ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

sexta-feira, 29 de abril de 2022

O que Iveta Ribeiro escreveu sobre Nísia Floresta...

À esquerda, Nísia Floresta Brasileira Augusta - À direita, Iveta Ribeiro

Com essa interessante crônica da feminista Iveta Ribeiro, publicado em 1951, encerro a saudação à memória de Nísia Floresta, nesta "temporada de abril". Nesse período publiquei alguns textos e breves citações sobre Nísia Floresta, assinados por intelectuais renomados e mesmo pessoas desconhecidas, mas que em algum momento direcionaram os holofotes sobre Nísia para transmitir alguma mensagem aos leitores. Entendi como interessante trazer à luz esses velhos textos - uns esquecidos pela poeira do tempo, outros realmente inéditos - para que o leitor conheça a pluralidade de pessoas que escreveram sobre Nísia Floresta no passado, inclusive renomados intelectuais brasileiros. O que escreveram? Quando? O que tinham sobre Nísia até aquele tempo? Como viam Nísia Floresta? 
 
Enfim, esse material vem somar informações que nos ajudam a entender mais sobre Nísia Floresta. Na realidade, guardo muito material que reuni ao longo de três décadas, são anotações feitas à mão, xerox, documentos, fotografias originais e cartas, mas que nem sempre tenho tempo para me debruçar sobre os mesmos com a devida acuidade. Até por isso me desculpo com os leitores com relação a não ter feito revisão, pois quase tudo o que postei estava ou em xerox, ou manuscrito, e simplesmente digitei e postei. Como diz um amigo escritor "os aposentados e desocupados têm mais tempo", e não é o meu caso, por enquanto. E, como dizia Flaubert, "Escrever sangra", portanto confesso que não sangrei. Mas creio que tal material ajudou a muita gente que gosta de Nísia. 
 
Um amigo escritor, que implora para que eu preserve esses materiais inéditos e os publique em livros, disse que eu dou muito material gratuito, dou muita informação pronta para outras pessoas usarem em palestras, aulas, conferências e  documentários, inclusive passando-se por autoras de ideias que elas jamais teriam, e que passam por detentores de uma profundidade que de fato não possuem. De fato meu amigo fala a verdade, mas jamais deixaria de escrever sobre Nísia por tal razão. Dia desses recebi um material audio-visual nesses moldes. Fiquei impressionado! Sempre valorizei muito a generosidade intelectual, gosto de oferecer o conhecimento sem se preocupar com o quer que seja. Nunca alguém bateu em minha porta sem sair sem o alimento do conhecimento. Tenho, sim, intenção de publicar em livro, mas sobre outras coisas. Entendo que publicar neste blog é como publicar em livro, afinal é o meu pensamento, são as minhas conclusões e ideias sobre assuntos diferentes. Nísia Floresta é um deles. Boa leitura!

* * *
Iveta Ribeiro era escritora, cronista, pintora, dramaturga, radialista e patrona de uma cadeira na Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul. Espírita e médium, psicografava desenhos. Nasceu no Rio de Janeiro, aos 7 de março de 1886. Em 1949 ela organizou a primeira estante feminina portuguesa no Brasil, no Liceu Literário Português, reunindo 282 autoras portuguesas. Como artista plástica, realizou 14 exposições individuais, assinando 598 trabalhos de vários gêneros, e expôs em Lisboa, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Iveta faleceu em 1962.

Iveta Ribeiro psicografando um desenho em 1932


Sabemos que a história do feminismo evoluiu ao longo do tempo, muito antes de a própria nomenclatura "feminismo" ser adotada como movimento público de mulheres que - isoladas ou não, ao modo delas - lutaram por direitos e atingiram os seus objetivos ao longo de quase duzentos anos.  

Como estudioso da vida e da obra da intelectual Nísia Floresta, há 30 anos, o tempo foi me apresentando outras mulheres que também lutaram em prol de seus direitos. E a história de algumas delas chegaram a mim justamente porque elas citaram Nísia Floresta em algum momento, externando admiração, gratidão, respeito, criticando-a ou até mesmo detratando-a. Nesse caso me refiro a Isabel Gondim, pois creio que ela não se enquadraria no perfil de uma feminista a partir do que li na biografia dela, escrita por um aprofessora da UFRN, cujo nome não me lembro no momento. Sobre as feministas que conheci no curso desses trinta anos, não li com profundidade sobre elas, pois o assunto não me interessa a tal ponto. É certo que li obras literárias de algumas, tendo em vista que nesse rol estão inclusas poetas, cronistas, contistas, romancistas etc. Desse modo, no bojo de suas obras literárias há espaço para se conhecer um pouco de suas biografias. Foi assim.
 
 
Um detalhe interessante do texto de Iveta é o ranço integralista contido nele, o que assinala uma feminista bastante conservadora, e que flertou realmente com o Movimento Integralista, como podemos constatar em sua história. Mas como é de conhecimento, Nísia Floresta também foi conservadora em alguns aspectos, e nem por isso deixou de pensar adiante do tempo. O contexto machista e conservador da época nem sempre permitia que as mulheres fossem libertárias de todo, pois seriam ovelhas negras da sociedade. Se até hoje visualizamos esse comportamento, imagine no passado. Nísia foi aquela que veio na dianteira, tocou no assunto que ninguém queria e muitos nem cogitavam, pois a mulher era invisível quando o assunto ultrapassava as paredes de suas casas. Pois bem, vamos ler o texto de Iveta Ribeiro e em seguida breves comentários meus. L.C.F. 2014.

A carioca Iveta Ribeiro


MULHER! SEMPRE A MULHER.

Quando se pensa que a seára que está acabada e que nada mais dela se póde colher, heis que surge uma nova e inesperada espiga, loura e forte, como que a dizer ao lavrador que, mesmo de onde nada se crê existir, alguma côisa pode aparecer.

Isto vêm a propósito dessa imensa seára que chamou-se Feminismo e que, entre nós, tanto foi discutido, ridicularizado, combatido, mas que teve a dar-lhe o esfôrço de um labôr, penoso e constante, quando o terreno era duro e pedregoso, exigindo muita coragem e muito espírito de sacrifício, trabalhadoras heroicas que se chamaram Nísia Floresta, Deolinda Daltro, Berta Lutz, Natercia Silveira, e que depois de colhidas as primeiras messes, tiveram continuadoras para completar-lhes o trabalho heróico de dar à Mulher, no Brasil, uma situação honrosa, o seu justo lugar ao lado do Homem, lutando pela grandeza e pela verdadeira independência da pátria, mantendo a instituição da Família e seu templo natural – o Lar com absoluta clareza de consciência e sólido senso de Dever e Patriotismo.

Chegamos, enfim, a uma época em que já ninguém se lembra de falar ou escrever, prol ou contra o Feminismo. Para confirmação do ditado que diz: “Quando se chega ao alto da escada, ninguém se lembra de agradecer aos primeiros degraus...”, pois as bravas e heróicas pioneiras desse movimento que dignificou, elevou e emancipou a Mulher, no Brasil, se não estão completamente esquecidas, é porquê as mortas trêm seus tumulos que, às vezes, são vistos quando alguém visita, um tumulo visinho, e as vivas estão emergindo na penumbra de uma sociedade estranhamente adeptas de coisas e loisas que nos chegam importadas, muitas vezes, clandestinamente, e que não tem tempo de cultuar o que tem de bom, e de nobre temos e de produção nacional.

As mulheres de agora que desfrutam de uma liberdade às vezes mal compreendida, e de uma independência econômica nunca sonhada, e os homnens que têm, atualmente, na Esposa, Filha ou Irmã, o precioso auxílio para a própria manutenção, e da família que já não pesa só sobre os seus ombros, estão sendo cruelmente ingratos, para com as brasileiras que sofreram e lutaram pelos ideais feministas, pois, pelo menos as mais antigas e as mais heróicas, principalmente, a admirável Leolinda Daltro, já devia ter um monumento em praça pública, que atestasse o reconhecimento daquelas e daqueles que hoje colhem os doces frutos de seu trabalho desinterassado.

O natural espírito de solidariedade para com as minhas patrícias, que cimentaram os alicerces do vitorioso Feminismo brasileiro, levar-me a divagações, quando o meu assunto de hoje é o meu registro festivo, do aparecimento inesperado demais um fruto da seára, presumidamente, esgotada, pois não se acreditava ainda ser possível haver alguma coisa que a brasileira ainda não tivesse alcançado em matéria de reivindicações sociais, políticas ou administrativas.

É que os jornais do Rio, abrindo espaço especial em suas páginas e colunas, no momento insuficientes para o noticiário político, carnavalesco e esportivo, que são os assuntos dominantes, deram-nos a notícia alviçareira e inesperada de ter sido empossada a primeira magistrada do Brasil, e nessas notícias divulgou-se o retrato da jovem e sorridente Senhorita Dra. Iete Bomilcar  Ribeiro de Souza, primeira Juiz de Direito rem nossa terra!

Feliz e invejável patrícia que ainda achou alguma coisa de muito nobre, muito honrosa para ser a primeira a possuí-la!

Agora, como esse novo triunfo do nosso Feminismo, cumpre a todas nós brasileiras, saudar a nossa Jurisconsulta, agradecendo-lhe a parte que nos toca de sua bela vitória e pedir a Deus que ela, no seu dever de ofício, no ais árduo mistér humano, que é o de julgar os nossos semelhantes, saiba ser Mulher! Sempre a Mulher! Justa, generosa, consciente e cristã.

IVETA RIBEIRO

Iveta Ribeiro (1886 - 1962)

  
BREVES COMENTÁRIOS MEUS SOBRE O TEXTO DE IVETA RIBEIRO

Muito interessante a forma alegórica como ela conduz o texto, apresentando o feminismo como uma seara: "Quando se pensa que a seára que está acabada e que nada mais dela se póde colher, heis que surge uma nova e inesperada espiga, loura e forte, como que a dizer ao lavrador que, mesmo de onde nada se crê existir, alguma côisa pode aparecer"Parece que ela dá as conquistas femininas como encerradas ou já suficientes, e que já houve um grande progresso feminino, e mais nada seria colhido da sociedade, ou seara. É normal que achemos o mundo atual muito avançado, mas entender esse "avançado" como uma espécie de ápice, de ponto final, é estranho, pois, segundo ela "... não se acreditava ainda ser possível haver alguma coisa que a brasileira ainda não tivesse alcançado em matéria de reivindicações sociais, políticas ou administrativas".

Iveta, apesar de sua ilustração, é apontada por alguns estudiosos como muito conservadora, portanto a sua ideia de que na seara do seu tempo não havia mais nada para se colher, denota que ela parecia estar satisfeita com o que até então haviam conquistado. Era 1951 existiam várias vereadoras e deputadas; a mulher trabalhava em várias profissões, mas, comparado ao presente, o tempo de Iveta ainda estava cheio de limitações. Não vamos desenrolar o novelo porque o objetivo não é esse. Mas uma das limitações era  salário muito inferior ao dos homens. Aqui podemos citar Nísia Floresta quando ela sentencia que somente com acesso às ciências as mulheres poderiam se emancipar no que quisessem, ou seja, formadas como professoras, médicas, advogadas etc poderiam se emancipar. Mas como era a frequência feminina nas escolas, nos centros técnicos e nas universidades em 1951? É curioso Iveta parecer satisfeita.

A gaúcha Natercia da Cunha  Silveira (1905 - 1932), a bordo do navio Almanzora, saúda Juvenal Lamartine de Faria, governador do estado doRio Grande do Norte e patrono do voto feminino, 5 de maio de 1928, Rio de Janeiro - Arquivo Nacional. É dela a frase: “Eu sou como o jequitibá da floresta, o machado que tentar derribar-me há de criar dentes”.

 

Depois, elogiando sucessivas lutas, críticas e combates sofridos, e consequentes conquistas, ela diz que isso se deve a "... trabalhadoras heroicas que se chamaram Nísia Floresta, Deolinda Daltro, Berta Lutz, Natercia Silveira, e que depois de colhidas as primeiras messes, tiveram continuadoras para completar-lhes o trabalho heróico de dar à Mulher, no Brasil, uma situação honrosa, o seu justo lugar ao lado do Homem, lutando pela grandeza e pela verdadeira independência da pátria, mantendo a instituição da Família e seu templo natural – o Lar com absoluta clareza de consciência e sólido senso de Dever e Patriotismo". No final do parágrafo, mais parecido com um panfleto do Integralismo, ela se torna parecida com a própria Nísia Floresta. Quem conhece a obra nisiana, sabe que ela elenca uma série de inovações, mas ao mesmo tempo se mostra presa a elas, e aparenta quase até endossar alguns comportamentos conservadores, inclusive religiosos. A ferrugem da religiosidade era muito forte em Nísia Floresta. Creio que se ela tivessese conseguido se despir da religiosidade - que não era fácil - teria enxergado ainda mais além.
A francesa Simone de Benvoir (1908 - 1986)

Quando Iveta escreve: "... Chegamos, enfim, a uma época em que já ninguém se lembra de falar ou escrever, prol ou contra o Feminismo", é no mínimo curioso, pois o feminismo nunca foi esquecido, talvez não estivesse tanto em evidência como nos anos 30, embora em 1949 Simone de Beauvoir havia publicado “O Segundo Sexo”, refletindo um sentimento e frustração geral nas mulheres que se sentiam presas, condicionadas meramente ao lar, apesar de terem superado a luta pelo sufrágio. Suas vidas se resumiam à família, mas em termos de trabalho e a independência social era algo ainda sutil, o poder de decisão sobre as coisas era nulo para a maioria delas. Isso era o prâmbulo de uma nova fase. Então elas começariam a pensar em questões mais sociais de igualdade, salários iguais aos dos homens, enfim o feminismo adentra mais forte em questões políticas, outras lutas civis, além de passar a defender as minorias. Isso foi nos anos 50, portanto Iveta parece desinformada ou não totalmente preocupada a tal ponto.

Durante muito tempo divulgado o nome da baiana Deolinda Daltro (1859 - 1935) como precursora do feminismo brasileiro, certamente perceberam o equívoco e corrigiram, atribuindo-lhe o título de "precursora do feminismo indígena".


Em seguida ela cita um ditado popular que diz “Quando se chega ao alto da escada, ninguém se lembra de agradecer aos primeiros degraus", sem se dar conta que ela própria parece se esquecer que o primeiro degrau pertenceu a Nísia, e não a Deolinda Daltro, como deixa confundir: "... pelo menos as mais antigas e as mais heróicas, principalmente, a admirável Leolinda Daltro, já devia ter um monumento em praça pública, que atestasse o reconhecimento daquelas e daqueles que hoje colhem os doces frutos de seu trabalho desinterassado. Obviamente que Iveta viveu num tempo mais próximo a Deolinda que de Nísia, mas entendo que, na condição de estar jornalista naquele momento, ela deveria ter deixado claro que a precursora do feminismo foi Nísia Floresta.

A paulista Berta Lutz (1894 - 1976)

Depois de informar sobre a primeira mulher juíza na história do Brasil, ela bendiz a jurisconsulta e roga que ela "... saiba ser Mulher! Sempre a Mulher! Justa, generosa, consciente e cristã", ou seja, deixa claro o argumento de Nísia Floresta que escreveu que "a religião é a coroa da mulher". E justamente é a religião, a meu ver que trava a humanidade de se civilizar verdadeiramente. Como escreveu Nietzsche "Religião: ópio do mundo". E assim seguimos como essa internet travando mulheres e homens... homens e mulheres... travando os avanços mundiais.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

O que Gilberto Freyre escreveu sobre Nísia Floresta


O QUE GILBERTO FREYRE ESCREVEU SOBRE NÍSIA FLORESTA

O sociólogo Gilberto Freyre é um dos maiores nomes do Brasil. Não há como entender o nosso país sem conhecer pelo menos "Casa Grande e Senzala" e "Sobrados e Mucambos", obras fascinantes, verdadeiras bíblias, livros de cabeceira. Li ambas obras em 1987 e sempre as adoto como parâmetro quando o assunto é o Brasil patriarcal e escravocrata - logicamente à luz de outros pensadores que vieram depois dele. Mas gosto da sua visão.

Como todo intelectual que se arrisca a escrever obras do porte das que Freyre produziu, o resultado está sujeito a estudo, análise e crítica. Desse modo ele também é criticado por alguns intelectuais - inclusive sociólogos - e isso não é ruim, afinal não somos donos das ideias, e ideias devem ser discutidas, concordadas e discordadas. Gilberto é autor de uma vasta bibliografia, e escreveu sobre temas diversos, inclusive na literatura. 

* * *

Assim como os demais personagens que temos apreciado nessa temporada de abril, mês do encantamento de Nísia Floresta Brasileira Augusta, costumo louvar o seu legado nesse período também. Desde o dia 1º posto textos sobre ela, alternadamente, assinados por intelectuais conhecidos, desconhecidos e mesmo pessoas comuns, admiradores dessa notável potiguar, dentre algum material inédito. Dessa vez trago referências feitas a Nísia por Gilberto Freyre em sua obra "Sobrados e Mucambos", publicado originalmente em 1936. 

Essas referências de Gilberto Freyre feitas a Nísia Floresta são muito conhecidas, inclusive o próprio Adauto da Câmara, ao publicar "História de Nísia Floresta", no Rio de Janeiro, em 1941, cita as palavras do sociólogo pernambucano. Julgo importante divulgar esse fato - principalmente para quem o desconhece, porque reforça o que sabemos sobre a importância de Nísia Floresta, mas que em 1936 não era tão nítido. Portanto, pela dimensão de Sobrados e Mucambos, e por seu alcance nacional, amplia-se a grandeza desse sociólogo. Quando ele  arrasta Nísia Floresta para a sua obra - não como favor, mas por mérito - usando a imagem dela para ilustrar a sua fala, acaba se tornando uma grande homenagem. E isso se deu há 86 anos.


Outro detalhe: Adauto da Câmara ainda não havia publicado "História de Nísia Floresta" quando Freyre a citou. Ele o faria cinco anos depois do lançamento de Sobrados e Mucambos, portanto constamos que Gilberto não leu Adauto. Ele conhecia Nísia Floresta por outras fontes. Certamente em sua biblioteca ou na do pai dele. Pois bem, sobre Gilberto Freyre com certeza você o conhece até demais, mas para os jovens, principalmente, que ainda não tiveram a oportunidade e conhecê-lo, no final deste estudo há uma síntese sobre ele. Sobretudo, a internet está aí, vasta ao dispor de todos...

* * *

Antes de conhecermos as referências de Gilberto Freyre sobre Nísia Floresta, vou desenrolar um pequeno novelo de episódios que o relacionam a essa notável mulher. Nesse caso em específico, começo pelas palavras do intelectual cearaminense Nilo Pereira, também admirador de Nísia Floresta e que escreveu interessantes textos sobre a mesma. É uma referência às cartas trocadas entre Nísia Floresta e Augusto Comte, e que se encontravam inéditas, de certo modo. 

 

Não era de todo inéditas porque Augusto Américo de Faria Rocha, filho de Nísia Floresta, havia repassado ao Apostolado Positivista as cartas de Comte endereçadas a ela, e que o filho herdou. O Apostolado se encarregou de publicá-las em 1888. O que, de fato permanecia inédito àquele tempo, eram as cartas escritas por Nísia Floresta e endereçadas a Comte, que se encontravam - e ainda se encontram no Museu Auguste Comte, em Paris. 

 
Augusto Américo de Faria Rocha, filho de Nísia Floresta

Pois bem, nesse contexto de preocupação com a divulgação desse material, referindo-se a Gilberto Freyre, Nilo Pereira escreveu exatamente assim: “... No Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco” - que ele fazia parte “Gilberto Freyre salientou a necessidade de serem publicadas essas cartas. Eis uma tarefa para os pesquisadores. As cartas estão na Casa de Augusto Comte, em Paris. Por que Zelia Mariz ou Socorro Trindad ou Maria Simonetti ou o professor Francisco das Chagas Pereira - tradutor da escritora - não se encarregaram de ler e traduzir cartas são importantes e que estão disponíveis à consulta dos interessados? A fonte não pode ser melhor”.

Nilo Pereira

Observamos a preocupação de Gilberto Freyre em ver essas correspondências traduzidas e divulgadas, e como membro do Conselho estadual de Cultura, ele expôs a sua ideia, desse modo Nilo Pereira indaga porque determinados norte-rio-grandenses - que tinham certa relação com Nísia Floresta -, não se encarregaram dessa tarefa tão importante. Esse detalhe revela um Gilberto Freyre preocupado com a memória. Mas há uma curiosidade também com relação a esses nomes apresentados. Socorro Trindade, atualmente com 62 anos de idade, escreveu alguns textos sobre Nísia Floresta em jornais natalenses. Ela reconhece a grandiosidade de Nísia, faz reflexões muito sensatas, mas no bojo de suas reflexões, certamente influenciada pela carta detratora de Isabel Gondim, escrita em 1884, não perde a oportunidade de também maldizer a sua conterrânea. Socorro reside atualmente em Nísia Floresta, mas está completamente reclusa. 

Sobre isso, acho interessante trazer à baila uma reflexão sobre a atitude eventual de alguém denegrir Nísia Floresta, ou arrastar algum fato que dá ibope nas mentes medíocres. É quase uma coisa de busca de holofotes. Pois bem, ao longo dos meus estudos, encontrei dois únicos nomes masculinos que maldizem ou divulgam inverdades sobre Nísia Floresta, e no entanto os nomes femininos de detratoras é bem maior. Não digo que deveria ser o inverso - que também não estaria certo - mas não é estranho?

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Outro momento importantíssimo em que Gilberto Freyre demonstra o seu respeito e admiração por Nísia Floresta se deu à ocasião em que os restos mortais da notável potiguar foram trasladados para o Brasil, em 1954, tendo chegado primeiro ao Pernambuco, e depois ao Rio Grande do Norte. Como sabemos, houve alguns embargos, pois aguardavam uma pequena caixa com os ossos, mas veio um caixão convencional, tendo em vista que ela havia sido embalsamada e o corpo  estava intacto. Como o caixão estava revestido por uma enorme caixa de madeira, foi interpretado pela Marinha como uma "mercadoria".

O cearaminense Nilo Pereira, à esquerda, e o mipibuense Marciano Freire, à direita, diante da "mercadoria" no Poto de Recife/PE.
 

Nilo Pereira era membro do Conselho Diretor do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais de Recife, era amigo pessoal do também potiguar Café Filho, presidente da república, e constatando o imbróglio, nem esperou os procedimentos oficias e burocráticos. Sem, pestagejar, entrou em contato com Café, que lhe respondeu de imediato, autorizando que a “mercadoria” fosse entregue à Academia Pernambucana de Letras. E determinou que  uma corveta da Marinha de Guerra transportasse o caixão de Nísia Floresta a Natal, onde um cortejo gigantesco o aguardava, inclusive Paulo Pinheiro de Viveiros, então Presidente da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, foi uma das autoridades que a reverenciou. 

Nísia Floresta sob o olhar do artista plástico pernambucano Balthazar da Câmara. A pintura é baseada num retrato que mostra Nísia trajando um manto que até hoje não decifrei. Lembra o manto de alguma academia de letras (embora elas não existiam à época de Nísia Floresta). Obviamente que essa cor vermelha é uma criação artística, mas realmente Nísia se fez retratar exatamente com tais trajes. Suponho que ela o tenha usado em algum ambiente da França. Veja, abaixo, um desenho baseado no retrato que serviu de referência para a pintura.  


Suponho que essa vestimenta sobre a roupa usada por Nísia Floresta seja um manto, ou capa de viagem, como antigamente usavam guard-apó para aplacar a poeira. Como ela viajava muito, era também uma forma de aplacar o frio.


Nesse contexto, Gilberto Freyre  deixou uma marca para a eternidade, e o fez com dignidade incrível. Ele mandou confeccionar uma pintura a óleo retratando Nísia Floresta numa grande tela a óleo. A obra foi inaugurada naquela ocasião no Instituto Joaquim Nabuco, onde se encontra exposta em sua galeria junto a outras figuras notáveis da história.

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Escritora Carmen Dolores (Emília Mancorvo Bandeira de Mello)

Agora que apreciamos um pouquinho sobre esses episódios que ligam Gilberto Freyre a Nísia Floresta, vamos conhecer em que circunstância ele acomodou a ilustre norte-rio-grandense em sua obra "Sobrados e Mucambos". Pois bem, escolhi duas falas interessantes. A primeira, ao discorrer sobre o desenvolvimento sociocultural do Brasil na época do patriarcalismo, tratando a respeito da tímida repercussão intelectual feminina do primeiro e segundo reinado brasileiros ele apresenta o único exemplo feminino que caminhava contra essa maré. Vejamos: 

“Nas letras, no fim do século XIX, apareceria uma Carmen Dolores. depois uma Júlia Lopes de Almeida. Antes delas, quase que só houve bacharelas medíocres, solteironas pedantes e simplórias, colaboradoras do “Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro”. E assim mesmo foram raras. Nísia Floresta surgiu como uma exceção escandalosa. Verdadeira machona entre sinhazinhas dengosas do meado do século XIX. No meio de homens dominando sozinhos todas as atividades extradomésticas, e as próprias baronesas e viscondessas mal sabendo escrever; dos senhores mais finos soletrando apenas livros devotos e novelas que eram quase histórias do Trancoso, causa pasmo ver uma figura como a de Nísia”.

Escritora Júlia Lopes de Almeida

No segundo momento, escrevendo sobre sistema educacional no Brasil e as posturas singulares de Nísia Floresta, o sociólogo Gilberto Freyre assim se expressa: 

As que existiram quase todas já no fim do império foram umas excomungadas da ortodoxia patriarcal, destino a que não parece ter escapado a própria Nísia Floresta com todo seu talento e suas amizades ilustres na Europa.

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BREVES COMENTÁRIOS MEUS SOBRE AS PALAVRAS DE GILBERTO

Inicialmente Gilberto cita duas figuras notáveis: “Nas letras, no fim do século XIX, apareceria uma Carmen Dolores. depois uma Júlia Lopes de Almeida. Pois bem, Júlia Lopes de Almeida - nascida meio século depois de Nísia Floresta -, foi escritora, abolicionista e idealizadora da Academia Brasileira de Letras. Depois cita também Carmen Dolores - nascida quarenta anos após Nísia -, uma das escritoras pioneiras na luta pela educação da mulher e o seu acesso ao trabalho. Não se intimidou em defender o divórcio. Apesar disso, não se mobilizou em relação ao sufrágio feminino. como adventos da causa feminina em prol da emancipação. 

 

Sociólogo Gilberto Freyre

São outros cérebros, tempos mais evoluídos, mas não significaram que tais mulheres eram de todo comprometidas com a sua emancipação plena, com amplos direitos, apesar de sua ilustração. É a história do feminismo em andamento. Depois ele descortina a realidade do perfil das mulheres antes dessas, classificando-as como "bacharelas medíocres, solteironas pedantes e simplórias, colaboradoras do “Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro”. E assim mesmo foram raras", revelando um cenário de mulheres entretidas com a própria submissão, e com certeza muitas delas achavam normal.Não é à toa que até hoje existem mulheres machistas. De repente ele apresenta Nísia Floresta como singularidade dentre todas:  "Nísia Floresta surgiu como uma exceção escandalosa". De fato deveria ser mesmo escandaloso uma mulher reivindicar da parte das autoridades a emancipação feminina. Nísia lidava com numa sociedade em que muitos enxergavam as mulheres de fato  como inferiores, portanto era impensável que fosse concedido à elas os mesmos direitos legalmente disponibilizados aos homens, portanto seria normal que muitas dessas "sinhazinhas dengosas do meado do século XIX" - que endossavam o machismo e o patriarcado - vissem Nísia Floresta como "Verdadeira machona". Não poderia ser diferente, afinal era uma mulher querendo que pertencesse à elas o que "pertencia aos homens". Ela extrapolava o seu espaço. Isso era audacioso demais, portanto compreensível que "No meio de homens dominando sozinhos todas as atividades extradomésticas, e as próprias baronesas e viscondessas mal sabendo escrever; dos senhores mais finos soletrando apenas livros devotos e novelas que eram quase histórias do Trancoso, causa pasmo ver uma figura como a de Nísia”. Como se vê, era um tempo de iletrados, inclusive os próprios "homens mais finos", imagine a situação da mulher, principalmente as mulheres comuns, sem acesso a um mero livrinho de rezas. A expressão "machona", no dizer de Freyre não traduz uma lésbica - embora se o fosse nada mudaria -, mas o ser corajoso, a junção de coragem, desafio e audácia numa mulher para "peitar" a sociedade e as autoridades. Essas qualidades não combinavam com a imagem de uma mulher condicionada desde os primórdios para ser submissa, delicada, doce, dona de casa, mãe etc. Uma mulher que se entreverasse entre os homens, naquele tempo, soava como se tivesse desrespeitando os homens ao ocupar o lugar que lhe "pertencia". É essa a "machona" que Freyre se refere. Enfim, Nísia precisou se levantar em meio a assembleia, pedir a palavra, ou quebrar os protocolos, e dizer que as mulheres existiam e precisavam ocupar o seu espaço.

* * *

No segundo momento, escrevendo sobre sistema educacional no Brasil e as posturas singulares de Nísia Floresta, o sociólogo Gilberto Freyre assim se expressa: 

“As que existiram quase todas já no fim do império foram umas excomungadas da ortodoxia patriarcal, destino a que não parece ter escapado a própria Nísia Floresta com todo seu talento e suas amizades ilustres na Europa”.

Nessa citação, Freyre reforça a severidade patriarcal com relação à mulher, o machismo que não absorvia as novidades postuladas pelas poucas mulheres que davam a cara a tapa,  e não permitia sequer experimentá-las. Eram muitas dificuldades. Quando ele diz que a "ortodoxia patriarcal" excomungou outras mulheres e agiu da mesma forma com relação à Nísia Floresta, evidencia o que sabemos. Ter proclamado ideias visionárias não é o mesmo que vê-las concretizadas logo em seguida. O tempo se encarregaria disso. E os efeitos seriam vistos ao longo do tempo. Entender as mudanças conquistadas ao longo de quase duzentos anos de luta como boas ou ruins, ou se foram conquistados totalmente ou não, é papel não apenas das mulheres, mas de homens e mulheres. Hoje, a noção de respeito às mulheres é tarefa de todos. Homens e mulheres são responsáveis por essa construção. O que é diferente do passado em que raros homens se comportaram, por exemplo, como Juvenal Lamartine de Faria. Essa conquista foi muito difícil de acontecer nos tempos passados, hoje é mais fácil, apesar de que assistimos a muitos feminicídios e misoginia.

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BREVE BIOGRAFIA DE GILBERTO FREYRE (COSTURADA POR UM POEMA DE IMAGENS)  É PARA O LEITOR PENSAR...

O texto abaixo foi transcrito ipsis literis do site: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/gilberto-freyre.htm

"Gilberto Freyre foi um dos mais importantes sociólogos do Brasil, tendo construído uma obra inteiramente dedicada à análise das relações sociais no período colonial brasileiro e como essas relações contribuíram para a formação do povo brasileiro no século XX. Seu destaque deu-se por defender uma teoria de que a miscigenação formaria uma população melhor e mais forte, ao contrário do que pensavam as teorias etnocêntricas, higienistas e eugênicas dos antropólogos e intelectuais do século XIX e XX.


Enquanto era comum na época pensar que deveria haver uma pureza racial, Freyre caminha na contramão disso dizendo que a miscigenação é positiva. No entanto, a sua obra, apesar de ter uma base antirracista, contribuiu para as críticas aos movimentos antirracistas por ter formulado uma espécie de mito da democracia racial no Brasil colonial e no Brasil republicano, apontando a miscigenação como fundamento para essa ideologia."


"O antropólogo e sociólogo brasileiro Gilberto Freyre nasceu na cidade de Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1900. De família tradicional na sociedade recifense, seu pai, Alfredo Freyre, era professor, advogado e juiz. Freyre estudou no antigo Colégio Americano Gilreath, atualmente Colégio Americano Batista, instituição de ensino tradicional dirigida por algum tempo por seu pai. Freyre despontou-se desde cedo como um talento para a literatura e as ciências humanas. Ainda no colégio, o sociólogo participou como editor e redator do jornal O Lábaro, produzido pelo Colégio Americano Gilreath.


Freyre estudou sociologia, mas não no Brasil, pois ainda não havia sido fundado o primeiro curso superior de sociologia no país, o que somente aconteceu em 1933. Em 1918 o intelectual partiu para os Estados Unidos, onde cursou, na Universidade de Baylor, o bacharelado em artes liberais e a especialização em ciências políticas e sociais. Na Universidade de Columbia, Freyre cursou o mestrado e o doutorado em ciências políticas, jurídicas e sociais, defendendo a tese de doutorado intitulada A vida social no Brasil em meados do século XIX.


Na década de 1920, ele retornou ao Brasil após os seus estudos nos Estados Unidos e várias viagens pela Europa, voltando também a residir em Recife. Em 1926 participou da formulação do Manifesto Regionalista, grupo contrário à Semana de Arte Moderna de 1922, de caráter nacionalista. Os regionalistas eram contra a “deglutição” da cultura europeia para formular uma cultura brasileira, defendida pelos modernistas, valorizando somente aquilo que era originalmente brasileiro.


Entre 1927 e 1930, Freyre foi chefe de gabinete do governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, e, em 1933, no exílio político provocado pela Revolução de 1930 e com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, publicou o seu mais famoso livro: Casa-grande e Senzala. Em 1946 foi eleito deputado federal constituinte. Freyre recebeu vários prêmios e doutorados honoris causa e foi contemplado com o título de Cavaleiro do Império Britânico, concedido pela Rainha Elizabeth II, da Inglaterra."


"O que Gilberto Freyre defendia?

Freyre foi na contramão de quase todas as teorias antropológicas que surgiram no século XIX por meio de intelectuais como Herbert Spencer. As teorias antropológicas clássicas eram etnocêntricas e defendiam a supremacia da “raça” branca em relação às demais. Políticos e intelectuais brasileiros trouxeram tais ideias de “pureza racial” para o Brasil e tentaram, no início do século XX, um “branqueamento” da população brasileira como proposta para a melhoria da sociedade.


Para Gilberto Freyre, a miscigenação era positiva. Como estudioso de antropologia, Freyre era adepto das teorias do antropólogo alemão, radicado nos Estados Unidos, Franz Boas. Boas defendia que a cultura de um povo deveria ser estudada não em comparação à própria cultura do antropólogo, mas com uma imersão desse profissional naquela cultura como se fizesse parte dela. Isso permitiria ao estudioso olhá-la de perto e sem preconceitos.


Para Freyre, o Brasil colonial apresentou uma sociedade que miscigenou e integrou africanos, índios e brancos, e era isso que teria formado uma raça mais forte, mais intelectualmente capaz e com uma cultura mais elaborada."


Teorias de Gilberto Freyre

A teoria mais difundida de Gilberto Freyre perpassou toda a sua obra. Em Casa grande e senzala, ela começou a ser discutida, apesar de ainda não ter sido enunciada. Era a teoria da democracia racial, criticada por defensores da luta contra o racismo por apresentar-se como um mito de que havia democracia nas relações entre senhores e escravos no período colonial. Para Freyre, a miscigenação era um fator corroborativo para pensar-se em uma relação democrática entre senhores e escravos, apesar da relação de escravidão impregnada entre os dois."


Casa-Grande e Senzala

A obra Casa-Gande e Senzala foi a mais difundida de Gilberto Freyre, sendo traduzida para mais de 10 idiomas. A escrita do livro iniciou-se num momento em que o autor exilou-se em Portugal, por conta da divergência política com o novo governo de Getúlio Vargas, que chegou ao poder com um golpe em 1930.


Em Casa-Gande e Senzala, Freyre procurou sair do óbvio nas análises sociais: política, economia, sociedade em geral. Ele preferiu aprofundar-se em outros temas: vida doméstica, constituição familiar, formação das casas-grandes (onde viviam os senhores brancos) e senzalas (onde viviam os negros), para entender o engenho de açúcar e a propriedade rural como os centros do Brasil colonial.


Uma mistificação que Freyre ajudou a promover, talvez por influência de seu professor de antropologia em Columbia, foi a de que a miscigenação e a localização geográfica do Brasil (na linha tropical) eram fatores negativos que colocavam o país em uma posição inferior à Europa. A teoria da democracia racial trata-se de uma mistificação ideológica que Freyre, infelizmente, ajudou a construir baseado na ideia errônea de que a relação entre senhores e escravos era pacífica, que os índios aceitaram a colonização de maneira pacífica e que isso promoveu uma relação democrática e a miscigenação.


Essa visão freyreana, apesar de ter algum valor para o entendimento da vida colonial no Brasil, não se concretiza. As análises atuais sobre a desigualdade social, inclusive, associam verdadeiramente a desigualdade e a exclusão com a questão social. Talvez o ponto de partida de Freyre que o levou a formular a teoria da democracia racial (e que era a relação racial explicitamente segregacionista dos Estados Unidos) tenha o levado a perceber uma democracia racial no Brasil por haver nele uma relação mais branda entre negros e brancos.

No entanto, o racismo velado e estrutural nunca deixou de existir por aqui, e a desigualdade social mostra-se como um fator fortemente provocado pela escravidão e pela relação de submissão à qual negros e índios foram obrigados pelo homem branco. Portanto, a tese principal de Casa-Gande e Senzala parece não se sustentar, ao passo que o livro constitui uma interessante ferramenta para a compreensão da vida cotidiana da sociedade colonial."

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Se for demolir, pense na opção de preservar a fachada...

 


OUTRO EXEMPLO, EM "ESTADO PRECÁRIO", DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO.. 
 
Essa fachada antiga e centenária, abraçada a uma moderna edificação, lembrando peças de lego emendadas, ou caixas de sapato amontoadas, é o Sindicato dos Bancários aqui próximo do edifício "Chácara". Como já opinei anteriormente que se for para transformar tudo isso em pó, que preservem pelo menos a fachada. Pelo menos fica a lembrança do patrimônio histórico da Av. Deodoro, já quase todo dilapidado. Tenho quase certeza de que se os engenheiros civis e arquitetos estudassem disciplinas como Patrimônio Histórico e História da Arte, jamais permitiriam as destruições que vemos. Com certeza eles conseguiriam sensibilizar os proprietários ou quem comprou e pretende demolir. 
 
Esse é um exemplo de acomodar o moderno em parte do antigo. Infelizmente nós, simples mortais nos vemos impotentes para sensibilizar os donos de prédios particulares sobre a iniciativa de preservar totalmente, ou pelo menos seguir esse exemplo. Mas, se hoje em dia vemos igrejas sendo descaracterizadas pelos próprios "padres", prédios públicos sendo abandonados pelos próprios "gestores", o que seria uma iniciativa dessa? Simplesmente quase impossível. Mas não nos desanimemos. Em meio a ignorância haverá sempre os que defenderão a História, a Arte, a Cultura... 
 
Costumo dizer que é um grande egoísmo, uma grande covardia descaracterizar ou demolir o patrimônio histórico, pois nega-se às crianças e aos jovens o direito de conhecer, apreciar e ter gosto por isso tudo. É uma perda de identidade. Mais que isso, é como se uma cidade fosse acometida de demência: a cada dia perde a sua racionalidade, a noção das coisas... é muito monstruoso tudo isso... me assusto...
 
Seja como for, gostaria muito de conhecer os engenheiros/arquitetos/proprietários que tivera essa ideia. São dignos de elogios...
 







Se for para demolir, preserve pelo menos as fachadas...

 


SE FOR PARA DESTRUIR, FAÇA ISSO...
 
Vejam que exemplo interessante. A NATALPREV comprou um casarão centenário aqui próximo de casa. Ao invés de demoli-lo, adaptaram a obra moderna à edificação antiga. Arrancaram o miolo e enfiaram uma imensa caixa de sapato preta no lugar, assim tiveram um prédio moderno e dentro das necessidade da empresa. O que não aconteceria com o miolo da residência, pois obedecia ao critério de casa de morada. Antes isso que demoli-lo. Na realidade concebo esse entendimento em estado precário, mas pelo menos se conservam as fachadas. Natal já viu virar metralhas coisas de cair o queixo. Verdadeiras obras de Arte da arquitetura.