ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

domingo, 29 de outubro de 2023

Casa de pedra do distrito de Pium, em Nísia Floresta, Rio Grande do Norte..


Depois da publicação de uma fotografia da casa de pedra de Pium - ou Pirangi - como queiram, surgiram alguns questionamentos que pedem esclarecimentos, baseados na historiografia local. 
 
1) A casa, situada em área nisiaflorestense, foi tombada pela Fundação José Augusto no dia 17 de fevereiro de 1990; 
 
2) Até hoje não foram feitos estudos arqueológicos no local;
 
3) representa uma das maiores relíquias do Rio Grande do Norte (embora não seja atribuído a ela o devido olhar em termos de políticas públicas); 
 
4) Fátima Martins, uma pernambucana que fez um estudo sobre a casa nos conta que existe um mapa francês, desenhado por Jacques de Vaulx de Claye. Nele está explícito o rio Pitimbu. Não está distinguido o rio Pirangi. E informa que no dito rio existia um ancoradouro e um riacho de água doce;
 
5) Dei uma consultada em Tavares de Lira (1982). Ele informa ser uma casa de construção portuguesa do período colonial, época da guerra dos bárbaros, no século XVII. Ele diz ser a casa de João Lostan Navarro, que teria morado ali de 1603 a 1645 (Obs. No meu blog existem pesquisas que esclarecem esse assunto);
 
6) Olavo de Medeiros Filho, historiador, escritor, falecido recentemente, apaixonado pela história do RN, escreveu, em 2001 que trata-se de uma construção francesa, construída em 1570, durante a febre da retirada de pau brasil da nossa costa. A região de Nísia Floresta emendava-se a Natal numa floresta quase intransponível dessa espécie, trecho onde os franceses fizeram a festa, abarrotando suas embarcações com pau Brasil. 
 

 
 
Olavo diz que a casa era uma espécie de quartel dos franceses, cujos mesmos guardavam preciosidades diversas que eram destinadas a França. Por tal motivo a casa tinha características de uma fortaleza. Eram muitos piratas e contrabandistas franceses que andavam por nossa costa. Levavam tudo: mel, âmbar, penas, animais, búzios, madeira, mudas de árvores... tudo... 
 
Eles desempenhavam uma atividade comercial fluente na barra do rio Pirangi. OBS. Pirangi, nessa época tinha o nome de "Porto de Búzios", portanto alguns, quando encontram a informação sobre a grande movimentação ocorrida no Porto de Búzios, pensam que tenha sido exatamente em Búzios. Mas não. Foi em Pirangi, conforme comprovam os documentos. 
 
A Casa de Pedra de Pirangi é o único elemento concreto da presença dos franceses nessa área. Medeiros Filho (1988) também informa que segundo o Tratado Descritivo do Brasil, publicado em 1587 faz referências aos locais que os franceses comercializavam, citando o referido Porto de Búzios, que é Pirangi. 
 
Tavares de Lira informa que Frei Vicente de Salvador (sec. XVII) se baseia numa carta de Manuel de Mascarenhas Homem, dirigida ao rei de Portugal reclamando sobre os franceses que estavam tomando conta da região. 
 
Medeiros filho diz, ainda, que em 1598 Gernitsz, comandante francês, se refere a dita localidade como Pirangi ("pieran sud") e diz das madeiras que ali chegavam para serem guardadas, vindas de 100 léguas dali, localizada entre Pierand Sud (Pirangi) e Oratapryca (Baía Formosa). 
 
Creio que, para quem deseja uma boa noção sobre essa casa, tais informações ajudam muito. Se os que gostam de História quiserem comentar, sintam-se a vontade! (2011).
 
Para quem não conhece e deseja ir até lá, segue o mapa que desenhei para facilitar. É o mapa do tesouro. LUIS CARLOS FREIRE - E-MAIL brasilcentauro@yahoo.com.br

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Inauguração do monumento em homenagem ao centenário do nascimento de Nísia Floresta - 1909...


Autoridades norte-rio-grandenses ao lado do monumento em homenagem à intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta. Pelo aspecto, suponho que o registro foi feito em 1909, embora a informação no banco de dados da Biblioteca Nacional e outros acervos foram ao público em 1913. Desde 2014, quando localizei a imagem na Biblioteca Nacional, na Revista Ilustrada e outras, tento reconhecer as pessoas que estão nela. Tenho palpites para cinco delas. Algumas parecem muito óbvias. Nós, que vivemos com a cara enfiada em ácaros velhos, temos um banco de dados imagéticos no cérebro, decorrente da constância de nos deparamos com fotografias velhas em livros, jornais e documentos. Isso nos ajuda a identificá-las, muito embora podemos obviamente nos enganar.

Dizem que “informação é poder”. É com esse “poder” que darei os meus palpites, partido das informações que tenho. Li em algum lugar o nosso mestre Cascudo contando sobre a amizade do seu pai, Coronel Cascudo, com o velho Coronel José de Araújo, de Papary. Ele faz a descrição do velho intendente de maneira tão rica que me enche de autoridade para supor que uma dessas pessoas da fotografia é justamente o dito coronel Araújo.  Embora Cascudo usa outras palavras, deixa claro que o intendente era “cagado e cuspido” o  Barão do Rio Branco. Agora me respondam: quem nessa fotografia lembra o Barão do Rio Branco?


 
Existe uma galeria de ex-prefeitos na Prefeitura Municipal de Nísia Floresta, feita sob os cuidados do professor João Lourenço Neto, que também foi prefeito em duas gestões. Nesse espaço vemos a fotografia do Coronel José de Araújo, primeiro presidente da Intendência da Vila Imperial de Papary. A julgar pela imagem desse intendente, assino embaixo das palavras cascudianas. É a cópia fiel do Barão do Rio Branco. Pois bem, todo esse preâmbulo para dizer que não tenho dúvida  de que a quinta pessoa (da direita para a esquerda) seja o Coronel José de Araújo.

Vemos quatro pessoas encostadas na cerca frontal. A primeira pessoa (lado esquerdo) com mão direita na cintura e braço esquerdo na cerca de madeira, suponho ser o coronel Cascudo (1863-1935), pai de Câmara Cascudo. Ele teria 46 anos nessa fotografia. Acredito que a sexta pessoa, do lado direito do coronel José de Araújo, seja o então governador Alberto Maranhão (1872-1944). Ele teria 37 anos de idade. (inclusive esse monumento foi construído em seu governo em parceria com o Congresso Literário). Suponho que à esquerda do coronel José de Araújo seja o então prefeito de Natal, Romualdo Galvão (1853-1890), muito amigo de Alberto Maranhão e dos demais presentes. Ele teria 56 anos de idade.

Ao lado do coronel Cascudo, encostado à cerca, com roupas clericais, suponho ser o padre Antônio Xavier de Paiva, vigário de São José de Mipibu à ocasião. De frente à cerca, primeiro à direita, com as mãos na cerca de arame, creio que seja o jovem Câmara Cascudo na casa dos 12 anos de idade.

Com relação a essa rara fotografia com tantas autoridades importantes juntas, se trate do dia da  inauguração do monumento. Qual evento atrairia tantas autoridades a um local de difícil acesso? Há um registro de 1918, escrito por Henrique Castriciano, descrevendo a sua dificuldade para chegar a esse local, transpondo atoleiros e mata. Grande parte do caminho de acesso ao local é área de paul (varjões). Hoje a estrada é de asfalto, foi feito aterro, mas é muita água na região. 
 
Essa fotografia, na minha opinião, se deu no dia 12 de outubro de 1909, quando supunham ser o centenário do nascimento de Nísia Floresta. Em 1928, Oliveira Lima dava esse natalício como sendo em 12/10/1810, mas outros intelectuais renomados supunham que a data certa seria 12/10/1809, portanto houve esse equívoco, tendo-o construído aos 99 anos do nascimento de Nísia Floresta. Observo também uma curiosidade: ironicamente não há uma mulher na fotografia.

Pois bem, como os acervos onde a presente fotografia foi publicada não informam quem são as autoridades nela registradas, e mencionam apenas o monumento, ficam as minhas suposições no aguardo de que outros mentalizadores da iconografia potiguar possam ser mais felizes, decifrando os demais personagens ou dirimindo possíveis enganos meus. Quem vai ser o primeiro a tentar?

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Seguem, abaixo, fotografias de alguns personagens que citei para que o leitor compare.

     

Câmara Cascudo, pré-adolescente (Ludovicus)

 


Padre Antonio Xavier de Paiva, embora idoso, conserva os traços observados na imagem junto ao monumento, bem jovem. (Prefeitura de São José de Mipibu)
 

Romualdo Galvão (Brechando)
   




Alberto Maranhão (Wikipédia)





Coronel José de Araújo, primeiro presidente da Intendência de Vila Imperial de Papary, hoje Nísia Floresta (Prefeitura de Nísia Floresta)

Coronel Cascudo ("Coronel Cascudo O heroi oculto", Anna Maria Cascudo Barreto).

O pequeno Cascudo criança ("Coronel Cascudo O heroi oculto", Anna Maria Cascudo Barreto).

Coronel Cascudo, esposa Donanna e o pequeno Cascudo criança ("Coronel Cascudo O heroi oculto", Anna Maria Cascudo Barreto).

Coronel Cascudo ("Coronel Cascudo O heroi oculto", Anna Maria Cascudo Barreto).

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Outubro, mês de Nísia Floresta...

 
Este evento, ocorrido em 2006, registra o lançamento do projeto "Nísia Floresta Uma Brasileira a Frente de Seu Tempo" (Projeto Memória), ocorrido em Nísia Floresta. Aqui vemos a governadora Wilma, a escritora Schuma Schumaher, equipe da Fundação Banco do Brasil (Projeto Memória), Correio Brasiliense e diversas autoridades. Esse projeto disponibilizou para todo o Brasil um kit contendo um livro foto-biográfico sobre Nísia Floresta, um almanaque didático para professores, um DVD e um VHS com um documentário sobre Nísia Floresta. 
 

 
 CURIOSIDADE: Você não encontra esse material em nenhuma instituição pública de Nísia Floresta, embora vários kits foram entregue ao município porque sou testemunha. Qual seria a explicação? Curiosamente, dia eu estava presente num estabelecimento público, em 2017, quando vi uma professora de Nísia Floresta exibindo um vídeo-documentário que mostra Isabel Gondim como sendo Nísia Floresta num evento público fora daquele município. Então eu perguntei a ela “Por que você não usa aquele vídeo-documentário feito pela Fundação Banco do Brasil? Ele não tem nenhum erro de fotografias, nem da história”? Ela apenas riu um sorriso de medusa. Como traduzir isso?
 

 
 
 

 
 

 
 



Estrada Boiadeira

 
A cidade é dividida por uma serpente preta
Vez em quando engole uma criança.
Quando ia-se a Campo Grande
Um risco de estrada antiga acompanhava a viagem ao longo da serpente de piche.
Aquela alma de terra datava das minas de Cuiabá
Dá dó do caminho órfão
Sem pedras,
Sem tropas,
Sem viajantes…
(Um risco quase invisível)
Felizmente os bichos a honravam...
Talvez solidários ao seu abandono.
Nem andarilhos viajam nela.
Às vezes desaparece de mato e ressurge adiante
Igual que contorno de lápis,
Depois se despreza a rio...
Mas possui uma curiosa característica:
Impõe-se,
Mesmo escondida de árvores, resiste, é forte
Parece dizer:
“Sou pioneira!”
Enquanto o meu corpo viajava de carro
Meus olhos viajam de Boiadeira,
Percorrendo-a
Num verdadeiro esconde-esconde.
Por que minha curiosidade?
Contou meu pai que é a antiga Estrada Boiadeira,
Trajeto dos desbravadores do Mato Grosso no século XVIII,
Caminho das comitivas de peões de boiadeiros...
As telas de Hercules Florence registram o episódio,
Caminho de gado viajado a berrante para São Paulo e Paraná, Maracajú, Aquidauana, Rio Brilhante, Pedro Juan...
Trajeto de carros-de-boi lesmando pessoas e víveres
Rumo a Campo Grande, Cuiabá, Corumbá...
Nela viajou a Carmelita
Do Paraguai ao Porto XV...
O fiapo tinha modos de desprezo
Por isso me fascina.
Sinto pena de seu abandono.
Estradas boiadeiras são como veias no corpo do Mato Grosso do Sul,
São bondosas,
Saudosistas,
Nunca mataram animais silvestres.
Muitas voltaram a ser veredas,
Noutras despejaram piche.
E assim sobrevive a estrada Boiadeira…
Risco solitário a lápis...
Exemplo de resiliência
Faz sozinha a sua história...
Creio que muitas pessoas têm a alma dessas estradas...

 

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Nísia Floresta, uma mulher forte...


A vida da nossa Nísia Floresta nunca foi um mar de rosas. Talvez um mar de rosas com muitos espinhos. Se pedirem exemplo de alguém que superou os maiores obstáculos - a ponto de 210 anos após o seu nascimento estar em evidência por sua história de vida - encontramos pouquíssimos. Raros. Nísia Floresta é esse nome. Mas como isso pode ter acontecido a uma pessoa que nasceu num lar onde não lhe faltava nada? 

 
Ela nunca passou necessidades. Não precisou pular esse obstáculo. Verdade! Mas o contexto que ela viveu consistia no próprio obstáculo. Muitos estudiosos afirmam que Nísia Floresta casou naqueles moldes antigos, gente prometida, casamento arranjado... Mas isso é muito improvável a alguém que teve um pai e uma mãe como ela. Casar adolescente naquele tempo era normalíssimo. 
Algumas mulheres se casavam até mesmo com 12 anos. Acredito que Nísia Floresta se casou por livre e espontânea vontade. 
 
Lembremos que ela foi a tradutora da obra mais polêmica de Wollstonecraft. Mas nesse tempo ela nem imaginava que leria a obra. Refiro-me à personalidade de Nísia Floresta. Por que ela leu justamente essa obra diante de tantos romances que escorriam mel? Foi logo esse o livro que anos depois a encantou, a ponto de buscar nele inspiração para uma nova obra tão polêmica quanto. Casada, ela se viu numa prisão porque o marido não entendia a liberdade contida nela. 
 
Nísia queria ler, viajar, estudar, escrever, conhecer outros países, mas não como turista. Era uma espécie de filósofa/socióloga... O casamento se tornou um problema, então ela o mandou para os ares porque era insignificante diante das significâncias contidas nela. Esse marido a perseguiria por alguns anos, inconformado... Doravante ela teve que vencer o obstáculo do preconceito diante da sociedade que enxergava com péssimos olhos a separação. A Vila Imperial de Papary era turbulenta a começar pelos episódios de 1817, quando ela contava 7 anos e vivia a passear pelas lagoas locais. 
 
Não deve ter sido fácil esse momento para a sua família, pois a região permeada de engenhos, próxima do engenho dos Maranhão, emanava hostilidade. O pai, português, não era muito bem visto por alguns. Veio a Confederação do Equador e trouxe mais hostilidade para a região. Lembremos que a vila São José de Mipibu sempre foi um ambiente fervilhante politicamente. Havia muita movimentação de pecuaristas, agricultores, escravos, donos de engenhos, assim como mais adiante seria Goiana, no Pernambuco. 
 
Acontecem fatos assustadores no bucólico sítio Floresta, seu pai se torna persona 'non grata', a casa é invadida e quase matam a família. Então eles resolvem ir morar nesse outro lugar. Lá ela conhece outro rapaz e depois de certo tempo se casa. Seu pai é assassinado e isso a traumatizou. Talvez foi um de seus maiores obstáculos, pois ele era o seu porto seguro, seu incentivador, seu guia intelectual, enfim... 
 
Nasce a sua primeira filha, esta a acompanharia até a morte. Ela lança seu primeiro livro, que provoca polêmica porque sugere que as autoridades oferecessem às mulheres os mesmos direitos oferecidos aos homens. Fato talvez banal para o presente, mas ofensivo para a mentalidade da época, cujo papel da mulher era ser dona de casa e mais nada. Ela junta a família, inclusive mãe e irmãos, e vai para o RS, outro extremo do Brasil, lança outras obras, funda uma escola para meninas em sua casa, nasce o segundo e último filho, o marido morre e ela transpassa esse obstáculo com muita dificuldade, pois com toda certeza foi o amor verdadeiro da sua vida. 
 
Ela resolve ir morar no RJ, funda um colégio que passa por inimagináveis ataques por parte de diretores estrangeiros e brasileiros. Eles não viam com bons olhos a instituição. Por quê? Porque primeiramente a proprietária era mulher. Isso já era um obstáculo. Soma-se o fato de sua viuvez. Há quem defenda a ideia de que o marido chegara ao seu encalço no RJ. Logo ela começa a escrever em jornais, e suas ideias causam desconforto numa sociedade atrasadíssima. Aparecem matérias jornalísticas caluniosas contra ela. Ao descobrirem que ela era separada do marido, o preconceito aumenta. 
 
Nísia Floresta teve que matar dez leões por dia para ter paz de espírito e conseguir serenidade para fazer funcionar o colégio. E ela teve. Diante de tudo isso lentamente a instituição adquire o respeito de alguns, afinal outras pessoas também pensavam semelhante a Nísia Floresta. Ela escreve outros livros e reedita alguns. Suas ideias tratavam da educação da mulher, direitos iguais, abolição da escravidão, republicanismo, indianismo enfim perpassa por muitos vieses... faz algumas viagens a Europa e após certo tempo depois se muda definitivamente para o Velho Continente, precisamente em Paris, onde já é amiga de muitos intelectuais. 
 
A mãe morre, ela passa por esse obstáculo como numa via dolorosa, pois perde sua incentivadora, sua amiga, sua companheira, aquela que sempre concordou com suas ideias. Então ela relança livros em alguns países europeus, escreve outros, viaja para vários países, e já idosa escolhe a terra de Joana D'Arc para viver seus últimos dias. Sua filha também havia escolhido a França para viver. Enfim, chega o dia de seu encantamento e a história tão cheia de obstáculos só parecia ter se encerrado... Após a sua morte há um silêncio sobre ela, mas sua fama reacende no Brasil. 
 
Alguns intelectuais começam a escrever sobre ela - as informações eram escassas - surge uma conterrânea dela que passou a vida inteira imbuída num projeto pessoal - inexplicável - destruir a imagem de Nísia Floresta onde quer que houvesse uma conferência, uma palestra etc. Ela teve o estranho cuidado de escrever de próprio punho uma imensa carta e fazer incontáveis cópias (a mão) e entregar onde encontrasse algum admirador de Nísia Floresta. Era uma espécie de missão pessoal. Mesmo já tendo morrido houve a tentativa de colocar esse obstáculo em sua história, na tentativa de apagá-la. 
 
O tempo passa, alguns intelectuais começam a escrever e promover falas mais intensamente sobre Nísia Floresta,livros sobre ela começam a ser publicados, embora com poucas informações, surge um importante intelectual potiguar que vai a Cannes, localiza a filha de Nísia e obtém fotografias, documentos, passaporte e retira de Lívia tudo o que pode em termos de memórias, joga uma parte disso no papel e resolve passar para outro intelectual que publica uma conferência, depois o livro mais substancial que havia aparecido até então. 
 
Eles iniciam uma odisseia em prol de descobrir o local onde Nísia Floresta estava sepultada, pois durante todo esse tempo ninguém sabia onde era o cemitério. Com o tempo surgem ruas, monumentos, escolas, cadeiras em academias homenageando o nome "Nísia Floresta", outros intelectuais de diversos estados começam a escrever sobre Nísia Floresta. Enfim seu túmulo é localizado, começa uma luta sem tamanho para tentar trazer os seus despojos ao Brasil. Não há interesse das autoridades federais. Mas um presidente se suicida e sobe ao poder um presidente potiguar que reúne todos os esforços possíveis, e o corpo é trasladado. 
 
Em Natal há muitas críticas contra a educadora que ofereceu uma instituição para recepcionar o seu ataúde. O cortejo segue para a terra onde ela nasceu, que agora tinha o seu nome, onde o sacerdote celebra a missa de encomendação de corpo de má vontade. Aparece outro obstáculo. Ao invés de fazerem um túmulo, fizeram uma base pequena de cimento. 
 
O caixão teve que ficar meses aguardando a morosidade das autoridades até construírem o túmulo onde se encontra até hoje. Lançam um selo em sua homenagem. Reinicia um novelo de escritos sobre ela, reacendem as calúnias isabelgondinenses, outros rebatem... entre flores espinhos seu nome nunca mais foi esquecido. Um escritora mineira faz todo o itinerário feito por ela e escreve um trabalho que complementa tudo o que até então se sabia, e relança obras nisianas. 
 
Surgem no Brasil e exterior incontáveis trabalhos acadêmicos sobre Nísia Floresta, surgem peças teatrais, documentários, cordeis, músicas, retratos, pinturas, hinos, escolas de samba tudo voltado para essa ilustre potiguar, enfim é um tema inesgotável, muito embora até o momento nada de novo contam, mas novos olhares e novas reflexões são feitas, e isso é muito importante para divulgarmos e entendermos Nísia Floresta. 
 
O MAIOR OBSTÁCULO HOJE SÃO AS AUTORIDADES DE SEU PRÓPRIO LOCAL, AS QUAIS ESTÃO ANOS-LUZ DE PRATICAREM SUAS IDEIAS LIBERTÁRIAS, E TEREM NELA UM EXEMPLO DE SER VISIONÁRIO. ALI MUITOS AINDA ENXERGAM SOB A LUZ FUMACENTA DE VELHOS CANDEEIROS... ALI AINDA ECOAM OS GRITOS DAS SENZALAS E O ESTALIDO DE CHICOTES DOS SENHORES DE ENGENHO...
FIM

O traslado dos restos mortais da França para o Brasil...

 

O fato aconteceu em 1954, há 67 anos. Quando os restos mortais de Nísia Floresta foram repatriados para o seu berço de nascimento. A reconstituição aqui mostrada aconteceu em 2002, a partir de um amplo trabalho de História Oral em que entrevistei incontáveis pessoas, destacando-se mais de cinquenta nativos que presenciaram o fato em 1954, como por exemplo, o professor Jorge Januário de Carvalho, que era pré-adolescente à ocasião, e me contou detalhes como por exemplo essa peça conduzida pelos militares, semelhante a um cajado/báculo. Ele se lembra nitidamente dessa peça, a qual era toda revestida dessas flores. 
 
Não sei exatamente o significado desse cajado associada a Nísia Floresta, mas suponho ser símbolo de caminhada. De quem abriu caminhos. Moisés usava um cajado e com ele fez brotar água da rocha. O Papa usa um báculo. Em sentido lato, é um tipo de cajado usado pelos pastores para se apoiarem ao andar e para conduzirem o gado. Muitas vezes tem a extremidade curva para segurar a rês pela perna. No sentido restrito, refere-se a um bordão usado pelos dignitários da Igreja Católica, simbolizando o seu papel de pastores do rebanho divino. Há uma diferença entre o báculo episcopal e papal. O do bispo termina em forma curva para indicar que a sua autoridade se limita a uma área territorial. O do papa ostenta um crucifixo para indicar que a sua autoridade é sobre a Igreja universal. 
 
Outra pessoa que narrou a experiência de presenciar o evento de 1954 foi a Srª Leonísia, que me falou sobre a quantidade de carros, os modelos de veículos, as Forças Armadas e sua função ali. Dona Nancy Leite trouxe o cartaz original que foi despejado do avião sobre o cortejo. Ela contou-me com nitidez como foi a emocionante cena. Dona Noilde Ramalho, diretora da Escola Doméstica, que esteve presente em 1954, quando era menina, veio assistir as gravações e disse que era uma privilegiada “vi a cena duas vezes”, brincou. A Escola Doméstica trouxe 50 meninas para participar da reconstituição.
 
Infelizmente, apesar de ter feito buscas minuciosas em inúmeros arquivos e jornais, nenhuma fotografia encontrei até o momento, registrando o evento em Natal e em Nísia Floresta. Fato inexplicável devido a repercussão, pois conforme contou-me o senhor José Ramirez, ex-prefeito que recebeu os despojos de Nísia Floresta em 1954, “não havia lugar para se colocar um pé de gente em toda a Nísia Floresta… a cidade ficou cheia de gente e carros”, nas palavras dele. Mas, inexplicavelmente, até agora nunca vi uma fotografia. 
 
O que de fato é estranho porque a imprensa do Pernambuco e do Rio Grande do Norte cobriu o evento. A reconstituição foi a forma que encontrei para marcar o fato, despertar no povo potiguar o tamanho do evento, sua grandeza e o impacto causado por uma estrela da mais alta grandeza que retornava ao seu lugar de origem.