra, a família inteira escorria para a Moita, transformando as roças num palco de vida. De longe se ouviam as vozes de outras famílias conversando, envolvidas no mesmo mister. Lá passavam o dia com a enxada nas mãos, 'encamando' os leirões, capinando, queimando coivaras, limpando e tudo mais. N'outra feita adubavam, deitavam as mudas, molhavam, enfim eram tantos afazeres que quando 'davam fé' o dia se retirara sorrateiro e sem despedidas.

A maioria deles voltava para casa depois das cinco horas da tarde, quando a velha estrada mais parecia um cortejo carnavalesco, pincelada de papangus carregando sacos nas costas, foices e enxadas. Momento que contavam causos do arco da velha, cujas risadas rasgavam as matas. As crianças corriam lá e cá, montadas em palhas de coqueiros feito cavalos, brincando de tica, saltando, gritando, os pais dando carão de vez em quando... Outros agricultores se demoravam mais, entretidos, conversando com a roça, alinhavando começos para o dia seguinte. Retornavam sob o manto da escuridão. Naquele tempo toda a área que perpassa a Moita até o Monte Hermínio era um breu, retinto como panelas queimadas a lenha. “A gente caminhava meio cega, e chegava em casa pelo instinto”, nas palavras da senhora Lidônea.

Certa vez, ela e o marido voltavam para casa. Estava escuro como sempre e eles caminhavam naturalmente. De repente viram um clarão na mata. "Era uma espécie de explosão de luz… um facho enorme, mas não fazia nenhuma zuada", explicou a narradora. O casal pensou que era alguém queimando coivara e não deu importância. Sem maiores preocupações eles seguiram a passos lentos. De repente, numa fração de segundo notaram um clarão menor logo atrás deles. Não ouviram vozes e não viram pessoas. Era somente uma luz forte seguindo-os atrás.

De repente a bola de fogo passou por eles numa velocidade de flecha e 'ziguezagueou' na mata. A partir daí eles sentiram medo, pois conheciam a história do “Fogo Batatão”, contada por seus antepassados. “É o Fogo Batatão”, gritaram, disparando para casa. Mas quanto mais alargavam os passos, mais a bola de fogo se aproximava. Algumas vezes ela fazia movimentos desconcertantes: subia, descia, retrocedia, se aproximava. De repente se apresentava muito à frente deles. “Então, ao invés da gente fazer carreira pra a cidade, a gente corria ainda mais pra trás, pra onde tinha saído… se a gente fosse pra frente, ia dá no malassombro...”, explicou dona Lidônea.

O “Fogo Batatão” causou desespero. Para eles era um monstro de fogo tentando queimar a pessoa. “Teve uma hora que ele passou por mim que eu senti como se uma fogueira quisesse me abraçar”. Era impossível se desvencilhar do fenômeno. A única alternativa era correr em direção à cidade, “mesmo que o danado do bicho se apresentasse lá na frente”. Num dado momento o fogo se despedaçou, deixando a estrada como um rio de fogo. O casal saltou para a mata. O fogo apareceu atrás deles. “Foi mais ou menos meia hora de lida com aquele malassombro triste… o coração saltava pela boca, a gente já tava ficando louco”. De repente notaram que se aproximavam de alguns pontos de luz. Eram os candeeiros e lampiões das casas, pois já estavam na altura do Monte Hermínio.

Depois de uma longa carreira chegaram em casa, 'esbaforidos' e com o coração disparado. Os familiares ficaram surpresos com a fisionomia pálida do casal, que contou sobre o ocorrido, supondo ser o “Fogo Batatão”. Uma senhora de 95 anos, vizinha da casa, ouviu a história e saltou-se com essa: "sim, é o Fogo Batatão, não faz maldade a ninguém!". Todos rodearam a velha, a qual contou que aquilo era uma 'visagem' que aparecia para qualquer pessoa sempre naquele horário, sem ferir ninguém.

Preocupado, o casal passou a ouvir minuciosamente os fatos narrados pela velha senhora, que inclusive tivera experiência igual por algumas vezes. Ela os acalmou e disse-lhes que o avô dela havia contado que se eles não quisessem presenciar o fenômeno não voltassem mais naquele horário. Deveriam retornar antes de o sol se pôr. Mas se por acaso o “Fogo Batatão” aparecesse em outro lugar, era só andar ligeiro, mas sem olhar para ele, então o malassombro perderia força e desaparecia naturalmente. A própria velha havia feito isso no passado, quando criança, acompanhada pelo avô dela.

Mas como os encantos de um roçado são incomparavelmente superiores a qualquer outra coisa, logo esqueceram a recomendação da velha. Certo dia, retornando já com a noite debruçada sobre eles, reviveram o fenômeno do então "Fogo Batatão". Tudo que eles fizeram foi andar mais rápido, sem olhar para o malassombro, pois palavra de pessoa idosa – naquela época – era mais valiosa que pepitas de ouro. Então eles seguiram à risca o conselho e chegaram em casa em paz, pois o “Fogo Batatão” só quer brincar, sem saber que assusta, e quem não quer corresponder com a brincadeira, é só não se assustar e seguir como se nada visse, explicou dona Lidônea, que ouvira a explicação da dita velha.

O "Fogo Batatão" apareceu mais duas vezes, mas o casal o ignorava. Então nunca mais ele reapareceu. A velha explicou que “se a pessoa fizer bastante pouco caso dele, ele vai embora para sempre, e procura outro lugar”. E assim continuaram naquela vidinha pacata do roçado, embalada por inúmeras colheitas até a velhice. Dizem que até hoje o "Fogo Batatão" aparece muito em lugares com estradas ermas e envoltas de mata, como por exemplo, a estrada para o Pium, mas poucas pessoas relatam a aparição. Certamente o fenômeno da luz elétrica ofuscou o brilho do tão assustador "Fogo Batatão". L.C.Freire, maio/1992).

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Pandemia nos meus 101 anos de idade

 Vivi duas pandemias


Nasci durante a gripe espanhola, em 1920, quando essa peste ainda comia o povo dois anos após desembarcar em nosso país. Cresci ouvindo mamãe contar sobre essa doença fatal que se desabotoou no mundo em 1918. Muita gente se encantou em Mipibu e região, mas fui uma das vidas cuja peste não se engraçou. Sobrei. Era menina franzina, branquela, sem graça, creio que assustei o vírus. Escapei.
 
Particularmente não pude saber por mim como foi esse tempo, pois minha vida se inaugurava. O que soube se deu através de histórias escutadas a partir dos meus oito a dez anos de idade. Sempre alguém se lembrava da gripe espanhola. Cada história mais triste que a outra. Famílias inteiras morreram. Crianças perderam os pais. Pais perderam os filhos. A peste fez da Terra a morada do medo e da morte.
 
Mamãe contava que o povo vivia escondido igual fazem hoje. Os doentes eram levados para locais retirados, onde as autoridades mandaram fazer barracos de palha para abrigá-los longe dos sãos. Ali se desencantavam e eram enterrados nas proximidades. E toda roupa de cama virava cinza ali mesmo. Há muitos cemitérios espalhados nas matas, sobras desse tempo horroroso.
 

 
Nunca imaginei que cem anos depois seria testemunha ocular de outra peste. Por mais que eu saiba que a gripe espanhola foi uma inquisição, para mim essa Pandemia é pior. Não me contaminei, mas estou acometida de solidão solitária. Velhice, por si é sinônimo de solidão, mas no contexto atual é torturante. Não sei por qual razão viver tanto. Muitos dos meus filhos já se encantaram. É indescritível depositar na terra quem saiu de dentro de você, quem você nanou e depositou num berço quentinho de vida e amor. Não me preparei para enterrar filhos. A lei natural ensina que eles nos enterrariam, mas precisei ir ao cemitério algumas vezes. É como puxar um gato para dentro da água. O mundo escurece. A boca amarga. Seu andar fica ataxico. O odor florivela empregna as narinas durante meses.
 
A Pandemia está sendo meio morrer de solidão. Os cientistas orientam uma espécie de resguardo. Eu já vivia toda abotoada na minha velhice, mas podia sentir o calor diário dos filhos que me sobraram, podia ver os netos, noras, genros esparramados casa adentro, como gatos. Mesa farta, conversas, casa cheia de vida. A peste os expulsou, pois tornei-me suscetível. Se não fosse os livros, as revistas, estaria vegetando. Mas até isso tem me enjoado. Até o alimento tem um desgosto, ao invés de ser um dos prazeres da velhice.
 
Quando mais jovem, eu gostava de solidão para pensar, ouvir as coisas que quase ninguém dá valor. Assim eu percorria o Sítio Araçá, recebendo presentes de Deus, escorridos como água pelo caminho. Eu catava poesia no mato. Mas a solidão, hoje, velha, pandêmica, soa como abandono, mesmo que não o seja, mas que precisa ser. Solidão com Pandemia é um apressamento da morte.
 
Peço a Deus que Ele dê fim à Pandemia, pois se é ruim para um jovem, não queiram saber o que é para um resto de vida, para aqueles que sobraram... Mas uma vez, sobrei. Sobrei diferente. Maria de Lourdes Freire.

 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Ismael Dumangue profetizou o dano à lagoa do Bonfim

 


ISMAEL DUMANGUE PROFETIZOU O DANO À LAGOA DO BONFIM
 
Dizem que a Arte salva. É verdade. Dentre suas inúmeras funções, ela abre mentes, conscientiza, desperta, olhares aguçados, enxerga valores no invisível, destrona algozes, desperta sensos críticos, arranca máscaras, permite o olhar tridimensional sobre os fatos etc.
O músico e compositor potiguar Ismael Dumangue é exemplo claro de um artista visionário. Em 1999, quando arquitetavam a “Adutora Monsenhor Expedito”, ele arquitetou “O destino do Bonfim”, uma composição musical que também previu o dano ambiental que está ocorrendo, hoje, na referida lagoa. Antes, ela era um mar de água doce, hoje, é meio mar morto. As águas jazem acanhadas, não se veem mais aquelas ondas cutucando o batente da porta da cozinha dos ribeirinhos. Suas margens lembram um declive para ‘skidunda’, fenômeno inimaginável. A quantidade de área seca é inimaginável.
Como ontem escrevi um texto contando a história de como se deu a chegada da adutora em Nísia Floresta, hoje reservei essa obra musical de Ismael Dumangue, que tocou nas FM’s comunitárias de Nísia Floresta e São José de Mipibu, mas parece não ter sido ouvida pelas autoridades. Sua mensagem profetizou o dano ambiental, ela instiga olhares pontuais e medidas que deveriam ter sido amarradas antes, como prevenção e controle. Mas a água correu frouxa, como se tirada do oceano. As consequências vieram.
Aprecie, abaixo, a letra visionária, que hoje deve ser o símbolo maior do protesto popular que se manifesta nas proximidades da lagoa do Bonfim, idealizado por Elaine Freitas (líder comunitária) e Marcos Lopes (empresário-Forró da Lua) com considerável participação popular.
 
O DESTINO DO BONFIM (ISMAEL DUMANGUE - 1999)
 
Seu doutor eu não entendo
Me diga quem tem razão
É tamanha a confusão
No boato aí correndo
Todo mundo remoendo
Essa estória do Bonfim
Que é bom que é ruim
Tirar água da lagoa
Dê-me uma resposta boa
Conte tintim por tintim
Dona Nísia é de direito
Sua dona e senhora
Mas seu Mipibu namora
Já casou não tem mais jeito
Não vamos criar despeito
Nem causar mais divisão
Espero que a vazão
Traga paz tranqüilidade
Esborre felicidade
A quem sofre sequidão
Essa lagoa famosa
Do litoral ao sertão
Sai verão entra verão
Não seca e é toda prosa
É a nossa fina rosa
Mãe de tantas por aqui
ESPERO NÃO ECLODIR
NUM IMPACTO AMBIENTAL
PRA SOFRIMENTO GERAL
E AMARGOSO PORVIR
Me desculpe excelência
Eu ousar lhe inquirir
Mas não posso me eximir
Sou arauto da prudência
Do lagar da consciência
Do anseio pelo certo
Por isso versejo aberto
Canto amor a esperança
A correta aliança
O aqui o longe o perto
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(Décima em sete sílabas). OBS. Coloquei em caixa alta a parte mais forte.
 
Pois bem, a letra fala por si, tanto é muito poética quanto forte e esclarecedora. Quisera que as emissoras de rádio comunitária coloquem para tocar com frequência “O destino do Bonfim”, despertando naqueles que se calam, nos omissos e nas próprias autoridades silenciadas, a responsabilidade de se unirem ao povo e buscarem solução. Se calaram por tanto tempo, este é o momento de levantar a voz e salvar a lagoa do Bonfim. Externo os meus parabéns para esse grande poeta Ismael Dumangue, pela contribuição impagável de ter avisado, ter conscientizado, ter gritado e usado a sua poderosa voz, em tempo. A Arte realmente salva. Enquanto Monsenhor Expedito, o “Apóstolo das Águas”, profetizou que todos os lugares secos do estado teriam água um dia, o músico Ismael profetizou que essa água acabaria acaso não a usassem com reservas e regras. Por isso a sua música é o maior símbolo desse momento. A você Ismael Dumangue, com sua alma nobre e boa, com sua Arte profetizante, fica a tarefa de compor uma nova música, garantindo-nos que a majestosa lagoa do Bonfim não se torne “lagoa do Maufim”.

 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O caso da Lagoa do Bonfim - Um testemunho.


 

O CASO ‘LAGOA DO BONFIM' - UM TESTEMUNHO
 
Ultimamente o assunto em voga em Nísia Floresta é o encolhimento da majestosa, lendária e histórica lagoa do Bonfim, nome dado pelos capuchinhos que não gostaram da nomenclatura indígena original, “Puxi”, substituindo-lhe pelo topônimo cristão. Quisera o problema da bela Bonfim ser apenas o desbatizamento do nome indígena. Não é nada comparado ao dano ambiental que ela enfrenta. A julgar pelos pontos de água circunvizinhos que já secaram, e a redução assustadora da própria lagoa - fenômeno jamais visto - caminhamos para uma savanização. Sua diminuição começou sutilmente, a partir de 1999, quando foi instalado ali a Adutora Monsenhor Expedito, em homenagem ao “Apóstolo das Águas”, sacerdote que abraçou a causa da “água para todos”, ao lado de políticos como Aluízio Alves e outros. Instalaram e pronto! As autoridades e o povo esqueceram de acompanhar a reação da lagoa de forma institucionalizada, tornando públicos os resultados. Esqueceram de convocar os interessados para observar e tomar providências. Houve gritos sutis e isolados, mas quem devia agir mesmo, calou-se.
 
Diante desse problema incômodo sinto-me no direito de externar a minha opinião na condição de cidadão comum que participou de uma reunião em 1999 (ou 1998, não me lembro com exatidão, mas foi nesse período), quando convocaram a população para apresentar o projeto da Adutora, ocasião em que estiverem presentes autoridades diversas, em nível de estado e município. O evento se deu na Escola Muncipal Yayá Paiva, onde eu era gestor. Até Garibaldi Alvez estava presente, Promotoria do Meio Ambiente, CAERN, Sind’água, UFRN e alguns vereadores locais. Muitos devem se lembrar da polêmica promotora gaúcha Yádia Gama Maia (ela estava ali).
 
Infelizmente, em termos de “povo”, o número era insignificante. Quase ninguém. Perdoam-me a sinceridade, mas Nísia Floresta tem uma característica: o povo, com as devidas exceções, não participa da vida política de seu município (não me refiro à política partidária, obviamente). Poucas pessoas se atraem para eventos que visualizam o bem comum, o social. Há uma espécie de receio, algo do tipo. Também existe outra característica: grupos políticos anulam pessoas com outras visões. Pessoas  esclarecidas e com visão são postergadas em detrimento de outras que não representam verdadeiramente o povo. E isso emperra o desenvolvimento do município, causando danos iguais a esse. É uma soma de politicagem, omissão popular e descartamento dos cérebros pensantes.
 
Pois bem, nesse evento de 1999 houve um momento em que franquearam a palavra ao povo. Fui um dos que falei. Com certeza os nisisaflorestenses que estavam presentes se lembrarão das palavras abaixo, ditas por mim, naquele dia. Refleti sobre o direito à água e a importância de o povo do seridó e sertão receber o líquido precioso de Nísia Floresta, mas que os nisiaflorestenses tivessem a garantia de que não houvesse dano ambiental, e que os estudiosos e especialistas em recursos hídricos (a Ciência) garantissem isso. Ainda abordei o problema de não ter dado o devido quorum, ou seja, refleti sobre a mínima participação popular, pois estava-se decidindo a vida (água é vida), estava-se decidindo o futuro de um manancial sagrado. A segunda maior lagoa do Brasil. Perguntei sobre a importância da contrapartida, já que a CAERN ganharia milhões com as águas de Nísia Floresta. O QUE OS NISIAFLORESTENSES RECEBERIAM COMO CONTRAPARTIDA POR ESTAREM OFERECENDO - GRATUITAMENTE - A MAIOR RIQUEZA DE UM POVO: A ÁGUA? Discorri sobre o fato de a CAERN RETIRAR GRATUITAMENTE ÁGUA DA LAGOA DO BONFIM, e ter a obrigação de oferecer algum benefício ao município, uma espécie de “roallytes” do petróleo (mas, nesse caso, da água), que construíssem um teatro, ou financiassem um projeto cultural permanente, ou uma cobrança simbólica de água, já que o município daria de beber a muitos municípios. Lembro-me, com nitidez, das minhas palavras. Até brinquei, ao encerrar, dizendo que os nisiaflorestenses precisavam ter a certeza de que a “serpente encantada da lagoa do Bonfim” não ficaria sem moradia. Todos sabem que o imaginário popular narra que nas profundezas da lagoa vive uma gigantesca cobra. Um senhor idoso me contou, em 1992, que “na época que Nosso Senhor Jesus Cristo andava na terra, a cabeça da cobra ficava na altura de onde é hoje a igreja de Mipibu, e a cauda findava nas proximidades da lagoa Papari, e sua grossura (diâmetro) era de quatro troncos de coqueiro” (vide: https://nisiaflorestaporluiscarlosfreire.blogspot.com/2020/08/lenda-da-lagoa-do-bonfim.html Óbvio que eu não contei a lenda, apenas alertei sobre a cobra perder sua casa, se a lagoa secasse... 😂
 
Pois bem, a minha fala com certeza traduziu o pensamento de muitos, mas, enfim, essa foi a reflexão. Assim que concluí, me dirigi ao meu assento, lembro-me de caras entortadas de algumas pessoas, principalmente autoridades que se mostraram desconfortáveis com minhas reflexões (inclusive de Nísia Floresta!). Com certeza não gostaram do forasteiro “falando o que não devia”. É comum em alguns municípios brasileiros “molhar as mãos” de autoridades e lideranças para que elas facilitem projetos de interesse de estado e afins. Não estou insinuando que isso tenha acontecido, mas fiquei admirado com a anuência de quem estava ali, como se a adutora estivesse trazendo incontáveis benefícios para Nísia Floresta. O povão não parecia muito bem representado naquele delicado empreendimento.  Então a minha fala, de fato, gerou muito desconforto, embora ditas com muito respeito e diplomacia.
 
Essa história da lagoa do Bonfim, reforça a certeza de o quanto as pessoas devem buscar e defender os seus direitos HOJE/AGORA, pois se demorar muito pode ser tarde. TENHAM CERTEZA DE QUE NÃO É TARDE PARA SALVAR A LAGOA, MAS É NECESSÁRIO UM RACIONAMENTO URGENTE! Quem está lá no sertão ou seridó nem está sabendo do que está acontecendo aqui. Os sertanejos e seridoenses querem mais é a água boa do Bonfim. Mas eles devem ser levados ao pensar. Desse modo a CAERN, o SIND’água, o Governo do Estado, o Ministério do Meio Ambiente, a UFRN e outros órgãos precisam ser mais holísticos com esse tema. É necessária uma união envolvendo todos os municípios beneficiados. Todos devem saber sobre esse DANO AMBIENTAL na palma da mão e RACIONAR A VAZÃO DE ÁGUA PRA ONTEM.
 
Longe de propor o corte no fornecimento de água para nossos irmãos. Isso é incogitável, pois precisamos nos colocar no lugar de quem não tinha água antes. O delicado da questão é que hoje eles têm água abundante e podem muito bem adotar outra política de uso (e reuso). Sabe-se que antes eles não tinham nem sistema hidráulico dentro de casa. Tudo era na base de cuias e potes. Hoje tem tal qual nós, litorâneos. Mas quando essa água sai da lagoa do Bonfim para encher piscinas, servir bicas para festinhas, lavar calçadas e muros com compressor, ser desperdiçada ou mal utilizada, a história é outra. É aí que entra a CAERN e a UFRN no aspecto de elaborar cartilhas orientadoras e realizar seminários e reuniões frequentes nos municípios beneficiados por Nísia Floresta. Usar todas as mídias. Se eu posso usar a água do banho para molhar o pé de mamão ou o jardim, lavar a calçada, o terraço etc, por que vou usar água potável? Se costumo plantar mil hectares de agricultura e molhar com água potável, está na hora de eu reduzir a minha área agricultável. Está num momento crítico. A própria CAERN de cada município beneficiado deve fiscalizar esse racionamento. O momento pede isso. Se não for oferecido à lagoa o direito de ela se recompor, se ela não respirar, teremos a maior tragédia ambiental do estado para os próximos 50 anos (pesquisem sobre lagos e lagunas que secaram para sempre em alguns países da África, por exemplo). De onde só se tira e não se põe, tudo se acaba. A quantidade de águas pluviais na região que circunda a lagoa do Bonfim é incomparável a quantidade de metros cúbicos de água que sai por segundos através da Adutora. Observem que não temos rios superficiais desembocando no Bonfim.
 
Aproveito para reforçar um grito que lanço desde 2009, e que as autoridades e povo (salvas raras exceções, diga-se de passagem), seguem moucas, como se não ouvissem. Refiro-me ao rio Mipibu, altura da entrada do "Engenho Mipibu”, no ponto onde uma galeria desemboca ali milhares de litros de dejetos (incluindo esgoto) diariamente, SILENCIOSAMENTE, INVISIVELMENTE. Essa água escorre até a lagoa Papari, a segunda maior lagoa de Nísia Floresta. Quando propus ao povo nisiaflorestense, juntamente com um grupo de amigos, discutir o problema com seriedade, provocando as autoridades a tomar providências, os mais interessados ficaram em casa, muito embora a convocação foi feita na emissora de rádio local, nos carros de som e etc. Foi igualzinho quando fizeram a convocação para repensarem a instalação da Adutora Monsenhor Expedito. TEMOS QUE PENSAR ANTES, PENSAR DEPOIS FICA MAIS DIFÍCIL. Lembrem que esse é outro assunto, mas é sério demais. A Lagoa Papari está sendo morta lentamente. Lembrem que o trecho do rio Tietê que passa por SP não virou uma fossa do dia para a noite. A micro flora e micro fauna aquática da lagoa Papari não resistirão muito tempo recebendo dejetos. E o que será dos peixes, caranguejos e camarões? Lembre-se que no passado ela já foi berço de Pitus. Onde estão os Pitus? CABE ÀS AUTORIDADES DE AMBOS OS MUNICÍPIOS SE UNIREM, CONSTRUÍREM UMA LAGOA DE CAPTAÇÃO DEFRONTE AO ENGENHO MORGADO PARA QUE DEPOIS DE TRATAREM A ÁGUA, ELA POSSA SER DESPEJADA - LIMPA - NO RIO MIPIBU E ASSIM ESCORRE PARA A LAGOA PAPARI. PENSEM AGORA!
 
Enfim… retomando sobre a lagoa do Bonfim, diante das consequências, o povo de Nísia Floresta parece ter entendido agora a mensagem que a natureza transmitiu. Ela é sábia. Mas tenham certeza de um detalhe: o racionamento é para ontem. A CAERN deve agir com urgência. Todos devem agir com urgência. Se praticarem o racionamento todos os lados terão um final feliz. Esse racionamento é tarefa científica. A UFRN tem todas as condições de responder ao povo. OS NISIAFLORESTENSES DEVEM SE UNIR E SEGUIREM FIRMES. QUAL VEREADOR ENCABEÇOU ISSO? QUAL A POSIÇÃO DO EXECUTIVO MUNICIPAL? TODOS PRECISAM ANDAR DE MÃOS DADAS NESSE PROJETO. É PARA ONTEM. NÃO ESPEREM PARA VER A COBRA DO BONFIM! LUÍS CARLOS FREIRE.
 
OBSERVAÇÃO: Eu já havia publicado este texto quando tomei conhecimento de que "Elaine Freitas", líder comunitária, organizou um protesto nas proximidades da referida Adutora, e que o empresário Marcos Lopes (Forró da Lua) vem tomando várias medidas. Externo a vocês meus mais sinceros parabéns pelo gesto nobre. Aproveito para agradecer ao jornalista José Alves por ter solicitado este texto. Cada um deve fazer a sua parte!

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Camurupim no passado


CAMURUPIM NO PASSADO

A praia de Camurupim é uma extensão de Papari. A história é testemunha que nenhuma outra praia se fez mais presente na vida dos nativos do que esse pedacinho tão amado do litoral potiguar.  Os velhos alfarrábios dão conta que o lugar é habitado desde o século XVI, quando Joan Lustau Navarro residia por ali em 1645 (a história dele você encontra neste blog). Naquele tempo havia portos rusticamente feitos para embarque e desembarque, onde comboiadores holandeses embarcavam mercadorias para Recife. O topônimo vem de um peixe teleósteo, espôndilo, da família dos elópideos, de coloração prateada, escamas grandes, brilhantes, e com um segmento prateado, conforme contam os manuais de piscicultura.


Há muitos anos a Barra de Camurupim foi fechada pelas dunas devido à ação dos ventos. O fenômeno impediu que o rio desaguasse no mar, formando uma imensa barragem. Do dia para noite o local se transformou num viveiro natural, permeado de camarões, peixes, lagostas e outros animais marinhos de pesca. Foi necessário que o governo do estado mandasse homens para reabrir a desembocadura e tudo voltou ao normal. Até hoje se percebe a invasão das dunas, principalmente nos locais ainda não construídos. Hoje o local virou uma cidade se comparado ao passado. Sobre esse episódio o músico Luiz Antonio escreveu:  “rio, caminho que anda, o mar te espera. Não corras assim. Tens a mania doente de andar só pra frente. Não voltas jamais”.

Em meados do século XX, uma formação natural passou a ser chamada de “pedra oca”, espécie de caverna sob as pedras dos arrecifes. O local começou a despertar a curiosidade dos nativos, pois a galeria era incomparavelmente mais ampla que hoje. Era possível ficar em pé, estender o braço ao teto sem tocá-lo, conforme contou-me o Sr.
Ulisses Monteiro de Santana, nativo dessa praia.  Ali surgiu uma população primitivamente dedicada à pesca. A partir de 1960 Camurupim começou a ter pequenas casinhas de palha. As famílias de melhores condições arriscaram erguer casas de taipa, onde passavam meses. De maneira muito acanhada, esse foi o perfil dos veranistas daquele tempo. Todos de Nísia Floresta. O alimento principal era o peixe pescado na porta de casa.


A imagem feita em drone permite ver panoramicamente a bela enseada (Fotografia: Fernando Chiriboga).

A professora Niseuda Maria do Nascimento contou-me que, quando criança, ia com os pais, irmãos e primos sob lombos de jumentos. Como ela era a caçula naquele tempo, ia dentro de um caçoá, espécie de cesto de cipó. De um lado ia ela, de outro ia o caçoá com compras. Lentamente iam vencendo as dunas e veredas. Ela detalhou que certa vez o caçoá que a conduzia se desprendeu do animal e rolou ladeira abaixo, indo parar no tronco de uma árvore, onde ela desmaiou devido à pancada. No meio de incidentes e alegrias, todos têm algo a contar deste tempo que mais parece uma poesia. Não há quem não se lembe desse tempo com emoção.

Camurupim foi presenteada pela natureza como uma extensa enseada que dá um charme especial ao local. Suas águas, calmas, formam uma piscina colossal durante a maré baixa. Quando a maré está enchendo ou esvaziando, surgem deliciosas piscinas naturais. Entre a faixa de areia e o mar se estende um quilométrico tapete de rochas eruptivas que atraem turistas e nativos, ansiosos para apreciar o mar de perto e fotografar. Alguns trechos são perigosos, pois lembram navalhas de pedras. Há registros de nativos que trazem o corpo repleto de cicatrizes, tendo ali escorregado ou sido derrubado por ondas bravias durante um período denominado de "ressaca". Durante à noite é comum ver nativos “fachiando” (no dicionário regional neste mesmo blog você encontra a explicação sobre essa tradição).

A capela de São Geraldo, na altura da estrada para a lagoa Arituba, foi construída em 1988 em terreno doado pelo senhor Ulisses Monteiro de Santana, inaugurada pelo então diácono João Batista Chaves da Rocha. O ponto turístico mais famoso é a caverna granítica chamada de “pedra oca”. Reza a lenda que, durante a maré baixa, os casais devem atravessar de mãos dadas o seu interior até chegar do outro lado, próximos ao mar. Desse modo o casal receberá as bençãos de Iemanjá. O trecho de arrecifes é marcado pela lenda do “Monstro de Camurupim”, a mim contada pelas senhoras Nathália Gomes e Margarida Carão, mãe e filha, respectivamente (a lenda pode ser lida neste mesmo blog). 

Inúmeras cachoeiras naturais se formam quando a maré está enchendo ou baixando. (Fotografia: Fernando Chiriboga).

Dona Margarida também contou-me que certa vez presenciou uma cena que a marcou muito. Alguns rapazes que não conheciam a região entraram de caiaque pela “Boca da Barra” durante a maré alta. Pouco tempo depois entraram em desespero. Conforme as ondas rebentavam, jogavam os caiaques sobre os arrecifes. Os jovens gritavam por socorro, mas não havia como socorrê-los devido à força descomunal das ondas. Dona Margarida detalha que muitos nativos, dentre ela, subiram nos arrecifes, desesperados, tentando pensar numa forma de ajudá-los, mas a cada quebrada de onda, os caiaques batiam nas pedras, apareciam e desapareciam, até que não foram mais vistos. Seus corpos foram encontrados muito tempo depois em Barra de Cunhaú.


“Boca da Barra” é um acidente geográfico provocado pela força de dinamites. É um vão de aproximadamente trinta metros de arrecifes que voaram pelos ares na década de 50. O local tornou o mar aberto, onde já ocorreram muitos afogamentos, embora - inacreditavelmente - só lembram de placa sinalizadora quando morre mais um. Foi ali que também ocorreu um fato muito curioso com uma freira. A congregação veio fazer retiro durante o carnaval, numa época que a praia não era muito povoada. Ela sabia nadar e entrou na Boca da Barra, mas a corrente a levou para o auto-mar. De longe se viam a freira boiando com o rosto para cima. Conforme as horas passavam, mais distante ela ficava. Logo apareceu um famoso personagem local - por nome de "Gabi" - que entrava no mar como se peixe fosse. Ele nadou no braço até o local onde a freira estava e a trouxe vagarosamente, pois conhecia o fluxo das correntes na palma da mão. Assim a freira foi salva. Perguntada sobre o fato, ela explicou que durante todo o tempo apenas rezou, pois sabia que alguém a estava vendo e providenciaria socorro. Isso foi um exemplo de autocontrole.

Camurupim é amor antigo dos nativos, desde a época em que se iam ao lombo dos jumentos, rasgando veredas, desafiando as dunas e garrancheiras. Famílias inteiras empreendiam essas viagens épicas, levando nos cestos toda sorte de alimentos: farinha, rapadura, macaxeira, café, batata doce, fruta-pão, inhame, banana, laranja, carne-de sol, miunça de feira. As garrafas de Pitú ou a famosa “cabumba” do Timbó iam escondidas das crianças.

Cada um levava a feira da temporada. Peixe tinha de sobra. Eles também apanhavam aratu, ouriço, lagosta e caranguejo. Quem fazia o controle rigoroso dos almoços e jantares era a matrona, sempre sábia na partilha. Pobre a rico se juntavam nesse vavavu que fazia a alegria da meninada. Era época de se fartar de peixe, pegos quase nas mãos pela abundância. Boldo não faltava, em caso de empanzinamento, aliás, ninguém se esquecia das meizinhas.

De acordo com depoimentos da professora Ana Maria Barros de Carvalho, as casinhas de taipa ou palha emolduravam a língua de areia branca, distando poucos metros umas das outras. As fogueiras alumiavam as noites escuras e estreladas, ardendo até altas horas, circundadas pelas famílias que eram felizes e não sabiam. Outrora, os “luais” inesquecíveis se encarregavam de trazer uma luz cheia de feitiços.

Os mais velhos embalavam essas noites mágicas com incontáveis histórias de “trancoso”, levando muito menino a dormir cheio de fantasias e medos. O silêncio da noite era quebrado quando em vez pelos evangélicos que – na famosa “Rua dos Crentes”, entoavam as canções da Harpa Cristã. Os coqueirais sem fim se encarregavam de dar a paisagem um tom de cartão postal. Imagens e histórias de rara beleza, engolidas pela urbanidade.

Curiosamente, o grande movimento de Camurupim se dava durante o Carnaval. Era assim o “carnaval” antigo da Praia de Camurupim, a 46 km de Natal/RN. Assim me contou dona Leonísia Rodrigues Santana (in memorian), aos 90 anos, avó de Lurdinha Lemos, portanto registro como verdade e dou fé.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O menino do tonel

 


O CASO DO MENINO PRESO NUM  TAMBOR EM CAMPINAS/SP

O personagem “Chaves” mora num tonel de madeira, mas isso só é engraçado no programa de humor. Fora disso, é inadmissível. Ontem me impressionei quando a polícia militar chegou numa casa, em Campinas/SP, e encontrou uma criança que “morava” dentro de um tambor de metal coberto por telhas Eternit. Trazia os pulsos e os pés amarrados com arame. Uma espécie de cativeiro quente como o inferno. Aliás, o inferno é isso.

A criança, de 9 anos, aparenta ter um atraso intelectual, embora tenha conversado com certa normalidade com os policiais. Ela pediu comida e água. Disse que os outros irmãos tinham uma vida normal. O tambor era pútrido, pois o “cômodo” era banheiro também. O calor era insuportável, mas a criança parecia resignada, não gritava, não pedia socorro, vegetava - ou morria - em silêncio.

O autor dessa monstruosidade era o próprio pai, que vivia com uma jovem mulher, madrasta da criança cativa, cúmplice, que endossava a maldade com requintes complementares de maldade. Demorava a dar água e comida para o pobre menino. Aliás, fornecia quando queria, enquanto a sua casa contava com ventiladores, gamela cheia de frutas, geladeira com água e tudo mais. Uma casa simples, mas confortável. Às vezes o pequeno infeliz passava cinco dias sem comer. Recebia apenas pequenos goles d'água. O banho era com água sanitária, que servia para “desinfectar” a criança e sua "moradia".

Quando indagada, a madrasta alegou que a criança dava trabalho. Claro! Se uma criança que não tem problemas dá trabalho, é óbvio que a criança especial também o faz. Mas onde fica o humanismo? Onde fica o amor? Onde fica a compaixão e os sentimentos de piedade? Por que o casal não procurou os órgão públicos para tratar da criança? Há uma cadeia de instituições competentes para tratar de crianças especiais. Nada justifica o que esses psicopatas fizeram.

Assisti o depoimento do presidente do Conselho Tutelar, mas percebe-se que ele falava e não dizia. Era controverso, contraditório. Saia pelas tangentes. Absolutamente preso a questões protocolares, valendo-se de uma linguagem técnica, enfim, teatralizou o máximo para tentar se desvencilhar dos jornalistas. Mas não é necessário ser psicólogo para captar a verdade contida naquelas palavras que aparentemente não diziam. Mesmo com tanta enrolação percebe-se que ele sabia de tudo. Ele tinha conhecimento de que em Campinas existia uma única casa de todo o planeta Terra onde um menino morava no tonel de Chaves. Um indivíduo desse deveria ser responsabilizado por conivência. Ele não cumpriu o seu papel. Nem profissional nem humano.

A leitura que faço desse casal de psicopatas é que eles estavam matando a criança lentamente. Ela trazia os pezinhos inchados de tanto ficar em pé. Não conseguia se demorar de cócoras por causa dos gases que se formavam debaixo de seus pés, fruto da mistura de fezes e urina, sem contar a temperatura do tambor encostando em suas costas. É indescritível o sofrimento desse menino. Pior o silêncio causado por sua incapacidade de defesa. Ele encarava aquilo como uma espécie de “parte de sua vida”, como se fosse normal.

Há uma mistura de responsabilidades: pai, madrasta, a mãe da madrasta (que também sabia) e o Conselho Tutelar. Se eu pertencesse ao Conselho Tutelar, seria o primeiro a denunciar direto na Promotoria da Infância e na Polícia Militar, não ficaria aguardando protocolos. Iria até a casa dos promotores de justiça Se fosse necessário. Por que esse rapaz não fez isso? Ele sabia que na casa acontecia um ato criminoso. Por que ficou do lado da cumplicidade? O silêncio do Conselho Tutelar, a conivência da madrasta e a monstruosidade do pai biológico somam uma monstruosidade que nunca imaginei que pudesse existir. Tenham certeza absoluta que o problema dessa criança se agravou. Esse trauma se estenderá durante anos. Ele se definhou. O corpinho esquelético lembra judeus num Campo de Concentração nazista.

Tenho a impressão de que o pai e a madrasta, diferente do que fez a bruxa do conto infantil João e Maria, que os empanturrava de comida para engordá-los, eles negavam até água para vê-lo definhar até morrer. Depois eles desceriam o tambor com o corpo quase sem peso, e o enterraria em alguma mata, alegando que o menino sumiu, acaso alguém perguntasse.

Confesso que tenho me policiado para não comentar uma série de casos absurdos que tenho visto. O Mundo está cheio de horror. Mas parece que injustiças feitas a crianças e idosos me tocam mais por suas fragilidades. Imagine uma criança especial como esse garoto. Esse caso me impressionou muito. Fico pensando sobre outros casos escabrosos que devem existir por esse Brasil e a gente não sabe.

A mensagem que eu absorvo desse fato é que precisamos ficar atentos e denunciar tudo aquilo que tomamos conhecimento. Não devemos esperar nem pelo Conselho Tutelar, muito embora não se generaliza. Os números de telefone da Polícia Militar, da Polícia Civil, da Delegacia da Mulher, do Conselho de Defesa dos Idosos, enfim são muitos contatos telefônicos disponíveis para denúncia. Por outro lado podemos também denunciar por escrito, ir pessoalmente aos órgãos e pedir que nossa identidade não seja revelada.

A pessoa que sabe de qualquer crime e fica em silêncio é uma espécie de criminosa. Talvez pior pelo silêncio. Acredito que a oração da denúncia feita sobre o caso desse menino, é superior àquelas orações barulhentas feitas dentro de algumas igrejas, ou aquelas rezas decoradas que não levam ninguém a nada. Denunciar é orar, é nos aproximar do amor e da justiça. É sermos humanos. Ninguém merece morar num tonel, mas seria bom que o pai, a madrasta, a sogra e o presidente do Conselho Tutelar experimentassem o mesmo cativeiro que proporcionaram à criança, cada um com sua parcela de responsabilidade.

É urgente em todo o Brasil se fazer um estudo deste caso com a participação de todos os conselhos tutelares para compreender o funcionamento do sistema, além de outras unidades como Creas, CRAS, Disque 100 promotoria, Conselho de Idosos, igrejas, líderes comunitários, secretarias municipais e estaduais de saúde, assistência social etc. Daria um excelente seminário sobre o fluxo em rede. Neste exato momento há uma pessoa sofrendo algo nas mãos de um psicopata dessa espécie. Pode ser uma criança, um idoso, deficiente mental enfim... Não há como um vizinho não perceber, sentir, ouvir... Embora não se pode generalizar, o caso dessa criança do tonel teve a cumplicidade do Conselho Tutelar.

 

Felipe Neto e Machado de Assis

 

FELIPE NETO E MACHADO DE ASSIS

A poucos dias um jovem escritor por nome de Felipe Neto provocou uma série de discussões nas redes sociais, quando escreveu em seu twitter que “forçar adolescentes a lerem romantismo e realismo brasileiro é desserviço das escolas para a literatura. Álvares de Azevedo e Machado de Assis não são para adolescentes, e forçar isso gera adolescentes que acham isso um saco”.

Na semana passada, coincidentemente, reli duas obras do naturalismo, "O Mulato" e "O Homem", ambas de Aluízio de Azevedo (não é parente de Álvares). Precisei ler para depois ler uma obra pautada nesses dois romances. Confesso que o Mulato tem, de certo modo, umas partes chatas, até porque não é a melhor obra do autor. Me refiro a uns trechos que parecem mais um ‘enchimento de linguiça’. Algo passável, desnecessário ao enredo. Já n’O Homem não existe o ‘enchimento de linguiça’. A leitura não toma desvios, mas ambas as obras são maravilhosas.

Reaprendi muito com essa revisita, encontrei inspirações, dei-me com peculiaridades que a minha imaturidade não tinha percebido na primeira leitura, quando adolescente. Literatura é isso. Nem sempre uma obra é agradável em seus preâmbulos, cansa no meio, ou nos decepciona no final. Já outras, você não quer parar de ler. Não quer que chegue ao final logo devido a uma série de fatores que só entende quem gosta de ler. Na realidade, são tantos quesitos que devem ser levados em consideração numa leitura, que apedrejar obras clássicas sem análise de grandes cientistas da literatura parece meio alienado.

As colocações de Felipe Neto refletem obviamente a opinião dele e de mais algumas pessoas, mas isso jamais deve ser interpretado como uma sentença ou regra. Suas colocações dão a impressão de que toda escola força a leitura de Machado de Assis, Álvares de Azevedo etc, e que isso é um desserviço. Mas as escolas forçam ou sugerem?

Espero não estar enganado, mas creio que ele não está pedindo que não se leia Machado de Assis, afinal ele está se referindo ao nosso Goethe, o nosso Camões do Brasil. A propósito, nos países chamados de primeiro mundo as leituras dos clássicos e principalmente de seus monstros literários são bens intransferíveis. Ninguém os troca pelas obras de J. K. Rowling, embora também os leem sem problema algum.

Quando ele diz que Machado de Assis e Àlvares de Azevedo (Naturalismo e Romantismo) não são para adolescentes - de maneira solta, sem esclarecimentos - deixa uma lacuna incompreensível. Ele dá a entender que só o adulto saberia interpretar tais obras clássicas. Na realidade, qualquer pessoa sem o hábito da leitura terá algumas dificuldades para interpretá-las, seja na adolescência ou na fase adulta, mas não é regra. É aí que entra o professor para dar suporte e articular os caminhos para que aquela “obra chata” seja desvendada. Quando lemos, temos que mergulhar em contextos diversos.

Entendo que ler literatura considerada de qualidade inferior não seja um problema, desde que o leitor não se limite a elas eternamente. Toda leitura é um aprendizado. Particularmente cresci mergulhado nos famosos contos dos Irmãos Grimm, Perraut, Andersen, Esopo, Lobato, depois saltei para Mark Twain, James Barrie (tudo isso pincelado por gibis: histórias em quadrinhos… era fascinado por Bolinha!). Li muito Mad Max e Depois saltei para Adelaide Carraro (O Estudante… quem não leu e sofreu?!), O Ubirajara, O Guarani, Iracema, Fogo Morto, Usina, Vidas Secas… Li muitos as revistas Capricho, Amiga, Ilusão, Sétimo Céu, Grande Hotel (eram de fotonovelas… minha irmã comprava, guardava todas como quem guarda ouro, e eu lia… adorava!). Li muito as coleções Readers D'igest, as revistas jornalísticas O Cruzeiro, Manchete, Realidade, enfim, fui crescendo e lendo livros que eu mesmo escolhia. Li até a proibidíssima Cassandra Rios, enfim li tudo quanto era livro, com destaque para os clássicos da literatura brasileira e universal.

A leitura, para mim, sempre foi uma necessidade. Algo prazeroso. Nunca entendi a leitura como uma coisa matemática, que tem que contar os minutos, ler tantos livros por mês como uma competição, obrigação etc. Isso para mim mata a beleza e o prazer da leitura. Confesso que não reclamo dos livros recomendados pelos professores do “Ginasial”, inclusive Machado de Assis, pois a minha infância e juventude aconteceram no período da Ditadura Militar, além de ter tido um pai muito rigoroso (que não era militar), mas adepto de uma educação sistemática, rígida, antiga.

A recomendação dos meus professores até podia ser entendida como leitura obrigatória devido ao currículo escolar, então não sobrou espaço para que eu pensasse que aquilo era uma imposição, algo obrigado. Não estou dizendo que a obrigação da leitura fosse uma ação da Ditadura Militar (eles nunca se importaram com leitura nem leitores), refiro-me à coincidência do período em que os militares comandavam o Brasil com seu autoritarismo, e eu-menino dentro disso. A leitura obrigatória dos clássicos brasileiros é fruto de uma grade curricular, assim como é obrigatória, na Espanha, que se conheça com profundidade Cervantes dentre outros.

Pesquisando sobre Felipe Neto, encontrei na internet o seguinte: “Felipe Neto Rodrigues Vieira, mais conhecido por Felipe Neto, é um youtuber, empresário, ator, comediante, escritor e filantropo brasileiro. É conhecido por ter um dos maiores canais brasileiros do YouTube, com 41 milhões de inscritos e mais de onze bilhões de visualizações acumuladas. Wikipédia”. Isso posto, vê-se que esse rapaz também é escritor. Nunca li suas obras, portanto não posso escrever com propriedade sobre os seus escritos, mas suponho que seja essa literatura bem leve, talvez bem juvenil, talvez cheia dessas gírias, enfim suponho que ele possa agradar muitos jovens.

Não condeno esse tipo de literatura, pois fui um menino que leu tudo o que tinha letras, até bulas de remédio e rótulos de produtos industrializados (olha, isso veio de São Paulo!… veja, isso foi fabricado no Paraná!...). A minha objeção sobre as palavras desse rapaz é quanto ao desserviço que ele inconscientemente - creio - presta à sociedade, principalmente às crianças e jovens. Inegavelmente as obras de Machado de Assis são densas, de certo modo difíceis (nem todas, inclusive o próprio Machado é autor de poemas, contos, crônicas etc… alguns nem parecem terem sido escritos por ele de tão atuais, leves e engraçados…somos levados a pensar que ele era um homem sério demais, sisudo etc, então, por isso, sua literatura e chata). Machado de Assis é maravilhoso! Ele é mais conhecido na Europa que no Brasil. Por que os europeus o compreendem?

Aí que está o X da questão. Tudo vem da educação sistematizada, da construção do conhecimento. Felipe Neto poderia não ter gerado equívocos se tivesse entrado em detalhes, justificando a sua sentença. Na Europa os monstros da Literatura começam a ser ensinados em casa, sem que isso seja uma obrigação, mas a leitura é uma ação normal e prazerosa a partir das famílias. Então as crianças são levadas ao conhecimento espontaneamente. Jamais são obrigadas a ler. Leitura lá é exemplo, não é imposição. E quando chegam às escolas, dão de cara com os mitos literários estampados nas paredes dos muros, nos brinquedos pedagógicos, na sala de teatro, enfim respiram literatura, cinema, artes plásticas, dança etc em cima dos seus gênios literários. Eles são enfronhados com naturalidade no planeta literatura.

O nó górdio do Brasil é exatamente o oposto disso. Boa parte dos brasileiros não leem, desse modo não levarão os seus filhos ao pensar literário. Mas se pelo menos no sistema educacional brasileiro público se contasse com uma proposta de literatura a partir do ensino infantil, a história seria outra. Imagine um Brasil onde Machado de Assis, Álvares de Azevedo, Érico veríssimo, Guimarães Rosa, João cabral de Melo Neto, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Manuel Bandeira, etc, fossem apresentados às criancinhas com alegria nos centros infantis, nas creches, e isso perpassasse o ensino fundamental culminando no ensino médio com outra tônica exatamente como na Suécia, por exemplo? E se os bons autores regionais fossem apresentados às crianças nessa mesma concepção? É óbvio que essas crianças cresceriam com outras mentalidades, pois teriam bebido a mais deliciosa água na fonte sagrada e maravilhosa da Língua Portuguesa. Seu supra sumo.

Como leitor, enxergo a fala do jovem escritor Felipe Neto como infeliz. Com certeza a intenção dele não foi anular Machado de Assis e Álvares de Azevedo (não é possível!), mas dizer isso publicamente num país que lê pouco, é desserviço. Com certeza as crianças e jovens que já não leem, e que não são motivadas a ler os nossos clássicos, interpretarão a sentença do “mito” Felipe Neto, como descarte dos clássicos. Então passarão a achar o "lixo literário" o máximo.

Ler é um aprendizado, portanto ele, que é escritor, poderia ter colocado no bojo de sua fala o que falta para que as crianças e jovens aprendam a gostar de Machado de Assis e de dos clássicos brasileiros. Como dizem aqui no Nordeste “seria mais jogo”, ou seja, muito melhor.

Não estamos mais na ditadura militar, portanto não existe no ar aquela aura pesada de que não se pode quase tudo, ou que isso e aquilo são obrigatórios etc. O clima é outro! Mas um projeto literário pautado nos clássicos deve, sim, ser parte insubstituível de todo currículo escolar público do Brasil. A criança deve ser apresentada a eles quando engatinha. Cabe, hoje, a todos nós, correr atrás do que está emperrando o sistema.

A nossa juventude - com as suas devidas exceções - está alienada. Ontem o “lixo literário”, se assim posso dizer, era incomparável ao lixo literário de hoje. Crianças e jovens que se fortalecem com o lixo literário do presente, se continuarem nesse ritmo, se tornarão vazias, cujos seus livros de cabeceira poderão ser “A verdade Sufocada”, ou livros que você lê e não encontra nada mais que letras impressas. “Livros” que falam e não dizem. Livros-pedra.