ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Em nome de Deus...


Essa história se deu em Uma senhora evangélica, por nome de Maria do Perpétuo Socorro, entendeu que Deus havia determinado que ela deveria comprar uma Mercedez-Benz GLE. Ela somava sete anos de conversão naquela igreja e não tinha dinheiro suficiente para tal aquisição. O valor que possuía naquele momento não fazia nem cosquinha no montante, tampouco nos demais gastos como o IPVA e seguro, valores esses maiores do que o condomínio de luxo em que ela morava, muito embora a sua casa fosse uma das mais simples. Sua microempresa caminhava sem grandes promessas. Mas a cada culto ela saia convicta de que “Deus determinava isso todo dia”, inclusive era uma das dizimistas mais fiéis e doava altos valores.
Instigada por essas "determinações de Deus", ela juntou umas reservas, vendeu joias e alguns bens pessoais pessoais, deu a primeira entrada e começou a pagar as demais com certo sacrifício. Eis que, com o passar dos meses, vieram outras despesas de outras naturezas, fazendo com que ela passasse a viver sob tensão. Sempre nervosa, irritada e preocupada, pois, nos seus negócios, saia mais dinheiro do que entrava. Mas sua agonia passava quando ela se prostrava no chão do seu quarto e “conversava com Deus” (essas palavras são dela).
Nessas conversas, ela dizia que perguntava a Deus por que tanto sofrimento, se Ele havia determinado aquilo, se Ele tinha ordenado que ela fosse à agência comprar o carro. Nesses momentos contritos de intimidade com Deus, ela sentia certo alívio, amparada na esperança de que Deus preparava algo para ela, cujo sofrimento era a cruz que ela deveria carregar pelo menos no período daquelas prestações, e depois viria a bonança. Ela pensava o pensamento que o pastor lhe alimentava.
Pouco depois ela disse que uma pastora profetizara que ela compraria uma das mansões mais caras do seu condomínio, para combinar com o luxo de sua Mercedez-Bens GLE. Naquelas igrejas, tudo rola em torno de dinheiro, imóveis, bens e riquezas.

Naquela mesma noite, o pastor – marido da pastora – pai do pastor de outra igreja e genro da pastora de outra igreja – chamou-a, alertando que ela deveria ser ainda mais generosa com o dízimo, pois Deus vinha sendo generoso demais com ela, “dando-lhe” aquele carro de luxo, igualzinho ao dele. E sugeriu que ela ofertasse numa só vez, três valores iguais à prestação de sua Mercedez-Benz, pois essa generosidade seria o divisor de águas, tendo em vista que Deus sondava o coração dela, e queria ver como ela se comportara verdadeiramente diante do que ele profetizava. Só assim - com tamanha generosidade - Deus lhe mostraria a fonte de dinheiro que ela jamais esperaria. "Há um rio escorrendo ouro para você, Deus enviou para você, e você precisa deixar ele desaguar em suas mãos", dizia o pastor.

Ela ouvia essas e outras palavras como uma sentença divina. às vezes titubeava, sentia calafrios, tremia, mas pedia perdão a Deus, tendo em vista que tudo aquilo era uma profecia divina e que o pastor era apenas o mensageiro. Mesmo com dificuldades, ela fez um empréstimo no valor de quatro prestações de sua Mercedez-Bens GLE, deu três para a igreja, em forma de dízimo – como o pastor orientou – e usou a quarta para pagar a prestação do carro. Estava convencida de que tudo aquilo era plano de Deus. Era Deus testando a sua fé, e ela não poderia duvidar, pois havia uma fonte de dinheiro prestes a jorrar em sua vida. Ela pensava como quem pensa dentro da mente do pastor e da pastora.
Muito convicta de que aquilo tudo tinha as mãos de Deus, vendeu uma propriedade que tinha na capital – nem estava previsto isso, pois tinha planos para aquele terreno – e deu de entrada na mais bela e espaçosa mansão do condomínio, cujo restante pagaria em 90 dias. Eis que findou o mês e a fonte dita pelo pastor não verteu nenhum dólar furado.

A agência telefonou: “dona Maria do Carmo, a senhora esqueceu de pagar a última prestação”. Ela era muito correta, e a cobrança lhe causou terrível mal estar. Então alegou que providenciaria tudo em uma semana, mas naquele mesmo dia o filho bateu a Mercedez-Bens numa Land Rover Evoque. Ela estava sem o seguro nos últimos três meses (não havia conseguido pagar), e surge mais uma despesa monumental na vida de dona Maria do Perpétuo Socorro.

Então ela propôs devolver a mansão que, inclusive, também acumulava o condomínio, mas o ex-proprietário, que também era pastor, e havia comprado um palacete no mais chique condomínio da região, alegou que não aceitava, pois também havia aplicado o resto do dinheiro em dois apartamentos para os filhos.

Naquela mesma semana, perdida num labirinto de dívidas, fora de si, sem forças até mesmo para suas típicas orações, dona Maria do Perpétuo Socorro teve um pré-infarto e foi internada num hospital público, tendo em vista que o seu plano de saúde estava com seis meses de atraso. Ela passou quinze dias internada. A estadia hospitalar foi uma tortura devido às mazelas típicas dos hospitais públicos.

Seus filhos ficaram chocados. Nesse período, nos cultos, o pastor e a pastora pediam aos irmãos que orassem por ela, pois “estava passando por provações”. Na primeira semana houve algumas visitas. Seu quadro complicou e lá se foram dois meses internada. Nenhuma visita mais, nem do pastor, nem da pastora, nem dos amigos, mesmo tendo disponíveis os seus carros de alto luxo já quitados e com seguro, tudo impecavelmente em dia.

Maria do Perpétuo Socorro deixou o hospital, e uma semana depois se arrastou aos bancos da igreja. Parecia um trapo humano. Havia nela um aspecto de gente louca. Olhos esbugalhados de quem tem espanto. O pastor e a pastora se aproximaram: “irmã, a senhora está numa provação, mas siga com fé, pois essa fonte de ouro que está vindo para a senhora é para sempre; é tão boa que tem exigido essa cruz tão pesada. Ela é uma depuração do seu espírito”.

E dona Maria do Perpétuo Socorro, mesmo sem forças para nada, acreditava. Aliás, essas últimas palavras deram-lhe mais ânimo. Ela imaginava que algo maravilhoso brotava de algum lugar, como mágica, pois somente um sofrimento tão grande poderia gerar essa dádiva. "O dinheiro brotaria da terra, afinal, “para Deus, tudo é possível”, disse-lhe o pastor.

Naquela mesma semana ela recebeu o ultimato da agência de automóveis. Teria que pagar tudo em quinze dias. A dívida assustava. A micro-empresa que ela possuía, entrara em processo de falência, os funcionários a colocaram na justiça. Em casa já não havia alimentos algum nos armários. As companhias de água e luz emitiam avisos de corte no fornecimento de seus produtos. A prestação na universidade dos dois filhos acumulava quatro meses de atraso. Aquela mulher do início, tão alto-astral, alegre, exuberante, elegantemente trajada com figurinos sofisticados e joias caras, que fazia o púlpito temer quando pregava, sempre cheia de vida, parecia uma alma vagante. Um sobejo de gente. Não sabia o que fazer.

A única coisa que restava eram joias da família, muito bem guardadas no cofre. Peças que ela dizia nunca se desfazer. Então mandou empenhorá-las no banco. O apurado rendeu apenas um farto supermercado, o pagamento da água, luz e as prestações na universidade. Penhor em Banco é assim, se vale vinte mil, eles pagam mil, justamente para dificultar que o empenhorado recupere as joias depois.

Entrou mais quinze dias na história. Ao contrário dos vaticínios pastorais, uma fonte diferente lhe apareceu. Era uma fonte que jorrava dívidas, vergonha das pessoas, humilhação, fobia de gente passando por perto, fobia de quem aparecia na portaria para falhar-lhe... dificuldades para se sustentar, desânimo, enfim uma fonte do mal. As três empregadas da casa a colocaram “no pau”, como diziam. A única ajuda que surgiu na sua vida foram uns irmãozinhos da igreja – gente muito pobre – que vinham limpar a casa, fazer a comida, e dar-lhe palavras de conforto sem pensar em nada em troca. A cúpula da igreja sumiu.

Suas dívidas foram parar na Justiça. Dona Maria do Perpétuo Socorro vivia dopada com remédios controlados. Quase não comia. Os filhos – que não foram preparados para a vida real – não sabiam como resolver nada. Foram acostumados a ter tudo nas mãos. Com o passar de um mês, ela não teve como pagar as joias empenhoradas e perdeu tudo.

Certa manhã, apareceu o pastor Gastão, sua esposa Enriqueta e propuseram uma “oferta dos deuses”, como disseram. Propôs que o filho dele – que era pastor também – compraria a mansão dela e o prédio de sua microempresa, cujo valor pagaria todas as despesas dela, já que a Mercedez-Benz poderia ser vendida, pois as avarias sofridas no acidente não inutilizaram o veículo, e ainda ficaria um pequeno valor para ela pagar uns cinco meses de aluguel numa casinha na periferia.

A própria pastora e o pastor fizeram o pacote com os bens adquiridos. Eles mesmos botaram o preço. "Coisa de pai pra filho", diziam. E a negociação foi feita. Logo dona Maria do Perpétuo Socorro estava instalada numa casinha de três cômodos. Os móveis precisaram ser vendidos de graça. Não cabiam no imóvel. Apareceu irmãos de todas as tocas e levaram tudo quase de graça.

Dona Maria do Perpétuo Socorro só teve sanidade – se assim podemos dizer – para esse último empreendimento, pois hoje ela está em depressão, cuidada por terceiros. Na verdade ninguém sabe o que ela tem, pois não consegue pagar bons médicos. Mas ela treme, quase sempre é muda. Está sempre babando. Quando fala, não fala coisa com coisa. Vive enclausurada em seu silêncio. Os filhos tentando a vida aqui e ali, sem muito êxito, pois eram acostumados à abastança. A sorte é que ela está aposentada com dois salários mínimos e uma vizinha lhe ajuda como pode. O aluguel consome quase a metade do valor do aluguel. Do contrário passaria fome.

Hoje mesmo apareceu um pastor em sua casa, lembrando aos seus restos de gente que ela não havia pago a dízimo daquele mês. Ontem uma amiga de infância de dona Maria do Perpétuo Socorro a visitou depois de procurá-la como quem procura agulha no palheiro. Há cinco anos elas não se viam. Mora na França. Perplexa, mesmo sabendo que a amiga não interagia mais, disse algo tão extraordinário que o autor dessa história escolheu deixá-la em letras garrafais:

“Minha amiga querida, se você, com a inteligência e disposição que sempre foi a sua marca registrada, com o seu espírito proativo e sua visão holística, tivesse caminhado sem igreja em toda a sua vida – ou ter feito de sua casa a sua igreja, já que tem esse lado religioso – hoje a sua história seria outra. Você foi uma das tantas soldadinhas de chumbo que tornaram a igreja milionária, e hoje ninguém lhe oferece sequer a Palavra. Quanto mais algumas "autoridades" religiosas que conduzem igrejas falam em dinheiro, prosperidade, carros, apartamentos de alto luxo, joias, viagens internacionais, barganham e cogitam valores dos dízimos etc (sempre associando o ser-cristão com as coisas materiais), menos são pastores. Acredito nas palavras do filósofo Nietzsche: “igreja, ópio do mundo”. Nunca esteve tão na moda essa disputa de igrejas, numa competição de quem apresenta o melhor circo dos horrores, cujo evangelho passa anos-luz, e é mero verniz atrativo. As igrejas dessa gente virou um misto de circo de horrores com banco, festival de bailados, danças macabras, falsas unções e milagres, teatro total, hospícios confundidos com terreiros. Sepulcro caiado. Cada uma que promova o seu "quem dá mais". Para os pastores – e agora as pastoras também – só 'venha a nós'. Para os fiéis, nada. Dia desses ouvi a negociação de uma igreja. Tratam como um negócio das Arábias. Os fiéis são contados por cabeça. Gado. "A igreja tal rende tanto de dízimo". "A igreja tal é fraquinha, só tem pobre". E Deus? "Ah! Deus? Deus é só o instrumento de ganhar dinheiro. O que importa é falar sempre em seu nome. Usar o seu nome é um abrir constante de porta. Mas só para eles!"

Estou perplexo com tais palavras. São reais demais! O mais interessante é que a amiga é milionária, e tem tanta consideração à amiga de infância que está disponível a ajudá-la. Ela quer tornar pelo menos mais confortável os seus últimos dias de vida. Para ela, isso é Deus...

O varal de Deus...

O VARAL DE DEUS…

Desde que Fídias começou a balbuciar as primeiras palavras, escrevi-as num caderninho para tê-las guardadas, cumprindo garantir-lhe futuramente o seu glossário infantil. Além de suas primeiras palavras, protocolei suas primeiras frases. Aliás, antes de ele nascer eu já colecionava pérolas saídas da boca de crianças abaixo de 6 anos. Crianças que encontrava nos eventuais da vida. Sou muito apetecido a palestras infantis, onde brotam perfeitas pétalas poéticas, instigadoras da escrita. É a melhor liga para poesia.

Quando Fídias experimentava os seus 4 anos de idade, brincávamos na calçada, matizados pelo âmbar do ocaso que divisava o horizonte. O céu traduzia uma ilusão azul recordando um manto sem estampas de nuvens. Fídias olhou esse firmamento e exclamou “olha, pai, o varal de Deus!”. Ele se referia àquele rastro branco que se forma atrás dos aviões a jato, nos mais longínquos céus, como se a aeronave puxasse uma imensa corda branca, que se destaca na imensidão azul.

Como sabemos, esse “varal” é feito das“plumas” de vapor de água que, sob determinadas condições atmosféricas, formam uma espécie de rastro branco por onde a aeronave voa em altíssima velocidade. Quem não matou as aulas de Física – para sermos mais “científicos” – sabe que esse risco branco é um simples fenômeno físico, proporcionado pelo calor das turbinas condensando o vapor de água, transformando-o em cristais de gelo, esticando o “varal de Deus” por onde o avião voe. Haja roupa para Deus estender!

Toda essa cientificidade jamais atingiria Fídias naquela primavera de bodas de frutas (casado ele com sua infância). Era pano para o seu ginasial. Então foi mais fácil pensar: “como Fídias sabe o que é um varal”? Mas logo percebi que para as crianças é muito fácil saber o que é um varal. Elas adoram sentar no chão para brincar, de maneira que um varal fica entre ela e o céu. Toda criança vê o varal antes do passarinho.Varal faz parte da visão delas, e pode se transformar num parquinho de diversão particular.

Fídias desprezou todos os brinquedos industrializados que ganhou. Apetecia-lhe os brinquedos invisíveis e desprezados a quintal, a propósito, os mais fascinantes exercícios para a criatividade infantil. Desse modo, ele não trocava barro, pedaços de pau, tijolos e qualquer coisa de canto de muro por um robô que emitia barulho e piscava luzinhas coloridas. Carrinhos? Não chegava nem perto! Dar brinquedo de loja para Fídias era intermediá-lo para outra criança.

Recordo-me de uns três ou quatro pequenos bonecos plásticos que o encantava, com destaque para o Homem Aranha (seus únicos brinquedos de fábrica). Esses envelheceram em suas mãos. Ele os enganchava em barbantes e os pendurava no varal de roupas do quintal ou do terraço. Passava o dia embalando brincadeiras com aqueles bonecos, criando histórias faladas ao modo ‘dialeto’. Só ele entendia o monólogo. Aliás, ele e “Crispin”, uma criança invisível que lhe fez companhia durante um naco de sua infância. Quem o visse nessas palestras, impressionava-se, pois Fídias respondia perguntas do amigo. Nesses colóquios o seu quintal era maior do que o mundo. Estando em casa o seu brinquedo tinha parte com os varais. Bastava esticar os olhos para o céu e lá estava um varal no meio do caminho…

Alysgardênia sempre aproximou Fídias das coisas celestiais, de modo que ele tinha latifúndios sobre o céu. Eu, anêmico e desnutrido desses mistérios - sem prejuízo para a minha retidão humana -, não atingia essa beatitude. Mas inventar um varal para Deus era ser muito infinito!

Fídias conhecia muito bem o que era um varal. Varal da casa. Varal de estender roupas para secar. Varal-brinquedo. Varal-Parque de diversão... Então, nessa tarde crepuscular, ele olhou ainda mais alto e teve a visão do “varal de Deus”.

Até hoje, quando olho o céu e dou conta desse fenômeno aeronáutico, tenho a visão do "varal de Deus". Creio que, dentre toda a humanidade, eu seja a única pessoa que conhece o “varal de Deus”. L.C.F. 2019




quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

História da nossa árvore de Natal...

 


A nossa árvore de Natal carrega 21 anos de idade, idade de Fídias. Foi comprada em 2000. Graças aos caprichos de Alysgardênia, esse ornamento natalino resiste, talqualmente os seus assessórios. Nem parece trazer esse tempo todo de história.
Alysgardência conta que sua mãe conservou a árvore de Natal da família por mais de 30 anos, fato este que é um prodígio, considerando que as bolas – naquela época – eram de um vidro fino como cabelo. Ficavam guardadas em caixinhas de papelão grosso, revestidas com fitilhos de jornal, e tudo renascia a cada dezembro, sob os cuidados da família inteira.
Guardar árvore de Natal durante anos não era exclusividade de sua mãe. Muitas famílias faziam isso, pois esse ornamento natalino não era tão comum naquele tempo. Não se encontrava uma árvore de Natal para vender em cada esquina, como hoje. Atualmente vemos árvores de Natal de infindáveis modelos e tamanhos. Há milhares de tipos de enfeites. Elas se tornaram praticamente uma peça descartável, tendo em vista o débil consumismo.
Nossa árvore hiberna durante onze meses numa caixa. E numa outra, descansam os adornos (festão, bolas, laços e outros enfeites). As bolas ficam revestidas em algodão industrial. Tudo é cuidadosamente despertado das caixinhas de papelão. Não há como elas se estragarem nesse sono tão aconchegante.
No início de dezembro, Alysgardênia desperta tudo, faz uma perícia, monta a árvore e veste-a cuidadosamente com o manto natalino. Tudo acontece como quem borda. É uma árvore simples, mas para nós é a mais importante de todas, pois tem as nossas impressões digitais, inclusive de Fídias que, desde os dois anos de idade, começou a “ajudar” a montá-la, deixando ali a gordura de seus dedos. Todo ano o ritual se repete... são digitais sobre digitais...

A nossa árvore é cúmplice de muitos episódios, pois ouviu 21 anos de histórias em família. Viu Fídias aprender a engatinhar, aprender a se agarrar na parede, dar os primeiros passos e dizer as primeiras palavras, presenciou as visitas dos meus sogros, hoje falecidos, testemunhou os amigos que nos visitaram, viu Fídias crescer juntamente com um seu amigo próximo que até hoje nos visita. Assistiu aos shows do Rei Roberto Carlos, ouviu as explosões dos fogos de artifício em Nísia Floresta e em Natal, sentiu o cheiro dos almoços natalinos, a ceia da virada do ano, enfim viu e ouviu tudo, sempre bela e silenciosa como deve ser toda árvore natalina.
Nossa árvore de Natal poderia ser repreendida como “fora de moda”, mas para nós, o que mais importa é a história que ela traduz. Algumas bolas mudaram levemente de cor, adquirindo matizes sépia. Para mim ficaram muito mais belas. Tenho a impressão de que ela interage conosco dessa forma, envelhecendo conosco, sem maquiagens, sem modismos. Quando as luzinhas são acesas se confundem com grisalho dos nossos cabelos. Quando piscam, prateiam os nossos cabelos, tão diferentes de há 21 anos...
Fídias está indo embora para Moscou. Vai estudar. É o seu último Natal acompanhado desse ornamento ininterruptamente. É mais um capítulo testemunhado pela árvore que quase o viu nascer. Se depender de nós, quando ele voltar, terá abrigo sobre as luzes desse mesmo pinheiro...

sábado, 18 de dezembro de 2021

Bandeira do Brasil, o que fazem a ti?


Ah! Bandeira do Brasil... que pena! Triste ver o que te fizeram. Quando lembro que aprendi o respeito devocional a ti, percebo o quanto és execrada. Era algo quase semelhante a um rito, mas o respeito era a tônica de tudo. Aprendi que tu tinhas até mesmo um padrão para ser dobrada. Aliás, para tudo o que dissesse respeito a ti havia regras. Regras que nos educavam enquanto crianças e jovens em formação. 
 
Tudo tudo tudo pedia o procedimento correto. O local certo para hasteá-la e arreá-la. A forma adequada para conduzi-la em eventos móveis. A disposição adequada durante solenidades fechadas e abertas. A orientação de nunca usar a tua imagem em qualquer outro objeto que não fosse tu. Lembro-me, com nitidez, na sala dos professores, onde se dispunha um móvel próprio para ti. Era todo em madeira de lei, uns dois metros metros de altura por quarenta de largura. Porta de vidro emoldurada de madeira com chave. E tu ficavas guardada, como se estivesse hasteada.
 
A ideia de bandeira era que tu exercesses sempre o nobre e significativo papel de bandeira e nada mais. Até - pasmem! - quando tu te tornavas velha, havia regra para seres descartada.
Minha infância e juventude foi pautada nesses ensinamentos e, LONGE DE TER SIDO ALGO ENSINADO PELOS MILITARES, COMO ERRONEAMENTE ALGUNS PROCLAMAM, todos esses ensinamentos em torno de ti representavam a legislação disposta no ato de sua criação e oficialização, e que eram respeitadas com naturalidade por todos, sejam civis ou militares.
 
O que fizeram a ti? – pasmem! – justo um presidente militar, um coronel que se cala diante do pano de chão que tu te tornaste. Fizeram de ti roupas para ir às ruas pedir a volta da Ditadura Militar, justo diante de ti “símbolo augusto da paz!”. Serves de manto a arrastar-te sobre cocô de cachorro pelas ruas, simbolizando – pasmem! – o pedido da volta do Ato Institucional nº 5, a pior tragédia contra a democracia feita até hoje em nossa história.
Hoje tu representas uma elite que agrava os abismos que separam o pobre da dignidade humana. Eles te expoem em janelas, vidros e antenas de carro, enfim fazem de ti a representação de genocidas, milicianos, corruptos, ignorantes e gente bruta e truculenta. 
 
Hoje tu sois usada para simbolizar o desmonte do Brasil. Fazem de ti um escudo aliado às igrejas – principalmente evangélicas -, simbolizando um "cristianismo" que prega o ódio, a inimizade, enfim o contrário de tudo o que Jesus Cristo ensinou. Usam a ti como roupa e pendão para destruir a Educação, a Cultura, a Ciência e a Filosofia, justamente esses pilares da formação humana, pois enfranquecendo-os, se fortalece a elite burra que ainda se sente como nos tempos pomposos dos senhores de engenho e poderosos coroneis.
 
Usam a ti para justificar todo tipo de preconceitos e tabus já vencidos há décadas pelos países realmente civilizados. Usam a ti para dizer – encubadamente – que a Amazônia é área de interesse internacional e firmar inúmeros acordos internacionais de exploração sem clareza, tudo escuso, desonesto, e que nem mesmo vocês - por falta de cognição - sabem a inconsequência e a dimensão do que endossam.
 
Usam a ti para privatizar o Brasil e fazer tudo aquilo que na época da eleição condenaram. Usam a ti para se sustentarem como num tapete voador, livrando apenas a eles e a seus asseclas, enquanto o resto dos brasileiros, fora do tapete, despencam num abismo da fome e da miséria.
 
Quantas vezes ouvimos os falsos patriotas teatralizarem discursos pautados em suas cores, apregoando ideias distorcidas, pois são terrivelmente ignorantes. Alegam que o teu verde representa as matas. E é mentira! Já legalizaram aqui no Brasil mais de 300 agrotóxicos proibidos em muitos países, e que destruirão a Amazônia em menos de 100 anos. Justamente para aumentar os latifúndios dos pecuaristas.
 
Usam a ti para dizer que o teu amarelo é o ouro e as riquezas do Brasil. É mentira. Eles entregam o nosso ouro verdadeiro que está longe de ser simbolizado com o teu amarelo. A Petrobrás é um desses pilares de riqueza, mas eles querem vendê-la, numa negociata de esquemas inimagináveis.
 
Usam a ti para exaltarem erroneamente o teu azul como símbolo dos nossos mares e céus. Mas é mentira! Os mares servem para seus passeios de ski aquático, viagens de lanchas de luxo, casas de praia de luxo, e os céus para verem os aviões agrícolas despejando agrotóxicos sobre as lagoas, rios e mananciais.
 
Usam o teu branco para discursar sobre a paz. Mas é mentira! São perversos, maldosos, cultuadores do ódio, da vingança. Deturpam fatos, criam fake news a todo instante. Usam a paz como mero discurso, e numa antítese incompreensível, fazem gestos imitando armas - pasme! - ao lado de pastores e crianças, e ainda insaciados – pasmem! – dentro das igrejas! A paz deles é feita de armas de fogo. 
 
Que pena, querida Bandeira Brasileira! Para mim, continuas representando tudo aquilo que li sobre ti. Mas justamente um presidente militar – falso, ignorante e perverso – ao lado de discípulos trogloditas, que não pensam no progresso do Brasil, mas apenas em politicagem e vantagens para si, seus familiares e aliados do mal. Usam a ti e te associam erroneamente às religiões, à família e ao patriotismo para – contraditoriamente – destruir o Brasil.
 
Mas eu – e a maioria dos meus irmãos brasileiros, queremos, sim respeitá-la. E queremos cantar os versos abaixo, os quais nos simbolizam hoje. Tenha certeza, amada Bandeira Brasileira, que nós, sim, te respeitamos e te saudamos nessa nobre data.
 
Sobre a imensa Nação Brasileira
Nos momentos de festa ou de dor
Paira sempre sagrada bandeira
Pavilhão da justiça e do amor!

 

Patrimônio histórico de São José de Mipibu/RN, o que deixarão para as crianças?


 Quando esquadrinhamos essa e outras fotografias nos assustamos, pois começamos a pontuar o que restou e o que virou metralha. Pensamos sobre o que deveria ser conservado e a necessidade de um olhar político, social, cultural e educativo sobre as edificações que sobraram em São José de Mipibu. 
 
Em 1992, quando vi pela primeira vez esse conjunto do centro de São José de Mipibu, principalmente o largo onde acontecia a feira municipal, um sentimento de encantamento tomou conta de mim. vi que tudo era exatamente como a minha mãe me contava. Passei uma tarde inteira contemplando cada prédio, cada detalhe. Era como se eu estivesse dentro de uma cidade colonial portuguesa. Era como se eu estivesse dentro de uma daquelas pinturas incríveis dos livros de História do Brasil. Também me senti num museu arquitetônico a céu aberto. Parecia que tudo estava congelado no tempo. Mas já não é mais igual há 28 anos.
 
A sociedade e as autoridades mipibuenses precisam ser provocadas PELO POVO MIPIBUENSE (isso é para ontem!) a refletir e tomar providências com o seu patrimônio histórico, do contrário não demorará muito só veremos o "moderno", as famosas "caixas de sapato". Tudo será destruído.
 
Os vereadores mipibuenses e o poder executivo, juntamente com representantes de entidades que trabalham com o patrimônio histórico, devem, com urgência tomar providências para salvaguardar o que sobrou em São José de Mipibu. Isso é tão necessário quanto se alimentar. 
 
Enquanto a maioria dos que estão no poder continuar sem priorizar a salvaguarda de seu patrimônio, estarão legando às crianças, aos futuros homens e mulheres de amanhã, a atitude covarde e egoísta de impossibilitá-los de conhecer e se encantar com a sua História. A cada prédio demolido é a identidade histórica de um povo desaparecendo.
 
Estamos construindo uma juventude alienada somado a outros fatores. A cada edificação que se derruba é uma punhalada na História, na memória, na alma do homem mipibuense. Não se quer dizer que deveríamos "congelar" tudo e pararmos no tempo, mas criarmos políticas públicas de conservação e manutenção dos imóveis que tenham relevância histórica. 
 
As autoridades mipibuenses deveriam pontuar - dentro de um projeto que você está cansado de saber - o que realmente é significativo e importante para a História, e idealizar um contexto de preservação e manutenção. Tudo isso pertence a todos e não pode ser dilapidado por pessoas ignorantes, que acham que devem demolir sem se dar conta de que sua atitude é criminosa. Ser dono não é o bastante. E como fica a desapropriação? É tudo muito simples: é só elaborar um projeto na Câmara, em comunhão com o executivo, negociar com o dono e comprar aos poucos esses prédios, transformando-os nem que seja em secretarias municipais, órgãos públicos. O correto seria transformá-los em museus e espaços de cultura, mas como isso soa meio alienígena a algumas autoridades, virar secretaria está de bom tamanho.
 
Têm coisas que fogem da simples alçada de uma herança. Resta às autoridades mipibuenses olhar com civilidade para as sobras desses tesouros incalculáveis que ainda enchem os olhos de quem sabe o seu valor. Estive em São José e Mipibu recentemente e me assustei... Como as pessoas são passivas e permissivas... Minha gente, acordem! Lembrem que essa cidade é um museu vivo - quase que do Brasil. É um município que concentra uma overdose de História, de figuras notáveis... 
 
São José de Mipibu já foi o município mais rico e importante da província do Rio Grande do Norte. Esse local já concentrou fatos históricos memoráveis, expostos na História do Rio Grande do Norte para qualquer um ler. Mipibu concentrou uma gama de homens cultos, pensadores que decidiram o futuro da província. A vida da província era decidida aí... Autoridades mipibuenses, não deixem isso morrer! Vocês não percebem que não resta quase nada? Quem de vocês dirá "São José de Mipibu, presente!" na casa onde se faz a lei?

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Mertiolate - Bela crônica de Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, professora universitária e escritora

MERTIOLATE

Existem armas claramente perigosas: revolveres, rifles, espingardas. Não entro no mérito da discussão do que seria legal ou ilegal, mas, confesso, tenho medo destes objetos. Li, ainda na adolescência “O menino do dedo verde” e trocaria, facilmente, as armas de fogo por jarros de planta, apesar de não conseguir cultivá-las. Bem, isto é outra história. Entretanto, um mundo florido e cheio de folhas de diferentes formatos e tons de verde seria muito mais charmoso que o mundo exposto nos jornais da TV na hora do almoço…

Outros objetos tornam-se armas em mãos erradas. Carros, facas, canivetes, giletes. Hoje na missa pensava naqueles que perderam suas vidas nos carros. Por estarem passando na rua na hora errada enquanto outros faziam “pegas” ou “rachas”. Perderam suas vidas, seus futuros, as histórias que ainda iam desnudar… Pergunto-me até onde Hollywood e Tarantino invadem o imaginário e fazem com que estas coisas comuns ao nosso cotidiano tomem um caminho tortuoso e massacrante. Por favor, não me entenda mal! Não culpo Tarantino (curto seus filmes!) nem os demais filmes hollywoodianos (fazem parte do meu dia-a-dia). Porém, percebo neles um campo de experimento para mentes desocupadas. Não sei se me fiz entender. Não entendo o que deveria entender… Talvez por não ser mesmo para ser compreendido nem vivido, seja apenas um distúrbio da vida que deveríamos viver…

Entretanto, estas armas não são tão comuns como a mais cruel: as palavras! As palavras têm o poder de curar e de matar, de elogiar e destratar e, diferente das demais armas, não há remédios para apagá-las. Foi dito? Marcou. Marcou como uma tatuagem. Lava-se mil vezes, mas não apaga. Usa o laser, mas não desaparece. Tatua-se por cima, mas quem tem a marca sabe que, lá na camada mais profunda… ela está. São as palavras…

Hoje com as redes sociais, parece-me que as pessoas se escondem por trás de suas telas de computador ou celulares – sempre à mão – e, mais rápido que se possa imaginar, chega a ferida.

Vive-se procurando curtidas, likes de uma vida perfeita aos olhos dos outros. Vive-se contando os comentários, tantas vezes mentirosos, impetuosos ou desrespeitosos. Vive-se preocupado com o número de seguidores, que deixam de seguir na mesma velocidade que o álcool em gel seca em nossas mãos. Mas, através disto, alguns perdem empregos, amizades ou a vida.

Uma arma. Uma arma de fácil e rápido acesso. Uma arma contagiosa, talvez mais do que um vírus. Uma arma que todos temos e usamos arriscadamente. Uma arma que dilacera invisivelmente a carne… a carne do coração, da alma…

E, assim, tive saudade do mertiolate. O mertiolate “raiz”, que se passava com aquela “pazinha” quadriculada transparente. O mertiolate que ardia pra caramba, mas junto ao sopro da mãe, logo curava a ferida causada por um tombo, uma queda de bicicleta, um arranhão ao subir numa árvore.

As dores causadas pelas palavras são mais profundas e ainda não vi mertiolate para elas… Uma pena… Pois vejo uma sociedade dilacerada pelo uso das próprias armas…

Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, professora universitária e escritora

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Acta Noturna - Coronel José de Araújo - De Presidente da Intendência da Vila Imperial de Papary a Deputado Provincial - Uma história que não está na história...

 “A História muitas vezes é como um prato de louça quebrado, jogado no quintal e, cem anos depois, procurado com muito esforço, cujas partes vão sendo recolhidas, limpas, comparadas, juntadas… e assim reconstituída a peça, cujos fragmentos minúsculos são localizados com muito mais dificuldade, e muitos nunca aparecerão, deixando lacunas jamais respondidas”. Isso acontece com a história do Cel. José de Araújo. A cidade de Nísia Floresta praticamente não sabe nada sobre ele.
 
Há muitos anos, mergulhado em velhas bibliotecas e instituições guardadoras de documentos, lendo uma coisa aqui, outra ali, fui juntando fragmentos sobre o Cel. Joaquim José de Carvalho e Araújo. Confesso que é o objeto de pesquisa mais difícil que já encontrei.
 
Hoje de manhã, recebi uma ligação do Sr. Aluísio Lacerda, coordenador do Memorial da Assembleia Legislativa. Ele explicou que vem pesquisando no meu blog, e queria saber se além de dois padres que foram deputados provinciais, e do Dr. Antonio de Souza, que foi deputado estadual e governador, que cito em alguns textos, existiam mais outros nisiaflorestenses que foram parlamentares. Então eu informei que existia o Coronel José de Araújo, que exerceu o cargo de deputado provincial (hoje equivale a deputado estadual), por mais de cinco legislaturas.
 
Então expliquei para ele que faço essa pesquisa há anos, mas, como costumo dizer, “com a mesma pressa dos poetas: detesto escrever por encomenda”. Na realidade, o texto já está cronologicamente organizado, mas com algumas lacunas. Recentemente descobri a data do seu falecimento. Falta a data do nascimento. Mas, enfim, ainda não publiquei, embora trago bastante informações inéditas sobre o velho intendente.
 
Um intelectual potiguar conta que achava o Cel. José de Araújo muito parecido com o Barão do Rio Branco, e de fato há muita semelhança. Ele era irmão de Acúrcio Marinho de Carvalho e Araújo, donos do Engenho Boa esperança, na comunidade do Porto. Infelizmente hoje não existe nem mais os alicerces, mas foi um empreendimento bem próspero.
 

Cel. José de Araújo era um fiel aliado de Pedro Velho. Vivia em Natal, nas rodas políticas e nas festas de gala. Vestia-se impecavelmente. Era um homem muito branco e trazia as maçãs do rosto bem rosadas. Suponho que ele era filho de portugueses. Foi amigo do pai de Câmara Cascudo dentre inúmeras figuras de escol. 
 
Era defensor ferrenho da Oligarquia Maranhão e, assim como ocorreu à sua função de presidente da Intendência da Vila Imperial de Papary - cargo dado pelo Presidente da Província (Governador) - da mesma forma ele foi alçado aos mandatos de deputado provincial - cargo também dado pelo Presidente da Província (governador). Essa escolha se dava justamente por sua fidelidade, e pelo fato de ele defender os “Maranhão” com unhas e dentes. Obviamente que era inadmissível que um cargo tão cobiçado e de grande status fosse dado para um político duvidoso (não era o caso do Cel.).
 
Ser presidente da Intendência significava ter os votos na palma da mão, garantindo a eleição dele próprio e do governador da província, e isso só acontecia pelas famosas “brejeiras”, ou seja, votos de cabresto, cujos papéis iam para as urnas já preenchidos com os nomes de quem eles queriam, ou eram preenchidos depois, acaso ocorresse qualquer traição. E para que tal maracutaia fosse certeira, o presidente da província devia ser a “pessoa de confiança” do presidente da província.
 
Quem diz que hoje a política em Nísia Floresta é um balaio de gatos, precisa ter conhecido os fatos passados na Vila Imperial de Papary, envolvendo o Cel. José de Araújo. Pense numa história cabeluda! Opositor para ele era o mesmo que o diabo. Ele não tolerava, e assim como Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, presidente da província (governador, no dizer de hoje), que perseguia quem não se aliasse aos seus projetos políticos, como fez ao professor e Jornalista Elias Souto, dono do primeiro jornal de São José de Mipibu, que depois se tornou o Diário de Natal, se precisasse, o Cel. José de Araújo recorria aos recursos bélicos, conforme está registrado nos anais da História. O pobre Elias Souto era cadeirante, e Pedro Velho o transferiu para o Caixa Prego, pois ele era professor concursado. Assim, teve que renunciar ao cargo.
 
Cel. José de Araújo era fogo na roupa… mas, para não dar spoiler, fica aqui apenas essa entrada. Depois virá a refeição completa. Estou precisando apenas de um dado que considero muito importante, e quero publicar já com essa informação.
 
Pois bem… eis que hoje recebo essa ligação e passa todo esse filme na minha mente. já estava esquecendo de dizer. Amanhã, conforme esse senhor me disse, estará indo a Nísia Floresta com uma equipe, cuja Assembleia Legislativa fará um evento naquela cidade em fevereiro, e certamente irão lá para rascunhar os primeiros croquis. Boa sorte aos envolvidos!

 

domingo, 5 de dezembro de 2021

Patrimônio Histórico de Nísia Floresta - Resposta da Arquidiocese de Natal às denúncias relativas a descaracterização da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, em Nísia Floresta, RN.


Carta que recebi da Arquidiocese de Natal, em 2019, em resposta às denúncias escritas e assinadas por mim, decorrentes da descaracterização da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó. Para ficar registrado para a posteridade, estou trascrevendo-o. Nos próximos dias vou escanear e colocar a imagem do documento original.

"Natal, 4 de dezembro de 2019

 Prezado Luís Carlos Freire,

A arquidiocese de Natal e o Arquivo Metropolitano da Arquidiocese de Natal (AMAN) tomaram ciência das criticas e sugestões que o senhor fez acerca das reformas da Igreja de Nossa Senhora do Ó em Nísia Floresta. Gostaríamos de agradece-lo pela generosa contribuição, que nos ajuda a ficarmos atentos para a questão da preservação dos Bens Culturais da Igreja. Criticas como as suas nos ajudam a alerta e sensibilizar o clero para esta pauta tão importante.

 O Arquivo Metropolitano da Arquidiocese de Natal tem feito o possível, sempre dentro de nossas poucas possibilidades, para fomentar politicas institucionais de preservação dos Bens Culturais da Igreja. Desde 2018 começou a implantação das disciplinas de Bens Culturais da Igreja I e Bens Culturais da Igreja II. A primeira disciplina foca na sensibilização e educação patrimonial do futuro clero e a segunda disciplina prioriza a gestão dos bens e os mesmo como objetos de pesquisa. A culminância das disciplinas ocorrem sempre no fim do ano.

 Em 17 de dezembro de 2019 ocorrerá a segunda edição do Colóquio de Bens Culturais da Igreja no Rio Grande do Norte. A partir das 9h teremos o minicurso de Gestão de Arquivos Eclesiásticos e ás 14h uma mesa redonda sobre Gestão dos Bens Culturais da Igreja, ambas as atividades ocorrerão no auditório do Seminário de São Pedro.

 A Inscrição para o evento pode ser feita pelo link a seguir:

 http://arquivoarquidiocesedenatal.blogspot.com/2019/11/ii-coloquio-de-bens-culturais-da-igreja.html

 Em nosso blog o senhor poderá conhecer um pouco mais do trabalho que estamos desenvolvendo. Link a seguir:

 http://arquivoarquidiocesedenatal.blogspot.com/

 Obrigado pelas contribuições.

 Atenciosamente.

 Equipe AMAN

 Ir. Vilma Lúcia de Oliveira FDC

COORDENADORA GERAL DO ARQUIVO METROPOLITANO DA ARQUIDIOCESE DE NATAL"

 

Poliana Cláudia Martins da Silva Dantas

 

DIRETORA DE CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO ARQUIVO METROPOLITANO DA ARQUIDIOCESE DE NATAL

 

Cláudio Correia de Oliveira Neto

 

DIRETOR DE PESQUISA E DIFUSÃO DO ARQUIVO DA ARQUIDIOCESE DE NATAL

 

 

 

 

Os sertões - Euclides da Cunha (Reflexão)


Em 1989 li o clássico OS SERTÕES, de Euclides da Cunha. Ele foi enviado pelo jornal Folha de São Paulo para a Bahia para cobrir a guerra de Canudos: uma revolta pelo intelectual Antonio Conselheiro. Essa obra é, no dizer de Antonio Cândido, “precursora no desenvolvimento das ciências sociais nos anos 30 e 40”. O autor acaba trazendo a baila o pensamento nacional e os questionamentos sobre o atraso do desenvolvimento no interior do Brasil e do próprio país em relação aos outros.

 Euclides da Cunha inicia fazendo uma descrição perfeita da seca do nordeste e dos elementos que a integram, inclusive o vaqueiro. Há partes que parecem terem sido escritas hoje. Depois ele conta a história de duas famílias inimigas: os Araújo e os Maciéis, nessa última, faz parte Antonio Conselheiro, ou simplesmente Antonio Vicente Mendes Maciel, os quais eram pessoas de considerável poder aquisitivo para os padrões de sua região. Alguns episódios são comparáveis à história de Lampião, haja vista a injustiça que velhos coronéis, políticos e juristas cometeram contra a família Maciel, os quais eram pessoas de bem. Sabe-se que as brigas familiares, no sertão do Nordeste, tinham sempre como fatores determinantes a luta pela terra e pelo poder político. E o Estado sempre ficava do lado dos grandes latifundiários.

 Penso que uma série de fatos injustos acabou condicionando Conselheiro a abraçar a causa da defesa da terra para quem não tinha. Não foi mais que isso. E ele fez com muita inteligência, pois, além de ser um homem culto, era extremamente focado (embora muitos o vendem como insano, beato etc). Seu discurso impressionava pela profundidade e pelo conhecimento que ia da Bíblia aos mais importantes clássicos.

 Ele assumiu pastas públicas respeitáveis, como escrivão de juiz de paz, requerente do foro, advogado provisionado, além de ter montado escola onde era professor. O fato de a sua história ser mal interpretada ou contada por pessoas preconceituosas faz com que o vejam de forma negativa. O próprio Euclides é infeliz em vários pontos, embora o grosso da obra seja fundamental para a leitura de todo brasileiro. A guerra durou de 12 de novembro de 1896 a 5 de outubro de 1897, ou seja, logo após a proclamação da república.

 O Arraial de Canudos atraia todas as categorias: artesãos, pequenos proprietários expulsos de suas terras pelos grandes ou pelo fisco, imigrantes, alforriados, escravos fugidos, elementos de todos os tipos, mas rezavam a cartilha da organização, da partilha, da “união faz a força” etc. Mas como ninguém tem bola de cristal, é certo que muitas pessoas – inclusive autoridades respeitáveis –abandonaram suas vidas e seus cargos para seguir o Conselheiro, pois eram inimigos do novo regime republicano recém-instalado.

 Canudos tornou-se uma Canaã e fez medo à República que engatinhava desorganizada e politiqueira. Obviamente Antonio Conselheiro tinha lido Utopia, de Tomas More. Não é possível! E fez bom uso. Certamente a origem histórica de Canudos deu-se na ideologia desse clássico de More. Interessante era que ele recebia o mais profundo respeito das pessoas adeptas a Canudos, por pura admiração e pelo espírito igualitário como eram tratados. Foi um homem respeitado por muitos, desde mendigos a autoridades, inclusive, ao contrário do que alguns apregoam, até alguns padres o admiravam. 

 Certos trechos do pouco que ele deixou escrito são antológicos e não ficam atrás do que falaram ou escreveram os maiores abolicionistas. Infelizmente os governantes não entenderam quão visionário fora Antonio Conselheiro. O jeito foi matá-lo. E olha que deu trabalho, pois precisou de cinco expedições. Vieram militares de todo o Brasil, nos mais altos postos.

 Quase todos morreram pelos “jagunços” do Conselheiro, os quais eram em número superior aos pelotões de todo o Brasil. Precisou então fazer uma “salada brasileira de soldados”, na qual ia de gaúchos a nortistas. Mais de seis mil homens, canhões e as mais potentes (para a época) armas de fogo.  Tanto o pelotão do Conselheiro quanto o pelotão dos militares (expedicionários) teve um inimigo em comum: a seca! Ela matou a muitos. A história vale a pena ser lida, relida, refletida e imitada pelos políticos brasileiros. (escrito em 2014)