Há 82 anos, Jan Antonin Bata – acompanhado de parte de sua comitiva –, viajou pelo rio Pardo, a bordo do Vapor “Brilhante”, com máquinas de 60 HP, de roda a popa, de propriedade da Cia de Viação São Paulo Mato-Grosso. A embarcação fazia a rota até Porto Alegre/RS. Ele embarcou no Porto Tibririçá, em Presidente Epitácio/SP, passou pela “Boca do Rio Pardo”, aportou no porto da “Fazenda XX de Novembro”, depois no “Porto Saleiro”. Bata não menciona o local onde desceu, mas passava por algumas de suas glebas de terra e certamente não se estendeu até o ponto final da viagem. Em suas memórias sobre essa viagem ele escreveu:
“Aqui, no
terreno chamado “Matinha”, o “Brilhante” precisa carregar lenha... muita lenha.
Os marinheiros gritam alegremente. Alguns entoam o “Lero Lero”, “Moreninha” e
outras canções populares (BATA, 1942, p. 1)
E segue,
dizendo:
“No sertão é a
força que vale. E o Brilhante é o imperador do Rio Pardo, Rio invencível (...).
Agora tudo é silêncio... Os passageiros passeiam no convéz, procurando sempre
não se aproximarem do leme, porque sabem eles que ali está o ‘celebro’ do
navio. Os pilotos que o dirigem, se acham compenetrados da responsabilidade que
pesa sobre seus ombros. A vida dos passageiros, o navio, o horário das
chegadas, enfim tudo que se relaciona com o vapor. Não conhecem dificuldades e
não teme o perigo, tanto nas correntezas como em noites de tempestades (BATA,
1941, p.1).
Mais adiante,
diz:
“O jantar foi
encantador. O cardápio esteve à altura das grandes cosinhas. Principiamos por
um fino prato de frios, depois frango ao sugo e bolas de arroz, e, como
sobremesa um delicioso pudim de bananas. A música durante o jantar foi
improvisada pelos marujos de bordo. Tivemos um cantor que nos deliciou com sua
voz maviosa, as mais lindas canções seresteiras do Brasil. Foi uma noite
encantadora e inesquecível”. (BATA, 1941, p. 1).
Narrando
fragmentos dessa viagem num dos seus livros, ele menciona duas músicas: “LERO
LERO” e “MORENINHA”. Que canções seriam essas? Pesquisando-as, achei facilmente
“Lero Lero”, tendo em vista ser uma marchinha de carnaval assinada por Orlando
Silva. Mas “Moreninha” deu-me algum trabalho, pois, assim como a linguagem é
como pedra que, de tanto rolar, cria limo, e prova disso são os ditos
populares, a exemplo de “Quem tem boca vai a Roma” ser, na verdade, “Quem tem
boca, vaia Roma”, eis que a “Moreninha” original, registrada há 125 anos, era “Chiquinha”.
Ou seja, rolou tanto que virou “Moreninha”, e, atualmente, tornou-se “Moreninha
se eu te pedisse”.
Na verdade, “Moreninha”
faz parte do cancioneiro popular das regiões Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.
É de domínio público. Coisa lá dos tempos da realeza.
Jan Antonin Bata
ouviu-as em 1942, quando o prodígio das ondas do rádio atingiam grande parte do
Brasil, fenômeno que atingiu as massas, permitindo estar na boca do povo. Bata
tinha bom gosto, pois, para ter o cuidado de nos oferecer preciosa informação,
certamente gostou da melodia, da letra ou da canção como um todo. E tendo feito
isso permitiu-nos saber o que essa região ouvia naqueles tempos, mesmo que seja
apenas um detalhe.
Havemos de
concordar que ambas canções são interessantes, sendo “Moreninha” uma verdadeira
obra de arte. Essa, inclusive, foi gravada pela primeira vez há 59 anos pela
cantora folclorista goiana, Ely Camargo, “LP Folclore do Brasil – Chantecler
1965, ou seja, 23 anos após Bata tê-la ouvido no vapor Brilhante.
Ely Camargo
nasceu no dia 12 de fevereiro de 1930 na cidade de Goiás-GO. Faleceu em 3 de
novembro de 2014, em Goiás Velho, com 84 anos de idade. Ely é filha de Joaquim
Edison Camargo, que foi compositor e regente da Orquestra Sinfônica de Goiânia.
Foi comemorado o centenário de Joaquim Edison Camargo no dia 07 de setembro de
2000, ocasião na qual Ely Camargo gravou o CD "Lembranças de Goiás"
com 10 composições por ela interpretadas. Durante a infância, cantou em coros
de igreja. Foi integrante em 1960 do Trio Guairá de Goiânia e, em 1961 e 1962,
apresentou na Rádio Brasil Central de Goiânia, um programa que era por ela
produzido e que também era retransmitido em Brasília-DF pela Rádio e TV
Nacional. Em 1962, Ely Camargo passou a morar na capital paulista onde assinou
seu primeiro contrato com a extinta TV Tupi e, no mesmo ano, gravou o LP
"Canções da Minha Terra" pela gravadora Chantecler. Ely também lançou
na mesma gravadora os LPs com o mesmo título, nos Volumes 2, 3 e 4.
Ely Camargo, “LP Folclore do Brasil – Chantecler 1965 |
“MORENINHA”
Moreninha, se eu
te pedisse,
De modo que
ninguém visse,
De modo que
ninguém visse,
Um beijo, tu me
negavas
Moreninha, se eu
te pedisse,
De modo que
ninguém visse,
Um beijo, tu me
negavas
Ou davas,
Ou davas.
Moreninha se eu
te encontrasse
Na varanda
costurando,
Na varanda
costurando
E me recebesse
sorrindo,
Moreninha, se eu
te encontrasse
Na varanda
costurando,
E me recebesse
sorrindo,
Que lindo!
Que lindo!
Beijava teus pés
pequenos
Teu lindo rosto
moreno
Teu lindo rosto
moreno
E as tranças do
negro tom
Beijava teus pés
pequenos
Teu lindo rosto
moreno
E as tranças do
negro tom
Que bom!
Que bom!
Moreninha, se eu
visse o mundo
Da janela dos
teus olhos
Da janela dos
teus olhos
O mundo seria um
doce,
Moreninha se eu
visse o mundo
Da janela dos
teus olhos
O mundo seria um
doce
Se fosse!
Se fosse!
Moreninha!
A encantadora modinha de domínio público já havia sido registrada na década de 1970, em uma coletânea criada e produzida por Marcus Pereira, o mesmo responsável pelo primeiro álbum de Cartola, apenas para citar um exemplo. Essa coletânea funciona como um verdadeiro "mapa musical do Brasil", um documento sonoro dividido em volumes que busca destacar os cantos tradicionais e identitários de cada região do país. Esta modinha, em particular, abre o Volume 1 da "Música Popular do Centro-Oeste e Sudeste" e foi interpretada por Renato Teixeira, que posteriormente a regravou em outros álbuns ao longo de sua trajetória, com arranjos cada vez mais belos, incorporando-a ao seu repertório. Marcus Pereira nos deixou um legado incrível! Além de ter revelado muitos artistas, suas coletâneas "Música Popular" são de uma beleza inigualável e possuem uma importância e riqueza indiscutíveis!
“CHIQUINHA”
- Chiquinha, se
eu te pedisse
De modo que
ninguém visse,
Um beijo, tu m’o
negavas?
- Eu dava! Eu dava”
- Um dia, eu te
encontrando,
Na varanda
costurando,
Me recebeste
sorrindo...
- Que lindo! Que
lindo!
Beijava teu pé
pequeno,
Teu lindo rosto
moreno,
O frescor dos
lábios teus!
- Meu Deus! Meu Deus!
- Se teu pae não
fôr beocio,
Descobre nossos
negocio,
E vai lançar mão
da lei!
- Não sei não
sei!
- Depois dos
olhos quebrados,
Dos enfeites
machucados,
Que havemos de
nós fazer?
- Morrer! Morrer!
- Se teu pae não
for beocio,
Descobre nosso
negocio,
Negocio de decidir...
- Fugir! Fugir!
Encostado no teu
seio,
Sem ter o menor
receio,
O Chiquinha,
minha flôr,
- Que amor! Que amor!
Como vemos, embora se trate da mesma canção, há trechos diferentes, inseridos com o tempo, sem que jamais saibamos quando isso se deu, pois como se tratava do cancioneiro popular, cujas partituras se perderam com o tempo, não há como demarcar quando a mudança ocorreu. É assim com a música, com as histórias, com os ditos populares, com os causos ditos de boca em boca...
"Lero Lero"
é uma antiga marchinha do carnaval de 1942, escrita por Orlando Silva, que
obteve apenas certo destaque. Ela não foi páreo pra as mais executadas em 1942
que foram: 1."Nós, Os Carecas"....2."Ai Que Saudades da
Amélia"...3. Está Chegando a Hora"....4."Emília"....5."A
Mulher do Padeiro"....6." Nega do Cabelo Duro"....7."A
Mulher do Leiteiro"... Há uma versão clássica na voz de Orlando Silva e
Dalva de Oliveira, ei-la:
"LERO LERO"
No Tirol, só se
canta assim:
"Lero-Leruuu!
Lero-Leruuu! Lero-Leruuu!
O nosso
"Lero-lero" é diferente,
O clima aqui é
muito quente,
E a gente, pra
desabafar,
Canta, canta,
até o sol raiar (BIS)
Eu quero, quero,
quero,
Quero, quero o
teu amor,
Deixa de
lero-lero,
Lero-lero, por favor
!...
O riso da
morena,
Nos prende, como
anzol,
O sangue, da
morena,
"Abafa o
velho sol" no Tirol
No Tirol, só se
canta assim:
"Lero-Leruuu!
Lero-Leruuu! Lero-Leruuu!
O nosso
"Lero-lero" é diferente,
O clima aqui é
muito quente,
E a gente, pra
desabafar,
Canta, canta até
o sol raiar (BIS)
Eu quero, quero,
quero,
Quero, quero o
teu amor,
Deixa de
lero-lero,
Lero-lero, por
favor !...
O riso da
morena,
Nos prende, como
anzol,
O sangue, da
morena,
"Abafa o
velho sol" no Tirol
No Tirol, só se
canta assim:
"Lero-Leruuu!
Lero-Leruuu! Lero-Leruuu!
O nosso
"Lero-lero" é diferente,
O clima aqui é
muito quente,
E a gente, pra
desabafar,
Canta, canta,
até o sol raiar (Bis)
L. C. Freire –
dez. 2019.
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