ANTES DE LER É BOM SABER...

Contato (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Ou pelo formulário no próprio blog. Este blog, criado em 2009, é um espaço intelectual, dedicado à reflexão e à divulgação de estudos sobre Nísia Floresta Brasileira Augusta, sem caráter jornalístico. Luís Carlos Freire é bisneto de Maria Clara de Magalhães Peixoto Fontoura (*1861 +1950 ), bisneta de Francisca Clara Freire do Revoredo (1760–1840), irmã da mãe de Nísia Floresta (1810-1885, Antônia Clara Freire do Revoredo - 1780-1855). Por meio desta linha de descendência, Luís Carlos Freire mantém um vínculo sanguíneo direto com a família de Nísia Floresta, reforçando seu compromisso pessoal e intelectual com a memória da escritora. (Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do IHGRN; disponível no Museu Nísia Floresta, RN.) Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta e membro de importantes instituições culturais e científicas, como a Comissão Norte-Riograndense de Folclore, a Sociedade Científica de Estudos da Arte e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Os textos também têm cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos, pesquisas sobre cultura popular, linguística regional e literatura, muitos deles publicados em congressos, anais acadêmicos e neste blog. O blog reúne estudos inéditos e pesquisas aprofundadas sobre Nísia Floresta, o município homônimo, lendas, tradições, crônicas, poesias, fotografias e documentos históricos, tornando-se uma referência confiável para o conhecimento cultural e histórico do Rio Grande do Norte. Proteção de direitos autorais: Os conteúdos são de propriedade exclusiva do autor. Não é permitida a reprodução integral ou parcial sem autorização prévia, exceto com citação da fonte. A violação de direitos autorais estará sujeita às penalidades previstas em lei. Observação: comentários só serão publicados se contiverem nome completo, e-mail e telefone.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

CRIME SEM CASTIGO...


     Marco do aldeamento encontrado em Nísia Floresta (Fotografia: Sheila Moura)

MARCO DE PEDRA COM INSCRIÇÕES E DATADO DA ÉPOCA DOS ALDEAMENTOS DE SANTANA DE MIPIBU E NOSSA SENHORA DO Ó É ENCONTRADO APÓS 261 ANOS NO MUNICÍPIO DE NÍSIA FLORESTA.

Ontem fui surpreendido por uma postagem em rede social – sobre um singular achado arqueológico que até então encontrava-se ignorado há 267 anos no município de Nísia Floresta (antiga Papary), distando 42 km de Natal, Rio Grande do Norte. Trata-se de um marco de pedra com as seguintes inscrições 

1758   Sª ANNA  INDIOS

Coincidentemente o então município de VILA DE SÃO JOSÉ DO RIO GRANDE foi criado pelo alvará de 3 DE MAIO DE 1758, exatamente no ano em que fizeram as inscrições nessa peça. A pedra pode ser cantaria, mas também aparenta ser um pedaço de arrecife.

Sempre entendi o centro de Nísia Floresta - principalmente - como um grande sítio arqueológico, mas até então nenhuma escavação foi feita ali. Quando vi as fotografias, minha alegria agigantou-se. Pensei em entrar em contato com a Arquidiocese de Natal, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, IPHAN, Fundação José Augusto e com o arqueólogo Pedro Tadeu de Carvalho Albuquerque, que descobriu os restos mortais de André de Albuquerque Maranhão, quando restaurava a antiga igreja Matriz de Natal. Mil pensamentos ferveram na mente, mas, conforme meus olhos foram correndo no texto, a decepção aumentava, conforme explicarei. A informação é de interesse do Brasil, mas para a Igreja Católica ela tem uma significação muito especial. Fiquei pensando a felicidade do arcebispo e a equipe que trabalha com História na Arquidiocese. Eles se deslocariam para Nísia Floresta no mesmo instante, pois isso interessa ao Brasil. Motivo de notícia nacional.

Desconheço a existência de um marco como esse em se tratando de missões religiosas em aldeamentos. É uma peça singular. Um marco. Um recorte precioso da História do Brasil revelada numa pedra. Nem as missões do Rio Grande do Sul, nem no Uruguai e Paraguai existe um marco como esse. Uma peça civil religiosa com datação e localização da aldeia de Santana do Mopobu de Nossa Senhora do Ó.

Exemplo de inscrição em pedra na Europa, datada de 1158. Imagem ilustrativa. OBS. A pedra, abaixo também tem o mesmo caráter.

Para entendermos a preciosidade desse achado arqueológico é fundamental direcionarmos todos os holofotes para o período do BRASIL COLÔNIA (1530 a 1822)  e o que acontecia especificamente nessa região à ocasião. Lembrando que o achado arqueológico se deu em Nísia Floresta quando essa localidade pertencia a São José de Mipibu.

Esse achado arqueológico registra a presença do Aldeamento dos indígenas de Santana de Mipibu, o que justifica estar esculpida a palavra “SANTANA”, e tenho quase certeza que a peça foi esculpida pelos FRADES CAPUCHINHOS, tendo em vista que eles literalmente residiam em ambas as localidades, administrando-a nesse período.

No período colonial, os homens públicos/políticos oriundos de Portugal, que se instalavam em Natal para administrar o Rio Grande do Norte, sofriam consequências sérias da hostilidade dos povos originários e tinham dificuldade em aceitá-los como eram. Assim, passada a chegada dos portugueses e a fundação da Fortaleza dos Reis Magos, a Coroa Portuguesa manifestou profunda preocupação na evangelização dos pagãos e dos não-cristãos que habitavam toda a região. Desse modo, eles reivindicaram a Portugal a presença de ordens religiosas na colônia.

Os padres jesuítas e franciscanos chegaram ao Rio Grande do Norte em 1597, quinze anos antes dos CAPUCHINHOS, e passaram a realizar Missões Itinerantes nas comunidades indígenas, evangelizando e administrando sacramentos para que os nativos se comportassem segundo os preceitos cristãos e fossem aceitos pelos portugueses. As primeiras Missões Itinerantes em solo potiguar, tiveram início justamente em 1597, pelas mãos dos padres Gaspar de Samperes e Francisco de Lemos, que visitavam as aldeias situadas às margens dos rios Potenjy e Jundiay.

No relatório do espião holandês Adriano Wedouche, escrito em 1630, dirigido ao Conselho Político do Brasil Holandês, constava que "existiam na capitania cinco ou seis aldeias que reunidas podiam contar de 700 a 750 índios flecheiros e que a principal flecha era chamada de Mopebu". Em sua descrição ele apresenta essa aldeia como a maior, mais populosa e a principal entre as seis aldeias da Capitania do Rio Grande do Norte.

Os habitantes originais dessa região eram os indígenas Tupis que habitavam as proximidades do rio Mipibu. Nesse tempo os FRADES CAPUCHINHOS, que haviam chegado oficialmente (ao Brasil) em 1612, começaram a atender algumas colônias em alguns pontos do Nordeste, predominantemente no Maranhão.

Como a região onde se desenharia São José de Mipibu e Nísia Floresta apresentava sinais bem delineados de povoamento de portugueses e indígenas, os FRADES CAPUCHINHOS passaram a coordená-las até o final do século XVII, precisamente até o ano de 1762, quando foi instalada a VILA DE SÃO JOSÉ DO RIO GRANDE DO NORTE. A partir desse ano os nativos assumiram a condução da vila e os CAPUCHINHOS se desligaram da aldeia após quase 80 anos de atividades, sendo o Frei Annibale de Genova, o último padre capuchinho a administrar São José e Papary.

Na verdade, em 1681, a junta das missões deliberou que as aldeias indígenas fossem administradas pelos jesuítas, mas isso não se efetivou.

Exemplo de inscrição em pedra na Europa. Imagem ilustrativa. 

 Em 1703, um juiz demarcou terras exclusivas dos ÍNDIOS DA ALDEIA DE NOSSA SENHORA DO Ó DO MIPIBU e a coroa Portuguesa confirmou tal demarcação em 1704. Sobre isso, é importante ressaltarmos que, geograficamente, Nísia Floresta (então Papary), onde estava a aldeia de Nossa Senhora do Ó, pertencia às terras onde se encontra o município de São José de Mipibu.

Em 1736, a aldeia de Mipibu recebeu a denominação de MISSÃO DE NOSSA SENHORA DE SANT’ANA DOS CABOCLOS DE MIPIBU, em terras onde atualmente é o município de Nísia Floresta, sob administração dos padres Capuchinhos que literalmente residiam no local. Nessa ocasião foi feita uma nova demarcação de terras, cuja Missão foi instalada em local diferente, na área atual da cidade de São José de Mipibu.

No local anterior, por volta de 1722, os missionários italianos fundaram uma missão capuchinha e deram continuidade à construção da Igreja Nossa Senhora do Ó na freguesia de Papary, concluída 52 anos depois, em 1755.

No final do século XVIII, a missão capuchinha de São José de Mipibu passa da condição de aldeia para vila. Concluída a construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, a missão foi deslocada para São José. Apesar de a Vila de Papary até então contar com suas lideranças locais, ela passa a depender, política e administrativamente, da vila de São José.

O padre Annibale de Genova, ao deixar São José e Papary no ano de 1762, descreveu Papary da seguinte forma

“Esta aldeia foi construída sob a direção dos nossos missionários com a forma de uma praça de armas, com as casas todas unidas à maneira de um quartel de soldados. A aldeia está situada numa planície muito grande, sendo as casas dos oficiais situadas nos cantos e bastante mais altas que as outras, com duas portas uma ao lado da outra pelas quais se entra e se sai. Há uma igreja bastante grande e bem fornecida de todos os ornamentos necessários e muito decentes”.

Em 1833 foi criada a paróquia Nossa Senhora do Ó, desmembrada de Sant’Ana de Mipibu. O nome “Santana” (conforme consta no citado achado arqueológico), reforça a forte relação religiosa, administrativa e econômica com São José de Mipibu. A emancipação política de Papary se deu em 1852, quando passou a se chamar Vila Imperial de Papary, separando-se de São José do Rio Grande. Em 1º de fevereiro de 1890, com o fim do regime imperial no Brasil, no ano anterior, a denominação “Papary” passou à denominação de Vila de Papary. No dia 29 de março de 1938, tornou-se Cidade de Papary. Em 1948, após um abaixo-assinado feito por um professor (essa história está neste blog), atendendo aos anseios da população insatisfeita com apelidos e piadas decorrentes da denominação papary, o projeto chegou a Assembleia Legislativa e se tornou lei por intermédio do deputado Arnaldo Barbalho Simonetti.

Com relação a São José, a definição de “município” deu-se pelo alvará de 3 de maio de 1758 (ano desse achado arqueológico, como vimos), instalado em 22 de fevereiro de 1762, com a denominação de VILA DE SÃO JOSÉ DO RIO GRANDE. A mudança de distrito para município ocorreu 30 anos depois, em 1788. Em 16 de outubro de 1845, a vila de São José do Rio Grande foi elevada à categoria de cidade, então denominada cidade de Mipibu. Em 1855, a cidade recebeu o nome de São José de Mipibu.

Pois bem, achei coerente situar os fatos e fazer uma síntese sobre a história local para que o leitor que desconhece os fatos entenda melhor o valor histórico desse achado arqueológico. Não vejo o local onde ele foi encontrado como um sítio onde possam existir outros elementos significativos. Não descarto a existência de outras preciosidades, mas essa pedra, por ser um marco, supostamente, resistiu solitariamente ali, como também ocorreu com o Marco de Touros, que, embora fosse uma pedra em formato de totem – ou pilar – bastava ela para marcar o episódio. É certo que na área onde foi encontrada a pedra com as inscrições, também foi encontrado um penico aparentemente de louça, mas são peças, aparentemente, de tempos diferentes.


Penico de louça encontrado no mesmo terreno onde se descobriu o achado arqueológico

O mais deplorável desse fato é que a pessoa que trouxe à baila essa descoberta – e que não quer informar o local exato nem o nome do proprietário – por temer represálias, informou que o fato se deu há nove anos – ou seja, em 2016 –, e só agora ela tornou público. Para piorar, também informou que no dia que houve esse achado ela foi chamada para ver, mas antes que chegasse ao local ambas as peças foram destruídas. O proprietário, que segundo ela “é pessoa esclarecida”, mandou quebrar tudo, temendo que o IPHAN embargasse as obras que ele realizava na propriedade. Esse homem não tem noção do crime e da estupidez que ele fez.

Como já expus, desconheço a existência de um marco como esse em se tratando de missões religiosas em aldeamentos. É algo singular. Um marco. Um recorte precioso da História do Brasil revelada numa pedra. Nem as missões do Rio Grande do Sul, nem no Uruguai e Paraguai existe um marco como esse. Uma peça civil religiosa com datação e localização da aldeia de Santana do Mopobu de Nossa Senhora do Ó. Não sei o que impacta mais, se a notícia gloriosa da descoberta desse marco ou se a fatalidade da estupidez de sua destruição. Fica aqui o meu repúdio a esse senhor que deixou de dar uma contribuição impagável ao Brasil, à história da Igreja Católica, ao IPHAN, ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Esse foi um terrível sado de um crime sem castigo. 

Por questão de ética não revelarei o nome da pessoa que me trouxe essa informação, pois ela deixou esclarecido que teme sofrer represálias. Estou publicando este texto porque ela tornou públicas as fotografias e o texto dela em sua rede social. Não sei se hoje os fragmentos dessa peça estão debaixo de algum comércio, de alguma casa, alguma calçada ou cerâmica do quintal. Também não acredito que essa peça esteja reduzida a pó, pois é uma pedra, mas devo documentar esse fato para que no futuro outra geração a reencontre e aja com civilidade, salvaguardando esse tesouro. E então isso será uma notícia de repercussão nacional. É a esperança que tenho.

Eu estou sob choque. Confesso que escrevi este texto com dificuldade e nem o revisei, pois hoje foi um dia muito cheio para mim. Sentei-me me para escrever há uma hora mais ou menos, quando me desocupei de coisas do trabalho. É algo que não tem mais jeito. A monstruosidade do que foi feito é imperdoável, e justamente por sê-lo, faço questão de pelo deixar registrado nos anais da história. Antes eu nunca tivesse tomado conhecimento disso, pois o que os olhos não veem, o coração não sente. Cumpro aqui o dever moral de registrar o fato para, pelo menos torná-lo, de fato, público, assim, “contribuir” com a história do nosso país. Essa peça, hoje, mesmo debaixo de algum alicerce, tanto pode estar inteira (pois pode ter sido blefe do dono da propriedade) ou quebrada. Mas está no local onde foi descoberta.  Infelizmente não tomei conhecimento em tempo real, quando, com certeza, eu teria registrado a ocorrência na Polícia Federal, em Natal e na Delegacia de Polícia de Nísia Floresta, impedido, mesmo sob força policial, ou que até fosse aos extremos, impedindo que tal crime se configurasse, mesmo que fosse apenas para recolher os fragmentos. LUÍS CARLOS FREIRE – SÓCIO-EFETIVO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE, 20 DE FEVEREIRO DE 2025.

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sábado, 8 de fevereiro de 2025

ROTEIRO DO ESPETÁCULO "MANOEL DE BARROS, ALQUIMISTA DA PALAVRA"...

 

ESPETÁCULO MANOEL DE BARROS – O ALQUIMISTA DA PALAVRA – TEXTO EXPLICATIVO PARA “LEITURA BRANCA”

 

Observação: o conteúdo que se segue está provisoriamente escrito de maneira explicativa, para facilitar a compreensão também dos bastidores e o próprio espetáculo, já que faremos “leitura branca” com os alunos (adultos e crianças) na expectativa de darmos um mergulho na poética de Manoel de Barros, conhecendo também um pouco da sua biografia e a cultura do seu estado de origem. A história do personagem principal, dessa vez, não será contada no corpo do texto, mas uma única parte no início e a última parte ao encerrar. O texto é interligado por inferências à sua poesia e a elementos da cultura do MS.

ELEMENTOS CÊNICOS A PARTIR DO HALL DE ENTRADA: Nos dias do espetáculo o público será envolvido no espetáculo a partir do hall de entrada do Teatro. Alguns elementos cênicos estarão dispostos a partir da recepção, bem como performances artísticas retratando trechos de poemas manoelinos. Teremos sucuris enroscadas dos pilares do hall, folhas secas a partir do corredor de acesso à plateia “A”, o qual será transformado em Floresta com vários animais (passarinhos/borboletas). Um aparelho de CD estará ligado emitindo sons de passarinhos. 


OBSERVAÇÃO: TODA VEZ QUE LER “DANÇA”, SIGNIFICA A APRESENTAÇÃO DO BALÉ/CONTEMPORÂNEO, CAPOEIRA ETC (DEPENDE O CONTEXTO) E AS DEMAIS COREOGRAFIAS ASSINADAS POR NOSSOS MONITORES.


OBSERVAÇÃO II: TODAS AS COREOGRAFIAS DEVEM CONTEXTUALIZAR ANIMAIS COMO ANTAS, PACAS, TUIUIÚS, JACARÉS, ARIRANHAS, CAPIVARAS, ONÇAS, TAMANDUÁS, SERIEMAS, (ARAQUÃS, GAVIÃO BOMBACHINHA, CURICACA, PASSARINHOS DIVERSOS), SUCURIS, ARARA, GARÇA, LOBO-GUARÁ, TUCANO, TATU, PREGUIÇA, COATIS, IGUANA, TIJUAÇU etc, independente de estar ou não no texto naquele momento, pois a poética manoelina é um louvor à natureza.

 

NARRAÇÃO INTRODUTÓRIA DO ESPETÁCULO – CORTINAS FECHADAS  (BADU?): Manoel de Barros: um dos maiores poetas brasileiros! Ícone da Poesia Moderna contemporânea. Era sul-mato-grossense. Sua obra é um canto de louvor à natureza. Muitos o chamam de “poeta dos passarinhos”, mas na realidade ele foi o poeta dos caramujos, das folhas secas do chão, das lagartas, das lesmas, das formigas, das capivaras, dos tuiuiús e dos pedaços podres de galhos de árvores. Sua obra diviniza as águas, os homens e as mulheres simples. Ele lançou luz ao “insignificante”. Assim como Charlies Chaplim contemplou o vagabundo, o cachorro e o circo, Manoel de Barros contemplou o que é considerado invisível ou insignificante para algumas pessoas. Aos olhos da literatura e da filosofia, há uma profunda mensagem em sua poética. O que é ser insignificante? Será que de fato há insignificâncias? Vamos desvendar? (Durante essa narração tem pano de fundo: sons de esturros de onça e canto de pássaros).

 

CENA: DRAMATIZAÇÃO AO VIVO – NA BOCA DO PALCO - COM ATORES E ATRIZES NOSSOS (CORTINAS FECHADAS). Entram em cena aos poucos, aparecendo por pontos diferentes da cortina: um no meio, outro por debaixo, outro por um dos lados... olhares intensos/olhos dançando/ouvidos atentos/caras e bocas/movimentos contextualizados de braços e mãos.

DECLAMAM O POEMA


“O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS”


Uso a palavra para compor meus silêncios.

Não gosto das palavras

fatigadas de informar.

Dou mais respeito

às que vivem de barriga no chão

tipo água pedra sapo.

Entendo bem o sotaque das águas

Dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes.

Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade

das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim um atraso de nascença.

Eu fui aparelhado

para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios:

Amo os restos

como as boas moscas.

Queria que a minha voz tivesse um formato

de canto.

Porque eu não sou da informática:

eu sou da invencionática.

Só uso a palavra para compor meus silêncios.


CENA: OS ATORES SAEM – AS CORTINAS SE ABREM, APARECENDO LENTAMENTE UMA FLORESTA – NO CENTRO HÁ UMA CASCATA E FONTE D’ÁGUA. PILÃO, FEIXES DE LENHA, TODOS, ÁRVORES VIVAS E SECAS. O PAINEL CENTRAL – DE GARRAFAS PET – REPORTA O PÚBLICO A UMA FLORESTA, DANDO NOÇÃO DE PROFUNDIDADE. SONS INTENSOS E ALTERNADOS: ESTURRO DE ONÇA, ESGUINCHOS DE MACACO, SOM DE CACHOEIRA, VOZES DE PAPAGAIOS, ARARAS, ETC). MACACOS (ATORES CARACTERIZADOS) DESCEM ATRAVÉS DE CIPÓS E SE INSEREM NA PAISAGEM. UMA ÍNDIA SE BANHA VESTIDA NO RIO. ESTÁ VESTIDA COM ELEMENTOS NATURAIS. SEIOS COBERTOS COM QUENGA DE COCO E TANTA DE SACO DE ESTOPA APLICADO FOLHAS NATURAIS, DE MANEIRA QUE ESTEJA COMPOSTA. ELA ESTÁ CERCADA POR CURUMINS. NO CENTRO, UMA ÍNDIA IDOSA (AVÓ DE ALUNO) DESCASCA MACAXEIRA AO LADO DE ALGUMAS SENHORAS ÍNDIAS. NO CANTO À DIREITA UM PAJÉ CONVERSA COM ÍNDIOS ADOLESCENTES. ALGUNS, NO CHÃO, FABRICAM FLECHAS E ARCOS. A PAISAGEM É PERMEADA DE PÁSSAROS, CAPIVARAS, ANTAS E PACAS.

OBSERVAÇÃO: Nesse cenário entra o Grupo de Contemporâneo com coreografia.

HÁ UM CORTE NOS SONS DE BICHOS...

 

SONOPLASTIA: CD SUÍTE SINFÔNICA – MARCOS VIANA, FAIXA Nº 2 (ESSA MÚSICA LIGARÁ TODAS AS CENAS DO ESPETÁCULO)


CENA: MARTA BARROS: Olá! Eu sou Marta Barros, filha do poeta Manoel de Barros. Esse é o meu irmão João Wenceslau Leite de Barros. Também temos mais um irmão, o Pedro Barros, mas ele insistiu em permanecer lá no Pantanal.


JOÃO BARROS: Viemos contar a história do nosso pai. Ele passou grande parte da sua vida no Pantanal, por isso mergulharemos vocês nas águas límpidas e envolventes do estado do Mato Grosso do Sul. Para entendermos a obra do nosso pai é necessário conhecer um pouco sobre a cultura da região onde ele viveu. Vamos fazer uma viagem!

 

MARTA BARROS: O nosso pai Manoel de Barros tinha um modo especial de escrever. Ele detestava computador. Como vocês viram, ele dizia que “não era da informática, era da invencionática”. Essa frase singular fala por si. Inclusive nós ficamos sabendo que o Teatro de Parnamirim criou uma máquina chamada “Invencionática”. Estamos curiosos para conhecê-la! Alguns consideram indecifrável a sua poética, certamente pelo uso de neologismos como invencionática, desimportante e tantas outras formas particulares de sua escrita. Ele escrevia com graça verbal.

 

JOÃO BARROS: Na realidade, João, ele era um alquimista das palavras! Dizia que “poesia é graça verbal”. Falava que todos já disseram tudo, mas sempre aparecerá um poeta que dirá de maneira diferente”.  Essa alquimia de palavras empresta uma beleza tão especial aos seus poemas que o leitor novato passa a amar a sua poética. Para decifrá-lo pede-se coração. Ele era um criador de frases. Dizia que poesia não é inspiração, mas visão. “Precisamos ver para escrever!”. Vejam alguns exemplos de frases criadas por ele:


CENA: ENTRAM ATORES PLENOS EM EXPRESSIVIDADE E CARAS-E-BOCAS– ALGUNS INTERAGEM NO ESPAÇO DA PLATEIA – HÁ UM JOGO DE VOZES – UM DECLAMA NA PLATÉIA – OUTRO, NO PALCO E ASSIM SUCESSIVAMENTE. OS QUE ATUARÃO NA PLATEIA JÁ ENTRAM SE ENCAMINHANDO PARA ELE. UM OU DOIS PODE DESCER NO TECIDO PREVIAMENTE MONTADO NO PALCO – PODEM OU NÃO ESTAR CARACTERIZADOS - CADA FRASE ABAIXO É DECLAMADA POR UM ATOR:

“Eu penso renovar o homem usando borboletas”...

“Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens. Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens. Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens. Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas. Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de 

uma borboleta. Ali até o meu fascínio era azul”.

“Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito”...

Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas. Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves. Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os besouros pensam que estão no incêndio. Quando o rio está começando um peixe. Ele me coisa. Ele me rã. Ele me árvore. De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos.

“Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes”...

“Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas)”.

 “O verbo tem que pegar delírio”.

“Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia. Eu queria ser lido pelas pedras. As palavras me escondem sem cuidado. Aonde eu não estou as palavras me acham”.

OS ATORES SE RETIRAM – ENTRA A PRIMEIRA TURMA DE BALÉ:

DANÇA

OS ATORES SE RETIRAM – ENTRAM OS FILHOS DE MANOEL DE BARROS:

MARTA BARROS: (FALA BASTANTE CIRCENCE) - Povo querido do Rio Grande do Norte!!!!!!!!!!!!! Ops! (PERCEBE A EXALTAÇÃO EXAGERADA E SE REPRIME) Desculpem!!!!!!!! É minha empolgação! Eu e João estávamos lá atrás no Camarim. Rimos muito com uma divertida artista conterrânea de Manoel de Barros. O nome dela é... Tetê Espíndola. Vocês conhecem?

CENA: “TETÊ ESPÍNDOLA” ENTRANDO COM O MÁXIMO DE CARACTERÍSTICAS EXPRESSIVAS DELA, E INTERPRETA “ESCRITO NAS ESTRELAS” – INTÉRPRETE: TAÍSE GALVÃO?

                                             “Escrito nas estrelas”

 

Você pra mim foi o Sol

De uma noite sem fim

Que acendeu o que sou

E renasceu tudo em mim


Agora eu sei muito bem

Que eu nasci só pra ser

Sua parceira, seu bem

E só morrer de prazer


Caso do acaso

Bem marcado em cartas de tarô

Meu amor, esse amor

De cartas claras sobre a mesa, é assim


Signo do destino

Que surpresa ele nos preparou

Meu amor, nosso amor

Estava escrito nas estrelas

Tava, sim


Você me deu atenção

E tomou conta de mim

Por isso minha intenção

É prosseguir sempre assim


Pois sem você, meu tesão

Não sei o que eu vou ser

Agora preste atenção

Quero casar com você


Caso do acaso

Bem marcado em cartas de tarô

Meu amor, esse amor

De cartas claras sobre a mesa, é assim


Signo do…

 APÓS A EXIBIÇÃO ATRIZ SE RETIRA POR UMA LADO DA COXIA E AO MESMO TEMPO ENTRA A SEGUNDA TURMA:

DANÇA


APÓS A DANÇA, SAEM POR UM LADO DA COXIA E SIMULTANEAMENTE ENTRA UM ATOR (ELE PODE PERPASSAR A TURMA, ENSAIADAMENTE, OLHANDO-A COM ADMIRALÇÃO) E DECLAMA:


 “Aquele homem falava com as árvores e com as águas

ao jeito que namorasse.

Todos os dias

ele arrumava as tardes para os lírios dormirem.

Usava um velho regador para molhar todas as

manhãs os rios e as árvores da beira.

Dizia que era abençoado pelas rãs e pelos

pássaros”.


APÓS A EXIBIÇÃO ATRIZ SE RETIRA - ENTRA CRIATIVAMENTE A TERCEIRA TURMA:


DANÇA


CENA: ENTRAM ARTISTAS CARACTERIZADOS DE ÍNDIOS E INTERPRETAM UMA COREOGRAFIA TÍPICA DOS ÍNDIOS SUL-MATO-GROSSENSE (GRUPO XAXADO?)

APÓS A EXIBIÇÃO ELES SE RETIRAM - ENTRA A QUARTA TURMA:

DANÇA

CENA: ENTRAM OS FILHOS DE MANOEL DE BARROS, RINDO MUITO:

MARTA BARROS: Gente! Como é linda a cultura dos índios brasileiros! Estou emocionada! Respeite o índio!!!! Eles descobriram o Brasil! Sim, mas... e aqui no Rio Grande do Norte, onde estão os índios? Bem... é outra história! Mas vamos lá. Vocês não sabem quem está aqui na coxia! (faz rosto escondido com a mão). Um monstro na interpretação. Um dos artistas mais respeitados do seu meio. A nata artística do Brasil.

JOÃO DE BARROS: Nós adoramos esse artista sul-mato-grossense. Ele surgiu no grupo “Secos e Molhados”. Com vocês, Ney Matogrosso!!!


CENA: “NEY MATOGROSSO” ENTRANDO COM O MÁXIMO DE CARACTERÍSTICAS EXPRESSIVAS SUAS – INTERPRETA: “O VIRA” – INTÉRPRETE: ...................................................... (DRAMATURGO ALUNO DE DANÇA CONTEMPORÂNEA)

“O Vira”


(Secos & Molhados)

O gato preto cruzou a estrada

Passou por debaixo da escada.

E lá no fundo azul

Na noite da floresta.

A lua iluminou

A dança, a roda, a festa.

Vira, vira, vira

Vira, vira, vira homem, vira, vira

Vira, vira, lobisomen

Vira, vira, vira

Vira, vira, vira homem, vira, vira

Bailam corujas e pirilampos

Entre os sacis e as fadas.

E lá no fundo azul

Na noite da floresta.

A lua iluminou

A dança, a roda, a festa.

Vira, vira, vira

Vira, vira, vira homem, vira, vira

Vira, vira, lobisomen

Vira, vira, vira

Vira, vira, vira homem, vira, vira

Bailam corujas...

APÓS A EXIBIÇÃO O ATOR SE RETIRA - ENTRA A QUINTA TURMA:

DANÇA

CENA: ENTRA UM ATOR E DECLAMA:

“1) É nos loucos que grassam luarais;

2) Eu queria crescer pra passarinho;

3) Sapo é um pedaço de chão que pula;

4) Poesia é a infância da língua. Sei que os

meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas

se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei.

Sobre o nada eu tenho profundidades”.

APÓS A EXIBIÇÃO O ARTISTA SE RETIRA - ENTRA A SEXTA TURMA:

DANÇA

CENA: ENTRAM OS FILHOS DE MANOEL DE BARROS – AMBOS TRAZEM NAS MÃOS GUAMPA E CUIA – E NO MEIO DA FALA SORVEM A BEBIDA – DESSA VEZ ESTÃO COM OUTRA AURA.

JOÃO DE BARROS: Estou emocionado, minha gente! Estávamos no Camarim com um dos artistas mais respeitados do país. Seus álbuns são verdadeiras obras de arte. Além de músico ele estimula o estudo de viola e a revitalização da “Viola de Coxo”, um instrumento musical típico do Pantanal, feito a partir da capemba do buriti.

MARTA BARROS: Já está bom de apresentações, João. Ele dispensa comentários. Com vocês, Almir Sater...

CENA: “Almir Sater” entrando com o máximo de características expressivas. Interpreta “Comitiva Esperança” – Intérprete: .......................................

CONTRA-REGRA: Dispõe um banquinho e o retira após a cena.

“Comitiva Esperança”


Nossa viagem não é ligeira, ninguém tem pressa de chegar

A nossa estrada, é boiadeira, não interessa onde vai dar

Onde a Comitiva Esperança, chega já começa a festança

Através do Rio Negro, Nhecolândia e Paiaguás

Vai descendo o Piqueri, o São Lourenço e o Paraguai

Tá de passagem, abre a porteira, conforme for pra pernoitar

Se a gente é boa, hospitaleira, a Comitiva vai tocar

Moda ligeira, que é uma doideira, assanha o povo e faz dançar

Oh moda lenta que faz sonhar

Onde a Comitiva Esperança chega já começa a festança

Através do Rio Negro, Nhecolândia e Paiaguás

Vai descendo o Piqueri, o São Lourênço e o Paraguai

Ê, tempo bom que tava por lá,

Nem vontade de regressar

Só vortemo eu vô confessar

É que as águas chegaram em Janeiro, descolamos um barco ligeiro

Fomos pra Corumbá

APÓS A EXIBIÇÃO O ARTISTA SE RETIRA - ENTRA A SÉTIMA TURMA:

DANÇA

CENA: ENTRA UM ATOR E DECLAMA:

Dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes.

Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade

das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim esse atraso de nascença.

Eu fui aparelhado

para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.

CENA: ENTRAM OS FILHOS DE MANOEL DE BARROS – AMBOS TRAZEM NAS MÃOS GUAMPA E CUIA – E NO MEIO DA FALA SORVEM A BEBIDA – DESSA VEZ ESTÃO COM OUTRA AURA.

JOÃO DE BARROS: Vocês sabiam que o estado natal de Manoel de Barros tem forte influência do Paraguai, país vizinho? Pois é. A maior parte dos paraguaios são indígenas. Foram os verdadeiros desbravadores do Mato Grosso do Sul. Eram exímios na arte de colher erva-mate. As músicas sul-mato-grossenses originais têm ares paraguaios. Aqueles gritos, quando se canta Galopeira é o famoso “sapucaý”.


MARTA BARROS: E por falar em Galopeira, vocês conhecem a cantora Perla? Ela é paraguaia e se projetou em todo o Brasil começando em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Ela está ‘aquizinha’ do nosso lado. Perla, entre, esse palco é todo seu...

CENA: “PERLA” ENTRANDO COM O MÁXIMO DE CARACTERÍSTICAS EXPRESSIVAS DELA, E INTERPRETA “GALOPEIRA” – INTÉRPRETE: TAÍSE GALVÃO? ACASO FOR AO VIVO TEREMOS A PARTICIPAÇÃO DE ESCOLA LEOPOLDINO – DO CONTRÁRIO USA-SE PLAY BACK PARA DUBLAGEM.

                                                                 “Galopeira”


 Foi num baile em Assunción

Capital do Paraguai

Onde eu vi as paraguaias

Sorridentes a bailar

E ao som de suas guitarras

Quatro guapos a cantar

Galopeira, galopeira

Eu também entrei a dançar

Foi num baile em Assunción

 Capital do Paraguai

Onde eu vi as paraguaias

Sorridentes a bailar

E ao som de suas guitarras

Quatro guapos a cantar

Galopeira, galopeira

Eu também entrei a dançar

Galopeira ....

Nunca mais te esquecerei

Galopeira ....

Pra matar minha saudade

Pra minha felicidade

Paraguai, em voltarei

Pra minha felicidade

Paraguai, eu voltarei


APÓS A EXIBIÇÃO ATRIZ SE RETIRA - ENTRA A OITAVA TURMA:

DANÇA

CENA: ENTRAM DOIS ATORES E INTERPRETAM O POEMA ABAIXO EM FORMA DE JOGRAL, OU JOGO DE PALAVRAS.


OBSERVAÇÃO: O espetáculo se segue na mesma dinâmica e o encerramento está abaixo:

ÚLTIMA CENA: ENTRAM OS FILHOS DE MANOEL DE BARROS. MARTA ESTÁ COM UM XALE. JOÃO TEM UM PONCHO PARAGUAIO NAS COSTAS - ENQUANTO ELES CONVERSAM COM A PLATEIA, PERSONAGENS DE BICHOS EXIBEM COREOGRAFIAS NO PALCO, INTERAGINDO COM A PLATEIA.

MARTA BARROS: A obra do nosso querido pai Manoel de Barros foi escrita para o mundo. Sua poética enxergou sapos, formigas, lesmas, passarinhos, lagartixas, gafanhotos, borboletas. Mas também enxergou a arte mundial. Enxergou o homem simples. Enxergou os problemas sociais. Leu todos os poetas clássicos. Era fascinado pela retórica do Padre Vieira. Conheceu vários países, conviveu com artistas e pintores renomados. Estudou Artes Plásticas nos Estados Unidos. Conviveu com Klee, Picasso, Klimt e outros. Adorava Van Gogh. Admirava Juan Miró, cuja pintura nos leva à infância que ele tanto buscou na escrita. Dizia: “precisamos desaprender vinte e quatro horas por dia”. No Cinema adquiriu gosto por Buñuel e Fellini. Admirava Charlies Chaplin. Leu os poetas americanos, como Eliot.  Na Biblioteca Nacional, no Rio, se aprofundou em Rimbaud, Baudelaire, Mallarmé, Flaubert, Fernando Pessoa. Entre os brasileiros, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira foram uma de suas maiores influências. O grande acontecimento da sua vida se chamou João Guimarães Rosa. Papai dizia que a escrita de Rosa foi o pulo do sapo para que ele engatasse a sua poética própria. A prosa de João Guimarães Rosa deu asas à sua poesia. Sentia paixão pelas palavras. Dizia: "Minha poesia é feita de palavras, não de paisagens". Ressalvava que não pode fugir às suas origens. Outra opinião de Guimarães Rosa que papai recordava é a de que papai era um poeta que reinventava imagens e ele, Rosa, inventava a sintaxe. Esse talento para imagens, como "a formiga ajoelhada na pedra" ou "quero passar a mão na bunda do vento", com um toque surreal de concretude, começou a se mostrar maduro depois de Guimarães Rosa. Um dia sua poesia despertou a admiração de Millôr Fernandes, que escreveu num importante jornal carioca: "Manoel de Barros O homem mais genial do Brasil – poesia é isso!". A partir de então papai explodiu. Um dia lhe perguntaram qual a palavra mais bonita do idioma. Papai disse: CRIANÇA. Com dúvida aberta para BORBOLETA.


Esse foi Manoel de Barros, nosso pai.


 JOÃO DE BARROS: E, por falar nas coisas insignificantes que papai tanto escreveu, o que é insignificante para você? Quais as coisas invisíveis ou que você as torna invisível? Você pode não desejar ver um sapo agora, no seu pé... inclusive nós colocamos dois sapos na plateia! Eles estão em algum lugar nesse exato momento (aguarda cinco milésimos de segundos em silêncio). É brincadeira! Vocês não querem ver o sapo! O sapo, para vocês é invisível porque é indesejável. E quais são os sapos que você se recusa a ver no dia-a-dia? Somos um país de desigualdades. A essa hora exatamente há muitas crianças nas ruas. Muitos idosos choram a solidão. Uns, nos abrigos, outros jogados nas ruas. São invisíveis? Muitos pais possuem filhos invisíveis. Para alguns, a família inteira é invisível. São insignificantes? Tornamos invisível o amor, a caridade, a generosidade, a ética, o respeito ao próximo e tantas coisas. Está na hora de formarmos um grupo para doar sopão aos mendigos. Eu posso ensinar alguém a ler. Você (apontando para a plateia) pode dar a cama que não me serve mais. Ela (apontando para a plateia) pode dar uma cesta básica para o vizinho que passa fome em silêncio. Nós podemos comprar o remédio daquela vovozinha que todos abandonaram. Podemos dar um guaraná para o gari. Podemos pagar um sorvete para a criança que lambe com os olhos o carrinho do sorveteiro. Não volte para casa insignificante. Não seja invisível à dor dos outros. Dê cores ao invisível. Enxergue o escuro da fome, o vermelho da bondade, o azul da oração verdadeira que é o gesto concreto de amor. Enxergue o amarelo da maior riqueza: o amor aos seres humanos. Enxergue o verde da esperança num mundo melhor... Assim você encontrará o branco da paz! A melhor coisa do mundo é colocarmos a cabeça no travesseiro e dormirmos o sono da consciência tranquila.


OBSERVAÇÃO: Encerrada essa parte, há um estrugir de vozes de bichos, retratando o momento do pôr-do-sol no Pantanal. Crianças FANTASIADAS como animais pantaneiros entram pelas plataformas A e B e executam performances junto à plateia.

TEXTO: LUÍS CARLOS FREIRE

AS CORTINAS SE FECHAM...

Fim