ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Estado de oração

 


Antes eu rezava com palavras escorridas do pensamento. 

Engatinhei isso dos berços do meu nascedouro. 

Mas o mestre e sábio tempo me converteu a abdicar desses paramentos, despertado por préstimos diferentes, que passaram a reger-me. 

Então me converti às orações desiguais. 

Ímã de uma paz ancha. 

Não funciono no mecânico. 

Não aconteço mais em acontecimentos que não dizem respeito aos meus dedentros. 

Não aconteço a pedido. 

Funciono no sentir. 

O que não sinto não funciona. 

Não opera em mim orações que não jorram dos sentimentos. 

Sou dos que só acreditam no que chega ao cérebro pelas retinas. 

Para mim há visões mais poderosas e extasiantes que as ditas orações fortes. 

Hoje mesmo rezei-me todo de um cardeiro em flor. 

Exerci minha reza de apreciar. 

Pus-me a me impressionar desse cardeiro em situação de florescência. 

Brotou-me um sentimento tão poderoso que quedei-me a registrá-lo em filme, indiferente a tudo, contrito, absorto numa oração de flor. 

Em vão me falam quando estou nesse estado de natureza, entorpecido de uma paz singular. 

Ela espicha a vida, torna-nos longevos... 

Todos os meus sentidos estão convergidos nessa oração. 

São desses os meus rezares…

Tenho certeza absoluta que, dos pecadores, sou o mais santo do mundo.


O que é Corpus Christi? Dez perguntas interessantes para serem respondidas...




1) Qual o significado da palavra “Corpus Crhisti”?

2) Por que a Igreja Católica celebra esse evento?

3) Quando deve acontecer essa comemoração?

4) O que significa essa celebração? 

5) Qual a metodologia da Igreja Católica para comemorar essa data?

6) Quem conduz a procissão?

7) Por que a procissão e não apenas a celebração da Missa?

8)Por que os católicos costumam enfeitar as ruas com imagens sacras e ornamentais?

9) Compor o tapete com imagens sacras, cultuadas pela Igreja (o rosto de Jesus, a eucaristia, a cruz etc) e, logo em seguida, pisar exatamente em símbolos adorados, desmanchando tudo, não soa como desrespeito?

10) Todos os católicos sabem desses significados?

VAMOS ÀS RESPOSTAS: 

1) Como sabemos, a Igreja Católica é a única instituição no mundo que ainda se utiliza do latim de forma sistematizada, portanto conservou-se a expressão “Corpus Christie”, que, como está claro, significa “Corpo de Cristo”.

2) Ao celebrar esse momento a Igreja Católica celebra o mistério da eucaristia, o sacramento do corpo e do sangue de Jesus Cristo. É uma festa religiosa da Igreja Católica. O Antigo Testamento diz que o povo peregrino foi alimentado com maná, no deserto. Com a instituição da eucaristia o povo é alimentado com o próprio corpo de Cristo.


3) Normalmente ocorre na quinta-feira seguinte ao domingo da Santíssima Trindade, lembrando, comemorando e dignificando a importância daquela quinta-feira santa, quando Jesus instituiu o Sacramento da Eucaristia.

4) Em 1961 a Igreja Católica começou a comemorar essa data dessa forma.

5) Embora algumas igrejas diferem em alguns detalhes, a essência diz respeito à celebração de missas festivas, cujos ritos e cânticos são voltados de forma especial para todo esse contexto. As ruas normalmente são enfeitadas para a passagem da procissão.

6) Tanto pode ser o Bispo quanto o sacerdote, os quais conduzem o Santíssimo Sacramento, seguido pelos católicos. A procissão de Corpus Christi lembra a caminhada do povo de Deus, peregrino, em busca da Terra Prometida. 

7) A procissão é uma recomendação do Código de Direito Canônico que orienta aos Bispos Diocesanos e Sacerdotes de todo o mundo que a organizem como parte da celebração, testemunhando a adoração e a veneração para com a Santíssima Eucaristia.

8) A organização dos enfeites é muito antiga. Existem países que já fazem isso há séculos. No Brasil iniciou em Ouro Preto (MG). Raras são as cidades que não fazem pelo menos uma pequena e simples ornamentação nas proximidades das igrejas.

9) Pelo contrário! Quando os fiéis se reúnem para essa ornamentação, compartilham do respeito às coisas da Igreja. É também o momento de confraternização de um resultado, pois todos os materiais usados foram juntados durante seis meses ou mais. Em algumas cidades do Brasil os católicos começam à noite e terminam ao amanhecer. Uns trazem café, pão, frutas, biscoitos. Os donos de padarias e os comerciantes mandam coisas. É uma festa muito agradável! Os tapetes significam que toda a sua beleza sacra ainda é pouca para celebrar a instituição da Sacristia e as coisas de Deus. Quando se pisa, não se desrespeita, mas se complementa um momento de fé e amor a Deus.

10) Com certeza, quem teve bons professores de Catecismo, de Eucaristia etc sabe disso decorado e, lógico, em sua essência de mistério. 

Prefeita? Nossa Senhora Aparecida?


 Prefeita? Nossa Senhora Aparecida?

Se Nossa Senhora Aparecida aparecer – suponhamos – hoje, em boa parte dos 5.570 municípios do Brasil, e se juntar a você numa chapa política, sendo ela prefeita e você vice – e essa chapa for eleita... tenha certeza, vocês não farão um bom governo.

Vamos tentar explicar a partir de Otto Von Bismarck (1815-1898), o chanceler de ferro da Alemanha. Esse estadista deixou escrito que “A política arruína o caráter” e que “mentir era dever de todo estadista”.

Se Jesus Cristo nos ensinou que mentir é coisa do diabo, a pobre da Nossa Senhora Aparecida terá que aprender a andar de mãos dadas com o “bicho preto” e deixar o Jesus de escanteio. Confesso que nem consigo visualizar a cena, mas vamos lá...

 Logo no início do mandato aparecerão os presidentes dos partidos que compuseram a coligação da campanha e os candidatos a vereadores. Noventa e nove vírgula nove por cento (ou seja, a maioria da maioria) quer uma secretaria ou alguma função de chefia (não importa se alguns são semi-analfabetos, gente de má fé, furunfador das mulheres alheias e das mocinhas sem eira nem beira atrás de um emprego, ou gente perseguidora e dada às picuinhas das mais diversas, carregadores de processos criminais nas costas, enfim representantes das mais nojentas milacrias).

Obviamente que aparecerão também algum secretário decente, afinal nem todos são iguais. Mas a exceção é tão pequenininhazinha que faz pena. Normalmente a maioria dos gestores têm como lema atrair para o seu grupo a bandidagem, mas, para disfarçar um pouco, arrastam meia dúzia de pessoas realmente de bem, pois elas dão votos e servem de “equilíbrio”, bandeira e escudo de uma campanha. Essas pessoas são escanteadas paulatinamente. (Dizem eles que tal perfil atrapalha, pois não abrem mão da decência).

Pois é, Nossa Senhora Aparecida terá que administrar essa alcateia (não fosse a meia dúzia boa), senão não conseguirá administrar. Sim, mas nem falei do que acontece antes da formação da chapa. A infeliz santa terá que ‘rebolar’ para ser candidata, pois criarão tantas formas de ela desistir que, se conseguir ser candidata, já poderá dizer que ganhou (a lógica da maioria dos que se proclamam políticos é optar pelos corruptos).

Noventa e nove por cento dos presidentes de partido, exceto um ou dois (e olha lá), só emprestará a legenda a troco de dinheiro ou benesses depois da vitória. Noventa e nove por cento das lideranças e dos possíveis ocupantes das futuras secretarias fazem o mesmo. Como Nossa Senhora Aparecida é pobrezinha de Jó (no sentido humano obviamente), sofrerá copiosamente, pois seu ‘rebolado’ será maior.

A coitadinha terá que negociar secretarias e cargos antes de ser eleita. Se ela não tiver cuidado seu manto pegará fogo, pois essa negociata consiste num verdadeiro inferno (gera inimizades ferrenhas, traição, até briga entre famílias e pessoas do mesmo partido, separação de casais etc). A maioria das reuniões de políticos traz o diabo no centro. Não importa se no meio tem gente religiosa. Naquele momento ela é parte da jogatina diabólica. Deus serve apenas para mascarar.  

Ou Nossa Senhora Aparecida disfarça para tentar driblar tudo isso, ou... E olha que alguns desses bandidos, aliás, políticos, ou melhor, politiqueiros (é esse o verdadeira nomenclatura) botam banca. Se acham o máximo meramente porque são grandes atores, fazem caras e bocas, enfim vivem enganando e mentindo para o povão (e, cá entre nós, parte do povo também não vale uma sola de sapato rota).

Pois bem, depois que Nossa Senhora Aparecida for eleita e tiver nomeado seus secretários, enfim os demais cargos, começará a governar, ou melhor, pensará que estará governando. Ao primeiro projeto que idealizar – suponhamos que seja construir um hospital (isso nem é coisa de prefeito bom das faculdades mentais) normalmente dá muita despesa. Mas façamos de conta que seja um hospital. Triste da Aparecida! Vai sofrer muito! Terá que “molhar” as mãos da maioria dos vereadores, pois, do contrário, não aprovarão o projeto de Cidinha.

 Mas quem é Cidinha?

Deixa eu explicar: a essa altura, a ‘tadinha’ vai estar tão desgastada que nem perceberá que o povo a denomina assim (aqui para nós: dizem que é ‘status’ se parecer íntimo de prefeitos, chefes de gabinetes etc). Pois bem, Cidinha terá que comprar a maioria. Pode até ter um ou a metade de um que não se enquadrará nessa regra... mas não vamos garantir!

E lá vem mais bomba, pois de quando em vez explodirá algum escândalo de seus secretários, “funcionários de confiança” ou vereadores. Um porque superfaturou o material de construção das casas dos programas federais ou fez o mesmo com grandes obras, outro porque propôs ficar com os bônus das megas compras para o município, outro porque ao dar emprego para a sua cota de funcionários, passou a exigir a metade dos seus salários, outro porque ofereceu cargo para alguém em troca de favores sexuais, outro porque manda um caminhão de material de construção para a sua casa na praia e outro para a secretaria que “administra”, e assim vai.

As pessoas falam muito mal dos empresários e empreiteiros, mas se os coitados quiserem sobreviver, têm que se dobrar às propostas de corrupção da maioria dos prefeitos. Se Cidinha inventar de ser honesta esbarrará em sua assessoria, a qual negociará às escondidas, ou seja, mesmo inocentemente, a santa ficará com o nome sujo. O Ministério Público a chamará de ‘ladrona’. Coitada!

A essa altura a imagem da santa – que prometeu tanto – estará tão desgastada que já estarão chamando-a de Cida (alguns até de “Sujeita”). Mas não terminou. A sua vidinha paradisíaca nos altos céus se transformará num inferno. Se a decaída santa inventar de dar expediente, transformará a sua vida numa penitência sem fim. Todos os dias aparecerão um número interminável de pessoas reivindicando que a prefeitura pague contas de água, luz, telefone, conserto de carro, implante de silicone, cesta básica, remédio, traslado de um parente que morreu nos cafundós, uma conta pessoal lá na boutique tal... não tem fim!

Não pensem que é só pobre que pede não. Os ricos quase empatam nessas romarias de pedintes. E, de forma lorde: pedem por telefone ou marcam um jantar para pedir tipo... “uma cirurgia para a minha esposa deixar o narizinho mais empinado”, “um terrenozinho que está meio esquecido lá na praia”. São pedidos caros! Há até falsos religiosos engordando essas filas (sempre atrás de benesses para seus familiares ou pessoas com relações suspeitas). As exceções são poucas mesmo!

Se a depressiva Cida inventar de criar cooperativas ou arrastar a iniciativa privada para gerar empregos e melhorar a vida de todos, esbarrará nos mais impensáveis obstáculos. Aqui para nós: poderá até mesmo ser alvo de uma emboscada, pois a geração de emprego gera independência. E a maioria desses bandidos, ou melhor, políticos (perdão, eu quis dizer politiqueiros, querem a certeza dos currais eleitorais para garantir a certeza da vitória nas urnas). Suas sobrevivências dependem da miséria, portanto miséria é matéria prima desses bandidos. E essa “farra” toda que eu falei é garantida exatamente por tais currais.

Não pensem que o inferno terminou, não! A esquálida santa – agora chamada de Cici – estará fedendo a enxofre. Ela precisará procurar um médico que, com certeza, lhe receitará um tarja preta. A pobrezinha não suportará ver seus secretários empregando primos, tios, sobrinhos ou colocando laranjas para dividir os salários.

Como se não bastasse, terá que enfrentar outra fila de gente pedindo emprego interminavelmente. Às vezes tem mais da metade da família empregada, mas se a infeliz gestora não empregar mais um, vira oposição gratuita. Resultado: terá que alegar a todo tempo que não poderá pagar o Piso Salarial disso e daquilo Todo final de semana terá que dar uma voltinha pelos distritos e povoados, principalmente onde mantém suas lideranças. Nesses locais encontrará jogo de futebol rodeado de gente bebendo, muitas totalmente bêbadas, com som alto, falando gritando, bebendo cachaça, cuspindo na cara dos outros. E terá que passar algumas horinhas nesses ambientes, fingindo que gosta, dizendo “meu povo!”.

Aí, a quase enlouquecida santa terá que decidir, ou perder o caráter e abrir para tudo isso, ser acreditada por uns, debochada e explorada por outros, ou jogar a toalha (aliás, o manto), ou se impor, se levantar, sacudir a poeira do manto e pegar o volante. Mas uma coisa é certa: a coitada, comerá o pão que o diabo amassou (seja qual for a decisão). Parece inacreditável, mas será assim!

A pobre Cici, já quase sem fiéis, perturbada e com ameaças de AVC (e até mesmo quase sem o próprio nome) certamente estará tão desacreditada que, com certeza dirá: “o diabo é quem vai cobrir esse povo com o seu manto sagrado... esse bando de ladrões... que fiquem com a capa do “bute”.

É, minha querida, o seu lugar é exatamente onde a senhora sempre esteve, olhando por seu povo, mas lá do Céu, intercedendo e cobrindo o seu povo com os seu manto sagrado.

Entendem agora a frase de Bismarck?

Continuo acreditando num Brasil melhor. E educo o meu filho a esperançar o melhor. Mas é difícil, pois tudo isso que eu escrevi é apenas um estágio que projetará uma minoria que alçará voo aos postos mais altos da política em outros níveis.

Querida Santa, daqui continuaremos recusando esses tipos de governantes, mas cheios de esperança num Brasil melhor. A senhora continuará sendo sempre a Padroeira. Política, jamais! (3.7.2017)

Uma boca e dois ouvidos (1999)...


 

A menina era tagarela.

Falava pelos cotovelos,

Não guardava desaforo,

Nem tinha papa na língua, 

Confusão era com ela.

A mãe, preocupada,

Pedia que ela evitasse falar demais.

Até usou uma reflexão interessante:

- “Menina, você tem duas orelhas

E só uma boca.

Deus a fez assim

Para que você

Ouvisse mais e falasse menos.

Se Deus gostasse disso

Teria feito você com

Duas bocas e uma orelha

Que aleijo!”.

Será que Deus teve essa intenção?

Acho que essa mãe

Esqueceu de dizer que

Essa reflexão depende

Do local onde é aplicada.

Ela fora criada diferentemente da filha.

Tudo era proibido.

Cresceu recatada,

Temerosa, amedrontada,

Só meninos podiam tomar banho na enxurrada...

Se eu fosse Deus, diria:

- “Mãe, deixe sua filha descobrir a vida...

A vida é para ser sentida”.

A santa que se partiu


 "Freguesia de Deploración" é uma cidade minúscula, esparramada no extremo Oeste de um país de la América Central. Ali resiste a imponente Matriz de Nossa Senhora de Los Fuegos, construída no final do séc. XVII.  A imagem, também do século dezessete, foi esculpida num tronco de peroba-rosa por Juan Pablo, famoso escultor daquela região. O rei Dom Ramirez de la España presenteou-a com uma coroa de ouro puro. São sete quilos de ouro sobre a cabeça da Santa. Seu manto é costurado com fios de ouro e prata. A roupa é cravejada de ornamentos desses metais preciosos.

 

É uma das mais belas e ricas imagens sacras do mundo, inclusive registrada no "Liborun Iconoclastrun di Vaticani". Nossa Senhora de Los Fuegos carrega essa nomenclatura portentosa por ter aparecido misteriosamente sobre um vulcão extinto. Então la población entendeu que deveria erguer ali a sua Igreja Matriz, dando-lhe esse curioso nome.

 

Certa vez um especialista em Arte Sacra, oriundo de Rouen, França, esteve na pequena Freguesia de Deploración para fazer um estudo sobre as imagens sacras daquele templo. Passou seis meses nesse empreendimento. Ao encerrar a pesquisa, convocou el padre e los pueblos fiéis, orientando-os a não expor a imagem ao tempo, pois o sol, a poeira, o vento, a umidade da tarde causaria danos irreversíveis.

 

Ele orientou que em últimos casos mandassem fazer uma redoma de vidro especial, ao estilo "Blue light protect ", de maneira que blindasse os raios solares e as luzes artificiais, e que mandassem construir um andor  com alpendre, podendo assim carregar a imagem sobre andor na principal procissión de la ciudad. Orientou que a Santa não saísse mais que uma vez em procissão.

 

O especialista foi embora, e com ele foi-se a orientação. Ela entrou por um ouvido, saiu por outro e desapareceu de la ciudad. Alguns até debocharam do especialista. Acreditem se quiser: até o padre, que deveria ser o primeiro a preservar! Mas acreditem também: não foi toda a cidade que desdenhou da orientação do especialista. Nem todo mundo tem isopor no cérebro.

 

Algumas pessoas mais esclarecidas continuaram escutando aquelas palavras, como se elas tilintassem do sino de San José. Elas passaram a se preocupar. Houve até um nativo que foi falar com o padre, ao perceber que o mesmo não dava tratamento adequado às imagens. Mas o religioso tinha uma empáfia enojante, aliás, era proprietário de toda empáfia, e se chateou como se chateiam os néscios.

 

Dizia que tinha feito um curso de restauración na Universidad de San Nunca. Certo dia o dito padre mandou colocar a imagem de Nossa Senhora de Los Fuegos de fronte à Igreja Matriz. A imagem ficou exposta das 11h30 da manhã até às 17h00. Foram cinco horas e meia de sol escaldante. As pessoas sem esclarecimento acharam maravilhosa aquela atitude, equivocadas pelas coisas da fé.

 

Mas como nem todos os cérebros são faltos de massa cinzenta, outras pessoas, se lembraram das orientações do francês e ficaram perplexas. Elas sabiam que sol e madeira não se combinavam. Ainda mais a uma imagem do final do século XVII. Houve um burburinho na cidade, mas as pessoas sem esclarecimento, que eram maioria, foram persuadidas pelo padre. Dizem que os toscos têm esse poder de debilizar.

 

Pois bem, no outro dia retiraram a imagem e perceberam que ela apresentava micro-frinchas em sua compleição. A imagem foi guardada próxima de uma janela e parede com infiltração. Após dois meses constataram que a policromia se soltava. Partículas de ouro se amontoavam no piso do nicho, expulsas naturalmente. Seis meses depois observararam que a imagem se rasgava de cima abaixo, numa trinca única. No sétimo mês, ao abrirem a Matriz, tiveram uma surpresa: Nossa Senhora de los Fuegos estava partida ao meio. Literalmente.

 

As pessoas esclarecidas e não esclarecidas ficaram chocadas, e começaram a chorar. Comoção geral em Freguesia de Deploración. O padre observava, assustado. Em seu cérebro galináceo fervilhavam mil pensamientos. Chegou até a cogitar uma possível estratégia de milagre. Mas não colaria. Milagre com santa rachada? Entonces ele se deu conta de sua ignorância. Era tarde!

 

Dois meses depois a cidade de Freguesia de Deploración acordou sob um forte estrondo. Eram cinco horas de la mañana. Todos correram para janelas, quintais e ruas. Uma nuvem de fogo se estendia ao longo de uns trezentos metros de altura. Parecia um cogumelo vermelho seguro por uma mão escura. Não deu tempo correr. Assim como Pompéia, a cidade de Freguesia de Deploración desapareceu sob um amálgama preto.

 

Na cidade próxima, Nuestra Señora de la Anunciación, o povo assistiu a tudo, aterrorizado. Sr. Gonzalez, um agricultor, disse que aquilo era castigo. Dona Mercedez, uma beata, proclamava a todos que atragédia era obra del Diablo. Dona Marcelita, uma feirante, alarmava em todos os recantos que a tragédia era uma vingança divina. Todos tinham um parecer sobre a erupção do vulcão. Mas agora era tarde. A santa, que aparecera com o desaparecimento do vulcão, desaparecera agora com o seu reaparecimento. Tudo obra divina, conforme dizem...

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Quando "Nísia Floresta" foi parar no ferro velho...


Essa efígie foi afixada num monumento de alvenaria inaugurado em 1911 na Praça Augusto Severo, em Natal, Rio Grande do Norte. À ocasião diversas autoridades se fizeram presentes, como o governador Alberto Maranhão, Dr. Antonio de Souza, membros do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, dentre instituições de ensino, inclusive a Escola Doméstica em peso (ficava defronte). 

 

 



Algum tempo vândalos derrubaram a peça e roubaram a efígie. Naquele tempo não tínhamos esse problema de usuários de crack roubando bronze pra trocar por 2 reais, portanto suponho (SUPONHO!) que esse ato excede o campo do vandalismo. Entendo isso como uma ação deliberada por alguns natalenses - incluindo intelectuais -, inconformados de não terem o esplendor de Nísia Floresta, somado às calúnias contidas numa carta escrita 28 anos antes, por Isabel Gondim, as quais estão dispostas para a eternidade neste mesmo blogue, portanto viram na destruição do monumento uma maneira de ofuscá-la.  

No tempo em que essa efígie foi instalada, ainda era muito forte o preconceito contra Nísia Floresta, fruto de mentalidades conservadoras e cheias de tabus, que não aceitavam suas ideias visionárias. Mas a peça, em bronze, feita na França, por Corbiniano Vilaça, foi identificada por um intelectual num sucateiro que não fez questão e o deixou levá-la.



Então ela foi disposta no Instituto Histórico e Geográfico do RN, onde se encontra até hoje, aguardando da parte do estado, uma alma boa que a reinstale com a devida decência e segurança num espaço público conveniente, ou privado com ampla visibilidade (sugiro que seja dentro do Midway), onde poderia ser feita uma belo monumento de mármore para abrigar a efígie. Essa peça é de Natal e foi feita para Natal. 

É importante ressalvar que o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte não é autor da iniciativa de construção do referido monumento nem da efígie, apenas foi convidado para participar da instalação e mandou um sócio representar a instituição. Esse detalhe está escrito em umas das revistas do IHGRN.

Teatro de bonecos versus crianças deseducadas...

Teatro de Bonecos - Grupo Contadores de Estórias - Paraty Tours.

Há poucos dias, conversando com um artista circense sobre teatro de bonecos, ouvi dele a informação de que essa arte é mais uma das manifestações populares milenares que parece estar sendo trocada pelo aparelho celular. Todo aquele encantamento da década de 90 para trás está se dissipando a olhos vistos.

Desde criança me curvo à cultura popular. Tenho profundo respeito ao Folclore Brasileiro, aos brincantes e protagonistas de todas as suas múltiplas manifestações. Sinto fascínio por esse mundo e por circo. Se estiver um circo arranchado em lugar próximo, seja simples ou sofisticado, lá estará a minha pessoa. E alterno os dias de apreciação, pois não me contento de ir apenas a um espetáculo. Esses mundos seguem me reencantando como se ainda criança fosse.

Mas hoje preciso escrevo sobre o diálogo que tive com esse artista, que inclusive, interpreta palhaço e trabalha com teatro de bonecos num mesmo espetáculo. É um artista incrível.

Ele contou-me que nos últimos anos constata que o seu público, apesar de ser integrado predominantemente por crianças, tem mais química com os pais. Eles, cuja geração não conheceu o aparelho celular, se envolvem com o palhaço ou com o teatro de bonecos. São nítidas as fisionomias de encantamento dos pais. Os pais colocam pra fora a criança guardada sem cerimônia alguma. Alguns riem espetaculosamente. Isso parece proporcionado pela geração deles, que não foi contaminada pela televisão, pelo rádio e tampouco pelo aparelho celular que é recente. O circo era o circo, o show de palhaços era o show de palhaços e assim sucessivamente. Eles vivenciaram as manifestações da cultura popular sem precisar dividi-las com o mundo eletrônico.

Antes do aparelho celular as expressões folclóricas exibidas nas escolas, nos circos, palcos das ruas, não dividiam espaço com os atrativos da internet. Atualmente as crianças estão atentas ao celular e ao que está no palco, no picadeiro, na pista. Algumas agem totalmente desligadas do que está na sua frente, entretidas pelo aparelho celular. Não estão ligadas ao mundo físico, mas ao virtual. Isso é simultâneo e terrível.

Não sei o que acontecia conosco quando éramos criança. Não me recordo se tinha consciência de que aqueles bonecos eram inanimados e havia um homem por trás de tudo. Também não me interessava. Eu não sentia vontade de investigar aquilo, pois o mundo fantástico, mágico e cheio de encantos criado por aqueles bonecos nos envolvia demais. Havia uma emoção no ar. Éramos inebriados pelas histórias e brincadeiras hilárias dos bonecos. Os artistas por detrás dos fantoches, marionetes ou ventríloquos, tinham (e tem) o poder de transferir almas para aquelas peças originalmente sem vida. Os artistas lhes dão vida. É impressionante!

Hoje, além de boa parte não interagir ou ser indiferente, algumas tentam violar a tenda onde ocorre a magia da manipulação dos bonecos. Muitas gritam que aquilo é boneco, e que há um homem por trás, e que o homem é o palhaço que se apresentou anteriormente. Há uma intenção de revelar às demais crianças que aquilo é uma espécie de mentira. Esse fenômeno inexistia no passado. O encantamento proporcionado pelo espetáculo era maior do que tudo. Vale ressaltar que isso não é generalizado. Obviamente que há crianças com o mesmo perfil que fomos. Mas é número muito reduzido, segundo me contou o artista.

Os meus 55 anos de idade ainda não perderam a extraordinária capacidade de se reencantar com esse universo tão envolvente. E sinto que não estou só. Mas isso me preocupa, pois se o meu eu-adulto desaparece diante desses espetáculos, e dá lugar para a criança guardada em mim, fico perguntando quem são as crianças de 4, 5, 6, 7, 8 anos que estão ali ao nosso lado. O que passa na cabeça dela?

Preocupa-me saber o que está tomando o lugar do Folclore Brasileiro. Quem são esses seres digitais? Por que eles são mais especiais e encantadores que o teatro de bonecos? O que eles têm que o teatro de bonecos não tem?

Creio que passa da hora de os pais se conscientizarem sobre isso. Como ficarão as memórias afetivas das crianças? Como ficará a socialização? Como ficará a sua brasilidade? Ou isso não importa? Pode parecer que não, mas os enredos das histórias contadas pelos bonecos proporcionam uma cadeia de transformações aparentemente imperceptíveis: rir, dar gargalhadas, se contorcer, gritar, pular, interagir com os bonecos e outras crianças, pensar, falar, receber informações importantes, se educar, se reeducar, aprender, dar suas opiniões, enfim o teatro de bonecos é um palco e as crianças são plateias extraordinárias.

Se ainda há crianças iguais a nós – embora minoria –, mas que vivem plenamente a sua infância – o que falta para que as demais tenham direito a viver a sua infância? A nossa existência é semelhante a uma escola. Como ser matriculado no quinto ano sem ter estudado do primeiro ao quarto? Com certeza ficarão lacunas impreenchíveis que serão sentidas ao longo da vida. Tudo na vida é escola. Tudo é cadeia. As coisas se comunicam com as outras naturalmente, e isso diz respeito às relações humanas, ao diálogo, às recordações... tudo.

Quando éramos crianças, nossos pais construíam uma formação educacional de berço muito importante. Havia regras. Tínhamos hora para fazer a tarefa de casa, jogar bola, fazer um mandado, almoçar; tínhamos autorização para ir à casa de algum amigo e com hora exata de voltar, limites para assistir à televisão, hora marcada para nos recolhermos das brincadeiras na rua, enfim as coisas aconteciam com normalidade e tudo dava certo. Nenhum de nós ligou a televisão às 9 horas e ficou até meia noite plantado na tela, sem limites.

É muito claro que os aparelhos celulares têm parcela gigantesca nessa mudança negativa, mas as escolas precisam construir, desde a infância, o necessário respeito ao Folclore Brasileiro. A geração atual troca o forró pelo k-Pop, por exemplo. O que é nosso é tratado como se não tivesse valor. N

Mas no que se refere ao aparelho celular, não podemos nem devemos travar uma luta contra a tecnologia. Ela é necessária ao século XIX. Está aqui uma prova nesse blogue. O que falta, então? EDUCAÇÃO E REGRAS. Nada mais. Todos devem ajudar: pais, mães, família, amigos, instituições... As crianças precisam de regras construídas de forma civilizada. 

A palavra REGRA não foi extinta. Ela apenas deve sair do campo dos dicionários e entrar na prática. Caminhar sem regras é um constante construir caos. E como estamos diante do espetáculo da tragédia, que tal um show de bonecos para os pais? O enredo seria a omissão dos pais, a falta da construção de regras etc. Mas tudo vivido de forma hilária e divertida de maneira em que eles aprendessem e pensassem mais. 

Luana, Solano e Estela...


Essa história apareceu nos tempos dos velhos sertões do Rio Grande do Norte, quando uma casa acordou aos berros de um parto de trigêmeos. Antes disso é preciso atalhar que houve uma história na traseira dessa. A começar quando a parturiente dá de ser mãe-solteira, destruindo a honra do pai. Após uma surra de sangrar, o velho passa os nove meses mastigando xingamentos, enquanto a filha sentia a barriga crescer. Os remoídos desagradáveis e humilhantes do velho funcionavam como lapadas de rebenque.

Jamais alguém pensou que debaixo daquela casinha de taipa chegariam mais uma boca para se dar de comer. Casa pobre de duas águas, erguida na grade de pé de pau enchido com o barro das vazantes, tinha mais dois cômodos, além da camarinha dos pais. Fogão a lenha, um pote de barro e uma bateria franca de alumínios que pareciam espelhos.

Foi surpresa para todos, quando Sinhá Chica Parteira deu o terceiro cuspe de fumo e gritou “são duas fême e um menino-macho!”. Para o velho João Marchante foram três facadas nas carnes. Ele deu a moléstia dos cachorros e caiu debaixo do alpendre a arfar como boi zebu. Que castigo é esse? Onde já se viu nascer três menino d’uma vez?

Dona Maria Simplícia, a avó, como sempre apaziguando, levando surras de xingamentos como bicho bruto, engoliu a felicidade misturada à amargura de não saber como criar as crianças naquele cenário de misérias. Aquele sertão cinza tolhia qualquer sonho. Sequer ousou elogiar as três belas criancinhas de olhos azuis como o céu. Apenas as abençoou em pensamento… pelo menos naquele momento não podia expressar-se.

Carregando oito meses, os meninos já firmavam as pernas num brinquedinho de aprender a andar, equipamento feito de emburana por um tio artesão. Quando Lucidalva cogitou registrá-los no cartório, o pai, já domado pela graciosidade das crianças que enchiam a casa de vida, condenou os nomes escolhidos. Está louca? Não basta sua desonra, e agora quer botar o nome de Lua, Sol e Estrela nas crianças? Nem pelos seiscentos diabos! Inventação de gente doida! Isso que ganhei deixando você ir com dona Dôra pra cidade. De lá trouxe um bucho e inventação. Você tirou esses nomes foi dessas novelas véia, cheias de perdição.

Lucidalva engoliu como tijolo essas ignorâncias. Sentia vontade de contradizer o pai, mas fez igual à mãe que passou a vida colecionando desaforos e ofensas em silêncio. Amanhã vou pra rua e pergunto ao senhor Santiago Lorenzo sobre um nome bonito pras crianças. O velho é espanhol, dono de armazém, gente viajada, sabe nome bonito.

Dias depois Lucidalva recebe das mãos dos pais os registros de nascimento dos filhos: Luana, Solano e Estela. Veja, minha filha, que nomes bonitos! Agora dá gosto! Até parece que o velho Santiago adivinhou. Minha avó se chamava dona Estela. Desde que contei a ele essa história doida de botar nome de Lua, Sol e Estrela nas crianças, o velho Santiago Lorenzo me deu esses nome. Gostei na hora! E você querendo botá nome de artista véi de televisão nas criança! Sostô! Lucidalva só fez olhar para a mãe e piscar. 

segunda-feira, 29 de maio de 2023

A onça do rio Pardo (Memória da minha infância)...



Eu devia ter treze anos. Minha irmã mais velha sempre nos levava à fazenda do seu sogro, onde passávamos o fim de semana. A propriedade dista 90 quilômetros da cidade, de maneira que percorríamos longa distância sem ver uma única casa. É mato dos dois lados da estrada de terra. Alguns trechos formavam túnel de árvores nativas quilômetros a fio, de maneira que era comum nos depararmos eventualmente com manadas de pacas, antas, capivaras, Caititu (porco do mato), veados, seriemas, tamanduás, jaguatirica, anta, cutia e todo tipo de fauna daquela região.


Obviamente que havia onças-pintadas, mas essas não percorriam locais com barulho, de maneira que só se viam os seus rastros pela estrada ao amanhecer, acaso o motorista descesse do carro. Nas praias dos rios se veem pegadas em abundância.


A fazenda era cortada pelo imenso e caudaloso rio Pardo, que fazia uma curva sinuosa a uns trezentos metros dali. Raros homens adultos empreendiam atravessar esse manancial a nado. A sede da fazenda guardava um silêncio que nunca mais experimentei. Seus únicos sons são proporcionados pelos pássaros e a bicharada que, de vez em quando, rosna na mata. Durante a noite as matas, campinas e pastos são pincelados de luzinhas vagantes que na verdade são olhos.


Como a própria cidade onde morávamos era emoldurada de matas e rios, não era de estranhar o seu aspecto bucólico, mas vivíamos a experiência interessante do silêncio pleno, luz e geladeira a gás. E sem o lampião, tudo era breu. Ficávamos sentados nos bancos da varanda do casarão, conversando e olhando para aquela placa do horizonte invisível, preto, rompido pelo azul escuro do céu, furado de pontinhos reluzentes. Nunca vi céu mais lindo.


Durante o dia, eu e minha irmã costumávamos percorrer a fazenda, apreciando tudo. A começar por um pequeno rio que ficava atrás do casarão. Rasinho e com nuvens de lambaris. Andávamos no mato à cata de marolo, goivira, ingá e outras frutas do mato, deliciosas e inesquecíveis.


Nesses passeios silvestres gostávamos de correr dentro dos túneis que as capivaras e antas constroem. São caminhos redondos, esculpidos naturalmente pelo vai e vem desses animais dentro dos arbustos altos. Quase um labirinto. Andar por essas tocas era diferente de rasgar o mato à mão para avançá-lo, portanto sentíamos a desenvoltura dos bichos, como se o fôssemos.


Recordo-me de uma experiência com uma onça, certa vez, quando passeava sozinho nesses labirintos misteriosos, mas atraentes. Assim que deixei o túnel, dei-me com as margens do assustador rio Pardo. As águas caudalosas emitem um som único e indescritível. As copas gigantes das árvores parecem seres fantásticos quando sombreiam as águas. É uma presença indescritível de algo que só se sente estando ali.

Na outra margem do rio uma multidão de ariranhas entrava e saia de suas tocas no barranco ribeirinho. Mais adiante, numa pequena enseada, dezenas de capivaras tomavam sol na prainha de areias alvas. Pareciam contemplar o silêncio daquele paraíso. São impressionantes as delícias da natureza. Elas proporcionam um misto de medo e envolvimento irresponsável naquelas peles, naqueles couros, seduzindo-nos.


Eis que nesse estado de natureza olho para a mata ribeirinha e dou-me com a visão de uma onça pintada sobre o braço de imensa ingazeira. Deitada despreocupada e elegantemente. Um portentoso exemplar. Tal e qual essa bela espécie da fotografia aqui postada. Logicamente que não era essa, mas exatamente igual. Havia entre nós a distância da largura de duas BR, de maneira que ela poderia ter-me tornado sua refeição num disparo de segundos. Se eu entrasse na água, elas são excelentes nadadoras. Se eu subisse numa árvore, elas são exímias escaladoras. Correr seria em vão.

Fiquei como um toco, fincado ali sem movimento. Logo aquele ser de beleza extraordinária saltou na água e deu na outra margem, num nado impressionante. As capivaras irromperam dali, desaparecendo como se entrassem nas árvores. Fiquei observando, almejando vê-la novamente, mas a mata era muito fechada. Então disparei para a sede da fazenda. Coração ameaçando sair pela boca.


Doido é quem quer amizade com onça. Para mim, animais silvestres pertencem às matas, devem ser louvados e nada mais. Eles estão no espaço deles. Sempre tive aversão a quem fere qualquer animal. Mas, por falar em onça, as pegadas da onça-pintada assustam. São grandes e carimbam pesadamente o chão. A pata dianteira é bem maior que a traseira. A dianteira tem uns 12 cm de comprimento e uns 13 cm de largura. A pata da pegada traseira tem uns 11 cm de comprimento a 10 cm de largura, com almofada grande e arredondada. Os dedos são arredondados e sem marcas das unhas. É muito comum vê-las próximas aos rios.


À noite, durante as conversas de lampião, meu cunhado disse que ela estava alimentada, e jamais me faria mal. Ou talvez estivesse interessada na manada de capivaras do outro lado do rio. Talvez ela dormisse naquele momento e minha presença a despertou.



As onças sentem cheiro numa profusão incomparável. São iguais aos indígenas que adivinham alguém chegando de longe. Ele orientou que eu não fosse mais por ali sem companhia. A peonada dali só anda de faca e arma de fogo. As onças se afastam ao menor barulho. Jamais se aproximam de lugar com ronco de motores ou converseiro. Assim também são as sucuris.


Pois bem, essa é a história de uma onça que estava em paz em seu habitat, eu a perturbei, e ela, por alguma razão, me poupou. Seguem outras imagens. Elas, no caso, são imagens reais do rio Pardo contornando a cidade em que nasci. Essas matas tiveram parte comigo. Esse rio conheceu a minha infância. Quantas vezes saltei de sua velha ponte de madeira e nadei até a margem como quem acabara de experimentar o feito de um heroi…



quinta-feira, 25 de maio de 2023

Meus poemas... hábitos da adolescência..


Desde adolescente trago o hábito de confeccionar cadernos usando folhas pautadas, envolvidas por algum papel colorido. Preferia-os aos cadernos industrializados. 

Normalmente uso cartazes ou folhinhas (calendários) para fazer as capas. São cadernos usados exclusivamente  para escrever  poemas, prosas, poesias. Aprendi isso com Manoel de Barros, numa das visitas que fiz a ele em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, onde nasci. 

Até hoje conservo o hábito. Não gosto de cadernos, mas dos meus cadernos de fabricação própria. E o mais interessante é  que Fídias, vendo a minha produção, herdou o hábito, e reivindica-os para os seus estudos na UFRN, acolhendo-os para o seu lado poeta. 

Hoje, digito mais, mas jamais deixei de lado a escrita à mão.

Sentimento poético...



Quando eu era ainda mais criança,

Praticava os meus pensos tortos que só!

Pensava que poesia só existia agarrada aos livros.

Que poesia legislava estar escrita.

Gastei infância inocentando que poetas eram quais artistas de televisão,

Seres inatingíveis, importantes que estavam com lápis e papel.

Matutava-os ocupados em lugares longínquos e insabidos.

Entortadamente, lesava que eles se resguardavam hibernando inspiração.

Mas o tempo escorreu e resplandeceu-me que poesia mora no mundo,

Que urge sentidos para compô-las.

Se a Philos diz que vemos o que somos, logo sentimos a poesia onde estamos.

Então desapareci na mata que emoldurava a cidade,

Ali pratiquei os meus sentimentos,

Vi um tapete bordado de folhas secas.

Cheirei das flores da ceiba que me levitava,

Degustei o filete de mel que escorria do tronco,

Toquei o azul de uma arara...

Confesso que chorei...

Fiquei todo emocionado de poesia.

Um índigena, agachado que estava junto a ceiba, me perguntou:

Ei, menino, chorando ai no corixo por quê? Você não é chuva para chorar!

Enlouqueci!

Entrei para fora daquilo num raio instante,

Tudo ali brotava poesia.

Voltei pra casa com um cesto cheio,

Descobri que poesia realmente mora no mundo...

Espetáculo Manoel de Barros, alquimista da palavra...



Espetáculo “Manoel de Barros, alquimista da palavra” é uma obra de arte da dança, da música, da luz e da linguagem. O cenário foi construído na proposta de inserir a plateia no misterioso Pantanal do Mato Grosso do Sul, onde Manoel de Barros – um dos maiores poetas brasileiros –, viveu grande parte de sua vida. 

O espetáculo acontece sob uma lâmina de água imaginária, graças a composição tridimensional dos elementos cênicos, efeito que surpreende e confunde a plateia. A ideia é dar a impressão de que os bailarinos dançam sobre as águas do Pantanal. Esse efeito acontece a partir do proscênio, onde um imenso jacaré e outros bichos menores acolhe a plateia num ‘corixo’, que é um fenômeno natural pantaneiro, quando o nível dos rios começa a subir por causa das chuvas, e as águas transbordam, alagando grandes áreas responsáveis pela proliferação de vidas. Quando chega o período da estiagem, as águas vazam, formando canais que ligam as águas das baías, lagoas, alagados até rios mais próximos. 

Essa plenitude de matas e bichos permite que o palco se transforme no majestoso rio Paraguai, ora azul, ora verde, ora âmbar. A perfeição da tridimensionalidade remete a plateia às matas intermináveis do Pantanal, permitindo ouvir a sinfonia dos pássaros e o murmúrio de uma cachoeira, graças a uma cachoeira com água de verdade, elaborada com a intenção de se confundir com um ente fantástico. 



A cenografia é pincelada de rica vegetação, onde transbordam povos indígenas, sucuris, tuiuiús e diversos quadrúpedes. Nesse bioma de vidas, mágico e encantador, os bailarinos e atores se confundem com os bichos pantaneiros. A proposta da cenografia é exatamente traduzir visualmente os poemas de Manoel de Barros, genial poeta que fugiu do lugar comum e se aninhou num universo singularíssimo de escrever. 

Seus poemas são únicos e encantam pessoas invisíveis e eruditas. O espetáculo foi escrito por Luís Carlos Freire, que também assina o cenário, com irretocável direção de André Batista, iluminação de Ronaldo Costa, o artista da luz e figurinos surreais do global João Marcelino. O espetáculo teve participação especial de renomados bailarinos locais e internacionais.

Guarani-Kaiowá...



Lembro-me, com saudade, dos indígenas Guarani-Kaiowá. Vê-los sempre em alguma diligência nas ruas da minha cidade natal significava um filme ao vivo. Passavam despercebidos aos urbanos por serem a própria paisagem. Eram arredios, desconfiados, iguais a alguns estrangeiros. (estrangeiro na própria terra?!).

Os Kaiowá falavam macarronicamente a língua portuguesa, pois o idioma mater deles é o guarani; não exatamente o guarani falado no Paraguai. Existe diferença tal qual o português brasileiro e o de Portugal. Eles também falam uma compilação de dialetos, dos quais muitos se extinguiram com a morte dos idosos. Alguns ainda resistem, arranhados pelos mais novos. Porém, fluente mesmo é o guarani. Na divisa doestado do Mato Grosso do Sul, onde nasci e fui educado, é comum o povo se comunicar em português, espanhol e guarani, por influência do Paraguai.

Eu adorava flagrar os kaiowá em conversação. Não sei explicar o motivo. Simplesmente gostava de vê-los proseando aquela língua de árvore, língua de água, língua de terra, língua silvestre. É gostoso ouvi-la. Em especial, é encantador apreciar as crianças conversando com os mais velhos. Seus nhenhenhens têm sotaque de passarinho. Para mim é encontro dos primórdios do Mundo com o tempo atual. É passado e presente frente a frente, vivos, fluentes, palpitantes, tal qual um coração.

O pensador Jean Jacques Rousseau nos contou sobre o mito do “bom selvagem” em sua obra. Defendeu a ideia de que o homem primitivo é bom por natureza. Disse que a sociedade o corrompe e o torna mal. Em partes. A nossa própria Nísia Floresta, em seu livro “A lágrima de um Caeté” retrata o índio pernambucano, há quase duzentos anos, chorando a sua derrota contra o homem branco. Mas vamos para frente que explicarei sobre os índios que conheci ao vivo e em cores.

Como cresci junto a muitos índios Kaiowá e os vi “in loco”, adquiri profunda admiração e respeito a eles. Não é à toa que possuo uma extensa biblioteca sobre os povos indígenas do Brasil, tema que me fascina desde que eu era quase um deles, pois cresci numa cidade emoldurada por natureza abundante, cujas araras e papagaios tapavam as nuvens à tardinha, em voejos inacabáveis.

Meu desenvolvimento se deu em meio às seriemas. Era fácil alcançá-las em tempo chuvoso, à custa de um desabalado galope de cavalo. Elas ficavam pesadas de água. Hoje, meninos brincam alisando dedo no vidro do esmarte. Cansei de ver onças saltando do braço de ingazeiras e caindo nos rios. Corri desabalado dentro dos túneis de capivaras com esta irmã da foto. Um dia meu pai atropelou um bando de tamanduás-bandeira na escuridão de uma estrada rural. Nunca esqueci o susto e a nossa tristeza. Foi inesperado. 

Inúmeras vezes vi bandos sem fim de caititus barulhentos, rangendo os marfins mata adentro. Enfim eu era um branco índio. Creio. Por tal razão, entendo a personalidade dos nossos índios exatamente igual a qualquer pessoa que cresce afastada dos hábitos urbanos. Há muita inocência e simplicidade na maioria. O índio primitivo por questões culturais, espirituais etc, sob visão antropológica, também teve o que podemos afirmar como “lado mal”. Mas isso é outro tempo. Exige outras reflexões que não cabem aqui.



Um velho contou-me que se alimentava pelos ouvidos e olhos.

Entendi literalmente e requisitei explicações, afinal era criança,

Eu o teria sentenciado louco não fosse o testemunho.

Ele era poeta, disse que sua declaração funcionava só para poesia.

Argumentou que a rua é material poético, 

A feira é material poético,

O vagão do trem é material poético...

A natureza é material poético...

A vida é material poético...

Poesias estão em constante aflição,

Voando, cantando, sussurrando ou mesmo encaramujadas em silêncios...

Então o poeta deve aguçar o olhar e as oiças,

Tem que sentir as coisas como quem investiga um crime...

Quanto mais simplicidade, mais poesias.

Elas têm parte com coisas que nem todos valorizam,

Às vezes nem sabem que existem...

Por isso pegam valor quando caem no ouvido e olho do poeta...

É necessário que os poetas as salvem...

Bêbados, loucos, caipiras, crianças e natureza usinam as melhores poesias.

Ele contou que sempre funcionou de ouvir e ver,

Inclusive os silêncios e as coisas invisíveis...

Depois colocava inquietação nas palavras, raspando papel com lápis,

Como quem rala coco...

Como quem faz um bolo de fubá.

Exaltou que poeta é efeito de fragmentos de pessoas,

Na realidade, poeta é defeito de coisas...

O segredo está no escutar, ver, cheirar, sentir...

Alertou que poesias voam e podem se dissipar

Acaso não colhidas na hora,

Como passarinho que se assusta no galho,

Então fica difícil rever e reouvir...

Mas as mais belas pérolas poéticas são gratuitas 

E divagam em todos os impensáveis,

Aparecidas aqui e acolá...

O velho então reforçou:

Tem que ver, 

Tem que ouvir 

E depois sangrar.

Escrever sangra... 


Helena Meireles sempre disse que nasceu em Bataguassu - e de fato nasceu - porque as terras que ouviram o choro do seu parto, pertencem a Bataguassu. O município em cuja fazenda está localizada é Bataguassu. Em 1924, nem Bataguassu nem Nova Andradina existiam à época enquanto gentílico,  enquanto nomenclatura. Mas um detalhe elucida tudo: geograficamente, a antiga fazenda Jararaca - hoje Santa Inês - está em Bataguassu. Por incrível que pareça, essa fazenda pertence a José Gordo, primo de um cunhado meu.  Não está e nunca esteve em território de Nova Andradina. 

Na verdade os brasileiros,  os sul-mato-grossenses, em especial os 'novandradinenses', deveriam se orgulhar disso sem querer se apossar de uma história que não lhes pertence. Helena Meireles,  se muito  andou por aí em suas andanças, mas querer transformar isso em certidão de nascimento é muita divagação. Helena Meireles, além de ter nascido em Bataguassu, passou grande parte da sua vida lá, inclusive, recentemente, houve uma homenagem às mulheres pioneiras de Bataguassu e algumas narram a participação de Helena animando as quermesses de São João Batista,  e nos bailes do Guaçu, do Sapé e outros pousos de boiada, todos em Bataguassu. 

Helena passou um período grande de sua existência também no Porto XV de Novembro. Ali ainda existem muitos que conviveram com ela. Inclusive seu primeiro marido   Rosalino Iralla, que também tive o prazer de conhecer, nasceu e morreu em Bataguassu. Grande parte dos filhos dele ainda residem em Bataguassu. Fatalmente   há menos de um mês,  o mais velho faleceu   inclusive era o responsável pelo tradicional festival de moda de viola que ali acontece. 

Helena é bataguassuense, sim. Vale dizer que lá está o seu 🏛 museu, inclusive com acervo dela, lá residem dois de seus filhos, os quais participaram,  há duas semanas  da solenidade de instalação de uma galeria pictórica sobre ela, doada pelo sobrinho que a revelou para o mundo  e que, inclusive,  participou dessa solenidade. É importante que você busque enaltecer o belo e hospitaleiro município de Nova Andradina com fatos,  com verdades, e jamais com o oposto disso. Vou printar essa sua postagem e enviá-la ao seu sobrinho Mário José de Araújo e aos filhos de Helena, que com certeza absoluta, não gostarão dessa tentativa deturpar fatos. Também enviarei para a irmã de Helena. Isso é furto à História. Sua atitude, inclusive merece ser denunciada. Luís C. Freire. (esse texto eu enviei para um oportunista de Nova Andradina; precisamos defender a nossa história).