ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

ACTA NOTURNA - Para alguns tudo foi muito doce - Paraña-Mirim - 1942-1946...


ACTA NOTURNA - Para alguns tudo foi muito doce - Paraña-Mirim - 1942-1946...


A imagem, apreciada aos olhos de hoje, não causa impressão extraordinária, mas há 80 anos impactava. Causava profunda estranheza aos potiguares. São militares norte-americanos se deliciando com doce enlatado, ocasião da Segunda Guerra Mundial, na Base Aérea. Observe que eles estão viajando no sabor do doce comido diretamente na lata. Não parecem interessados em mais nada ao redor, e muito menos com a guerra.  


Para os natalenses, produtos enlatados ainda eram novidades, embora já se comprava nos armazéns da "Viúva Machado", na Ribeira. Mas era mercadoria para gente rica. Os brasileiros comuns, de fato, não conheciam, assim como ignoravam uma porção de coisas que eram corriqueiras aos norte-americanos - lá nas terras do tio Sam - mas aqui eram totalmente desconhecidas.


Os americanos trouxeram a primeira fábrica da Coca Cola a ser instalada na América Latina. Nas bagagens veio chiclete, calça jeans, camisetas de malha, liquidificador e uma infinidade de coisas… digamos "extra-terrestres" que assustavam os nativos. 


Muita gente fez fortuna nessa época, assim como o Coronel Teodorico Bezerra, que já era rico antes, e visionário,  locou o moderno Grande Hotel no centro de Natal, exclusivamente para eles. Que o diga também a própria Amélia Machado (Viúva Machado, como é mais conhecida), que ganhou dinheiro de puxar de rodo. A família, que já era rica, fez mais dinheiro ainda. Tem também o fundador das Empresas Guararapes, cuja pedra fundamental dessa rede de negócios, partiu de uma loja de relógios de bolso, surgida no vavavu da Ribeira, catapultada pela força do dólar trazido pelos norte-americanos. Vejam como um pequeno negócio pode consistir no pulo do gato.


Ali na Ribeira o pioneiro da Guararapes fez fortuna e deu origem a uma das empresas mais prósperas do Rio Grande do Norte. Seu dono atual é um dos homens mais ricos do Brasil. 

 

A presença norte-americana em Natal gerou um sem-fim de histórias das mais pitorescas e curiosas. Muitos enriqueceram, inclusive um sapateiro que deixou de consertar sapatos para fabricar um tipo de botas de cano curto, inventado por ele, tipo essas “Caterpillar” atuais, que caíram na graça dos americanos que compravam centenas e enviavam para os Estados Unidos. Virou febre lá, pois igual ao doce enlatado - aqui - era extraterrestre lá. 20.9.2016.

…………………………………………………..

OBS. Essa edificação onde os norte-americanos degustam o enlatado existe até hoje, inclusive os pés de manga estão lá vivinhos da Silva - e dando mangas. É no lado oeste da Base Aérea, defronte à linha férrea.

domingo, 30 de janeiro de 2022

Nísia Floresta nunca defendeu o aborto


Precisei apagar a imagem de Isabel Gondim, e colocar Nísia acima porque as imagens do meu blog aparecem quando alguém procura por Nísia Floresta, e seu eu deixasse a imagem sem borrar, acabaria ajudando a ampliar o erro. Por tal razão, nunca publico imagens de Isabel Gondim no meu blog, tendo em vista que o blog tem o nome de Nísia Floresta

Antes de tratar o assunto, informo que a fotografia acima (borrada de amarelo), publicada no blog "Meu lado Poético", não é de Nísia Floresta, mas de Isabel Gondim, denotando claramente que quem escreveu isso, além de dar informação errada - mal leu sobre sobre Nísia Floresta - e ainda postou a foto errada.. Infelizmente o erro prolifera e toma essa proporção, portanto, sinto-me no dever de entrar em contato com os autores dos equívocos, quando os encontro, sugerindo a correção.

 
Sempre que posso, perquiro os sites, lendo matérias e tudo mais que trata sobre Nísia Floresta fora do estado do Rio Grande do Norte. Faço isso para, justamente, corrigir esse erro que se repete eventualmente, e que o leitor - se potiguar - já percebeu. 
 
Normalmente, quando encontro esses equívocos de fotografias e de informações, mando um link do meu blog com uma compilação de imagens de Nísia Floresta para a pessoa que postou, organizadas justamente para tais situações, ali mesmo a pessoa escolhe uma imagem e a coloca em sua publicação. Na maioria dos casos recebo o retorno e constato que o equívoco foi corrigido. Não posso fazer disso uma doutrinação, até porque nem tenho esse tempo todo, mas o ajo na medida do possível. Para piorar, nem todas as matérias trazem contato.
 
Hoje, além disso, alguém diz que Nísia Floresta defendeu o aborto. A matéria não tem data nem referências bibliográficas, portanto é impossível saber de onde ela tirou o assunto, dando a entender que ela inventou a informação, num gesto tendencioso.
 
Nísia Floresta - apesar de visionária - tinha um lado extremamente conservador - digo conservador no aspecto dos valores cristãos que ela defendeu escancaradamente, e não abria mão - além do moralismo claramente visível. Impossível que ela também fosse defensora do aborto, que o diga a sua obra “Conselhos à minha filha”, por exemplo. É antagônico. Impossível.
 
Particularmente, como pessoa que estudo e escrevo sobre Nísia Floresta desde 1992, sempre levo uma réplica da fotografia de Nísia Floresta para mostrar, seja quando falo sobre Nísia Floresta a uma plateia, seja quando escrevo sobre ela. De uns tempos para cá, depois que publicaram um vídeo-documentário com a imagem errada, em 2011, o erro vem se intensificando, portanto passei a tratar o assunto com mais intensidade para justamente corrigi-lo. Trabalhar para corrigir isso deve ser tarefa de todas as pessoas que estudam e divulgam essa intelectual. Não custa nada. Com certeza ajudaria muito.
 
Nísia Floresta, embora pareça contraditório, era conservadora em muitas questões. Basta ler os seus livros. Ela foi uma mulher à frente de seu tempo na defesa de muitos temas, como se sabe, mas jamais na defesa do aborto. Ela sempre defendeu a vida, a família, a religião.
Lendo Nísia Floresta você encontra uma mulher católica, que conhece com profundidade a Bíblia sagrada, os santos, os fatos religiosos universais, enfim detinha um vasto conhecimento da religião. Como disse Comte “se não fosse tão metafísica”. A diferença é que mesmo sendo católica, ela não poupava críticas aos padres, bispos, cardeais e até ao papa no aspecto de suas vidas opulentas, pautadas no alto luxo, na gula etc. Nísia teve um lado que não é muito visto nos católicos, que se calam diante dessas opulências que seguem até hoje.
 
Nísia Floresta não favorecia nas freiras a clausura, pois entendia que elas deveriam ser uma espécie de Irmã Dulce, ou seja, precisavam estar nas ruas, levando o evangelho, curando feridas físicas e psicológicas, levando o alimento para os que tinham fome física. Diferente de ficar presa entre quatro paredes, orando. Ela própria se tornou enfermeira durante a epidemia de gripe espanhola que assolou o Rio de Janeiro. Arriscou a sua própria vida, pois milhares morreram. Suponho que Nísia Floresta, se viva hoje, seria “persona non grata” entre os católicos, até porque ela pensava.
 
Sei que o direito ao que se faz ao corpo feminino é enxergado de diversas formas, inclusive pelas próprias feministas, em que muitas favorecem o aborto (mas não todas), afinal, atualmente o feminismo tem correntes de pensamento diferentes, assim como religiões, partidos políticos etc. Mas afirmar que Nísia Floresta defendia o aborto é um grande equívoco e totalmente incoerente com tudo o que ela escreveu. O que se percebe nessa matéria equivocada é algo tendencioso de alguma feminista equivocada. Nísia Floresta mesmo, era feminista, e nem por isso endossava o aborto.
 
Uma sugestão que deixo aos professores e pessoas que escrevem sobre Nísia Floresta, ou dão entrevistas, palestras etc, é que abordem o assunto desse equívoco com as pessoas que lhe procuraram para tal finalidade. Se possível, mostre a fotografia real de Nísia Floresta. Isso ajudaria muito. Assim que algum jornalista entrar em contato com você, com a intenção de uma entrevista, fale logo sobre a fotografia, envie uma pelo whatssap. Particularmente faço isso. Com certeza vocês também estarão ajudando a corrigir o equívoco. 
 
Faço essa observação porque já vi textos, entrevistas etc com pessoas que estudam sobre Nísia Floresta mostrando a imagem de Isabel Gondim. Isso ocorre porque a pessoa apenas forneceu os seus conhecimentos, o restante foi feito pela pessoa interessada, que pegou a primeira imagem que buscou na internet. E isso é uma falta de profissionalismo desmedida. Fica a dica! OBS. Sobre o blog acima citado, já enviei o pedido de correção. Vamos aguardar...

 

sábado, 29 de janeiro de 2022

ACTA NOTURNA - Quando soldados norte-americanos pretos foram impedidos de virem para a Base Aérea de Natal - Década de 40

 


ACTA NOTURNA - Quando soldados norte-americanos pretos foram impedidos de virem para a Base Aérea de Natal - Década de 40

Você já viu um soldado preto em fotografias feitas durante a Segunda Guerra Mundial em Natal? Os flagrantes de militares norte-americanos enchem álbuns. Mostram-nos fazendo o policiamento na Ribeira, em despachos no Porto de Natal, construindo estrada, trabalhando aqui e lá, ou em folgas deliciosas no Grande Hotel do Major Teodorico Bezerra… até em diversões no “Maria Boa”...  Mas não há registros de soldados pretos.

Isso tem uma explicação.  Toda história tem seus bastidores. Alguns são maravilhosos, excepcionais, outros, terríveis (como esse). Durante a Segunda Guerra Mundial os norte-americanos se instalaram aos poucos nas plagas de Manoel Machado, dando a origem à Base Leste, encostada à Base Oeste (dos brasileiros). Essa história é mais mastigada que gengiva de idoso.

A Base Aérea montada pelos americanos é usada até hoje. A instalação da maior Base militar norte-americana fora dos EUA ocorreu em Natal, mais precisamente entre 7 de julho de 1942 (data oficial do início das atividades) e 1946, ano em que os norte-americanos foram deixando gradativamente a base então administrada só por brasileiros.

Durante o vavavu chegaram a pernoitar na base 22.000 homens, cujo movimento diário de aviões era em torno de 500 a 700. Eles deixaram mais de 700 galpões, grande quantidade de Jipes, armas e munições.

A História muitas vezes se prende aos fatos maiores, preocupando-se com começo, meio e fim, sem destaque para determinados detalhes, chamado bastidores que, se analisados com a devida decência, dão outra história, tão necessária quanto a que foi impressa nos jornais e livros da época. Esse é um caso cujas minúcias, aos olhos atuais, ferem a ética e a lei, mas à época, não era tão vigiado e recriminado devido a fatores culturais, embora anômalos.

É exatamente sobre isso que comentarei abaixo. Já li sobre isso em outro lugar diferente de Clyde Smith, mas aqui me pauto nele. Trata-se de uma página esquecida da História dos norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial, e que aconteceu aqui no Rio Grande do Norte.

Durante os preparativos para o referido projeto, apareceu um imbróglio complicado. Houve a necessidade de que o pessoal da 194th “Quarter-Master Truck Company” fosse enviado ao Brasil para demandas que essa companhia era tecnicamente mais preparada.

Com o fim da Guerra, vários despachos e demandas aconteceram paulatinamente. Surgiu o Projeto Verde (“Geen Project”), um programa de transporte que levava o pessoal norte-americano de volta aos Estados Unidos.

Ocorre que todos os membros da companhia 194th Quarter-Master Truck Company (soldados, oficiais, funcionários comuns, corpo técnico etc) eram pretos. Por aqui não existiam militares brasileiros pretos. A Marinha americana disponibilizou marinheiros pretos no Brasil, mas nem o ATC nem o Quartel-General importou-se em servir-se de seus trabalhos.

A partir dessa observação, suspeitaram que o general Walsh tinha feito acordo com as autoridades brasileiras para não trazer soldados pretos para o Brasil. Teria sido um pedido de Vargas? Não se sabe.  Sabe-se que não vieram pretos para cá e pronto.

Vale lembrar que o Rio Grande do Norte, apesar de ter vivido o período da escravidão negra tão estupidamente quanto qualquer lugar do Brasil - pois não existe escravidão boa, e longe de engolir a tese estúpida, defendida por alguns historiadores de que os potiguares foram bondosos com os seus escravizados – teve poucos escravos pretos, portanto Natal era predominantemente branca. Aliás o estado quase inteiro.

Até então, a população norte-rio-grandense se resumia aos portugueses que se multiplicaram, misturados aos holandeses, franceses e indígenas. O Seridó é um pedaço da Europa no Brasil, em termos de cor de pele e olhos. Em diversos pontos do estado se veem pontos geográficos que predominam gente com fortes traços europeus, como por exemplo, a área de Boa Água, no município de Nísia Floresta até o início da década de 1990.

Enfim, o Rio Grande do Norte era predominantemente branco, outra parte miscigenada aos índios, outra, mínima, preta. Mas vamos retomar o fio da meada. Diante desse nó górdio, o chefe da Divisão de Pessoal dos Estados Unidos enviou um documento ao Quartel-General do ATC ordenando que enviassem apenas os equipamentos necessários, mas que não viesse nenhum membro do pessoal da Divisão. Essa objeção velada significava dizer que não viessem militares pretos.

Certamente, para que não ficasse feio e muito notório, criaram uma série de justificativas com relação a tal proibição. Enfim, proibiram e deu certo, cujos argumentos foram considerados favoráveis. Logo em seguida chegou os documentos informando que todos os equipamentos seriam enviados, mas sem militares pretos… Eis uma página amarga, dolorosa e vergonhosa dos bastidores da história da presença dos militares norte-americanos no Rio Grande do Norte. Infelizmente é fato é fato. E contra fatos, não há argumentos. 12.5.1999.

 

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Acta noturna - Como estavam os restos mortais de Nísia Floresta ao chegar a Recife - 12.10.2020

        Como todos sabem, houve uma grande surpresa à ocasião em que os restos mortais da intelectual Nísia Floresta chegaram a Recife, Natal e depois em Nísia Floresta em 1954. A multidão aguardava uma pequena urna  com os ossos, até porque ela faleceu aos 24 de abril de 1885. Haviam se passado 69 anos do sepultamento, bem mais de meio século, portanto era inimaginável a chegada de um caixão normal com um corpo. Mas foi exatamente isso o que aconteceu. Para entendermos o marcante episódio é importante conhecermos algumas figuras-chave, cuja história segue abaixo.

ADAUTO MIRANDA RAPÔSO CÂMARA (1898-1952): Quando falamos desse fato, lembramos logo de Adauto da Câmara, autor da obra que intitulou “História de Nísia Floresta”, primeira biografia da notável papariense, lançada em 1941. Seu conteúdo é o mesmo de uma conferência que ele proferiu em 1940 pela Federação das Academias de Letras do Brasil, no Rio de Janeiro. Adauto somava-se a outros intelectuais que empreenderam esforços em prol do traslado dos despojos nisianos, muito embora ele não teve a alegria de ver o sonho se realizar.


Em maio de 1950, durante uma conferência no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN - Adauto disse:

Por intermédio da Federação das Academias de Letras do Brasil, procurei, em 1938, obter uma certidão ou atestado do enterramento de Nísia Flo­resta, interessando-se, neste sentido, o Itamaraty, a que se forneceram minuciosos elementos para dili­gências junto às autoridades francesas. A resposta, solícita e gentil, foi, no entanto, desalentadora: o Consulado Geral do Brasil no Havre, apesar de sua boa vontade, nada Logrou de satisfatório, pois que a Prefeitura de Ruão informara haver mandado pro­ceder a buscas nos registros do Estado Civil, “en­tre os anos de 1882 e 1902, e não foi possível des­cobrir-se nenhum registro de óbito da referida Se­nhora”.

Nessa mesma conferência ele informa: Henrique Castriciano, certa vez, me declarou possuir uma fotografia do túmulo, mas nunca tive oportunidade de a ver, alegando êle que se extraviara”. A meu ver, um dos imbróglios mais estranhos envolvendo o enigma do túmulo é o fato de Henrique Castriciano não ter informado com exatidão o local, não ter desenhado o mapa, não ter dado as coordenadas para facilitar aos vindouros, já que possuía até uma fotografia. 

O assunto dessa repatriação animou as rodas de conversas no meio cultural natalense ao longo de décadas. Cartas e ofícios percorreram algumas instituições públicas federais, assinados por intelectuais, postulando a localização do túmulo de Nísia Floresta – chegaram a cruzar o Atlântico – visando o posterior traslado. Mas o assunto seguiu enigmático durante muitos anos.


ORLANDO VILLAR RIBEIRO DANTAS (1896-1953): Lembramos também do jornalista Orlando Dantas da mesma família dos ‘Ribeiro Dantas’ de São José de Mipibu. Em 1950 ele desvendou o mistério do desconhecimento do túmulo de Nísia Floresta. Ele foi a Rouen e – com muito custo - localizou o túmulo, tendo patrocinado a exumação dos despojos, cujo traslado se daria bem depois.



HENRIQUE CASTRICIANO DE SOUZA (1874-1947): Outro nome forte nessa história é Henrique Castriciano – fundador da Escola Doméstica de Natal – que segundo Raimundo Soares de Brito, mais que apaixonado, ele era fascinado pela história de Nísia Floresta; passou passou anos compilando material sobre ela. Henrique teve contato com Lívia Augusta de Faria Rocha (Gade), que lhe doou fotografias e documentos, pois visava escrever um livro. Infelizmente, motivado por doença - e num admirável gesto de generosidade intelectual - doou todo o seu acervo a Adauto da Câmara, que escreveu a obra citada no início desse parágrafo (Henrique era irmão de Eloy de Souza e Auta de Souza, duas notáveis figuras).


MARCIANO FREIRE – Não há como não lembrar do mipibuense Marciano Freire, presidente do Centro Norte-rio-grandense do Rio de Janeiro, que teve um papel de grande responsabilidade. Em 1954, ele recebeu do governo brasileiro a incumbência de ir a Rouen providenciar o traslado para o Brasil. Dos nomes destacados nesta acta, apenas ele e os dois destacados abaixo, presenciaram a chegada dos restos mortais de Nísia Floresta a Recife, Natal e Nísia Floresta, pois os demais haviam falecido antes de 1954.


NILO DE OLIVEIRA PEREIRA (1909-1992): professor, jornalista e político. Dentre esses preciosos nomes há uma figura marcante na história do traslado, justamente por ter feito uma peripécia “de adolescente”, e cuja audácia é fundamental para entendermos um pouco mais sobre Nísia Floresta. Seu nome é Nilo Pereira, nascido no Engenho Verde Nasce, em Ceará Mirim/RN.

Como sabemos, após deixar o porto de Marseille, na França, em agosto de 1954, e encostar nas Docas do Porto de Recife em 05 de setembro, o esquife de Nísia Floresta foi recebido pela Academia Pernambucana de Letras, na pessoa de seu presidente Nilo Pereira, à ocasião deputado estadual pelo estado de Pernambuco. Apesar de sua forte relação com esse estado, ele sempre manteve os laços com o seu berço potiguar.

A acolhida aos restos mortais da ilustre norte-rio-grandense demorou alguns dias em Recife, pois houve um entrave burocrático na alfândega. O caixão de Nísia Floresta veio envolto numa grande caixa de madeira, como qualquer outra mercadoria. Ninguém imaginava que ali estava um corpo, inclusive, por incrível que pareça, a caixa veio em pé, e foi movimentada lá e cá em posição vertical, ao invés de horizontal, como se faz aos caixões de defunto. Todos supunham que se tratava de uma mercadoria somada a inúmeras outras que vieram no navio. Os próprios Marciano Freire, Nestor Lima e Nilo Pereira se fizeram fotografar ao lado da caixa, pensando que em seu interior estivese apenas uma urna funerária necessitada de todo o aparato para não se avariar. Analisando friamente, Nísia Floresta estava em pé, entre eles, em forma de múmia, guardada num ataúde, mas estava ali, de certo modo, de igual para igual.


PAULO PINHEIRO DE VIVEIROS (1906-1979): natalense, advogado e professor, primeiro diretor da Faculdade de Direito de Natal, àquela ocasião presidente da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras do Rio Grande do Norte. Ele foi comunicado do fato e deslocou-se de Natal para Recife a fim de resolver o problema, mas as autoridades alfandegárias seguiram implacáveis. O presidente da república, àquela ocasião, era o potiguar Café Filho. Então Nilo Pereira teve um ‘insight’ que é melhor o leitor conferir nas próprias palavras dele, escritas no seu “Pernambucanidade”, 1983:

Como aumentassem as dificuldades – embora tudo estivesse legalizado em face, como recorda Veríssimo de Melo, da lei de que foi autor o senador Luiz Lopes Varela – o mais aconselhável era telegrafar ao presidente Café Filho, para que tudo fosse desembaraçado. Nesse sentido, lhe dirigi um telegrama imediatamente respondido. As providências foram tomadas. E para espanto meu, lá estava nas Docas, não uma urna funerária, mas um ataúde. Nísia faleceu em 1885. Havia morrido, portanto há 69 anos, era estranho. Veio o caixão funerário para a Academia Pernambucana de Letras, então na rua do Hospício. O corpo foi exposto à visitação pública. A imprensa deu grande relevo ao acontecimento. No nosso salão lá estava o ataúde de ébano, com as velas crepitantes, como se um enterro estivesse prestes a sair”.

    Constância Lima Duarte, no seu “Nísia Floresta Vida e Obra”, 1995, também nos traz essa curiosa informação referenciada na  Tribuna do Norte,1983, quando Nilo Pereira escreveu sobre a astúcia da abertura no caixão. Vejamos:

havia dois caixões, um de zinco e outro de ébano. Ao abrirmos este último, subiu um cheiro que eu chamei de múmia: mofo concentrado. Cheiro de morte velha. Ela estava levemente reclinada. Os cabelos passavam dos seios. Dava para ver bem a fisionomia. Não devia ser bonita a nossa Nísia. Bonita por dentro, isso sim”.

       Observe que, tanto a transcrição da Tribuna do Norte, quanto do próprio livro de Nilo Pereira, ambos escritos por ele, coincidem o ano: 1983. Nesse segundo, Nilo Pereira soma outros detalhes ao curioso fato, instigando a nossa imaginação, fazendo-nos estar também naquela sala da Academia pernambucana, permitindo-nos devanear, como se víssemos a nossa Nísia ali – de certo modo – violada por olhos curiosos. Mas, sejamos sinceros: quem não queria ver Nísia? Era oportunidade única e eles não pensaram duas vezes.

Foi justamente nesse “prestes a sair” que ocorreu a peripécia de Nilo Pereira. O esquife iria para Natal no dia seguinte, então ele esperou o “velório” se esvaziar. Eram altas horas, quando o cúmplice Paulo Pinheiro de Viveiros o ajudou a abrir o caixão para matar a curiosidade de ver como estava Nísia Floresta. Sua descrição é tão impressionante que vale ser lida “ipsis literis”:

Numa noite – da meia noite ‘que apavora’, como no poema ‘O corvo’, de Edgar Poe, na tradução de Machado de Assis – resolvemos Paulo Pinheiro de Viveiro e eu abrir o caixão. A sala estava fechada. Com a ajuda de Nestor de Lima, funcionário da Academia e do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, levantamos a tampa, fechada a cadeado, do primeiro caixão,: havia outro, de chumbo, que também abrimos. Lá estava ela, a escritora, que, de certo, foi embalsamada, um tanto reclinada, os cabelos longos, a cor macerada. Um cheiro de mofo – o cheiro das múmias – se evolava daquele segredo quase centenário. Estava ali a mulher que tanto brilho havia dado a seu século.

      A Academia Pernambucana recebia a escritora de volta à sua terra de nascimento. Designou-me para acompanhar o seu corpo e falar em nome da ilustre casa de Carneiro Vilela nas homenagens que estavam sendo organizadas em Natal. Ao mesmo tempo em que Café Filho ordenava que o corpo de Nísia fosse entregue à Academia Pernambucana de Letras, providenciava quanto a uma corveta surta no Porto, que a conduzisse a Natal, onde chegou, no dia 11 de setembro de 1954. O almirante-comandante do Terceiro Distrito Naval, gentilíssimo, informado de que ia viajar como representante da Academia, advertiu-me – ‘Professor, vá por terra, porque nessa corveta só não enjoa Nísia Floresta porque está morta’.

Ao descer o corpo no porto de Natal, onde me encontrava, desde cedo, a multidão exclamava – ‘um caixão!”

Na cidade de Nísia Floresta o corpo foi para a Igreja, pois o mausoléu havia sido preparado para uma urna funerária... só depois a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, por iniciativa do seu presidente, o escritor Manoel Rodrigues de Melo, que é um Quixote na luta pela causa, a que vem servindo com tanto denodo e tanta visão, mandou construir pela Academia o mausoléu,onde repousa a escritora, depois de tanto peregrinar”.

Nós que pesquisamos e estudamos uma figura ilustre, ou quaisquer outros objetos de estudo, temos as nossas opiniões próprias sobre os fatos. Isso é normal, muito embora nossa opinião deve ser deixado clara no corpo do texto, dissociando a opinião do fato. Digo isso porque há algum tempo li alguma coisa escrita pela pesquisadora mipibuense de Nísia Floresta Nathalye Bernardo Câmara (não me recordo exatamente onde foi, mas lembro com exatidão a opinião dela). Nathalye entende que Nísia Floresta não tinha a intenção de ser repatriada para o Brasil após a sua morte, que o traslado era uma vaidade de intelectuais potiguares e um desrespeito à pessoa de Nísia Floresta. No caudal de várias alegações da pesquisadora ela se apega ao fato de Lívia Augusta ter adquirido o túmulo por concessão perpétua, ou seja, para sempre. Ninguém poderia demoli-lo senão as intempéries do tempo.

Penso o contrário da pesquisdora Nathalye. Nesse ponto me apego a um detalhe revelado na peripécia de Nilo Pereira e Paulo Viveiros. Vejo-a como um divisor de águas e um gesto providencial. Observe que, mesmo passados 69 anos, era possível ver a fisionomia de Nísia Floresta. O chão gélido do cemitério de Rouen ajudou a conservar. Isso só foi possível por causa do embalsamamento, pois se não o fosse, teria-se apenas alguns ossos. Por que alguém é embalsamado e sepultado dentro de uma normalidade temporal? Normalmente se embalsama corpos que ficarão expostos durante muito tempo e até meses. Mas no caso de figuras ilustres de uma nação. Nísia Floresta não tinha essa repercussão. Naquele momento de sua vida ela era uma ilustre desconhecida dos franceses.

Quando lemos as obras de Nísia Floresta, percebemos que, em quase todas, ela divaga a sua vida pessoal, mesmo sem querer e até intencionalmente. Ela amava o Brasil. Falava do ninho onde nasceu como se declamasse um poema. É nítida a sua saudade, mas infelizmente o próprio ninho era pequeno demais para as suas asas imensas. Ela citava a lagoa, as matas, as árvores frutíferas, enfim nunca esqueceu Papary. A Europa era uma consequência de sua condição de visionária. Ela precisou sair, e creio que por toda a bondade e altruísmo contidos em sua obra, ela faria como o filho pródigo.

Não há nada escrito por ela declarando o desejo de que os seus restos mortais fossem repatriados, mas os seus atos em si – para mim – traduzem essa intenção. Ela deixava a filha Lívia Augusta com 55 anos de idade à ocasião de sua morte, e que também seria ali sepultada. Esse conjunto de fatos reforça-me a opinião de que houve o interesse de repatriação tanto dela quanto de Lívia, tanto é que a filha comprou o terreno do túmulo para justamente garantir que os franceses não retirassem os ossos dali com o passar do tempo – como ocorre aos túmulos antigos e sem concessão perpétua, cujos ossos são remanejados e o terreno revendido.

Lívia Augusta tinha conhecimento do grande interesse dos intelectuais potiguares acerca da vida e da obra de sua mãe. Lívia sabia da importância de sua mãe para a história do Brasil. É muito óbvio que ela imaginasse que algum dia alguém reivindicaria o repatriamento – assim como – n’outra história – e n’outro tempo – alguém faria o mesmo com relação ao repatriamento do também potiguar Augusto Severo de Albuquerque Maranhão.

Então, eis que escrevendo sobre a peripécia de Nilo Pereira e Paulo Viveiros, cheguei até aqui... coisa de quem se anima quando toma de um lápis e fala de Nísia... a propósito, sobre a essência dessa história, sejamos sinceros: quem não queria ver Nísia? É oportunidade única. Nilo e Paulo, podemos afirmar com exatidão, foram os últimos a verem a fisionomia de Nísia Floresta.

Marciano Freire manuseando a caixa com o esquife de Nísia Floresta nas Docas do Recife.

 


quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó - Nísia Floresta/RN - 1963



O belo templo guarda ainda imagens intactas de incalculável valor histórico e museológico, apesar de ter sofrido sérias modificações em alguns de seus elementos arquitetônicos e outros. É uma pena! O povo de Nísia Floresta deve estar sempre atento, sem esperar que pessoas de outros lugrares denunciem essas descaracterizações.

A Matriz de Nossa Senhora do Ó (1735-1755) pertence ao povo. Os administradores passam. Os nisiaflorestenses ficam. Em 2006 o cônego Rui Miranda – aquele que celebrou a missa de encomendação de corpo de Nísia Floresta em 1954 - contou -me, em Ceará-Mirim, que muitos padres resistiram e continuaram celebrando em latim após o Concílio Vaticano II...

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Belinha, a cachorrinha que veio morar conosco...

Obra da artista plástica russa Katerina Lukianova

Sempre afirmei que “educar seres humanos é a tarefa mais difícil do mundo”. Belinha (essa da pintura) tem oito anos de idade. No planeta dos cachorros ela é idosa. Sua estadia conosco reafirma a minha impressão sobre o difícil processo de educar gente.
Esse pedacinho da natureza veio morar conosco por razão extraordinária: sua dona morreu. Chegou com algumas manias tronchas, mas devagarinho construímos com ela a ideia de que o mundo dos humanos tem regras. Alguns não as cumprem, mas não é a regra. E Belinha tem se educado nesses conformes de maneira impressionante.
Não comparo a educação dada a Fídias com a educação dada a Belinha - até porque são seres diferentes - mas há um quesito exatamente igual na construção desse processo. Fídias sempre aprendeu pela palavra, pelo ouvido, sem ser necessário a palmatória. Minha mãe sempre diz que "palavra gritada ninguém ouve". E a senhorita Belinha segue nessa linha. Há um pequeno detalhe: às vezes tenho que falar um pouco mais alto, mas nada que fuja da normalidade.
No início, Belinha fazia um escarcéu no banho. O coração parecia sair pela boca. Hoje, fica quietinha e se comporta com serenidade. O que facilita o processo.
Tentou inaugurar o hábito de pedir comida quando estamos na mesa. Ela se erguia, colocava as mãos na nossa perna e choramingava, mesmo tendo comido a ração. Mas já abolimos o mal costume. No início ela ficava longe, rabo balançando e olhos falando. Hoje, fica debaixo da mesa, dormindo com um olho aberto e outro fechado. Não incomoda.
Choramingava, querendo lugar no sofá. Hoje se acomoda no chão ou em sua caminha que no início rejeitou. Aprendeu uma mania de se espreguiçar sobre os nossos chinelos com a barriga para cima, e às vezes parece que vai ter uma convulsão. Mas é alegria!
Depois do banho e de ser enxugada, saia com os pelos úmidos pela casa, manchando o chão. Hoje, fica sobre a toalha até se secar.
Observando o processo de “aprendizado” de Belinha, percebo o quanto os seres humanos, com suas exceções, são difíceis de serem educados.
Quantos pais dizem quase diariamente: já escovou os dentes? Já fez o dever da escola? Vá tomar banho! Guardou os brinquedos? Arrumou o quarto? Tem que comer salada! Tá na hora da aula! E essa toalha em cima da cama?


Esses discursos - normalmente proferidos pelas mães - seriam normais se não se estendessem até a adolescência, e até mesmo depois dela. E no bojo dessas cansativas orientações, quantos pais - embora não devessem - partem para a grosseria? Muitos! Mas de uma coisa tenho certeza absoluta: se Belinha precisasse dessas mesmas convenções sociais humanas, já estaria praticando-as de maneira impecável. Talvez estaria dando aula de boas maneiras para muitos... pelo menos até agora!
Conheço uma porção de diabéticos que driblam os familiares e comem doce desenfreadamente. Quantas pessoas com problema de pressão alta comem às escondidas o feijão preparado com charque, deixando de lado o feijão que foi preparado com exclusividade para si.
Quantas pessoas, proibidas de dirigir por limitações físicas, retiram o carro da garagem e saem pela cidade dirigindo contra o vento sem lenço e sem documento?
Pois é… Belinha tem nos educado no processo de ser reeducada! Seus olhos falam milhões de palavras. Ela sabe quando não estamos gostando de alguma coisa. Dia desses comeu um pedaço da fralda e ficou de longe, se escondendo, olhos dizendo que sabia que aquilo era errado. É assim. O bom de tudo é que, a cada vez que ela inaugura uma prática troncha, é facilmente educada. Seria bom se nós - humanóides - fôssemos assim…