Uma das tradições mais interessantes que observo no Nordeste são as "cercas de faxina", usadas para dividir propriedades e outras finalidades dentro do próprio terreno. São cercas de varas vegetais secas. Impressionantes e revelam muito de quem as faz. Nos últimos tempos, com o advento do arame, elas não predominam como no passado, mas ainda se vê muitos terrenos imensos perfilados de faxina. É comum tanto nas áreas rurais quanto nas cidades interioranas. Desse modo, encontramos faxina cercando quintais, galinheiros, chiqueiros e hortas.. Os quase extintos “garajaus” usam a mesma arte das cercas de faxina. São gaiolas grandes (fotografia) feitas de varas para transporte de galinhas, porcos miúdos, perus ou para cevar tijuaçu (iguana) tatu e outros animais. Ainda se vê vendedores de bichos pequenos com seus garajaus sobre bicicletas ou mesmo ao modo de rodilha sobre a cabeça.
É possível encontrar no interior do Rio Grande do Norte “casinhas”, ou privadas feitas de faxina. Lugar de despejar as necessidades fisiológicas. Também há banheiros de faxina. Nesse caso as varas são muito unidas para não deixar brecha para os brechadores. Nesses dois últimos casos o primor artesanal é tão engenhoso que não há buraco nem para passar uma agulha. E pudera! Ninguém quer fazer serviço ou tomar banho sendo "brechado", muito embora há essa "cultura" voyerítica, conforme já ouvi aos cântaros nas minhas pesquisas 'in loco' sobre tradições e hábitos interioranos (pesquise em “Casadetaipa”, neste mesmo blog e encontrará fatos impressionantes). Outro lugar certeiro para faxina são as bicas de bares e botecos, onde os fregueses se banham. Há também “mijadores” protegidos com faxina, lugar exclusivamente masculino para beberrões urinarem.
Há tipos distintos de cerca de faxina, por exemplo: montada horizontalmente, verticalmente ou com as duas opções intercaladas. A mais comum é a faxina vertical. No passado eram feitas unicamente de varas e mourões intercalados em pequenas distâncias para não arriarem. Hoje, se servem muito do arame liso e predominantemente do arame farpado. Desse último modelo há duas finalidade: espantar menino arteiro que gosta de subir em cerca, e espantar gatunos.
Embora as cercas de faxina sejam predominantemente feitas de varas finas, numa bitola de vela sete dias, também se fazem cercas de pequenas estacas, principalmente em terreiros que ficam animais maiores (vacas, cavalos, bodes). Essas são firmes, como cercas de balaústres. As cercas de faxina mais comum são feitas de pequenas varas. Há toda uma “engenharia” na sua construção. As varas verticais permitem se flexionar para se acomodar na (vara/arame) de cima (horizontal), na (vara/arame) do meio, horizontal e na (vara/arame) de baixo, horizontal. A faxina de estaca não permite essa flexibilidade, pois é muito grossa. É impressionante o talento de um bom engenheiro de cercas de faxina, pois elas se tornam imponentes de acordo com a maestria de quem a constrói. E são homens sem estudo algum. Impressiona o conhecimento desses homens, tais quais. Encontrar um bom faxineiro é como encontrar um bom pedreiro. Os bons faxineiros são indicados por todos.
Pois bem, mas como muitos desses costumes pastoris vieram nas naus portuguesas e aqui se espraiaram, as cercas de faxina não são exclusividade do Nordeste. Vamos para Kiev, capital da Ucrânia (fotografias). Observe essas cercas de faxina engenhosamente feitas em lugares distintos daquele país. É tradição milenar. Remontam a história do homem. E são praticadas até hoje em lugares rurais de toda Europa. A paisagem ajuda-nos a diferenciar quais são daqui e quais são de lá. Obviamente que a cerca de faxina tem origem no próprio homem, quando a humanidade foi se tornando capitalista e se dando conta de cercar a sua propriedade. Assim ela era e ainda é comum na África (berço da humanidade) no Egito, na Grécia e outros lugares que vieram na nossa frente. Nós somos apenas uma invenção, uma cópia da cópia da cópia. Um simulacro. O mais curioso disso tudo é a resistência da cerca de faxina. Ela é tão velha quanto o jacaré e permanece viva, tal qual as que se erguiam das mãos do homem primitivo.
Na Europa existiam também cercas de pedras. Lindas! E isso também foi arrastado de Portugal para cá. Tem-se alguns exemplos aqui mesmo no Rio Grande do Norte. Mas as cercas de varas são mais resistentes em seu aspecto geográfico, afinal não existem pedras miúdas em todos os lugares, portanto não se pode fazer cerca de pedra em todo lugar. Pois bem, quando nos depararmos com esses poemas de varas, apelidados de "faxina", lembremos que eles são ucranianos, africanos, portugueses, egípcios, gregos enfim. São invenções dos recônditos da humanidade, e se reinventaram no Brasil.
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