ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

quarta-feira, 30 de março de 2022

Samaritana da Ribeira...



SAMARITANA DA RIBEIRA
 
Semelhante às velhas prostitutas
Mexidas, remexidas na juventude,
Chafurdadas à beira do cais,
Depois reboladas fora,
Por vezes quase atiradas no remanso capcioso do Potengi,
Jaz um poema arquitetônico ribeirinho ao antigo porto.
Do corpo esculpido de sensualidade,
Restou a pele carcomida, chabocada...
Pele envelhecida, despencante,
Enfeadas de desprezo,
Mas resistindo o sobreviver,
Resiliente, impõe-se, sem parentes nem aderentes...
Reivindicando a majestade perdida.
O monumento ainda traz restos de voluptuosidade.
O corpo tem um ‘quê’ erotizante...
Não se sabe até quando sensualizará,
Mas está disponível à beira do cais,
Ainda esperança novo amante…
Sonha o glamour d’outrora.
Quisera um corpo governamental possuí-la,
Revestindo-o de roupas finas e jóias raras,
Espargindo-lhes os melhores perfumes…
Devolvendo-lhe a decência vulgívaga,
Restaurando suas carnes e seus psicológicos
Acordando-lhe a lascívia…
Dando-lhe a utilidade pública de antanho...
Então corpo restaurado retomaria a formosura
Quisera aparecer esse cavalheiro
Para dar-lhe patrimônio governamental
Até porque nos detrás desses ontens
Amante de governadores foste. (L.C.F. 2014).

ACTA NOTURNA - 26.3.2022 - CORETOS DE NATAL: AS AUTORIDADES TÊM O DEVER MORAL DE DEVOLVÊ-LOS AO POVO

 

ACTA NOTURNA - 26.3.2022
 
AS AUTORIDADES TÊM O DEVER MORAL DE DEVOLVER OS CORETOS QUE PERMITIRAM DESTRUIR
 
Há vários anos observo de perto o patrimônio histórico de Natal em queda livre. Obviamente que, nessa observação, soma-se a mim outras pessoas sofrendo com a depredação. Juro que meu coração chora. Vou ali não para sofrer, mas me certificar do que sobrou e me reencantar com o que resiste. Frequento a Cidade Alta e a Ribeira constantemente e a cada semana desaparece um detalhe. A julgar pelo que se vê, em cinquenta anos não teremos mais nada desses imóveis incríveis, raríssimos, como a “Samaritana”, por exemplo. Não entendo como há milhões para a política e nada para a aquisição e revitalização desses espaços.
 
Meu objetivo, hoje, é falar sobre os velhos coretos de Natal que, de tão belos, faziam literalmente parte dos cartões postais que os velhos fotógrafos vendiam. Ainda bem que as fotografias resistiram. Os coretos - cada um mais belo que o outro - desapareceram sob o passe de mágica da falta de zelo, da falta de restauração, da falta de reformas… da ignorância. Natal tem dessas “mágicas”. Ainda não pesquisei quais intendentes/prefeitos os construíram - nem os que destruíram - mas eram impressionantemente belos. Verdadeiros poemas arquitetônicos.
 
 
Dia desses, contemplando a fotografia postada pelo historiador Eduardo Alexandre Garcia, um arqueólogo da imagem da velha Natal, impressionei-me com uma nova fotografia do coreto da praça André de Albuquerque, exatamente onde surgiu a cidade de Natal. Meus olhos brilharam e as lágrimas desceram. Essas coisas me entristecem profundamente. Não é diferente da morte de uma pessoa querida. Entendo como covardia e egoísmo perverso negar às crianças o direito de conhecer o seu passado. É como não ter identidade. 
 

Não entendo como muitos perdem tempo ‘enfeiando’ Natal (ou apapagaiando, como queiram!), construindo praças e logradouros que mais parecem um campo de aviação, sem beleza alguma, sem atrativo algum, sem flores, sem árvores adequadas, e casas que lembram caixas de sapato. O que passa na mente dos arquitetos, engenheiros, paisagistas, urbanistas de Natal? Não se vê um diferencial, algo que alguém diga “que obra mais extraordinária!”. Esses profissionais não parecem se dar conta que estão lidando com uma das cidades mais antigas do Brasil. A propósito, Natal, por ser capital, é muito acanhada em monumentos. Entendam por Natal, Natal. Natal não é apenas o centro.

As praças antigas de Natal, aquelas que ocupavam uma quadra inteira, exibiam poemas arquitetônicos que roubavam a cena. Eram incrementos que noivos, passantes e turistas faziam deles o cenário de uma fotografia que estaria para sempre no álbum fotográfico da família. O coreto era praticamente um personagem. Ele somava beleza aos registros. E hoje? Você já viu alguém fazendo uma fotografia em alguma praça de Natal?

O povo natalense, em especial, e depois os visitantes, querem um atrativo dos seus logradouros públicos. Isso está na alma de qualquer ser humano. Se não fossem alguns monumentos que restaram, descuidados, Natal não seria fotografada pelos visitantes. A exemplo o busto do padre João Maria (na praça com o mesmo nome), o busto de John Kennedy (próxima ao C&A, que tentaram roubar recentemente), a estátua do Monumento à Independência, na praça Sete de Setembro (defronte à Pinacoteca), a estátua de Augusto Severo (praça Augusto Severo), a escultura em bronze de Pedro Velho (Praça Pedro Velho), o obelisco em homenagem a Tavares de Lira (defronte ao horroroso e abandonado cais), o obelisco na praça André de Albuquerque (que roubaram todas as placas de bronze originalmente afixadas), Coluna Capitolina (defronte ao IHGRN), a escultura de Câmara Cascudo (defronte a Biblioteca) e uma fonte de ferro no formato de uma menina indígena (pátio interno da Pinacoteca, mas essa não está exposta como as demais). Enfim, se eu estiver esquecido algo, que me perdoem. Nesse caso, não me refiro aos monumentos que estão guardados dentro de espaços institucionais.

Lembrando que o obelisco a Jerônimo de Albuquerque Maranhão (avenida Circular) evaporou com placa e tudo. Comportamento que me choca é dos prefeitos natalenses que veem os monumentos ruindo e não refazem.
 
As autoridades com poder de salvaguardar o patrimônio histórico costumam alegar que é difícil tombar, reformar, revitalizar ou meramente pintar determinadas edificações históricas porque são particulares, cujos donos impõem dificuldades. Isso é compreensível, embora não justifique. Até porque é só comprar. Há dinheiro para tantas ações supérfluas. O que é comprar um prédio com mais de 100 anos, como a “Samaritana” por exemplo? É só ir comprando aos poucos e transformando em órgãos públicos, lentamente. 
 
Já imaginou a Ribeira tornada um centro administrativo do estado e município no tocante às instituições de menor porte? Até um ano atrás resistia ali a Delegacia da Mulher. Mas se mudaram. O prédio, muito bonito e conservado, ao invés darem vida, abandonaram, dentre tantos, intactos em meio às ruínas de outros.
 
Mas, com relação aos coretos, minha opinião é que pessoas com o mesmo respeito que traduzo aqui - pertinente ao patrimônio histórico - além de se preocuparem urgentemente com a sua salvaguarda, que abraçassem, doravante, a ideia de reivindicar às autoridades a devolução dos coretos originais de Natal, inclusive, dois deles teriam mais de um século se não o tivessem demolido para - pasmem! - modernizar Natal. Esses coretos existiam em locais públicos. Não haveria a objeção dos donos, pois o povo é o dono e o quer de volta. Não haveria imbróglio algum em reconstruí-los tais quais eram. Não faltam fotografias para servir de base.
 
O coreto da Praça Augusto Severo, por exemplo, em estilo francês, era uma obra de arte. Já imaginou esse poema arquitetônico reconstruído exatamente onde era? Não devolveram a pontezinha do rio aterrado? Obviamente que mudaram o estilo, mas não repetiriam esse erro aos coretos. Eram três coretos que já foram explicados acima, lembrando que a Praça Pio XII, onde foi erguida a Catedral Católica, ficaria fora por faltar espaço. Mas pode ser refeita em outra praça central. Por que não?
 
Pois bem, fica o registro meu para a história. Reconheço que palavras são incomparavelmente mais fáceis de acontecer do que obras concretas. Mas é necessário outra visão. E, melhor, é possível a palavra virar coreto. É só querer. É dever moral de todas as autoridades políticas, institucionais, sejam civis, militares ou eclesiásticas, universidades, município e estado. Cada uma tem um papel antes e depois. Todos podem ser simpatizantes e lutar pela proposta, levando-as à Assembleia Legislativa para que primeiramente se torne um projeto. O que você teria a dizer?
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Morte de idosos durante a pandemia: um rombo na História e no coração do Brasil...

 
Diante da pandemia, penso muito na perda maciça dos nossos idosos, nossos portos seguros. Estamos aqui porque viemos através deles. Quem não tem um idoso por perto? Não tem preço o amor que sentimos por nossos velhos, sejam pais, mães, tios, avós, bisavós, tataravós… 
 
A perda deles, de forma natural, deixa um vácuo, mas a perda súbita, em massa, motivada pelo novo coronavírus, deixou vácuos sem precedentes e irreparáveis. Há prejuízos incomparavelmente superiores, até porque a Peste levou idosos que ainda teriam 10 a 20 anos para gastar a vida por aqui. Tenho um exemplo: uma tia que vai fazer 104 anos de idade: lúcida, um baú de sabedoria.
 
Chamo a atenção sobre a morte da HISTÓRIA. Ou melhor, de incontáveis HISTÓRIAS que sepultamos, levadas pelos velhos. Os saberes que ninguém deixa para ninguém porque eram fruto da história de cada um, eram experiências de vida, eram práticas maestras devido ao tempo do exercício. Não há como chamar o neto e dizer :“olha, eu estou morrendo, mas deixei naquela caixinha tudo o que eu sei, é para você!” Impossível.
 
Quem irá contar tão bem as histórias de Camonge com tanta graça, requinte e encantamento? Quem fará tão perfeitamente a casinha de passarinho com varinhas de taquaras? Quem voltará para casa com um cesto abarrotado de peixes porque parecia ter uma química com o mar? Quem curará as doenças que apareciam na casa, resolvidas dali do quintal, tiradas na moita de boldo do Chile, no capim santo, na erva cidreira, do mastruz, da cânfora? 
 
Houve um rombo na história de cada bairro, cada comunidade indígena, cada condomínio, cada casa, cada família... Todo dia sepultávamos incontáveis histórias no Brasil inteiro… no mundo inteiro… Diariamente cobríamos de terra fria a maior lindeza do mundo... como se aquilo não tivesse valor algum. Mas a pessoa que existiu ali era ouro em pó. Como foi doloroso!
 
Dia desses fui preparar um arroz com pequi e recorri a minha mãe - que conta 90 anos de idade - para tirar uma dúvida. É a eles que perguntamos: como é a receita daquele pão caseiro que a senhora fazia? Como era a cidade quando eles eram jovens? O que existia naquele bairro antes de se transformar naquela urbanidade toda? como é mesmo aquela lenda tal? Qual erva é boa para dor de barriga? Quem é aquele homem que tem a foto pregada na parede? Quando foi que calçaram a primeira rua do município? É verdade que houve um padre que dormia na sacristia? Só eles sabem!
 
São tantas perguntas despercebidas que fazemos aos velhos. É como o "Pai dos Burros"... como o dicionário da vida... E agora? Velhos são referências. São livros vivos e maravilhosos, disponíveis sempre para esclarecer com a palavra. Não há como descrever o prazer de ouvir uma história contada pelos velhos. Mesmo aqueles rabugentos, bufôes, e até toscos… mesmo os “Seu Lunga” da vida. Com jeitinho eles despejam tesouros inimagináveis, que jamais conseguiríamos em lugar algum, pois são únicos. 
 
Certo dia um jovem engenheiro recorreu a um idoso, antigo mestre de obras da cidade, queria saber se era verdade que a parede da velha Igreja não tinha viga de concreto. Ele mexia na obra e ficou em dúvida. Teve medo de um desabamento. O idoso explicou minuciosamente, descrevendo a técnica dos antigos construtores do século XVIII. Tudo o que ele sabia com tantos detalhes, contados do jeito dele, era fruto do que o pai havia lhe contado. Agora vá buscar as origens disso! Outro engenheiro perguntou à uma velhinha se era verdade que aquela rua foi construída sobre um rio aterrado, pois não havia registro nos arquivos da prefeitura, e alguém lhe dissera que ela costumava contar aquela história... Velhos têm de livros... tem de sábios...
 
Penso nas histórias de Trancoso, nos causos antigos, histórias de malassombros, lendas, ditos populares, palavras antigas, topônimos originais, as mezinhas, as “modas”, os “dramas”, os relatos de experiências de vida, casos passados na própria família, que só eles contavam com detalhes. Aquele café ainda coado no pano, o doce de ovo que só a vovó conseguia fazer, o doce de queijo, o doce de pétalas de laranja, o arroz com pequi, o licor de goivira, os tijolinhos açucarados de abóbora... enfim a presença amorosa e importante daquele ente familiar que enchia a casa. Homens e mulheres, velhos, uma cadeia incontinenti de saberes, livros abertos que necessitavam de meses e meses acaso loucos iguais a mim os queiram pô-los documentados, gravados, escritos, mas que na fração de poucas horas morreram e foram para debaixo da terra. SEM O DIREITO DE SEREM VELADOS POR QUEM OS AMAVA. A dor mais dolorosa do tempo atual.
 
Tenho pensado muito nisso. Com a pandemia, não temos ideia da morte em massa da HISTÓRIA. Desapareceram bibliotecas inteiras... Bibliotecas feitas de gente que amamos, que nos conforta, que aconselha, que afaga, que ensina a serenidade, a resiliência, o amor, a justiça, a paciência, a bondade, a oração... Gente que nos livrava dos males da imaturidade, do ímpeto… 
 
Antes de tudo sentimos suas mortes pelo lado humano, a presença física, a companhia protetora, a amorosidade, a palavra certa na hora certa... mas não há como negar o prejuízo incalculável, pois nunca a História morreu dessa morte... foi como um sinistro... o incêndio a Roma... as cinzas que sobraram de Alexandria...
 
Creio que esse episódio tão dilacerante nos deixou DUAS LIÇÕES MUITO PROVIDENCIAIS: amar mais os nossos velhos, DAR MAIS VALOR aos poucos que resistiram. a SEGUNDA LIÇÃO DIZ QUE, PARA A CONTEMPORANEIDADE, NUNCA FOI TÃO EMERGENCIAL QUE, DORAVANTE - PASSÁSSEMOS A REGISTRAR TUDO QUE OS NOSSOS VELHOS SABEM, TRANSCREVER OS SEUS SABERES. Não temos ideia dos prejuízos para a história e a memória do Brasil. Com a morte deles, morremos um pouco. 
 
Em eles estando vivos, não há como estarmos vivos plenamente sem permitirmos a fruição dos seus saberes em nossas vidas. O tempo deles exerce influência natural e involuntária em nós (mesmo que não admitamos, mesmo que entendamos que "não serve mais para o hoje"). Mas eles estão certos. Portanto viva as facetas da vida deles em você. Permita isso. Enquanto os seus velhos pais e avós estiverem vivos, sua vida é maior porque eles nutrem você.
 
Em eles estando mortos, não há como estarmos vivos plenamente sem os termos tornado junto de nós, pela ação simples de termos documentado os seus saberes, de os termos os ouvido e permitido estarem em nossas vidas. Façam isso enquanto é tempo! Se a Pandemia não lhe ensinou isso, fica aqui esse ensinamento...

segunda-feira, 21 de março de 2022

Deus e a Justiça castigam?


 

É muito comum ouvir alguém dizer “Deus castiga”.

Diante de terremotos, cheias, tsunamis e outras catástrofes, muitos sentenciam: “é castigo de Deus! 

Já ouvi alguém dizendo num velório “foi castigo de Deus porque os pais do falecido fizeram muita coisa errada”.

Certa vez ouvi um senhor sentenciando sobre uma pessoa deficiente “isso deve ser tão ruim que Deus o fez aleijado”.

Se Deus é amor e perdoa até mesmo um criminoso que se prostra diante Dele e lhe pede perdão, se Deus perdoa um serial killer que, de acordo com entendimentos religiosos, estará salvo se se arrepender em vida, por que Deus castiga as pessoas com catástrofes e outras formas tão ruins?

Por que às vezes morre uma pessoa tão boa, que faz tantos benefícios a uma nação, um povoado, uma cidade, mas deixa viva uma pessoa má e perversa, que continuará fazendo muitas desgraças onde vive?

Por que, de acordo com maldições e pragas, gerações e gerações sofrerão os piores males se nada fizeram de mal? 

Por que as pessoas boas, honestas, éticas são castigadas por Deus, passando pelas piores experiências, mas as falsas, que se escondem atrás de igrejas, de profissões e outras capas sequer são castigadas?

Deus, em sendo amor, por que castiga? 

Pode o próprio Amor castigar?

Por que tantos falam na ira de Deus?

Pode Deus sentir ira? 

Por que Deus permitiu que matassem todos os bebês de uma cidade inteira quando tentaram matar o Jesus-Bebê?

Por que Deus permitiu que morressem tantos inocentes quando o mar se fechou?

Por que Deus permite tantas mortes e sofrimentos na Ucrânia?

É explicável entender Deus como um Ser que castiga? 

Castigo é punição. 

Ao que parece, o castigo é uma consequência natural dos atos humanos, e não uma intervenção sobrenatural vingativa, punitiva... 

Ao que parece, castigo é uma resposta natural, consequência das ações humanas, e não a ação de Deus. 

Deus parece a expressão unicamente do bem. 

Deus parece o amor, parece exalar o amor, parece externar o amor...

De Deus parece não se esperar castigo ou atribuir culpa por ações entendidas como castigo, irá, vingança... 

Ao que parece, esses entendimentos reflete a tradução literal, tradução mal feita das linguagens antigas.

Ao que parece, essas interpretações são o que chamam de “interpretar ao pé da letra”.

Castigo - no aspecto religioso - é a consequência de atos praticados em desconformidade com os ensinamentos do que chamam de Deus.  

É exatamente igual às leis humanas: se matou irá para o presídio e responderá perante a Justiça. 

Isso é o castigo que o pecador/errante moveu contra si próprio, pois se tivesse agido conforme os ensinamentos do que falam “de Deus” e da Justiça comum, jamais teria sofrido qualquer castigo divino ou judicial.

A cidade que desapareceu sob a lama de um temporal sofreu a consequência das matas que dali foram derrubadas, das estradas que cortaram os barrancos, do rio que foi desviado, do lixo que entupiu as ‘bocas de lobo’, enfim o castigo não é sobrenatural, mas humano; veio das mãos dos próprios homens. 

O homem se castiga a cada minuto.

Se o pai orienta que o filho não deve mexer naquele botão porque provocará curto-circuito e apagará a luz, mas o filho desrespeita e deixa todo mundo no escuro, a reação de sua atitude foi provocada por ele. 

Ele será castigado pelo pai.

Ele buscou o castigo.

Mas os outros também devem pagar e sofrer castigos pelos atos/crimes/pecados dos outros?

Por que os outros, que nada de mal fizeram, também ficaram no escuro?

Uma pessoa sozinha pode prejudicar um grupo inteiro quando comete um erro.

No entendimento religioso, Deus mostra os caminhos do bem e do mal. 

Deus aponta os rumos a serem seguidos ou desviados. Alerta sobre atalhos que desviam do bem. Deixa clara a estrada que deve ser percorrida para ser feliz. 

As leis da Terra (a Justiça) fazem o mesmo.

Se o homem seguir o caminho do erro é óbvio que sofrerá consequências ruins. 

Esse é o castigo. E esse castigo não é uma praga, não é maldade causada por Deus nem pela Justiça humana. 

Esse castigo é a reação do caminho errado que foi escolhido para ser trilhado. 

Ninguém deve culpar Deus. Ninguém deve culpar a Justiça.

Deus não castiga. A justiça não castiga. 

O homem busca o castigo…

O homem se castiga.

O homem é o responsável.

Pantanal

 

 PANTANAL
 

No Pantanal nos confundimos com as águas, com as matas, com os céus,  com nossos espectros e sombras... 

Somos pássaros,  somos voos, somos bichos, somos deslimites, somos homens...

sexta-feira, 18 de março de 2022

Uma guerra de muitas faces e muitos culpados...


 
A guerra Rússia x Ucrânia me comove a ponto de eu não assistir a nenhum vídeo. Só leio. É deplorável ver crianças, idosos, enfim um país vivendo na pele os horrores de uma guerra, algo pré-histórico e inimaginável. É inacreditável saber que em pleno século XXI ainda existe algo tão perverso. 
 
A política, o diálogo, a diplomacia - que seriam instrumentos de solução de um problema - foram substituídos pela guerra: a pior coisa do mundo. Dói na alma. Agride os olhos ver o que estamos vendo nos últimos meses. 
 
Mas não podemos nos enganar, essa guerra tem muitos culpados. A Europa é culpada, assim como os Estados Unidos são culpados. A propósito, os EUA funcionam como aquilo que chamamos de mata e cura. Eles colocam fogo, jogam lenha na fogueira, apagam o fogo e ateiam gasolina. Sempre foi assim.
 
Mas também quero lembrar que há outros países em guerra nesse exato momento, e ninguém fala nada. Não sai na televisão. Existem 28 outros países passando por conflitos ou registram combates armados entre forças governamentais e grupos rebeldes desde o início de 2022.
 
Há conflitos, além da Ucrânia, na Somália, Miammar, Síria, República Democrática do Congo, Camarões, Venezuela, Egito, Quênia, Tailândia, Iêmen, Afeganistão, Iraque, Burquina Faso, Etiópia, Azerbaijão, Líbia, Senegal, Costa do Marfim, Mali, Nigéria, Paquistão, Colômbia, Índia, Sudão do Sul, Filipinas, Indonésia, Níger, e Burundi.
 
Não é momento para isso, mas parece que a pele preta e amarela são diferentes até na guerra. A morte de pessoas pretas e amarelas parece não ser sentida como a pele branca. Até isso é uma guerra. Uma guerra dentro de uma guerra. 
 
Há muita gente morrendo de fome, sede, frio, vitimadas por doenças decorrentes da guerra em vários países. Nesse exato momento há uma multidão de crianças pretas e amarelas sem pai nem mãe. 
 
Nesse exato instante há muitas crianças perambulando sobre neve, pedras, ruínas de casas, sem esperança alguma. Traumatizadas. Muitas levarão a guerra para sempre dentro da cabeça.
 
É importante lermos jornais sérios, pois apesar de ser fato muito dos horrores que assistimos, há muito Fake News até mesmo dentro das guerras. Há muitas imagens e informações fora de contexto. Há até imagens de filmes da Netflix, como essa postagem acima. Há muitos heróis e mocinhos que não são tão heróis e mocinhos assim. Há muitas fotografias de guerras antigas e até mesmo de outros países atribuídas a um e outro. Esse é outro tipo de guerra. 
 
Nada disso justifica a dor e a tristeza sobre os horrores a que assistimos principalmente na Ucrânia, mas não se enganem: há heróis se servindo de sangue para alimentar várias indústrias, vários engenhos, várias estratagemas, vários objetivos escusos mundo afora.
Leiam. Pesquisem. Não se incomode com os imbecis que porventura insinuarem que você está dando uma de especialista. Você está apenas dando a sua opinião, e ela deve ser respeitada. Não acredite apenas nos pacotes prontos da imprensa escusa. 
 
Numa guerra ninguém tem razão. Mas no aspecto geopolítico há considerações que estão no campo da lógica. Não justifica que líderes se sirvam de morticínios e holocaustos, mas justificam a defesa diante de outros governantes que são lobos em pele de cordeiro, e têm grande interesse na guerra. A própria causa da guerra decorre de uma cadeia de interesses e, por mais que aparentemente seja contraditório e inacreditável, o próprio ato da guerra alimenta incontáveis interesses. Às vezes tenho dúvida se nós, homens, somos homens, de fato, ou monstros...

terça-feira, 15 de março de 2022

SENTIMENTO POÉTICO...

Quando eu era ainda mais criança,

Praticava os meus pensos tortos que só!

Pensava que poesia só existia agarrada aos livros.

Que poesia legislava estar escrita.

Gastei infância inocentando que poetas eram quais artistas de televisão,

Seres inatingíveis, importantes que estavam com lápis e papel.

Matutava-os ocupados em lugares longínquos e insabidos.

Entortadamente, lesava que eles se resguardavam hibernando inspiração.

Mas o tempo escorreu e resplandeceu-me que poesia mora no mundo,

Que urge sentidos para compô-las.

Se a Philos diz que vemos o que somos, logo sentimos a poesia onde estamos.

Então desapareci na mata que emoldurava a cidade,

Ali pratiquei os meus sentimentos,

Vi um tapete bordado de folhas secas.

Cheirei das flores da ceiba que me levitava,

Degustei o filete de mel que escorria do tronco,

Toquei o azul de uma arara...

Confesso que chorei...

Fiquei todo emocionado de poesia.

Um índigena, agachado que estava junto a ceiba, me perguntou:

Ei, menino, chorando ai no corixo por quê? Você não é chuva para chorar!

Enlouqueci!

Entrei para fora daquilo num raio instante,

Tudo ali brotava poesia.

Voltei pra casa com um cesto cheio,

Descobri que poesia realmente mora no mundo...

segunda-feira, 14 de março de 2022

POEMA AO ANU

 


Como não carece ornitologia, mas olhogia para mestrado em pássaros, desperdiço os meus vagos à passarada,

Amo-os como quem ama a mãe.

E digo-vos: jamais passará pássaro sem que os meus vejos se desvejam deles.

Sem que os meus amores se desamem deles.

A natureza é antídoto, livradora dos males todos.

Sou dos que menosprezam compromissos em entretimento da vida silvestre.

Contemplá-la é reinar-se de poesia,

Um adentro em poemas.

Dia desses, aos primeiros fios de sol, acordou-me o zumbido de um sem-fim de abelhas voejando a pitangueira em buquê.

Gastei ali, abençoando-me delas uma meia hora... juro!

Hoje, dei-me com uma dúzia de anus brancos às 7 em ponto.

Mais andavam que voavam.

Mansos como criados na mão.

Íntimos o bastante para fisgar insetos sob o meu sapato.

Não sei o porquê da intimidade, mas o bando era amigável e despreocupou-se de mim.

Encanta-me a singularidade dos anus, plenamente os brancos.

Anoto-os muito simpáticos e bonitos.

Pássaro grande, exótico, despenteado, listrado, rabo comprido e olhos grandes da cor de mel.

Nas matas eles praticam repasto como padres.

São gulosos com pererecas, pássaros novinhos, lagartos, camundongos e miudezas de rios.

Erradicados nas praças, merendam frutas, bagas, coquinhos, sementes e insetos.  

Contemplo-os sempre banqueteando-se de um cupinzeiro.

Anus fazem freguezia em olho de coqueiros e palmeiras, onde espenicam as palhas e devoram rango de insetos miúdos e até catitas.

Expertos, arquitetam ninhos em altos três vezes superior que um homem.

Os ovos são verdes, aclarinhados de azuis com uma camada calcária em relevo branco.

É comum ninhos com duas ou três anus chocando numa irmandade de comadres íntimas.

Essa é a tradução para suas anchas mansões dependuradas.

Com certos pássaros maiores exercem amizade de vizinho.

Tem bom compadrio com bem-te-vi, anu-preto, sabiá e outros pássaros.

Exímios poliglotas, proseiam como diplomatas e embaixadores,

Praticam excelentes relações internacionais com outras espécies.

Essa é a poesia amanhecida de hoje, sentida e catada na praça.

 Mas julgo providencial esclarecer que contemplo os anus desde a minha verde infância,

Por isso florestou essa poética divinizada aos anus.

Do contrário passariam anos, e nada eu saberia sobre os anus.

Por isso é verdade e dou fé.

 

sábado, 12 de março de 2022

ACTA NOTURNA - PADRE JOÃO MARIA (23.6.1848 + 16.10.1905), OUTRA HISTÓRIA REAL...

ACTA NOTURNA - PADRE JOÃO MARIA (23.6.1848 + 16.10.1905), OUTRA HISTÓRIA REAL...

“Certa vez, num sábado à tarde, terminávamos a impressão do jornal. Descíamos, após, o Joaquim Rodrigues, eu e o Diógenes para a refeição. Chegados à porta da sacristia estacionamos.
Três senhoras convidavam o sacerdote a ir em confissão a uma pobre mulher, doente de varíola, em estado gravíssimo, sobre folhas de bananeiras, acrescentando uma delas:
- Disseste ao padre quem é a mulher?
- E que é que tem essa mulher, perguntou o vigário.
- É que ela... com licença da palavra... é alegre...
- É melhor do que triste – respondeu ele.
- Não é isso não, meu padre, é... errada...
- Eu sei, eu sei, vamos até lá, as certas já estão aqui”.
A história deu-se em 1890. Foi contada em 1945 por João Estevão Gomes da Silva, que testemunhou o fato. A passagem, de certo modo, engraçada, leva-nos a refletir sobre suas significações.
A carga de tabus tão comuns àquele tempo impedia que as mulheres dissessem com clareza que se tratava de uma “mulher da vida”, ou "rapariga", como chamamaquino Nordeste. Ou seria pela profundidade do respeito ao sacerdote?
A polidez/santidade do padre, já proclamada nesse tempo, impedia tal intimidade? O padre estaria se divertindo com as beatas, ou desconversando?
A aparente indiferença à condição da doente era uma estratégia para educar as beatas a ignorar os feitos da doente em detrimento da importância verdadeira, a alma? As últimas palavras do sacerdote revelavam ironia, pureza de alma? Santidade? Um misto de tudo?
Esse foi o padre João Maria, homem impressionante, inteligentíssimo e de ideias visionárias e desconhecidas por muitos. E não pecava em humor. Sem contar que não levava desaforo para casa, mas com uma elegância que marcou o seu tempo. Ele passeava nisso tudo sem ser igual sem ser indiscreto... Raro...

 

sexta-feira, 11 de março de 2022

Uma historieta de Beenthoven

 


Certa vez Benthoven se apresentaria num dos mais imponentes e sofisticados teatros de Berlin (Alemanha). Então ele recebeu um bilhete em que se lia:


“Toque tal peça. Barão Fulano de Tal (proprietário das maiores plantações de uvas locais, donos de cinco castelos, terras e animais a se perder de vista)”.

Beethoven leu e escreveu n’outro bilhete:


“Não vou tocar.

Ludwig Van Beenthoven (proprietário de um cérebro)”.