ESPETÁCULO MANOEL DE BARROS – O ALQUIMISTA DA PALAVRA – TEXTO EXPLICATIVO PARA “LEITURA BRANCA”
Observação: o conteúdo que se segue está provisoriamente escrito de maneira explicativa, para facilitar a compreensão também dos bastidores e o próprio espetáculo, já que faremos “leitura branca” com os alunos (adultos e crianças) na expectativa de darmos um mergulho na poética de Manoel de Barros, conhecendo também um pouco da sua biografia e a cultura do seu estado de origem. A história do personagem principal, dessa vez, não será contada no corpo do texto, mas uma única parte no início e a última parte ao encerrar. O texto é interligado por inferências à sua poesia e a elementos da cultura do MS.
ELEMENTOS CÊNICOS A PARTIR DO HALL DE ENTRADA: Nos dias do espetáculo o público será envolvido no espetáculo a partir do hall de entrada do Teatro. Alguns elementos cênicos estarão dispostos a partir da recepção, bem como performances artísticas retratando trechos de poemas manoelinos. Teremos sucuris enroscadas dos pilares do hall, folhas secas a partir do corredor de acesso à plateia “A”, o qual será transformado em Floresta com vários animais (passarinhos/borboletas). Um aparelho de CD estará ligado emitindo sons de passarinhos.
OBSERVAÇÃO: TODA VEZ QUE LER “DANÇA”, SIGNIFICA A APRESENTAÇÃO DO BALÉ/CONTEMPORÂNEO, CAPOEIRA ETC (DEPENDE O CONTEXTO) E AS DEMAIS COREOGRAFIAS ASSINADAS POR NOSSOS MONITORES.
OBSERVAÇÃO II: TODAS AS COREOGRAFIAS DEVEM CONTEXTUALIZAR ANIMAIS COMO ANTAS, PACAS, TUIUIÚS, JACARÉS, ARIRANHAS, CAPIVARAS, ONÇAS, TAMANDUÁS, SERIEMAS, (ARAQUÃS, GAVIÃO BOMBACHINHA, CURICACA, PASSARINHOS DIVERSOS), SUCURIS, ARARA, GARÇA, LOBO-GUARÁ, TUCANO, TATU, PREGUIÇA, COATIS, IGUANA, TIJUAÇU etc, independente de estar ou não no texto naquele momento, pois a poética manoelina é um louvor à natureza.
NARRAÇÃO INTRODUTÓRIA DO ESPETÁCULO – CORTINAS FECHADAS (BADU?): Manoel de Barros: um dos maiores poetas brasileiros! Ícone da Poesia Moderna contemporânea. Era sul-mato-grossense. Sua obra é um canto de louvor à natureza. Muitos o chamam de “poeta dos passarinhos”, mas na realidade ele foi o poeta dos caramujos, das folhas secas do chão, das lagartas, das lesmas, das formigas, das capivaras, dos tuiuiús e dos pedaços podres de galhos de árvores. Sua obra diviniza as águas, os homens e as mulheres simples. Ele lançou luz ao “insignificante”. Assim como Charlies Chaplim contemplou o vagabundo, o cachorro e o circo, Manoel de Barros contemplou o que é considerado invisível ou insignificante para algumas pessoas. Aos olhos da literatura e da filosofia, há uma profunda mensagem em sua poética. O que é ser insignificante? Será que de fato há insignificâncias? Vamos desvendar? (Durante essa narração tem pano de fundo: sons de esturros de onça e canto de pássaros).
CENA: DRAMATIZAÇÃO AO VIVO – NA BOCA DO PALCO - COM ATORES E ATRIZES NOSSOS (CORTINAS FECHADAS). Entram em cena aos poucos, aparecendo por pontos diferentes da cortina: um no meio, outro por debaixo, outro por um dos lados... olhares intensos/olhos dançando/ouvidos atentos/caras e bocas/movimentos contextualizados de braços e mãos.
DECLAMAM O POEMA
“O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS”
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
CENA: OS ATORES SAEM – AS CORTINAS SE ABREM, APARECENDO LENTAMENTE UMA FLORESTA – NO CENTRO HÁ UMA CASCATA E FONTE D’ÁGUA. PILÃO, FEIXES DE LENHA, TODOS, ÁRVORES VIVAS E SECAS. O PAINEL CENTRAL – DE GARRAFAS PET – REPORTA O PÚBLICO A UMA FLORESTA, DANDO NOÇÃO DE PROFUNDIDADE. SONS INTENSOS E ALTERNADOS: ESTURRO DE ONÇA, ESGUINCHOS DE MACACO, SOM DE CACHOEIRA, VOZES DE PAPAGAIOS, ARARAS, ETC). MACACOS (ATORES CARACTERIZADOS) DESCEM ATRAVÉS DE CIPÓS E SE INSEREM NA PAISAGEM. UMA ÍNDIA SE BANHA VESTIDA NO RIO. ESTÁ VESTIDA COM ELEMENTOS NATURAIS. SEIOS COBERTOS COM QUENGA DE COCO E TANTA DE SACO DE ESTOPA APLICADO FOLHAS NATURAIS, DE MANEIRA QUE ESTEJA COMPOSTA. ELA ESTÁ CERCADA POR CURUMINS. NO CENTRO, UMA ÍNDIA IDOSA (AVÓ DE ALUNO) DESCASCA MACAXEIRA AO LADO DE ALGUMAS SENHORAS ÍNDIAS. NO CANTO À DIREITA UM PAJÉ CONVERSA COM ÍNDIOS ADOLESCENTES. ALGUNS, NO CHÃO, FABRICAM FLECHAS E ARCOS. A PAISAGEM É PERMEADA DE PÁSSAROS, CAPIVARAS, ANTAS E PACAS.
OBSERVAÇÃO: Nesse cenário entra o Grupo de Contemporâneo com coreografia.
HÁ UM CORTE NOS SONS DE BICHOS...
SONOPLASTIA: CD SUÍTE SINFÔNICA – MARCOS VIANA, FAIXA Nº 2 (ESSA MÚSICA LIGARÁ TODAS AS CENAS DO ESPETÁCULO)
CENA: MARTA BARROS: Olá! Eu sou Marta Barros, filha do poeta Manoel de Barros. Esse é o meu irmão João Wenceslau Leite de Barros. Também temos mais um irmão, o Pedro Barros, mas ele insistiu em permanecer lá no Pantanal.
JOÃO BARROS: Viemos contar a história do nosso pai. Ele passou grande parte da sua vida no Pantanal, por isso mergulharemos vocês nas águas límpidas e envolventes do estado do Mato Grosso do Sul. Para entendermos a obra do nosso pai é necessário conhecer um pouco sobre a cultura da região onde ele viveu. Vamos fazer uma viagem!
MARTA BARROS: O nosso pai Manoel de Barros tinha um modo especial de escrever. Ele detestava computador. Como vocês viram, ele dizia que “não era da informática, era da invencionática”. Essa frase singular fala por si. Inclusive nós ficamos sabendo que o Teatro de Parnamirim criou uma máquina chamada “Invencionática”. Estamos curiosos para conhecê-la! Alguns consideram indecifrável a sua poética, certamente pelo uso de neologismos como invencionática, desimportante e tantas outras formas particulares de sua escrita. Ele escrevia com graça verbal.
JOÃO BARROS: Na realidade, João, ele era um alquimista das palavras! Dizia que “poesia é graça verbal”. Falava que todos já disseram tudo, mas sempre aparecerá um poeta que dirá de maneira diferente”. Essa alquimia de palavras empresta uma beleza tão especial aos seus poemas que o leitor novato passa a amar a sua poética. Para decifrá-lo pede-se coração. Ele era um criador de frases. Dizia que poesia não é inspiração, mas visão. “Precisamos ver para escrever!”. Vejam alguns exemplos de frases criadas por ele:
CENA: ENTRAM ATORES PLENOS EM EXPRESSIVIDADE E CARAS-E-BOCAS– ALGUNS INTERAGEM NO ESPAÇO DA PLATEIA – HÁ UM JOGO DE VOZES – UM DECLAMA NA PLATÉIA – OUTRO, NO PALCO E ASSIM SUCESSIVAMENTE. OS QUE ATUARÃO NA PLATEIA JÁ ENTRAM SE ENCAMINHANDO PARA ELE. UM OU DOIS PODE DESCER NO TECIDO PREVIAMENTE MONTADO NO PALCO – PODEM OU NÃO ESTAR CARACTERIZADOS - CADA FRASE ABAIXO É DECLAMADA POR UM ATOR:
“Eu penso renovar o homem usando borboletas”...
“Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens. Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens. Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens. Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas. Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de
uma borboleta. Ali até o meu fascínio era azul”.
“Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito”...
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas. Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves. Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os besouros pensam que estão no incêndio. Quando o rio está começando um peixe. Ele me coisa. Ele me rã. Ele me árvore. De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos.
“Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes”...
“Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas)”.
“O verbo tem que pegar delírio”.
“Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia. Eu queria ser lido pelas pedras. As palavras me escondem sem cuidado. Aonde eu não estou as palavras me acham”.
OS ATORES SE RETIRAM – ENTRA A PRIMEIRA TURMA DE BALÉ:
DANÇA
OS ATORES SE RETIRAM – ENTRAM OS FILHOS DE MANOEL DE BARROS:
MARTA BARROS: (FALA BASTANTE CIRCENCE) - Povo querido do Rio Grande do Norte!!!!!!!!!!!!! Ops! (PERCEBE A EXALTAÇÃO EXAGERADA E SE REPRIME) Desculpem!!!!!!!! É minha empolgação! Eu e João estávamos lá atrás no Camarim. Rimos muito com uma divertida artista conterrânea de Manoel de Barros. O nome dela é... Tetê Espíndola. Vocês conhecem?
CENA: “TETÊ ESPÍNDOLA” ENTRANDO COM O MÁXIMO DE CARACTERÍSTICAS EXPRESSIVAS DELA, E INTERPRETA “ESCRITO NAS ESTRELAS” – INTÉRPRETE: TAÍSE GALVÃO?
“Escrito nas estrelas”
Você pra mim foi o Sol
De uma noite sem fim
Que acendeu o que sou
E renasceu tudo em mim
Agora eu sei muito bem
Que eu nasci só pra ser
Sua parceira, seu bem
E só morrer de prazer
Caso do acaso
Bem marcado em cartas de tarô
Meu amor, esse amor
De cartas claras sobre a mesa, é assim
Signo do destino
Que surpresa ele nos preparou
Meu amor, nosso amor
Estava escrito nas estrelas
Tava, sim
Você me deu atenção
E tomou conta de mim
Por isso minha intenção
É prosseguir sempre assim
Pois sem você, meu tesão
Não sei o que eu vou ser
Agora preste atenção
Quero casar com você
Caso do acaso
Bem marcado em cartas de tarô
Meu amor, esse amor
De cartas claras sobre a mesa, é assim
Signo do…
APÓS A EXIBIÇÃO ATRIZ SE RETIRA POR UMA LADO DA COXIA E AO MESMO TEMPO ENTRA A SEGUNDA TURMA:
DANÇA
APÓS A DANÇA, SAEM POR UM LADO DA COXIA E SIMULTANEAMENTE ENTRA UM ATOR (ELE PODE PERPASSAR A TURMA, ENSAIADAMENTE, OLHANDO-A COM ADMIRALÇÃO) E DECLAMA:
“Aquele homem falava com as árvores e com as águas
ao jeito que namorasse.
Todos os dias
ele arrumava as tardes para os lírios dormirem.
Usava um velho regador para molhar todas as
manhãs os rios e as árvores da beira.
Dizia que era abençoado pelas rãs e pelos
pássaros”.
APÓS A EXIBIÇÃO ATRIZ SE RETIRA - ENTRA CRIATIVAMENTE A TERCEIRA TURMA:
DANÇA
CENA: ENTRAM ARTISTAS CARACTERIZADOS DE ÍNDIOS E INTERPRETAM UMA COREOGRAFIA TÍPICA DOS ÍNDIOS SUL-MATO-GROSSENSE (GRUPO XAXADO?)
APÓS A EXIBIÇÃO ELES SE RETIRAM - ENTRA A QUARTA TURMA:
DANÇA
CENA: ENTRAM OS FILHOS DE MANOEL DE BARROS, RINDO MUITO:
MARTA BARROS: Gente! Como é linda a cultura dos índios brasileiros! Estou emocionada! Respeite o índio!!!! Eles descobriram o Brasil! Sim, mas... e aqui no Rio Grande do Norte, onde estão os índios? Bem... é outra história! Mas vamos lá. Vocês não sabem quem está aqui na coxia! (faz rosto escondido com a mão). Um monstro na interpretação. Um dos artistas mais respeitados do seu meio. A nata artística do Brasil.
JOÃO DE BARROS: Nós adoramos esse artista sul-mato-grossense. Ele surgiu no grupo “Secos e Molhados”. Com vocês, Ney Matogrosso!!!
CENA: “NEY MATOGROSSO” ENTRANDO COM O MÁXIMO DE CARACTERÍSTICAS EXPRESSIVAS SUAS – INTERPRETA: “O VIRA” – INTÉRPRETE: ...................................................... (DRAMATURGO ALUNO DE DANÇA CONTEMPORÂNEA)
“O Vira”
(Secos & Molhados)
O gato preto cruzou a estrada
Passou por debaixo da escada.
E lá no fundo azul
Na noite da floresta.
A lua iluminou
A dança, a roda, a festa.
Vira, vira, vira
Vira, vira, vira homem, vira, vira
Vira, vira, lobisomen
Vira, vira, vira
Vira, vira, vira homem, vira, vira
Bailam corujas e pirilampos
Entre os sacis e as fadas.
E lá no fundo azul
Na noite da floresta.
A lua iluminou
A dança, a roda, a festa.
Vira, vira, vira
Vira, vira, vira homem, vira, vira
Vira, vira, lobisomen
Vira, vira, vira
Vira, vira, vira homem, vira, vira
Bailam corujas...
APÓS A EXIBIÇÃO O ATOR SE RETIRA - ENTRA A QUINTA TURMA:
DANÇA
CENA: ENTRA UM ATOR E DECLAMA:
“1) É nos loucos que grassam luarais;
2) Eu queria crescer pra passarinho;
3) Sapo é um pedaço de chão que pula;
4) Poesia é a infância da língua. Sei que os
meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas
se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei.
Sobre o nada eu tenho profundidades”.
APÓS A EXIBIÇÃO O ARTISTA SE RETIRA - ENTRA A SEXTA TURMA:
DANÇA
CENA: ENTRAM OS FILHOS DE MANOEL DE BARROS – AMBOS TRAZEM NAS MÃOS GUAMPA E CUIA – E NO MEIO DA FALA SORVEM A BEBIDA – DESSA VEZ ESTÃO COM OUTRA AURA.
JOÃO DE BARROS: Estou emocionado, minha gente! Estávamos no Camarim com um dos artistas mais respeitados do país. Seus álbuns são verdadeiras obras de arte. Além de músico ele estimula o estudo de viola e a revitalização da “Viola de Coxo”, um instrumento musical típico do Pantanal, feito a partir da capemba do buriti.
MARTA BARROS: Já está bom de apresentações, João. Ele dispensa comentários. Com vocês, Almir Sater...
CENA: “Almir Sater” entrando com o máximo de características expressivas. Interpreta “Comitiva Esperança” – Intérprete: .......................................
CONTRA-REGRA: Dispõe um banquinho e o retira após a cena.
“Comitiva Esperança”
Nossa viagem não é ligeira, ninguém tem pressa de chegar
A nossa estrada, é boiadeira, não interessa onde vai dar
Onde a Comitiva Esperança, chega já começa a festança
Através do Rio Negro, Nhecolândia e Paiaguás
Vai descendo o Piqueri, o São Lourenço e o Paraguai
Tá de passagem, abre a porteira, conforme for pra pernoitar
Se a gente é boa, hospitaleira, a Comitiva vai tocar
Moda ligeira, que é uma doideira, assanha o povo e faz dançar
Oh moda lenta que faz sonhar
Onde a Comitiva Esperança chega já começa a festança
Através do Rio Negro, Nhecolândia e Paiaguás
Vai descendo o Piqueri, o São Lourênço e o Paraguai
Ê, tempo bom que tava por lá,
Nem vontade de regressar
Só vortemo eu vô confessar
É que as águas chegaram em Janeiro, descolamos um barco ligeiro
Fomos pra Corumbá
APÓS A EXIBIÇÃO O ARTISTA SE RETIRA - ENTRA A SÉTIMA TURMA:
DANÇA
CENA: ENTRA UM ATOR E DECLAMA:
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
CENA: ENTRAM OS FILHOS DE MANOEL DE BARROS – AMBOS TRAZEM NAS MÃOS GUAMPA E CUIA – E NO MEIO DA FALA SORVEM A BEBIDA – DESSA VEZ ESTÃO COM OUTRA AURA.
JOÃO DE BARROS: Vocês sabiam que o estado natal de Manoel de Barros tem forte influência do Paraguai, país vizinho? Pois é. A maior parte dos paraguaios são indígenas. Foram os verdadeiros desbravadores do Mato Grosso do Sul. Eram exímios na arte de colher erva-mate. As músicas sul-mato-grossenses originais têm ares paraguaios. Aqueles gritos, quando se canta Galopeira é o famoso “sapucaý”.
MARTA BARROS: E por falar em Galopeira, vocês conhecem a cantora Perla? Ela é paraguaia e se projetou em todo o Brasil começando em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Ela está ‘aquizinha’ do nosso lado. Perla, entre, esse palco é todo seu...
CENA: “PERLA” ENTRANDO COM O MÁXIMO DE CARACTERÍSTICAS EXPRESSIVAS DELA, E INTERPRETA “GALOPEIRA” – INTÉRPRETE: TAÍSE GALVÃO? ACASO FOR AO VIVO TEREMOS A PARTICIPAÇÃO DE ESCOLA LEOPOLDINO – DO CONTRÁRIO USA-SE PLAY BACK PARA DUBLAGEM.
“Galopeira”
Foi num baile em Assunción
Capital do Paraguai
Onde eu vi as paraguaias
Sorridentes a bailar
E ao som de suas guitarras
Quatro guapos a cantar
Galopeira, galopeira
Eu também entrei a dançar
Foi num baile em Assunción
Capital do Paraguai
Onde eu vi as paraguaias
Sorridentes a bailar
E ao som de suas guitarras
Quatro guapos a cantar
Galopeira, galopeira
Eu também entrei a dançar
Galopeira ....
Nunca mais te esquecerei
Galopeira ....
Pra matar minha saudade
Pra minha felicidade
Paraguai, em voltarei
Pra minha felicidade
Paraguai, eu voltarei
APÓS A EXIBIÇÃO ATRIZ SE RETIRA - ENTRA A OITAVA TURMA:
DANÇA
CENA: ENTRAM DOIS ATORES E INTERPRETAM O POEMA ABAIXO EM FORMA DE JOGRAL, OU JOGO DE PALAVRAS.
OBSERVAÇÃO: O espetáculo se segue na mesma dinâmica e o encerramento está abaixo:
ÚLTIMA CENA: ENTRAM OS FILHOS DE MANOEL DE BARROS. MARTA ESTÁ COM UM XALE. JOÃO TEM UM PONCHO PARAGUAIO NAS COSTAS - ENQUANTO ELES CONVERSAM COM A PLATEIA, PERSONAGENS DE BICHOS EXIBEM COREOGRAFIAS NO PALCO, INTERAGINDO COM A PLATEIA.
MARTA BARROS: A obra do nosso querido pai Manoel de Barros foi escrita para o mundo. Sua poética enxergou sapos, formigas, lesmas, passarinhos, lagartixas, gafanhotos, borboletas. Mas também enxergou a arte mundial. Enxergou o homem simples. Enxergou os problemas sociais. Leu todos os poetas clássicos. Era fascinado pela retórica do Padre Vieira. Conheceu vários países, conviveu com artistas e pintores renomados. Estudou Artes Plásticas nos Estados Unidos. Conviveu com Klee, Picasso, Klimt e outros. Adorava Van Gogh. Admirava Juan Miró, cuja pintura nos leva à infância que ele tanto buscou na escrita. Dizia: “precisamos desaprender vinte e quatro horas por dia”. No Cinema adquiriu gosto por Buñuel e Fellini. Admirava Charlies Chaplin. Leu os poetas americanos, como Eliot. Na Biblioteca Nacional, no Rio, se aprofundou em Rimbaud, Baudelaire, Mallarmé, Flaubert, Fernando Pessoa. Entre os brasileiros, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira foram uma de suas maiores influências. O grande acontecimento da sua vida se chamou João Guimarães Rosa. Papai dizia que a escrita de Rosa foi o pulo do sapo para que ele engatasse a sua poética própria. A prosa de João Guimarães Rosa deu asas à sua poesia. Sentia paixão pelas palavras. Dizia: "Minha poesia é feita de palavras, não de paisagens". Ressalvava que não pode fugir às suas origens. Outra opinião de Guimarães Rosa que papai recordava é a de que papai era um poeta que reinventava imagens e ele, Rosa, inventava a sintaxe. Esse talento para imagens, como "a formiga ajoelhada na pedra" ou "quero passar a mão na bunda do vento", com um toque surreal de concretude, começou a se mostrar maduro depois de Guimarães Rosa. Um dia sua poesia despertou a admiração de Millôr Fernandes, que escreveu num importante jornal carioca: "Manoel de Barros O homem mais genial do Brasil – poesia é isso!". A partir de então papai explodiu. Um dia lhe perguntaram qual a palavra mais bonita do idioma. Papai disse: CRIANÇA. Com dúvida aberta para BORBOLETA.
Esse foi Manoel de Barros, nosso pai.
JOÃO DE BARROS: E, por falar nas coisas insignificantes que papai tanto escreveu, o que é insignificante para você? Quais as coisas invisíveis ou que você as torna invisível? Você pode não desejar ver um sapo agora, no seu pé... inclusive nós colocamos dois sapos na plateia! Eles estão em algum lugar nesse exato momento (aguarda cinco milésimos de segundos em silêncio). É brincadeira! Vocês não querem ver o sapo! O sapo, para vocês é invisível porque é indesejável. E quais são os sapos que você se recusa a ver no dia-a-dia? Somos um país de desigualdades. A essa hora exatamente há muitas crianças nas ruas. Muitos idosos choram a solidão. Uns, nos abrigos, outros jogados nas ruas. São invisíveis? Muitos pais possuem filhos invisíveis. Para alguns, a família inteira é invisível. São insignificantes? Tornamos invisível o amor, a caridade, a generosidade, a ética, o respeito ao próximo e tantas coisas. Está na hora de formarmos um grupo para doar sopão aos mendigos. Eu posso ensinar alguém a ler. Você (apontando para a plateia) pode dar a cama que não me serve mais. Ela (apontando para a plateia) pode dar uma cesta básica para o vizinho que passa fome em silêncio. Nós podemos comprar o remédio daquela vovozinha que todos abandonaram. Podemos dar um guaraná para o gari. Podemos pagar um sorvete para a criança que lambe com os olhos o carrinho do sorveteiro. Não volte para casa insignificante. Não seja invisível à dor dos outros. Dê cores ao invisível. Enxergue o escuro da fome, o vermelho da bondade, o azul da oração verdadeira que é o gesto concreto de amor. Enxergue o amarelo da maior riqueza: o amor aos seres humanos. Enxergue o verde da esperança num mundo melhor... Assim você encontrará o branco da paz! A melhor coisa do mundo é colocarmos a cabeça no travesseiro e dormirmos o sono da consciência tranquila.
OBSERVAÇÃO: Encerrada essa parte, há um estrugir de vozes de bichos, retratando o momento do pôr-do-sol no Pantanal. Crianças FANTASIADAS como animais pantaneiros entram pelas plataformas A e B e executam performances junto à plateia.
TEXTO: LUÍS CARLOS FREIRE
AS CORTINAS SE FECHAM...
Fim
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