Hoje apareceu para mim uma postagem da escritora brasileira Ana Cláudia Trigueiro em que ela expressa a sua decisão de não concorrer mais ao Jabuti, prêmio dedicado aos escritores brasileiros em nível nacional, tendo em vista ser uma concorrência acirrada e ainda não ter ficado nem entre os dez melhores, nas palavras dela. Sem contar que a inscrição custa absurdos 500 reais por obra.
Ela escreve com humildade, sem desmerecer nem desacreditar a instituição Jabuti, nem os avaliadores. Ninguém. Inclusive reconhecendo o alto nível das obras premiadas. “Muitos, super bem escritos”, nas palavras dela.
Falando com pouco ensino, e ainda não tão alfabetizado para tal ousadia, fiquei triste ao ler sobre essa decisão. Ver uma escritora experiente, com uma trajetória sólida e uma escrita excepcional, optar por se afastar dessa premiação mexe com qualquer um. Entendo que, muitas vezes, o sucesso não pode ser forçado; ele ocorre naturalmente, à medida que o autor se afirma em sua própria verdade.
Acredito que o escritor não é apenas uma construção de si mesmo, mas também produto do ambiente em que vive, seja o simples, seja o sofisticado. Alguns são forjados em bibliotecas paternas, em escolas, no convívio com pessoas eruditas. Outros são formados no sofrimento, na dor, na pobreza (como Carolina Maria de Jesus). Mas acredito que o habitat constrói o escritor.
A capacidade de ser escritor fora do local-comum não vem magicamente, como se fôssemos Harry Potter dizendo “império!” e, nesse passe de mágica, a comissão do Jabuti, enfeitiçada sob tais foros, decidisse por unanimidade: “Habemus Ana Cláudia Trigueiro”. Assim não teria sentido.
Penso que todo prêmio atende algo mais. Não sei exatamente o quê, mas sinto isso. Talvez o contexto, tipo isso: “pessoal, esses são os livros que concorrerão esse ano; vamos ler, observando se há algo com a necessária qualidade, produzido por pretos, indígenas, ciganos e a comunidade LGBTQIA+. Deem uma olhadinha boa nisso, se há algo de qualidade nesses termos, tá bom?” (não confundam a minha reflexão: eu disse “algo com a necessária qualidade”. A diferença é uma espécie de modismo, de contextos, do que está em voga, algo do tipo).
Não sei, mas penso isso!
Um prêmio literário nem sempre reflete a qualidade das obras. Por exemplo, li alguns trabalhos premiados pelo Jabuti que, juro, deixam a desejar em termos literários quando comparo com outros livros (de escritores diversos) que nunca foram premiados em outros concursos (inclusive o de Ana Cláudia Trigueiro, por exemplo). Já fui jurado em audiência criminal, já fui jurado em concurso de redação, já fui jurado em concurso de contos, já fui jurado em concurso de telas, já fui jurado em outros momentos e, confesso a subjetividade e a condição das coisas relativas sempre me incomodou.
A forma como percebemos e interpretamos o mundo a partir de nossas próprias experiências, emoções, crenças e pensamentos vigora numa avaliação. Ela envolve tudo o que é pessoal e único para cada avaliador (seja do que for), pois é filtrado pelo "eu" de cada um. Em termos mais amplos, a subjetividade também se refere ao que não é objetivo ou universal, ou seja, o que não pode ser medido ou verificado de maneira absoluta, como acontece com fatos concretos. Avaliar uma obra literária, por exemplo.
Em situações práticas, por exemplo, ao ler um livro, duas pessoas podem ter interpretações diferentes sobre a história e os personagens. Isso acontece porque cada uma delas tem uma experiência subjetiva, que é influenciada por suas próprias vivências e perspectivas. A subjetividade está presente na arte, na literatura, na filosofia, e até em questões do cotidiano, pois cada pessoa enxerga o mundo de um ponto de vista único.
Assim como na Física, onde a Teoria da Relatividade de Einstein sugere que tempo e espaço dependem do observador, a avaliação de uma obra literária também pode variar conforme a perspectiva do avaliador. Creio que subjetividade e o estado de coisa relativa persuadem o avaliador.
Parece louco, mas como a Física, a Teoria da Relatividade explora como o tempo e o espaço também são relativos e dependem do observador e da velocidade em que ele se move. Em outras palavras, tempo e espaço não são absolutos, mas podem mudar com a posição e o movimento de quem os observa.
Exposto isso não é louco entender que o valor ou significado de algo pode variar dependendo do contexto, das circunstâncias ou do ponto de vista. Em vez de ser algo fixo e absoluto, a relatividade sugere que o entendimento ou a avaliação de uma ideia, situação ou fenômeno pode mudar com base em diferentes fatores. Quem lê? Que conhecimento de mundo tem o avaliador? Etc.
Em um sentido mais amplo e cotidiano, a relatividade pode aparecer quando interpretamos opiniões, culturas ou normas sociais. O que é considerado "bom" ou "moral" em uma cultura pode ser visto de maneira diferente em outra, justamente porque as referências variam conforme o ambiente cultural e social. Por exemplo, certos costumes podem ser considerados educados ou rudes dependendo do país. E isso se aplica a quem avalia. Como? O regionalismo, por exemplo: se um avaliador do Rio de Janeiro e São Paulo lerem a frase “Maria sempre foi caningada” não saberá o seu significado tanto quanto quem mora no Rio Grande do Norte, por exemplo.
No meu berço de nascimento, Mato Grosso do Sul, “sertão” significa recôndito, lugar afastado de muita mata fechada e quase inacessível, ermo. Sertão Para Guimarães Rosa é algo completamente diferente do que é para Manoel de Barros. Talvez por isso que quando ele escreveu Grande Sertão de Veredas foi ao Mato Grosso do Sul entender aquele sertão tão falado desde a época getulista da “Marcha para o Oeste!”, e percebendo não ser o sertão que ele via na divisa da Bahia (que era o que ele se interessava), desenhou a sua história no sertão da aridez.
Enfim, a obra premiada provém dos que se inscreveram, e se entre os tais estiver uma obra que realmente sai do lugar comum, que houver espontânea unanimidade na escolha, é diferente. Mas aí cabe uma consideração bastante legítima: em termos dos que saem do lugar comum, não existe melhor obra do lugar comum. Existem diferentes obras do lugar-comum. Esse é o caso de Ana Cláudia Trigueiro. Concorrer ao Jabuti e ser premiado não é o mesmo que ser reconhecido. Ana Cláudia Trigueiro já é. E por sair do lugar-comum. O que talvez seja muito bom no Jabuti é a visibilidade, pois toda a mídia brasileira e internacional toma conhecimento.
Mas eu tenho uma profecia para Ana Cláudia Trigueiro: a sua obra vai explodir por outros meios, e com visibilidade superior. E por sê-lo, será maior que o Jabuti. Tenho vontade de criar aqui no Rio Grande do Norte o Prêmio Sagui, para "competir" com o Jabuti. Que eu fale pela boca dos anjos...😂