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domingo, 29 de maio de 2022
Universidade Federal paga?
sexta-feira, 27 de maio de 2022
História do túmulo da escritora Nísia Floresta no município de Nísia Floresta
quarta-feira, 25 de maio de 2022
quinta-feira, 19 de maio de 2022
Literatura - escrever no escuro
LITERATURA: ESCREVER E LER NO ESCURO
O fenômeno das redes sociais tem despertado uma espécie de patologia em boa parte dos internautas/leitores. A síndrome prioriza textos rápidos e com escrita fácil. Como os textos na internet escorrem verticalmente, percebo que as pessoas não vão adiante quando passam de dez centímetros. As pessoas não querem ler muito, assim como não assistem a vídeos que passam de dez minutos. O encantamento de se ter o mundo à nossa frente desperta uma pressa injustificável. As pessoas querem ler/ver assistir o maior número de coisas e com rapidez. Esse fenômeno faz com que muitos não leiam/assistam produções/obras de qualidade, presos ao banal e fútil. Uma parte condiderável da juventude está propensa ao vazio na música, na literatura, na arte etc.
Observo que o preocupante sintoma tem saltado da internet e caído no corpo da Literatura com força. Tenho a impressão de que escrever uma narrativa tradicional nos tempos atuais tem ficado cada vez mais difícil e por incrível que pareça, artificial, obrigando o escritor a ir além da superficialidade do discurso literário. É algo parecido com “se reinventar” para agradar um público/leitor em decadência, principalmente o público jovem. Aí reside o desafio/problema/perigo.
Na realidade, além do fator “leitor apressado”, há outros fatores, como o problema da comunicação entre a obra e o público. O desafio de quem escreve é o de comunicar a incapacidade de expressar-se nos seus textos, pois a estética pós-moderna não aceita mais um escritor que explica tudo. Muitos autores trocaram a escrita que deixa subentendido, que diz sem dizer, que sugere, que divaga, pela escrita do lugar-comum. Prenderam-se ao óbvio, entregando tudo mastigado ao leitor. A metáfora, a poesia, a descrição, a discrição e uma série de considerações que deveriam ser prioridade ao escritor foram abortadas para atender leitores apressados, contaminados pelas mídias.
Outro imbróglio que trava até mesmo a capacidade criadora do autor - que se torna um impasse da narrativa contemporânea - é a dependência do escritor diante do mercado da editoração. A Editora Sextante, por exemplo, priorizava clássicos da literatura. Hoje só publica autoajuda. Há editores que não arriscam se o autor não estiver contaminado pelo fútil. Ele entende que o autor deve escrever algo que lembre/pareça com algo. “Escreva algo que lembre Harry Potter”, “Pegue um gancho em alguma coisa de Nárnia”. As próprias capas das obras não parecem com o Brasil.
Fazer algo que pareça ter vindo do way of life dos Estados Unidos parece sucesso garantido. Não importa o banal, o fútil. Ninguém diz "deixa eu ler a sua obra, poxa! ela faz a diferença”.
Muitos editores pecam por escantear autores em que os alicerces se assentam no tradicional, não necessariamente reproduzindo a estrutura do cânone literário, mas se aproximando do imaginário dos clássicos europeus e latino americanos. Autores com substância, alicerçados numa vasta bagagem literária. Tenho observado muito isso e não acredito estar enganado. É uma prática cada vez mais comum, mas não é generalizada, diga-se de passagem.
Todo autor é feito de autores, de mundos, de planetas imaginários e reais. Creio que nos faltam - ou que seguem desconhecidos/desvalorizados - grandes autores em quase todos os estados do Brasil, e a culpa está nessas visões deturpadas, contaminadas pelo padrão mercadológico e industrial dos simulacros dos simulacros das cópias das cópias. E os autores regionais? Piorou! Ser regional não é defeito, é uma constante mediação entre o particular e o todo, pois no regionalismo está implícito questões universais, afinal o homem objeto de toda escrita. Não existe escrita sem homens. No regionalismo reside a Filosofia. No estado onde nasci, Mato Grosso do Sul, por exemplo, temos Hélio Serejo, um monstro literário digno de ser universal, mas desconhecido.
No Rio Grande do Norte, por exemplo, quando releio “Chão dos Simples”, extraordinária obra prima do Rio Grande do Norte, embora escrita há mais de meio século, mas publicada há 31 anos, encontro sertanejos simples, mas que não diferem de ninguém em qualquer parte do mundo, pois são universais. Para desvelar esse mundo extraordinário criado pelo autor Manoel Onofre Jr. é preciso adentrarmos o mistério cósmico ao qual ele se refere. Esse mistério nos cerca, e o sentimos, e Manoel Onofre traz à tona através da geografia do sertão e da alma tosca do sertanejo doutrora, tipos humanos que despreocupados com o raciocínio lógico, são propensos a toda espécie de impulsos vagos, premonições, crendices, hipocrisias religiosas, espertezas, caritós, alimárias, maldades, inocência, agruras da seca, cangaço, folclore, o mundo onírico… até mesmo o romanceiro ibérico ou uma versão sertaneja de Joãozinho e Maria passeiam na obra. É o sertanejo, habitante distante da nossa civilização urbana e niveladora. São homens e mulheres com o espírito aberto por vezes ao fantástico, ao extraordinário, ao milagre, e são elas que decifram o “Chão dos Simples”, obra que conduz o leitor ao lado misterioso da existência, revelando que a natureza e a própria existência transmite inúmeros recados aos homens. Pressentimentos, revelações, sonhos, pesadelos, sinas, mensageiros que transmitem aquilo que precisamos ouvir, ou a resposta para coisas que pensamos não terem resposta, mensagens que, se ouvidas, podem mudar os destinos de cada um. Tristezas e situações hilárias pautam Chão dos simples. Como não dizer que isso não é literatura universal se trazem um gigantismo filosófico? O próprio e genial Guimarães Rosa escreveu que “o sertão é o mundo”. Pois bem, isso é um exemplo dentre tantos escritores potiguares excepcionais, como os atuais Pablo Capistrano, Nivaldete Ferreira, Ana Cláudia Trigueiro, enfim o Rio Grande do Norte tem referências literárias de qualidade em vários estilos.
Creio que escrever uma narrativa na atualidade, aproximando-se de noções canônicas, apesar de caminhar para o estilo não-cânone, na lógica de que toda criação é uma destruição, é trair a tendência do texto imediatista e comercial da pós-modernidade industrial em que o autor reproduz, quase como cópias, características de personagens, cenários, narrativas, tipos humanos com pouco ou nenhum desenvolvimento.
Quantos filmes, livros, séries de livros, séries cinematográficas reproduzem o que Adorno chamou de “ausência do clássico”. Narrativas que seguem a mesma estrutura de um personagem principal que passa por uma tribulação e que segue toda a história dramática para superar o problema que o aflige, e o fim se dá basicamente na superação desse problema e na conquista da felicidade. O que significa isso senão a demonstração prática de uma subjetividade narcísica que destruiu toda a complexidade das tragédias?
O escritor acredita - ou é induzido pelo meio digital ou pelo mercado editorial, a investir num aspecto “novo/diferente” de narrar, mas que não tem nada de novo. Como nasce o novo? Por escolher abdicar do estilo próprio da escrita para abraçar o suposto "novo'', muitos autores abandonam a própria originalidade para parecer palatável.
Alguns autores optam pelo caminho mais difícil, sem se importar em agradar o leitor com mamão com açúcar. São mais exigentes e sólidos. Não erguem castelos de areia que logo somem com o vento. Salvas as exceções, assistimos e consumimos com frequência a banalização da literatura e sua redução à mera mercadoria.
Atualmente as grandes livrarias estão abarrotadas de livros de autoajuda, relatos de viagem, biografias de homens ricos e socialites, alimentadas pela indústria do entretenimento. Os autores de obras literárias aparecem em segundo plano adiante, aceitos e contemplados apenas pelos críticos, por quem não deixou se enganar, e por uma elite intelectual que pouco se deixa levar pelas novidades da indústria cultural. No caudal disso tudo a literatura como arte tornou-se autônoma e aparentemente inacessível ao grande público.
O assunto é complexo, principalmente na filosofia da estética, pois está a abranger política, educação, pedagogia e a cultura de um povo, propriamente. Parece até piegas a conhecida e inacessível frase “um país se faz com homens e livros”, e dependendo da qualidade do livro se explica a qualidade do homem. Uma geração que preteriu Paulo Freire em detrimento de ler as biografias de homens ricos de Wall Street não parece estar construindo um futuro interessante.
Se o aprendizado em comunhão e a solidariedade são concebidas como perda de tempo, e o egoísmo patológico e a subjetividade humana domada pela lógica concorrencial são tidas como virtudes, o que nos reserva?
Imagine esse público diante de Memória do Cárcere, de Graciliano Ramos, Os Sertões, de Euclides da Cunha, Grande Sertão Veredas, enfim as obras de José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Clarice Lispector, Érico Veríssimo, Machado de Assis, padre Antonio Vieira, Lima Barreto e outros. Que susto tomariam diante de Os Miseráveis, Os Irmãos Karamazov, O Idiota, Madame Bovary, O conde de Monte Cristo e tantos outros.
Somente um povo bem educado a partir dos anos iniciais com acesso à literatura de excelência, a museus, teatros, exposições de arte etc, frequentemente estimulada a desenvolver a criatividade, mudará essa realidade.
FATOS DA VIDA REAL - CRUCIFIXO DE REVÓLVER
FATOS DA VIDA REAL...
Hoje precisei ir ao Nordestão. Num dos corredores, vi, de longe, um senhor de uns cinquenta anos de idade, alto como um poste, e corpulento, mas nem foi isso que me chamou a atenção, foi a sua aura estranha. Senti algo fortemente negativo naquele desconhecido, mas... deixa para lá! Não sabia quem era aquela pessoa e nem pretendia saber. Até aí quase tudo normal, mas quando ele passou ao meu lado, percebi um cordão com um revólver em miniatura em seu pescoço. Pensei que fosse engano. Achei se tratar de um crucifixo estilizado. Quando eu estava na fila do caixa, o dito senhor se aproximou n'outra fila. Era exatamente um revólver niquelado em miniatura. Fiquei sem acreditar. Então entendi porque senti aquela energia ruim. Logo em seguida ouvi uma discussão. Era o dito senhor, tratando uma mulher com hostilidade terrível, alegando que havia ido buscar um produto que esquecera, e ela passara na sua frente, furando fila. Com uma voz de alto falante, ele roubava a cena, ajudado por um inchaço de sapo cururu, arfando com os braços para intimidar quem estava ao lado e defendia a mulher. Era uma senhora aparentemente da idade dele. O bravão falava em tom ameaçador, abrindo os braços como um galo de briga. Nunca vi algo tão desnecessário. Quando adolescente, li em algum lugar uma frase muito realista sobre pessoas que andam com crucifixos no pescoço. Há exceções, obviamente, mas assim dizia: "É muito fácil andar com Jesus no peito, difícil é ter peito para andar com Jesus". Então, nesses pensares instantâneos e inexplicados, veio a frase da minha adolescência. Mas por que será? Eu não poderia parodiar a frase, trocando Jesus por arma: "É muito fácil andar com arma no peito, difícil é ter peito para andar com arma" Impensável. Mas o meu pensamento desaguava numa profusão incontrolável... então reconheci que, de fato é fácil andar com arma no peito. Elas simbolizam tudo o que não é bom. Muitas pessoas andam armadas com sete pedras nas mãos, prontas para agredir alguém sem necessidade alguma. Ultimamente isso está em alta. E aquela arma no pescoço, por si era uma agressão, ao estilo de aviso. Como uma luz de alerta, piscando, dizendo "cuidado comigo". Como se quem a usasse, quisesse que os outros tivessem medo, associando aquela arma ao caráter da violência de quem a usava. E dito e feito! Mas o meu pensamento também deu conta de que aquele homem, armado com arma de miniatura, trazia um gigantismo que está na moda nos últimos tempos. As pessoas estão sendo hostis e até mesmo violentas umas com as outras por coisas banais. Uma opinião diferente pode gerar uma ofensa à moral de outrem gratuitamente, e imediata. É uma violência de ímpeto, em que palavrões e ataques ofensivos surgem por uma postagem na internet, uma pisada no pé no meio da multidão, uma encostada despercebida no retrovisor. Não há mais paciência, serenidade... De repente alguém pode até matar por uma ira súbita, por se sentir ultrajado, enganado, ridicularizado, desrespeitado... é terrível tudo isso. A internet também está cheia de gente armada. E o mais triste é que os donos e donas dessas iras gratuitas são pessoas que se proclamam cristãs, educadoras, formadoras de opinião etc. Há muito deboche, muito sarcasmo, muita indireta, enfim coisas contrárias aos ensinamentos de Jesus. Quase ninguém ignora ofensas, quase ninguém finge que não viu, quase ninguém dá o outro lado da face. Prefere a Lei de Talião do que Lei de Jesus. E aqui vem a calhar a falta de peito para andar com Jesus. Deixe a Bíblia de lado. Pelo menos fica mais verdadeiro. Que adianta Crucifixo no peito e Bíblia no sovaco? Carregue uma arma, pelo menos sinaliza para os outros. Esse senhor, por exemplo, ele é o que estava avisado em seu pescoço. Se a mulher errou ou não, não precisava de tanta violência. Mas se aquilo fosse com outro homem, poderia ter havido uma desgraça ali. Só sei que saí dali e não vi o final da história... vi apenas os funcionários do supermercado se aproximando e tentando acalmá-lo...