ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO COMIGO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. O pelo formulário no próprio blog. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. O título NISIAFLORESTAPORLUISCARLOSFREIRE foi escolhido pelo fato de ao autor estudar a vida e a obra de Nísia Floresta desde 1992 e usar esse equipamento para escrever sobre a referida personagem. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto trechos com menção da fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

CARTA ESCRITA POR ISABEL GONDIM AOS 2 DE MARÇO DE 1884 Transcrição ipsis literis "QUANDO A EMOÇÃO SUPERA A RAZÃO"


Com notas de rodapé por

Luis Carlos Freire

INTRODUÇÃO


Uma carta, por normalmente possuir conteúdo intimo, costuma instigar curiosidades, principalmente numa época em que significava o principal meio de comunicação entre pessoas, onde não imaginavam que no futuro, um recurso denominado “e-mail” praticamente desbancaria esse tipo de contato.

Muitas histórias e novelas narram violações de cartas – normalmente feitas ao vapor do bico do bule. Violar uma correspondência é crime previsto na legislação, mas parece que por muitos anos sempre alguém conseguiu burlar (ou “bulear”?) a vigilância e alimentar esse tipo doentio de curiosidade.

Nísia Floresta figura na história como alvo de muita curiosidade devido justamente a um conjunto de cartas que a acercam. Uma escrita por Isabel Gondim, enviada a um senhor desconhecido pela história, e as demais escritas por ela própria, endereçadas a Auguste Comte, e as escritas por ele, endereçadas a ela.

As cartas trocadas entre ela e Comte, publicadas no Jornal “A República” no início do século 20, expostas no Apostolado Positivista no Rio de Janeiro, desde o referido século e expostas também nesse mesmo estado, em 1954, numa exposição organizada pelo Centro Norte-Riograndense, também na capital carioca, e o lançamento de um livreto de autoria de Constância Lima Duarte contendo todas essas correspondências, permitem ao leitor sanar as curiosidades. Em síntese, longe de revelarem relação amorosa, como muitos insistem em divulgar, tratam de assuntos totalmente diferentes.

Na realidade a própria Isabel Gondim se encarregou de divulgar sua carta, a qual não sofreu violação. Sobre as que envolvem Comte, as mesmas foram encontradas após sua morte, e do mesmo modo ocorreu a Nísia Floresta.

A carta escrita por Isabel Gondim em 1884 depreciando Nísia Floresta é um documento que tem despertado muita curiosidade em diversos públicos. Parece que além de querer conhecer o que realmente a autora escreveu se quer uma certeza sobre a veracidade ou não das afirmações.

O documento, desenvolvido em tiras de 28 x 9,5 cm, composto de 11 folhas, escrito a bico-de-pena, endereçado a J. L. F. Souto, serviu também como campanha de difamação ao longo do tempo, pois, apesar de ser imenso, ela fez dezenas de cópias e as distribuiu em todos os lugares onde soubesse ter ocorrido algum evento enaltecendo Nísia Floresta. Isabel Gondim fez questão de entregá-la a muitos admiradores de sua conterrânea, com o objetivo de desmanchar a boa impressão que os mesmos cultivavam.

Curiosamente Isabel Gondim tornou-se mais conhecida por ter sido autora dessa carta, que por sua própria obra, pois também escreveu alguns livros. Isso se deve ao tom de tablóide da correspondência, até porque ao longo da história da humanidade, muitos parecem atiçados a conhecer intimidades e fofocas sobre os outros, em detrimento do legado dos mesmos. Costume esse que tem perdurado até hoje, inclusive a Inglaterra é muito assumida nesse sentido, onde a fofoca rende milhões. E as indenizações também!

Isabel Gondim teve a sorte – seria sorte? – de ter produzido toneladas de calúnias numa época em que as leis da comunicação não eram como as atuais, as quais rezam que o autor deve responder pelo que escreve e sobre o que se diz nas rodas de conversa – desde que hajam provas.

No caso de Isabel Gondim, a carta representa uma prova difamatória substancial, mas além de ela ter sido blindada pela falta de leis sobre difamação, foi blindada pelo tempo, pela distância geográfica e por outros fatores. Isabel Gondim estava longe de Nísia Floresta em muitos aspectos, por exemplo, nasceu vinte e nove anos após a conterrânea, tinha 49 anos quando produziu o “tratado difamatório”, enquanto Nísia Floresta estava há um ano da morte com 74 anos.

Isabel Gondim residia em Natal, enquanto Nísia Floresta morava na bucólica Rouen, na França. Outra blindagem foi a falta dos familiares de Nísia Floresta por perto, os quais supostamente poderiam tê-la defendido acaso tomassem conhecimento da carta. Provavelmente nem a própria difamada soube da destilação letal do nanquim da Isabel Gondim. Talvez foi melhor.

A carta de Isabel Gondim, exposta pela primeira vez de forma digital, representa um documento questionável em muitos aspectos. Um deles é sobre a presente publicação. Particularmente, enquanto estudioso da obra de Nísia Floresta, foi um dos primeiros documentos que estudei quando cheguei ao município de Nísia Floresta (embora ninguém do local possuísse o documento).

O tempo passou e através dele construí uma verdadeira odisséia em prol do resgate da história e da obra de Nísia Floresta, inclusive em escolas do município. Organizei peça teatral, conferências, seminários, simpósios, palestras, exposições e aproveitei os mais importantes eventos da produção científica da UFRN e de diversas universidades brasileiras para levar esse nome gigante.

Consegui trazer para o município, estudiosos e simpatizantes da obra nisiana e percebi que o objetivo da proposta foi atingido, pois, o fato de ter sido lento e contínuo, lapidou até mesmo a concepção de quem alimentava preconceitos devido a documentos como a carta de Isabel e informações do imaginário popular. Criei este blog e, recentemente, publiquei a história de Nísia Floresta, por fascículos no Jornal O Alerta, de São José de Mipibu/RN.

Entendi que seria mais interessante divulgar a obra dessa intelectual, e não uma carta tão mesquinha e de conteúdo que estava anos luz da imensidão da obra nisiana. Por que publicar e divulgar um documento repleto de inverdades justamente a um povo no qual se escolhia a dedo quem tivesse informações mais aprofundadas sobre Nísia Floresta, e numa época de tanta desinformações, inclusive sem internet? Se isso tivesse ocorrido teria sepultado o nome de Nísia Floresta de vez, coroando a sua história com a mentira.

Quando cheguei a Nísia Floresta quis analisar o grau de conhecimento do seu povo. Recordo-me de pessoas que me narraram barbaridades acerca de Nísia Floresta, defendendo idéias análogas às divulgadas por Isabel Gondim. Interessante é que naquela época muitas pessoas indagadas por mim, sem saber que eu conhecia a história de Nísia Floresta, diziam-me que era melhor nem conhecê-la, pois era vergonhosa. Isso me reportou ao primeiro parágrafo da carta, pela semelhança.

Hoje, após 20 anos de divulgação da história de Nísia Floresta, torno pública, pela primeira vez na internet a carta de Isabel Gondim. Cumpro o dever de permitir ao povo nisiaflorestense e ao país conhecer um documento que estava guardado e esquecido, até porque não seria pelo seu conteúdo de maldizer um personagem ilustre, bastante para deixá-lo oculto.

É interessante que o leitor também tire suas conclusões, sem deixar influenciar-se por Isabel Gondim e por minhas notas de rodapé, mas que, acima de tudo, conheça a obra de Nísia Floresta, afinal a grande resposta está na sua obra (e nas entrelinhas).

Confesso que não considero esse documento como objeto de exposição, principalmente a uma nação que se comporta como os ingleses, mas não é interessante omitir a história. Entendo que é mais significativo permitir às pessoas conhecerem a história e a obra de Nísia Floresta. Confesso, também, que publicando-o, sinto-me alimentando o objetivo de Isabel Gondim, mas me acalento no fato de trazer nesse mesmo blog inúmeras informações sobre a vida e a obra de Nísia Floresta. Isso, sim, é significativo.

Segue, abaixo, a carta na íntegra, a qual teve a linguagem de época respeitada da mesma forma que se respeitou os equívocos de língua portuguesa.

A PARTIR DAQUI VOCÊ PODERÁ LER A CARTA, NA ÍNTEGRA - A numeração que você encontrará, ao lado de algumas palavras serve para ajudá-lo a entender melhor o contexto histórico, geográfico e social da época.

Nysia Floresta Brasileira Augusta

Notícia de sua individualidade

(Ao Sen. J.L.F.Souto) (1)


Satisfazendo o pedido que me endereçara de apontamentos (2) sobre a vida e familia de nossa comprovinciana Nysia Floresta Brasileira Augusta, devo a bem da verdade dizer que a história de vida dessa mulher é de tal modo indecorosa que seria conveniente ficar sepultada entre nós e jamais transpôr as raias do Rio Grande do Norte, nossa tão presada terra natal (3).

Como, porém m’o exige, e se poderá extrahir dessas despretenciosas notas somente aquellas que não temos o dever de silenciar, passo a expôr succintamente quanto a respeito sei, desde a infancia da referida norte-riograndense, não só por tradição (4), como em particular pelas estreitas relações entre a minha e a sua família (5), ambas domiciliarias em terrenos de Papary (6), que era então insignificante lugarejo, fazendo parte da parochia de São José de Mipibú (7) (Villa), onde eram agremiados e doutrinados os indigenas.

Ha nos suburbios daquella povoação, hoje villa com a denominação de Imperial de Papary – um pequeno sítio de nome – Floresta o qual demora entre o referido lugarejo ou povoado e outros sítios próximos às margens do grande e belissimo lago denominado – Lagoa de Papary – que deu nome ao mesmo lugarejo, sendo sua origem - pam – pary – salto do peixe na expressão dos indígenas, do que a curruptela fez-se Papary.

Esbulhando da propriedade do mencionado sitio Floresta a uma enteada, cujo marido a perseguira, a ponto de a fazer embarcar para fóra da capitania, alli veio fixar sua residência o portugues Dionysio (8) Gonçalves Pinto Lisbôa, artista em ceramica do que deixou especimen numa estatuêta de pequena tapuya, sustendo na cabeça a pia de baptismo na igreja ou capella do povoado de Papary, homem tréfego e de máus instinctos (9) com quem passara ás segundas nupcias Antonia Clara Freire, da familia de Barbalhos em Goianinha (10), vulgarmente apellidada de Jundiá (11), nome de um pequeno rio que alli serpeia.

A origem dessa familia fôra uma linda rapariga (12) indígena (13) que, no lugar denominado Tamatanduba (14), á alguma distancia da Barra de Cunhaú (15) havia sido presa em um antro ou furna de pedra com o auxilio de cães “a dente de cachorro”, a qual assim apprehendida os encarregados do serviço de domesticar os indigenas trouxeram de presente ao seu comandante, funccionario militar Barbalho, da familia desse appellido, denominada de Aldéa Velha nas proximidades de Natal, cujo official então se achava em Goianinha (16) incumbido daquelle serviço de domesticar e dirigir os indigenas.

Bem accolhida pelo commandante Barbalho permanecceu a moça indigena em sua companhia, dessa promiscuidade resultando.

Desse consorcio de Dionysio Gonçalves Pinto Lisbôa com Antonia Clara Freire, em segundas nupcias fôra o primeiro fructo do principio do seculo passado [1810, segundo algumas opiniões) uma filha que, do nome do pae chamou-se Dionysia, em casa, porém appellidaram Nysia ou Nisea, segundo o costume entre nós de tratarem-se as creanças maxime do sexo feminino por diminutivo ou modificação abreviada do nome.

Tinha Dionysia attingido a puberdade, quando um acontecimento desastroso, (17) entre o pae dessa e um visinho induziu áquelle a sahir de Papary (Floresta) e vir com a familia para São José de Mipibú, á pequena distancia d’alli, onde installaram-se na rua da Cadeia (18) ou proxima a essa, deixando-a ahi, transferiu-se logo à capitania de Alagoas, (19) talvez para fugir a acção da justiça (20), sem que haja noticia de haver elle regressado;

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o nascimento de uma filha, a quem os paes crearam como sua propria que era, e Barbalho tratava como tal.

Depois de alguns annos de permanencia ainda no exercicio em Goianinha, tendo o mesmo Barbalho de retirar-se, e estando a filha já adulta, casou-a com um tal Freire, como ella mestiço; porém de côr assaz escura, e antes de seguir o seu destino deu-lhes os meios sufficientes de se irem mantendo.

Daquella união nasceram oito ou nove filhos, entre os quaes Antonia Clara Freire, que foi a mãe de Dionysia Pinto, apellidada Nysia ou Nisia.

Não obstante ter ficado naquella villa a mesma familia, composta da consorte, da filha e de um filho menor. Tendo depois se transferido a Portugal, não consta tambem haver mais voltado (21). Entretanto a referida familia permanecera em São José.

Naquelles tempos as festividades do culto, celebradas alli com certa pompa, tanto quanto o permittiam os recursos do meio pouco desenvolvido, attrahiam da capital á mencionada villa moços ávidos dessas distracções, bem como da perspectiva de novas figuras que surgissem-lhes a apreciação.

Entre esses excursionistas vinha uma vez por outra o jovem Manoel Alexandre Gomes de Mello (22), filho illegitimo do capitão mor José Alexandre Seabra de Mello e de uma cunhada, infeliz moça que, á falta de recursos pecuniarios descurou da educação scientifica desse filho natural. Com tudo, juntamente aos irmãos legitimos frequentou as escolas primarias, indo pouco além dos conhecimentos nellas proporcionados os que podera adquirir.

Depois conseguiu empregas-se (23) como porteiro da Thesouraria da Fazenda, talvez por onde um dos irmãos legitimos se achava collocado em cathegoria superior, sendo a familia, aliás bastante numerosa e importante nesta cidade.

Em suas excurções a São José veio a attrahir-se Manoel Alexandre a Dionysia Pinto que, a sobraçar uma guitarra (24) e a exhibir-lhe os sons (25) constituira-se em grande parte o enlevo dos excursionistas e particularmente daquelle moço que logo a pedira em casamento, e com quem se desposara pouco tempo depois, mesmo em São José de Mipibú no decurso do terceiro decennio passado (26).

Apenas consorciados vieram os recem-casados fixar sua residencia nessa capital, vindo, também a mãe e o irmão de Dionysia se residir ahi.

Chegando aquella aquella (27) ao domicilio de seu marido com os créditos de elegante, sem dúvida a dedilhar sua guitarra, tendo maior numero de apreciadores, num meio mais culto e desenvolvido, não tardou muito a esquecer os votos feitos na asas do matrimonio!

Deixou-se attrahir pelos galanteios de Joaquim Xavier d’Almeida, bello Adonis (28) do seu tempo com a quem o infeliz consorte Manoel Alexandre surprehendeu-a em flagrante adulterio... Logo abandonou a casa.

Depois seguiu para o Maranhão, em cuja capital obteve, afinal modesta collocação.

Não deixava, entretanto de corresponder-se com alguns parentes e amigos em Natal, onde continuava em seus desvarios a esposa adultera, sendo um desses amigos meu pae (29), o lente (30) da Cadeira (31) de Geometria do Atheneu Norte-rio-grandense (32) Urbano Egydio S. C. Gondim d’Albuquerque (33) com quem se havia Manoel Alexandre relacionado, desde pouco depois de ter vindo aquelle do Recife a appôr-se ao concurso da referida cadeira, no que sahiu-se distintamente triunphante (34).

Entretanto Dionysia Pinto, apos haver exhibido, sem rebuço na capital do Rio Grande do Norte a vida livre (35) que adaptara resolveu transferir-se ao Recife, phantasiando talvez se lhe deparar nessa cidade campo mais vasto as suas expirações (36).

Munidas de carta de recommendação de alguns dos seus mais dedicados e assiduos frequentadores especialmente de Marcos Antonio Bricio commandante da companhia de guarnição em Natal para um moço bastante rico e dissoluto, filho do milionario, comerciante naquella praça Bento José da Costa, fretou uma jangada, o mais facil e usado meio de transporte naquella epoca, entre os portos do Rio Grande do Norte e de Pernambuco, e embarcou-se com a familia, constante da mãe e irmão de menor idade, indo aportar no Recife onde foram bem accolhidas as recommendações que levava.

O referido moço Costa Junior immediatamente á apresentação por Dionysia das cartas que fôra portadôra alugou boa casa de sobrado para ella installar-se, e tudo dispos, do modo que após a chegada da sua recommendada ao Recife, surgiu na constelação de Vênus (37) ahi aquelle astro de primeira grandeza cercado de uma aureola de esplendor e de luxo deslumbrante, sob o pseudonymo de Nysia Floresta Brasileira.

Alli então sua ostentação e imponencia chegará, segundo á tradição a ponto de ter constantemente aos lados duas criadas vestidas com asseio, a fim de darem-lhe a mão quando queria levantar-se para receber as visitas que eram-lhe anunciadas.

Entre essas visitas, ao que deixava-lhe certa liberdade o moço Costa Junior a quem viera recommendada, tinha especial acceitação.

Marcos Antonio Briccio que, no seu caracter de militar havia sido transferido para o Recife, e que a nossa conterranea jamais deixava de distinguir, talvez pela importante parte que ella havia tomado em sua vinda e sucesso na referida cidade.

Depois fora Dionysia se attrahindo mais do que a outros frequentadores da casa ao jovem Augusto, natural do Rio Grande do Sul (38), estudante ahi na Faculdade de Direito, a quem se attribue o arranjo de uma novella ou antes plagio que então appareceu, como sendo de sua composição, e cujos trechos tomados de obras diversas, eram ligados entre si por soldas segundo diziam os criticos feitas pelo referido estudante Augusto (39).

Este depois passou a viver em sua intimidade numa poetica residencia proxima ao rio Biberibe (40), onde se havia installado Dionysia, deixando o bulicio da cidade por esse aprazivel suburbio, cujos attractivos constituiram-lhe um ninho de fadas (41).

Ahi, por auspicios daquelle estudante foi ensaiando algumas composições metrificadas ligeiras que accordaram serem em seu nome (42).

De dia para dia achava-se Augusto mais attrahido a essa mulher. Tendo completado os estudos e se bacharelado em Direito, de regresso ao Rio Grande do Sul, a provincia Natal (43), levou Dionysia em sua companhia e apresentou a familia, como sua esposa D. Nysia Floresta Brasileira Augusta que foi bem recebida no seio daquella, continuando assim a viver prestigiado o casal, sem que alguém suspeitasse de sua identidade legal (44).

Dessa união clandestina veio a nascer-lhes uma filha de cuja legitimidade não pairava duvida ahi (45).

Tendo podido obter uma cadeira (46) do ensino primario no interior da provincia para leccionar meninas, Dionysia Pinto, durante alguns annos exerceu alli o magistério público (47).

Então appareceu um livro sob sua responsabilidade de autôra com o título – Conselhos a minha filha – tendo também tratado ácerca do pouco desenvolvimento que dava-se no paiz a educação da mulher.

Deixando de ensaiar e coberta do manto de viuva, após o fallecimento do companheiro, supposto consorte, sob o mesmo pseudonymo de Nysia Floresta Brasileira Augusta, de que, desde quando o iniciou, jamais prescindira, veio acompanhada da filha, a quem reuniu mãe e irmão para o Rio de Janeiro em cuja capital abriu uma escola ou collegio, externato para educação de meninas.

Nesse caracter, embora ostentado a gravidade da viuvez, contudo não renunciou a irregular conducta, continuou nos antigos desvarios, a principio com certa velada reserva (48).

O infeliz Manoel Alexandre, o esposo ludibriado não havia, entretanto esquecido a affronta que desde algum tempo lhe irrogara essa mulher dissoluta. Do retiro no Maranhão, a que se tinha voltado indagava dos seus passos e vivia delles mais ou menos a par (49).

Tendo noticia do novo enllace daquella, aspirou oppor-lhe as disposições das leis contra crime da bigamia, então grandemente severas. Sempre, porem achando-se o referido Manoel Alexandre em difficuldades financeiras, não lhe foi possível, maxime pela longincua distancia do Maranhão para o Rio Grande do Sul emprehender a viagem á essa província, afim denuncias e provas a criminalidade da ex-consorte.

Na impossibilidade de superar taes obstaculos resignou-se a deferir sua resolução para depois, quando se lhe deparasse ensejo propicio.

Decorreram alguns annos, e Manoel Alexandre teve sciencia de achar-se Dionysia com o pseudônimo adaptado a residir no Rio de Janeiro, sob o manto de viuva a ensinar no externato que havia aberto para educação de meninas. Sem mais deter-se, veio do Maranhão á sua provincia natal, o Rio Grande do Norte no intuito de munir-se dos necessarios documentos, e mediante algum algum (50)) auxilio dos parentes em Natal, onde irmãos legitimos viviam vantajosamente collocados, obter os indispensaveis recursos para ir ao Rio de Janeiro dar a pretendida denuncia que havia longos annos o preocupava constantemente (51).

Dionysia Pinto, entretanto, tivera do Rio Grande do Norte aviso de estar o ex-consorte Manoel Alexandre para aquella capital onde provavelmente deveria trazer a idéa de offerecer a denuncia que tinha, sem duvida de criminar, e sobre tudo desmoralizar a mesma. Dionysia, perante a sociedade, a que preocupava impôr-se.

Se lhe antolhavam difficuldades que eram preciso superar.

Justamente por esse tempo a familia de um jovem filho do nosso poeta Luiz Guimarães também poeta e literato, a quem podera Dionysia attrahir, querendo afastal-o dessas relações dispos e conseguiu que embarcasse para a Europa, como addido ou secretario de nossa Legação na Italia, (Florença) cuja partida ia-se efecttuar em breve.

Então Dionysia Pinto que havia perdido a progenitora numa epidemia que grassara no Rio de Janeiro, após o que se fizera enfermeira em hospitaes nessa cidade, durante alguns dias, achando-se com a familia reduzida deliberou seguir tambem para aquelle Continente acompanhada da filha, a pretexto de cuja educação ahi onde somente existiam os preciosos meios de ministral-a convenientemente, despediu a alumnas e fechou o collegio, tomando em seguida passagem com os que partiam para a referida Legação (52).

Terminou a viagem, indo fixar a residencia em Roma, depois transferiu-se a Florença, durante algum tempo estabeleceu domicilio em Paris, onde relacionou-se, além dos outros litteratos com Augusto Conti (53), a quem si mostrava dedicada, e que a tratava com affectuosa familiaridade.

Viajou pelos diversos paises da Europa com poucas excepções, sempre dirigida ou assessoriada nessas excurções pelo jovem poeta e literato Guimarães Filho; communicou differentes cultores da lettras e sciencias, especialmente em França, Itália e Portugal; publicou como da sua composição (54) em quase todas as linguas cultas da Europa diversas obras, sempre em estylo fluente, por vezes vigoroso e elevado, tanto em prosa, como em verso segundo respeitavel e esclarecida opinião de alguns de seus admiradores, talvez pouco escrupulosos na investigação da inexhaurivel fonte de tanta sciencia e illustração, sem que tivessem aquella que assim ostentava grandes conhecimentos feitos os precisos regulares estudos (55) no torvelinho da vida agitada que levou dentro e fóra do paiz (56), quasi constante essa nossa conterranea, conhecida, como acima disse pelo nome de Nysia Floresta Brasileira Augusta – pseudonymo do seu verdadeiro nome Dionysia Gonçalves Pinto.



I.Gondim



Natal, 2 de março de 1884 (57)


1. Sen. J. L. F. Souto – Não se conhecee até hoje a identidade dessa pessoa.


2. Nessa introdução constata-se que Isabel Gondim está respondendo a uma carta, cujo Sr. J. L. F. Souto solicita “apontamentos sobre a vida e família” de Nísia Floresta.


3. Já no primeiro parágrafo Isabel Gondim choca o leitor ao demonstrar desprezo à sua conterrânea, informando que a sua história de vida era “indecorosa” e devia ficar sepultada no próprio estado.


4. A autora deixa claro conhecer a história de Nísia Floresta por “tradição”, ou seja, pelo “ouvi dizer” que foi construído ao longo do tempo, moldado por preconceitos e tabus que se instalavam sobre mulheres que quebravam regras. Certamente ela ouviu as piores opiniões.


5. As “estreitas relações” que Isabel Gondim diz existir entre a sua família e a de Nísia Floresta é uma incógnita, pois, como se verá adiante, ela informa que o pai de Nísia Floresta era um “português de máus instinctos”. O fato de Isabel Gondim pertencer a uma família conservadora, detentora dos típicos tabus e preconceitos da época, torna difícil entender essa estreita relação. Outro detalhe: a autora da carta nasceu 29 anos após o nascimento de Nísia Floresta e nunca a viu.


6. Papari: nome original do atual município de Nísia Floresta e de uma lagoa do local. Segundo Luis da câmara Cascudo esse topônimo indígena, em tupi, significa “salto de peixe”. A autora escreve entre parênteses “Villa”, pois a denominação do lugar era Villa Imperial de Papari.


7. São José de Mipibu, antes Villa de São José de Mipibu, dista 4 quilômetros de Nísia Floresta.


8. A grafia correta é Dionísio.


9. Esses adjetivos depreciativos descompatibilizam os fatos que acercam o Sr. Dionísio. A atitude de ele ser autorizado pelas autoridades clericais a colocar uma escultura de sua autoria na sacristia da Igreja de Papari revela a sua idoneidade. Seu assassinato, em Recife, em 1828, deu-se após ele ter vencido uma causa judicial, denotando o seu profissionalismo como advogado. Ao longo de seus livros, Nísia Floresta enaltece o caráter do pai e se derrama em saudades. Esses elementos factuais externam um homem idôneo, diferente do que diz Isabel Gondim, a qual denigre toda a família de sua conterrânea.


10. A família de d. Antonia Clara Freire era originária de Goianinha/RN.


11. Topônimo vulgar que significa em tupi “a cabeça armada de barbatanas” (iu-ndi-á). Peixe de água doce platystoma spatula. (TS).


12. Isabel Gondim, mais que oferecer informações sobre o um itinerário criado, preocupa-se em denegrir a imagem de Nísia Floresta e sua família a cada parágrafo. Mas ela não emprega a palavra “rapariga” com a carga cultural que se tem atualmente, usada para depreciar a idoneidade de uma mulher. Isabel se utiliza desse vocábulo em sua acepção original, designando uma moça.


13. Numa de suas Actas Diurnas Câmara Cascudo tece o novelo genealógico da família de Nísia Floresta, apresenta os nomes dos avós de d. Antonia Freire, descobre que era seu parente e revela uma genealogia sem a participação diretamente indígena, como informa Isabel Gondim. Embora não seja demérito afirmar que d. Antonia Freire tenha ascendência indígena, Cascudo não informa esse detalhe, o qual parece improvável diante dos traços fisionômicos de Nísia Floresta e de seu filho, cuja aparência lembra muito d. Pedro II. Isabel Gondim parece ter querido comprometer a história, pois até pouco tempo uma das formas de depreciar uma pessoa era compará-la a índios.


14. Povoação em Pedro Velho (RN). De tamatan-tiba, e lugar dos tamuatás, o peixe cataphractus callicythys. O município de Pedro Velho situa-se próximo de Nísia Floresta.


15. Povoação na foz atlântica, situada no município de Canguaretama. De cunha-u: bebedouro das mulheres.


16. Município muito próximo de Nísia Floresta, onde está situada a internacionalmente conhecida praia de Pipa. De guai-ana: abundância de carangueijos, e o sufixo português inha; a Pequena Goiana, distinguindo-a de Goiana Grande, de Pernambuco.


17. Nísia Floresta, que fez referências às perseguições de cunho político movidas contra seu pai, em Papari, e ao seu assassinato, em Recife, faz outras alusões a ele e a sua “deliciosa Floresta”, inclusive menciona seus passeios na lagoa Papari. Pelo seu estilo é possível entender que ela teria explicitado o fato, acaso tenha ocorrido e, diferente do cunho nostálgico ufanista como se refere ao local, teria demonstrado ojeriza à região.


18. A Cadeia (Casa de Câmara e Cadeia, conforme a denominação da época), hoje demolida, situava-se no local onde encontra-se atualmente um sobrado de esquina, defronte à praça e à Igreja Matriz.


19. Dionísio Gonçalves Pinto nunca esteve em Alagoas.


20. Como era comum na obra de Nísia Floresta, o leitor descobre muito da autora lendo as entrelinhas. Em seus escritos ela comenta que seu pai era constantemente perseguido por questões políticas, mas na historiografia norte-riograndense não existe registro sobre tal informação.


21. Isabel Gondim comete mais um equívoco, pois o pai de Nísia Floresta, apesar de ter algumas vezes saído às pressas para Goiana, nunca abandonou a família e jamais retornou para Portugal.


22. Trata-se de equívoco. Seu nome original era Manuel Alexandre Seabra de Melo.


23. A escrita original está dessa forma, cujo sentido é empregar-se.


24. Nísia Floresta nunca informou essa afinidade com a guitarra. Isabel Gondim, ao tecer esse retrato singular, parece querer dar uma aparência vulgar a sua conterrânea, pois sabe-se que esse comportamento, como retrataria mais tarde Chiquinha Gonzaga, passava uma imagem promíscua da mulher.


25. Após muitos anos alguns pesquisadores que escreveram sobre a carta de Isabel Gondim ajudaram a engrossar o caldo do preconceito e da má interpretação, pois transcreveram essa palavra como “seio”, em vez de “sons”.


26. A carta original traz a palavra repetida.


27. Ambos se casaram em 1823, tendo Nísia Floresta 13 anos. Esse comportamento era comum na época, embora não configurava uma união como as tradicionais, envolvendo “casamento acertado pelos pais”. Pelo que se percebe Nísia Floresta apaixonou-se, optou pelo casamento e obteve o apoio dos pais, atitude destoante, a qual rendeu-lhe as mais severas críticas.


28. Personagem da mitologia grega, a qual possuía rara beleza. Filho de Cíniras e de Mirra. A autora procura evidenciar o grau elevado da beleza do cidadão citado comparando-o a Adônis.


29. Isabel parece esquecer que a carta que legaria ao futuro deixaria uma infinidade de contradições. Conforme vemos na nota nº 3 do primeiro parágrafo, a autora sugere que o nome de Nísia Floresta seja sepultado devido a sua vida indecorosa (que significa promíscua). Na 5ª nota do 2º parágrafo ela informa que ambas famílias mantinham “estreitas relações”, e nesse parágrafo diz, num tom de duplo sentido, que Nísia Floresta e seu pai eram amigos. Sem perceber a autora coloca seu pai no rol de homem promíscuo, quebrando o moralismo que lhe era peculiar.


30. “Lente”: vocábulo em desuso. Significa professor.


31. “Cadeira”: vocábulo em desuso. Significa disciplina (matéria escolar).


32. O Colégio Estadual do Atheneu Norteriograndense foi fundado no Século XIX, em 03/02/1834, época em que o Brasil era uma Monarquia, pelo então Presidente da Província: Basílio Quaresma Torreão, que também foi o seu Primeiro Diretor-Geral. O Colégio Estadual do Atheneu Norteriogradense é, assim, a mais antiga e tradicional Instituição Escolar, fundado antes mesmo do colégio D.Pedro II no Rio de Janeiro. Basílio Quaresma Torreão tinha como objetivo reunir em um único prédio, as chamadas Cadeira da Humanidade, as cinco Aulas Maiores (Filosofia, Retórica, geometria, francês e latim), antes autônomas com sedes independentes.


33. Nasceu em Recife (1.9.1806), filho de Joaquim Moreira da Silva Costa e de Joaquina Gonçalves da Cruz. Estudou na Academia Real da Marinha. Deixou a carreira militar em virtude do falecimento do seu pai, indo residir com a mãe e os irmãos em sua terra. Nesse período, trabalhou no comércio. Tempos depois veio para o Rio Grande do Norte. Associando-se a dois amigos, um dos quais Basílio Quaresma Torreão, instalou uma tipografia (1832) no centro de Natal ali passando a imprimir o primeiro jornal da cidade – “O Natalense” -, fundado pelo Pe. Brito Guerra. Em poucos meses foi inaugurado o Atheneu Norte-Riograndense e ele, por concurso assumiu a disciplina de Geometria. Afastado do ensino dedicou-se às letras e ao jornalismo. Casou-se com d. Isabel Deolinda de Melo e Albuquerque Gondim, em 1836, de cuja união nasceram oito filhos. Faleceu em Natal em 24 de outubro de 1883, sendo sepultado no cemitério do Alecrim, em Natal/RN.


34. Pouco tempo depois de começar a dar aulas no Atheneu, o pai de Isabel Gondim desentendeu-se com o Presidente da Província de então, Silva Lisboa, levando-o à exoneração sumária.


35. Com essa expressão, que conserva até hoje a mesma acepção, ou seja, vida promíscua, Isabel Gondim reforça mais uma vez a impressão vulgar que sempre nutriu acerca da sua conterrânea.


36. Ela reforça a idéia da promiscuidade que atribuía a Nísia Floresta, deduzindo que sua conterrânea imaginava encontrar ambiente mais adequado para vivenciar essa vulgaridade.


37. Planeta mais próximo da Terra. É o corpo mais brilhante do céu depois da Lua. A autora usa a comparação para demonstrar o quanto a imagem física e social de Nísia Floresta causava impacto, colocando-a como mais um astro dentre uma constelação.


38. Diferente do que Isabel Gondim informa, Manuel Augusto de Faria Rocha nasceu em Goiana (PE). Era filho de Manuel Gonçalves de Farias e Joana Sofia do Amaral.


39. Aqui Isabel Gondim tenta confundir o leitor, pois as novelas que Nísia Floresta escreveu foram desacompanhadas do marido, que havia falecido quando ela se enveredou por esse gênero textual. Supostamente Isabel Gondim traz uma concepção defendida há pouco tempo acerca de Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens (que não se trata de novela), na qual se afirma que tal livro era plágio de um plágio. Esse assunto o leitor poderá ver detalhes nesse mesmo blog, no artigo intitulado “Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens: Plágio?”.


40. A grafia original do rio é Beberibe.


41. Numa sequência de amantes atribuídos a Nísia Floresta, Isabel Gondim não polpa a apresentação de novos nomes, sempre de forma irônica.


42. Aqui Isabel Gondim acusa Nísia Floresta de assinar livros escritos pelo marido, embora ele já estivesse morto.


43. Manoel Augusto de Faria Rocha, esposo de Nísia Floresta não era gaúcho, como informa Isabel Gondim, era pernambucano.


44. A “identidade legal” que Isabel Gondim se refere diz respeito ao fato de Nísia Floresta ter sido casada anteriormente e às múltiplas acusações sobre o caráter de sua conterrânea. Embora não existam registros desse casamento, sabe-se que realmente eles se uniram e foram para Porto Alegre (RS), acompanhados por Lívia, Maria Isabel e d. Antonia Freire, mas Joaquim permaneceu no Pernambuco para concluir o curso de Direito.


45. Lívia Augusta de Farias Rocha, filha de Nísia Floresta, nascida aos 12 de janeiro de 1830, em Olinda, antes de o casal ir para o Rio Grande do Sul.


46. Vocábulo em desuso para designar uma espécie de professora polivalente.


47. Sabe-se que Nísia Floresta reeditou e publicou livros e artigos jornalísticos em Porto Alegre/RS e atuou como professora de meninas na capital gaúcha, mas sobre a docência nunca foram encontrados documentos que a comprovassem, embora seja uma afirmação de Roberto Seidl com grande possibilidade de ser verídica, tendo em vista sua abnegação a educação da mulher. É possível que ela tenha atuado em alguma escola para meninas, mas não há registros. Era comum na época professoras lecionarem em suas residências.


48. Embora Isabel Gondim tenha nascido 29 anos após Nísia Floresta, ela se comporta como alguém que foi sua contemporânea e a acompanhou in loco, sabendo todos os seus passos, inclusive detalhes criados por ela, com o objetivo de insistir na idéia de uma Nísia Floresta promíscua.


49. Não se sabe se essa sucessão de detalhes sobre o itinerário do primeiro marido de Nísia Floresta é verdadeira, nem como Isabel Gondim a obteve.


50. A carta original traz a palavra repetida.


51. Naquela época as leis matrimoniais, muito diferentes das atuais, davam ao homem o direito de exigir que a esposa retornasse ao lar à força. É possível que Manuel Alexandre Seabra de Melo, o primeiro marido de Nísia Floresta, inconformado com a separação, tenha realmente tentado viver no seu encalço. A informação de “bigamia”, dita por Isabel Gondim faz supor que o segundo casamento de Nísia Floresta não se deu via cartorial.


52. Há uma sucessão de informações deturpadas ao longo desses parágrafos. Nísia Floresta viajou pela primeira vez a Europa em 1849 ao lado dos filhos, Lívia e Augusto, sua mãe d. Antonia e a irmã Clara. Na lista de passageiros não há registros do cidadão informado por Isabel Gondim. Foi num de seus retornos ao Brasil, quando vivia na Europa apenas com a filha, que Nísia Floresta visitou sua mãe no Rio de Janeiro, a qual faleceria pouco tempo depois vitimada pela cólera morbus, o que a motivou fazer-se de enfermeira em sua homenagem. Mas depois ela retornou para a Europa com Lívia. O fechamento do Colégio Augusto não se deu ao mesmo tempo em que a mãe de Nísia Floresta faleceu nem coincidiu com a sua primeira viagem ao Velho Continente como a carta informa.


53. Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (Montpellier, 19 de janeiro de 1798 — Paris, 5 de setembro de 1857) foi um filósofo francês, fundador da Sociologia e do Positivismo. Augusto é o aportuguesamento da grafia original Auguste. Esse pensador manteve fortes laços de amizade com Nísia Floresta e Lívia Augusta. As cartas trocadas entre ambos já foram traduzidas e publicadas em jornais e livro.


54. Isabel Gondim, possuidora de ciúme psicótico – não querendo admitir que Nísia Floresta fosse autora de seus livros – acaba reconhecendo, mesmo sem querer, a sabedoria de sua conterrânea, colocando sua obra como uma “inexhaurivel fonte de tanta sciencia e illustração”. O que se percebe é que ela quis matar a memória de sua patrícia. Nota-se que Isabel conhecia pelo menos parte do que Nísia Floresta escreveu. Nesse trecho ela reforça a acusação de plágio.


55. A autora, numa filosofia de marketing hitlerista, encerra o último parágrafo fortificando a idéia que vulgariza a imagem de sua conterrânea. Parece que ela quis começar e terminar com o único objetivo de fulminar sua patrícia.


56. Mais uma vez Isabel Gondim alimenta a idéia de que Nísia Floresta não era autora dos livros que publicou. Ela sustenta sua tese no fato de Nísia Floresta nunca ter freqüentado escola.


57. Nísia Floresta morreu aos 24 de abril de 1885, um ano e um mês após a composição dessa carta. Provavelmente ela jamais tomou conhecimento que uma sua conterrânea, a qual jamais soube da existência, nutria por ela tamanho sentimento de repúdio, a ponto de significar o documento que daria origem a diversas calúnias que se seguiriam ao longo das décadas, muitas delas permanecendo até hoje.


CARTA DE ISABEL GONDIM COM PORTUGUÊS ATUALIZADO


Nísia Floresta Brasileira Augusta


Notícia de sua individualidade


(Ao Sr. J.L.F.Souto)




Satisfazendo o pedido que me endereçara de apontamentos sobre a vida e família de nossa comprovinciana Nisia Floresta Brasileira Augusta, devo a bem da verdade dizer que a história de vida dessa mulher é de tal modo indecorosa que seria conveniente ficar sepultada entre nós e jamais transpor as raias do Rio Grande do Norte, nossa tão prezada terra natal.


Como, porém me exige, e se poderá extrair dessas despretensiosas notas somente aquelas que não temos o dever de silenciar, passo a expor sucintamente quanto a respeito sei, desde a infância da referida norte-rio-grandense, não só por tradição, como em particular pelas estreitas relações entre a minha e a sua família, ambas domiciliarias em terrenos de Papary, que era então insignificante lugarejo, fazendo parte da paróquia de São José de Mipibu (Villa), onde eram agremiados e doutrinados os indígenas.


Há nos subúrbios daquela povoação, hoje vila com a denominação de Imperial de Papary – um pequeno sítio de nome – Floresta o qual demora entre o referido lugarejo ou povoado e outros sítios próximos às margens do grande e belíssimo lago denominado – Lagoa de Papary – que deu nome ao mesmo lugarejo, sendo sua origem - pam – pary – salto do peixe na expressão dos indígenas, do que a corruptela fez-se Papary.


Esbulhando da propriedade do mencionado sitio Floresta a uma enteada, cujo marido a perseguira, a ponto de fazê-la embarcar para fora da capitania, ali veio fixar sua residência o português Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa, artista em cerâmica do que deixou espécime numa estatueta de pequena tapuia, sustendo na cabeça a pia de batismo na igreja ou capela do povoado de Papary, homem trêfego e de maus instintos com quem passara ás segundas núpcias Antonia Clara Freire, da família de Barbalhos em Goianinha , vulgarmente apelidada de Jundiá, nome de um pequeno rio que ali serpeia.


A origem dessa família fora uma linda rapariga indígena que, no lugar denominado Tamatanduba, a alguma distancia da Barra de Cunhaú havia sido presa em um antro ou furna de pedra com o auxilio de cães “a dente de cachorro”, a qual assim apreendida os encarregados do serviço de domesticar os indígenas trouxeram de presente ao seu comandante, funcionário militar Barbalho, da família desse apelido, denominada de Aldeia Velha nas proximidades de Natal, cujo oficial então se achava em Goianinha incumbido daquele serviço de domesticar e dirigir os indígenas.


Bem acolhida pelo comandante Barbalho permaneceu a moça indígena em sua companhia, dessa promiscuidade resultando.


Desse consórcio de Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa com Antonia Clara Freire, em segundas núpcias fora o primeiro fruto do princípio do século passado (1810, segundo algumas opiniões) uma filha que, do nome do pai chamou-se Dionísia, em casa, porém apelidaram Nísia ou Nisea, segundo o costume entre nós de tratarem-se as crianças máxime do sexo feminino por diminutivo ou modificação abreviada do nome.


Tinha Dionísia atingido a puberdade, quando em acontecimento desastroso, entre o pai dessa e um vizinho induziu aquele a sair de Papary (Floresta) e vir com a família para São José de Mipibu, à pequena distância dali, onde instalaram-se na rua da Cadeia ou próxima a essa, deixando-a aí, transferiu-se logo à capitania de Alagoas, talvez para fugir a ação da justiça, sem que haja notícia de haver ele regressado;


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o nascimento de uma filha, a quem os pais criaram como sua própria que era, e Barbalho tratava como tal.


Depois de alguns anos de permanência ainda no exercício em Goianinha, tendo o mesmo Barbalho de retirar-se, e estando a filha já adulta, casou-a com tal Freire, como ela mestiço; porém de cor assaz escura, e antes de seguir o seu destino deu-lhes os meios suficientes de irem se mantendo.


Daquela união nasceram oito ou nove filhos, entre os quais Antonia Clara Freire, que foi a mãe de Dionísia Pinto, apelidada Nísea ou Nísia.


Não obstante ter ficado naquela Vila a mesma família, composta da consorte, da filha e de um filho menor. Tendo depois se transferido a Portugal, não consta também haver mais voltado. Entretanto a referida família permanecera em São José.


Naqueles tempos as festividades do culto, celebradas ali com certa pompa, tanto quanto o permitiam os recursos do meio pouco desenvolvido, atraiam da capital á mencionada vila moços ávidos dessas distrações, bem como da perspectiva de novas figuras que surgissem-lhes a apreciação.


Entre esses excursionistas vinha uma vez por outra o jovem Manoel Alexandre Gomes de Mello, filho ilegítimo do capitão mor José Alexandre Seabra de Mello e de uma cunhada, infeliz moça que, á falta de recursos pecuniários descurou da educação científica desse filho natural. Contudo, juntamente aos irmãos legítimos frequentou as escolas primarias, indo pouco além dos conhecimentos nelas proporcionados os que pudera adquirir.


Depois conseguiu empregar-se como porteiro da Tesouraria da Fazenda, talvez por onde um dos irmãos legítimos se achava colocado em categoria superior, sendo a família, aliás, bastante numerosa e importante nesta cidade.


Em suas excursões a São José veio a atrair Manoel Alexandre a Dionísia Pinto que, a sobraçar uma guitarra e a exibir-lhe os sons constituira-se em grande parte o enlevo dos excursionistas e particularmente daquelle moço que logo a pedira em casamento, e com quem se desposara pouco tempo depois, mesmo em São José de Mipibu no decurso do terceiro decênio passado.


Apenas consorciados vieram os recém-casados fixar sua residência nessa capital, vindo, também a mãe e o irmão de Dionísia residirem ali.


Chegando aquela ao domicilio de seu marido com os créditos de elegante, sem dúvida a dedilhar sua guitarra, tendo maior número de apreciadores, num meio mais culto e desenvolvido, não tardou muito a esquecer os votos feitos nas asas do matrimônio!


Deixou-se atrair pelos galanteios de Joaquim Xavier de Almeida, belo Adônis do seu tempo com a quem o infeliz consorte Manoel Alexandre a surpreendeu em flagrante adultério. Logo abandonou a casa.


Depois seguiu para o Maranhão, em cuja capital obteve, afinal modesta colocação.


Não deixava, entretanto de corresponder-se com alguns parentes e amigos em Natal, onde continuava em seus desvarios a esposa adúltera, sendo um desses amigos meu pai, o lente da Cadeira de Geometria do Ateneu Norte-rio-grandense Urbano Egydio S. C. Gondim de Albuquerque, com quem se havia Manoel Alexandre relacionado, desde pouco depois de ter vindo aquele do Recife a apor-se ao concurso da referida cadeira, no que sahiu-se distintamente triunfante.


Entretanto Dionísia Pinto, após haver exibido, sem rebuço na capital do Rio Grande do Norte a vida livre que adaptara resolveu transferir-se ao Recife, fantasiando talvez se lhe deparar nessa cidade campo mais vasto as suas expirações.


Munidas de carta de recomendação de alguns dos seus mais dedicados e assíduos frequentadores, especialmente de Marcos Antonio Bricio, comandante da companhia de guarnição em Natal para um moço bastante rico e dissoluto, filho de milionário comerciante naquela praça, Bento José da Costa, fretou uma jangada, o mais fácil e usado meio de transporte naquela época, entre os portos do Rio Grande do Norte e de Pernambuco, e embarcou-se com a família, constante da mãe e irmão de menor idade, indo aportar no Recife onde foram bem acolhidas as recomendações que levava.


O referido moço Costa Junior imediatamente á apresentação por Dionísia das cartas que fora portadora, alugou boa casa de sobrado para ela instalar-se, e tudo dispôs, do modo que após a chegada da sua recomendada ao Recife, surgiu na constelação de Vênus aí aquele astro de primeira grandeza cercado de uma auréola de esplendor e de luxo deslumbrantes, sob o pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira.


Ali então sua ostentação e imponência chegarão segundo a tradição a ponto de ter constantemente ao lado duas criadas vestidas com asseio, a fim de darem-lhe a mão quando queria levantar-se para receber as visitas que lhe eram anunciadas.


Entre essas visitas, ao que deixava-lhe certa liberdade o moço Costa Junior, a quem viera recomendada, tinha especial aceitação.


Marcos Antonio Briccio que, no seu caráter de militar havia sido transferido para o Recife, e que a nossa conterrânea jamais deixava de distinguir, talvez pela importante parte que ela havia tomado em sua vinda e sucesso na referida cidade.


Depois fora Dionísia se atraindo mais do que a outros frequentadores da casa ao jovem Augusto, natural do Rio Grande do Sul, estudante aí na Faculdade de Direito, a quem se atribui o arranjo de uma novela, ou antes, plágio que então apareceu, como sendo de sua composição, e cujos trechos tomados de obras diversas, eram ligados entre si por soldas segundo diziam os críticos feitas pelo referido estudante Augusto.


Este depois passou a viver em sua intimidade numa poética residência próxima ao rio Beberibe, onde se havia instalado Dionísia, deixando o bulício da cidade por esse aprazível subúrbio, cujos atrativos constituíram um ninho de fadas.


Aí, por auspícios daquele estudante foi ensaiando algumas composições metrificadas ligeiras que acordaram serem em seu nome.


De dia para dia achava-se Augusto mais atraído a essa mulher. Tendo completado os estudos e se bacharelado em Direito, de regresso ao Rio Grande do Sul, a província Natal, levou Dionísia em sua companhia e apresentou a família, como sua esposa D. Nísia Floresta Brasileira Augusta que foi bem recebida no seio daquela, continuando assim a viver prestigiado o casal, sem que alguém suspeitasse de sua identidade legal.


Dessa união clandestina veio a nascer-lhes uma filha de cuja legitimidade não pairava dúvida aí.


Tendo podido obter uma cadeira do ensino primário no interior da província para lecionar meninas, Dionísia Pinto, durante alguns anos exerceu ali o magistério público.


Então apareceu um livro sob sua responsabilidade de autora com o título – Conselhos a minha filha – tendo também tratado acerca do pouco desenvolvimento que se dava no país a educação da mulher.


Deixando de ensaiar e coberta do manto de viúva, após o falecimento do companheiro, suposto consorte, sob o mesmo pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta, de que, desde quando o iniciou, jamais prescindira, veio acompanhada da filha, a quem reuniu mãe e irmão para o Rio de Janeiro em cuja capital abriu uma escola ou colégio, externato para educação de meninas.


Nesse caráter, embora ostentado a gravidade da viuvez, contudo não renunciou a irregular conduta, continuou nos antigos desvarios, a princípio com certa velada reserva.


O infeliz Manoel Alexandre, o esposo ludibriado não havia, entretanto, esquecido a afronta que desde algum tempo lhe irrogara essa mulher dissoluta. Do retiro no Maranhão, a que se tinha voltado indagava dos seus passos e vivia deles mais ou menos a par.


Tendo notícia do novo enlace daquela, aspirou opor-lhe as disposições das leis contra crime da bigamia, então grandemente severas. Sempre, porém achando-se o referido Manoel Alexandre em dificuldades financeiras, não lhe foi possível, máxime pela longínqua distância do Maranhão para o Rio Grande do Sul empreender a viagem a essa província, a fim de denunciar e provar a criminalidade da ex-consorte.


Na impossibilidade de superar tais obstáculos resignou-se a deferir sua resolução para depois, quando se lhe deparasse ensejo propício.


Decorreram alguns anos, e Manoel Alexandre teve ciência de achar-se Dionísia com o pseudônimo adaptado a residir no Rio de Janeiro, sob o manto de viúva a ensinar no externato que havia aberto para educação de meninas. Sem mais deter-se, veio do Maranhão à sua província natal, o Rio Grande do Norte no intuito de munir-se dos necessários documentos, e mediante algum auxilio dos parentes em Natal, onde irmãos legítimos viviam vantajosamente colocados, obter os indispensáveis recursos para ir ao Rio de Janeiro dar a pretendida denúncia que havia longos anos o preocupava constantemente.


Dionísia Pinto, entretanto, tivera do Rio Grande do Norte aviso de estar o ex-consorte Manoel Alexandre para aquela capital onde provavelmente deveria trazer a ideia de oferecer a denúncia que tinha, sem dúvida de criminar, e, sobretudo desmoralizar a mesma Dionísia perante a sociedade, a que preocupava impôr-se.


Se lhe antolhavam dificuldades que eram preciso superar.


Justamente por esse tempo a família de um jovem filho do nosso poeta Luiz Guimarães também poeta e literato, a quem podera Dionísia atrair, querendo afastá-lo dessas relações dispôs e conseguiu que embarcasse para a Europa, como adido ou secretario de nossa Legação na Itália, (Florença) cuja partida ia-se efetuar em breve.


Então Dionísia Pinto que havia perdido a progenitora numa epidemia que grassara no Rio de Janeiro, após o que se fizera enfermeira em hospitais nessa cidade, durante alguns dias, achando-se com a família reduzida deliberou seguir também para aquele Continente acompanhada da filha, a pretexto de cuja educação aí onde somente existiam os preciosos meios de ministrá-la convenientemente, despediu a alunas e fechou o colégio, tomando em seguida passagem com os que partiam para a referida Legação.


Terminou a viagem, indo fixar a residência em Roma, depois se transferiu a Florença, durante algum tempo estabeleceu domicílio em Paris, onde se relacionou, além dos outros literatos com Augusto Comte, a quem se mostrava dedicada, e que a tratava com afetuosa familiaridade.


Viajou pelos diversos países da Europa com poucas exceções, sempre dirigida ou assessorada nessas excursões pelo jovem poeta e literato Guimarães Filho; comunicou diferentes cultores das letras e ciência, especialmente na França, Itália e Portugal; publicou como da sua composição em quase todas as línguas cultas da Europa diversas obras, sempre em estilo fluente, por vezes vigoroso e elevado, tanto em prosa, como em verso, segundo respeitável e esclarecida opinião de alguns de seus admiradores, talvez pouco escrupulosos na investigação da inexaurível fonte de tanta ciência e ilustração, sem que tivessem aquela que assim ostentava grandes conhecimentos feitos os precisos regulares estudos no torvelinho da vida agitada que levou dentro e fora do país, quase constante essa nossa conterrânea, conhecida, como acima disse pelo nome de Nísia Floresta Brasileira Augusta – pseudônimo do seu verdadeiro nome Dionísia Gonçalves Pinto.






I.Gondim






Natal, 2 de março de 1884







CARTA

ESCRITA

POR

ISABEL GONDIM

AOS

2 DE MARÇO

DE 1884

Transcrição

ipsis literis

"QUANDO A EMOÇÃO SUPERA A RAZÃO"


Com notas de rodapé por

Luis Carlos Freire


Nísia Floresta/RN – Out/1994

Nysia Floresta Brasileira Augusta

Notícia de sua individualidade

(Ao Sen. J.L.F.Souto) (1)



Satisfazendo o pedido que me endereçara de apontamentos sobre a vida e familia de nossa comprovinciana Nysia Floresta Brasileira Augusta (2), devo a bem da verdade dizer que a história de vida dessa mulher é de tal modo indecorosa que seria conveniente ficar sepultada entre nós e jamais transpôr as raias do Rio Grande do Norte, nossa tão presada terra natal (3).

Como, porém m’o exige, e se poderá extrahir dessas despretenciosas notas somente aquellas que não temos o dever de silenciar, passo a expôr succintamente quanto a respeito sei, desde a infancia da referida norte-riograndense, não só por tradição (4), como em particular pelas estreitas relações entre a minha e a sua família (5), ambas domiciliarias em terrenos de Papary (6), que era então insignificante lugarejo, fazendo parte da parochia de São José de Mipibú (7) (Villa), onde eram agremiados e doutrinados os indigenas.

Ha nos suburbios daquella povoação, hoje villa com a denominação de Imperial de Papary – um pequeno sítio de nome – Floresta o qual demora entre o referido lugarejo ou povoado e outros sítios próximos às margens do grande e belissimo lago denominado – Lagoa de Papary – que deu nome ao mesmo lugarejo, sendo sua origem - pam – pary – salto do peixe na expressão dos indígenas, do que a curruptela fez-se Papary.

Esbulhando da propriedade do mencionado sitio Floresta a uma enteada, cujo marido a perseguira, a ponto de a fazer embarcar para fóra da capitania, alli veio fixar sua residência o portugues Dionysio (8) Gonçalves Pinto Lisbôa, artista em ceramica do que deixou especimen numa estatuêta de pequena tapuya, sustendo na cabeça a pia de baptismo na igreja ou capella do povoado de Papary, homem tréfego e de máus instinctos (9) com quem passara ás segundas nupcias Antonia Clara Freire, da familia de Barbalhos em Goianinha (10), vulgarmente apellidada de Jundiá (11), nome de um pequeno rio que alli serpeia.

A origem dessa familia fôra uma linda rapariga indígena (12) que, no lugar denominado Tamatanduba (13), á alguma distancia da Barra de Cunhaú (14) havia sido presa em um antro ou furna de pedra com o auxilio de cães “a dente de cachorro”, a qual assim apprehendida os encarregados do serviço de domesticar os indigenas trouxeram de presente ao seu comandante, funccionario militar Barbalho, da familia desse appellido, denominada de Aldéa Velha nas proximidades de Natal, cujo official então se achava em Goianinha (15) incumbido daquelle serviço de domesticar e dirigir os indigenas.

Bem accolhida pelo commandante Barbalho permanecceu a moça indigena em sua companhia, dessa promiscuidade resultando.

Desse consorcio de Dionysio Gonçalves Pinto Lisbôa com Antonia Clara Freire, em segundas nupcias fôra o primeiro fructo do principio do seculo passado [1810, segundo algumas opiniões) uma filha que, do nome do pae chamou-se Dionysia, em casa, porém appellidaram Nysia ou Nisea, segundo o costume entre nós de tratarem-se as creanças maxime do sexo feminino por diminutivo ou modificação abreviada do nome.

Tinha Dionysia attingido a puberdade, quando um acontecimento desastroso, (16) entre o pae dessa e um visinho induziu áquelle a sahir de Papary (Floresta) e vir com a familia para São José de Mipibú, á pequena distancia d’alli, onde installaram-se na rua da Cadeia (17) ou proxima a essa, deixando-a ahi, transferiu-se logo à capitania de Alagoas, (18) talvez para fugir a acção da justiça (19), sem que haja noticia de haver elle regressado;

...............................................................................................................................

o nascimento de uma filha, a quem os paes crearam como sua propria que era, e Barbalho tratava como tal.

Depois de alguns annos de permanencia ainda no exercicio em Goianinha, tendo o mesmo Barbalho de retirar-se, e estando a filha já adulta, casou-a com um tal Freire, como ella mestiço; porém de côr assaz escura, e antes de seguir o seu destino deu-lhes os meios sufficientes de se irem mantendo.

Daquella união nasceram oito ou nove filhos, entre os quaes Antonia Clara Freire, que foi a mãe de Dionysia Pinto, apellidada Nysia ou Nisia.

Não obstante ter ficado naquella villa a mesma familia, composta da consorte, da filha e de um filho menor. Tendo depois se transferido a Portugal, não consta tambem haver mais voltado (20). Entretanto a referida familia permanecera em São José.

Naquelles tempos as festividades do culto, celebradas alli com certa pompa, tanto quanto o permittiam os recursos do meio pouco desenvolvido, attrahiam da capital á mencionada villa moços ávidos dessas distracções, bem como da perspectiva de novas figuras que surgissem-lhes a apreciação.

Entre esses excursionistas vinha uma vez por outra o jovem Manoel Alexandre Gomes de Mello (21), filho illegitimo do capitão mor José Alexandre Seabra de Mello e de uma cunhada, infeliz moça que, á falta de recursos pecuniarios descurou da educação scientifica desse filho natural. Com tudo, juntamente aos irmãos legitimos frequentou as escolas primarias, indo pouco além dos conhecimentos nellas proporcionados os que podera adquirir.

Depois conseguiu empregas-se (22) como porteiro da Thesouraria da Fazenda, talvez por onde um dos irmãos legitimos se achava collocado em cathegoria superior, sendo a familia, aliás bastante numerosa e importante nesta cidade.

Em suas excurções a São José veio a attrahir-se Manoel Alexandre a Dionysia Pinto que, a sobraçar uma guitarra (23) e a exhibir-lhe os sons (24) constituira-se em grande parte o enlevo dos excursionistas e particularmente daquelle moço que logo a pedira em casamento, e com quem se desposara pouco tempo depois, mesmo em São José de Mipibú no decurso do terceiro decennio passado (25).

Apenas consorciados vieram os recem-casados fixar sua residencia nessa capital, vindo, também a mãe e o irmão de Dionysia se residir ahi.

Chegando aquella aquella (26) ao domicilio de seu marido com os créditos de elegante, sem dúvida a dedilhar sua guitarra, tendo maior numero de apreciadores, num meio mais culto e desenvolvido, não tardou muito a esquecer os votos feitos na asas do matrimonio!

Deixou-se attrahir pelos galanteios de Joaquim Xavier d’Almeida, bello Adonis (27) do seu tempo com a quem o infeliz consorte Manoel Alexandre surprehendeu-a em flagrante adulterio... Logo abandonou a casa.

Depois seguiu para o Maranhão, em cuja capital obteve, afinal modesta collocação.

Não deixava, entretanto de corresponder-se com alguns parentes e amigos em Natal, onde continuava em seus desvarios a esposa adultera, sendo um desses amigos meu pae (28), o lente (29) da Cadeira de Geometria do Atheneu Norte-rio-grandense (30) Urbano Egydio S. C. Gondim d’Albuquerque (31) com quem se havia Manoel Alexandre relacionado, desde pouco depois de ter vindo aquelle do Recife a appôr-se ao concurso da referida cadeira, no que sahiu-se distintamente triunphante (32).

Entretanto Dionysia Pinto, apos haver exhibido, sem rebuço na capital do Rio Grande do Norte a vida livre (33) que adaptara resolveu transferir-se ao Recife, phantasiando talvez se lhe deparar nessa cidade campo mais vasto as suas expirações (34).

Munidas de carta de recommendação de alguns dos seus mais dedicados e assiduos frequentadores especialmente de Marcos Antonio Bricio commandante da companhia de guarnição em Natal para um moço bastante rico e dissoluto, filho do milionario, comerciante naquella praça Bento José da Costa, fretou uma jangada, o mais facil e usado meio de transporte naquella epoca, entre os portos do Rio Grande do Norte e de Pernambuco, e embarcou-se com a familia, constante da mãe e irmão de menor idade, indo aportar no Recife onde foram bem accolhidas as recommendações que levava.

O referido moço Costa Junior immediatamente á apresentação por Dionysia das cartas que fôra portadôra alugou boa casa de sobrado para ella installar-se, e tudo dispos, do modo que após a chegada da sua recommendada ao Recife, surgiu na constelação de Vênus (35) ahi aquelle astro de primeira grandeza cercado de uma aureola de esplendor e de luxo deslumbrante, sob o pseudonymo de Nysia Floresta Brasileira.

Alli então sua ostentação e imponencia chegará, segundo á tradição a ponto de ter constantemente aos lados duas criadas vestidas com asseio, a fim de darem-lhe a mão quando queria levantar-se para receber as visitas que eram-lhe anunciadas.

Entre essas visitas, ao que deixava-lhe certa liberdade o moço Costa Junior a quem viera recommendada, tinha especial acceitação.

Marcos Antonio Briccio que, no seu caracter de militar havia sido transferido para o Recife, e que a nossa conterranea jamais deixava de distinguir, talvez pela importante parte que ella havia tomado em sua vinda e sucesso na referida cidade.

Depois fora Dionysia se attrahindo mais do que a outros frequentadores da casa ao jovem Augusto, natural do Rio Grande do Sul (36), estudante ahi na Faculdade de Direito, a quem se attribue o arranjo de uma novella ou antes plagio que então appareceu, como sendo de sua composição, e cujos trechos tomados de obras diversas, eram ligados entre si por soldas segundo diziam os criticos feitas pelo referido estudante Augusto (37).

Este depois passou a viver em sua intimidade numa poetica residencia proxima ao rio Biberibe (38), onde se havia installado Dionysia, deixando o bulicio da cidade por esse aprazivel suburbio, cujos attractivos constituiram-lhe um ninho de fadas (39).

Ahi, por auspicios daquelle estudante foi ensaiando algumas composições metrificadas ligeiras que accordaram serem em seu nome (40).

De dia para dia achava-se Augusto mais attrahido a essa mulher. Tendo completado os estudos e se bacharelado em Direito, de regresso ao Rio Grande do Sul, a provincia Natal, levou Dionysia em sua companhia e apresentou a familia, como sua esposa D. Nysia Floresta Brasileira Augusta que foi bem recebida no seio daquella, continuando assim a viver prestigiado o casal, sem que alguém suspeitasse de sua identidade legal (41).

Dessa união clandestina veio a nascer-lhes uma filha de cuja legitimidade não pairava duvida ahi (42).

Tendo podido obter uma cadeira (43) do ensino primario no interior da provincia para leccionar meninas, Dionysia Pinto, durante alguns annos exerceu alli o magistério público (44).

Então appareceu um livro sob sua responsabilidade de autôra com o título – Conselhos a minha filha – tendo também tratado ácerca do pouco desenvolvimento que dava-se no paiz a educação da mulher.

Deixando de ensaiar e coberta do manto de viuva, após o fallecimento do companheiro, supposto consorte, sob o mesmo pseudonymo de Nysia Floresta Brasileira Augusta, de que, desde quando o iniciou, jamais prescindira, veio acompanhada da filha, a quem reuniu mãe e irmão para o Rio de Janeiro em cuja capital abriu uma escola ou collegio, externato para educação de meninas.

Nesse caracter, embora ostentado a gravidade da viuvez, contudo não renunciou a irregular conducta, continuou nos antigos desvarios, a principio com certa velada reserva (45).

O infeliz Manoel Alexandre, o esposo ludibriado não havia, entretanto esquecido a affronta que desde algum tempo lhe irrogara essa mulher dissoluta. Do retiro no Maranhão, a que se tinha voltado indagava dos seus passos e vivia delles mais ou menos a par (46).

Tendo noticia do novo enllace daquella, aspirou oppor-lhe as disposições das leis contra crime da bigamia, então grandemente severas. Sempre, porem achando-se o referido Manoel Alexandre em difficuldades financeiras, não lhe foi possível, maxime pela longincua distancia do Maranhão para o Rio Grande do Sul emprehender a viagem á essa província, afim denuncias e provas a criminalidade da ex-consorte.

Na impossibilidade de superar taes obstaculos resignou-se a deferir sua resolução para depois, quando se lhe deparasse ensejo propicio.

Decorreram alguns annos, e Manoel Alexandre teve sciencia de achar-se Dionysia com o pseudônimo adaptado a residir no Rio de Janeiro, sob o manto de viuva a ensinar no externato que havia aberto para educação de meninas. Sem mais deter-se, veio do Maranhão á sua provincia natal, o Rio Grande do Norte no intuito de munir-se dos necessarios documentos, e mediante algum algum (47)) auxilio dos parentes em Natal, onde irmãos legitimos viviam vantajosamente collocados, obter os indispensaveis recursos para ir ao Rio de Janeiro dar a pretendida denuncia que havia longos annos o preocupava constantemente (48).

Dionysia Pinto, entretanto, tivera do Rio Grande do Norte aviso de estar o ex-consorte Manoel Alexandre para aquella capital onde provavelmente deveria trazer a idéa de offerecer a denuncia que tinha, sem duvida de criminar, e sobre tudo desmoralizar a mesma. Dionysia, perante a sociedade, a que preocupava impôr-se.

Se lhe antolhavam difficuldades que eram preciso superar.

Justamente por esse tempo a familia de um jovem filho do nosso poeta Luiz Guimarães também poeta e literato, a quem podera Dionysia attrahir, querendo afastal-o dessas relações dispos e conseguiu que embarcasse para a Europa, como addido ou secretario de nossa Legação na Italia, (Florença) cuja partida ia-se efecttuar em breve.

Então Dionysia Pinto que havia perdido a progenitora numa epidemia que grassara no Rio de Janeiro, após o que se fizera enfermeira em hospitaes nessa cidade, durante alguns dias, achando-se com a familia reduzida deliberou seguir tambem para aquelle Continente acompanhada da filha, a pretexto de cuja educação ahi onde somente existiam os preciosos meios de ministral-a convenientemente, despediu a alumnas e fechou o collegio, tomando em seguida passagem com os que partiam para a referida Legação (49).

Terminou a viagem, indo fixar a residencia em Roma, depois transferiu-se a Florença, durante algum tempo estabeleceu domicilio em Paris, onde relacionou-se, além dos outros litteratos com Augusto Conti (50), a quem si mostrava dedicada, e que a tratava com affectuosa familiaridade.

Viajou pelos diversos paises da Europa com poucas excepções, sempre dirigida ou assessoriada nessas excurções pelo jovem poeta e literato Guimarães Filho; communicou differentes cultores da lettras e sciencias, especialmente em França, Itália e Portugal; publicou como da sua composição em quase todas as linguas cultas da Europa diversas obras (51), sempre em estylo fluente, por vezes vigoroso e elevado, tanto em prosa, como em verso segundo respeitavel e esclarecida opinião de alguns de seus admiradores, talvez pouco escrupulosos na investigação da inexhaurivel fonte de tanta sciencia e illustração, sem que tivessem aquella que assim ostentava grandes conhecimentos feitos os precisos regulares estudos no torvelinho da vida agitada que levou dentro e fóra do paiz (52), quasi constante essa nossa conterranea, conhecida, como acima disse pelo nome de Nysia Floresta Brasileira Augusta – pseudonymo do seu verdadeiro nome Dionysia Gonçalves Pinto.



I.Gondim



Natal, 2 de março de 1884 (53)





1. Sen. J.L.F.Souto – Não se sabe até hoje sobre a identidade dessa pessoa.



2. Nessa introdução observa-se que Isabel Gondim está respondendo a uma carta, a qual solicitava “apontamentos sobre a vida e família” de Nísia Floresta.



3. Já no primeiro parágrafo Isabel Gondim demonstra desprezo à sua conterrânea, escrevendo que a sua história de vida era “indecorosa” e devia ficar sepultada no próprio estado.



4. Aqui a autora deixa claro conhecer a história de Nísia Floresta por “tradição”, ou seja, pelo “ouvi dizer” que foi construído ao longo do tempo, sob o tirano preconceito e os tabus que se instalavam sobre as mulheres. Certamente ela ouviu as piores opiniões.



5. As “estreitas relações” que Isabel Gondim informa existir entre a sua família e a de Nísia Floresta é uma incógnita, pois, como se verá mais adiante, na mesma carta, ela informa que o pai de Nísia Floresta era um “português de maus instintos”. O fato de Isabel Gondim ter nascido numa família conservadora e detentora dos típicos tabus e preconceitos da época torna-se incompreensível entender como duas famílias tão diferentes tinham “estreitas relações”. Outro detalhe é que a autora da carta nasceu 29 anos após o nascimento de Nísia Floresta e nunca a viu.



6. Papari: nome original do atual município de Nísia Floresta e de lagoa de nome homônimo, situada na região. Significa “salto de peixe” em língua tupi, segundo Luis da câmara Cascudo. Logo à frente a autora escreve entre parênteses “Villa”, pois a denominação do lugar era Villa Imperial de Papari.



7. São José de Mipibu, antes Villa de São José de Mipibu, dista 4 quilômetros de Nísia Floresta.



8. A grafia correta é Dionísio.



9. Esses adjetivos depreciativos descompatibilizam os fatos que acercam o Sr. Dionísio. A atitude de ele ser autorizado pelas autoridades clericais a colocar uma escultura de sua autoria na sacristia da Igreja de Papari revela a sua idoneidade. Seu assassinato, em Recife, em 1828, deu-se após ele ter vencido uma causa judicial, denotando o seu profissionalismo. Ao longo de seus livros, Nísia Floresta enaltece o caráter do pai e se derrama em saudades. Esses elementos factuais externam um homem idôneo, diferente do que diz Isabel Gondim, a qual denigre toda a família de sua conterrânea.



10. A família de d. Antonia Clara Freire era originária de Goianinha.



11. Topônimo vulgar que significa em tupi “a cabeça armada de barbatanas” (iu-ndi-á). Peixe de água doce platystoma spatula. (TS)



12. Numa de suas Actas Diurnas Câmara Cascudo tece o novelo genealógico da família de Nísia Floresta, apresenta os nomes dos avós de d. Antonia Freire e descobre que era seu parente. Embora não seja demérito afirmar que d. Antonia Clara Freire tenha descendência indígena, Cascudo não informa esse detalhe, o qual parece improvável diante dos traços fisionômicos de Nísia Floresta e de seu filho, cuja aparência lembra muito d. Pedro II. Isabel Gondim parece ter querido comprometer a história, pois até pouco tempo uma das formas de depreciar uma pessoa era compará-la a índios.



13. Povoação em Pedro Velho (RN). De tamatan-tiba, e lugar dos tamuatás, o peixe cataphractus callicythys. O município de Pedro Velho situa-se próximo de Nísia Floresta.



14. Povoação na foz atlântica, situada no município de Canguaretama. De cunha-u: bebedouro das mulheres.



15. Município muito próximo de Nísia Floresta, onde está situada a internacionalmente conhecida praia de Pipa. De guai-ana: abundância de carangueijos, e o sufixo português inha; a Pequena Goiana, distinguindo-a de Goiana Grande, de Pernambuco.



16. Nísia Floresta, que fez referências às perseguições de cunho político movidas contra seu pai, em Papari, e ao seu assassinato, em Olinda, faz outras alusões a ele e a sua “deliciosa Floresta”, inclusive menciona seus passeios na lagoa Papari. Pelo seu estilo é possível entender que ela teria explicitado o fato, acaso tenha ocorrido e, diferente do cunho nostálgico ufanista como se refere ao local, teria demonstrado ojeriza à região.



17. A Cadeia (Casa de Câmara e Cadeia, conforme a denominação da época), hoje demolida, situava-se no local onde encontra-se atualmente um sobrado de esquina, defronte à praça e à Igreja Matriz.



18. Dionísio Gonçalves Pinto nunca esteve em Alagoas.



19. Como era comum à Nísia Floresta, o leitor descobre muito da autora lendo sua obra e as entrelinhas. Em seus escritos ela comenta que seu pai era constantemente perseguido por questões políticas, mas na historiografia norte-riograndense não existe registro sobre tal informação.



20. Isabel Gondim comete mais um equívoco, pois o pai de Nísia Floresta nunca abandonou a família e jamais retornou para Portugal.



21. Trata-se de equívoco. Seu nome original era Manuel Alexandre Seabra de Melo.



22. A escrita original está dessa forma, cujo sentido é empregar-se.



23. Nísia Floresta nunca informou essa afinidade com a guitarra. Isabel Gondim, ao tecer esse retrato singular, parece querer dar uma aparência vulgar a sua conterrânea, pois sabe-se que esse comportamento, como retrataria mais tarde Chiquinha Gonzaga, passava uma imagem promíscua da mulher.



24. Após muitos anos alguns pesquisadores que escreveram sobre a carta de Isabel Gondim ajudaram a engrossar o caldo do preconceito e da má interpretação, pois transcreveram essa palavra como “seio”, em vez de “sons”.



25. A carta original traz a palavra repetida.



26. Ambos se casaram em 1823, tendo Nísia Floresta 13 anos. Esse comportamento era comum na época, embora não configurava uma união como as tradicionais, envolvendo “casamento acertado pelos pais”. Pelo que se percebe Nísia Floresta apaixonou-se, optou pelo casamento e obteve o apoio dos pais.



27. Personagem da mitologia grega, a qual possuía rara beleza. Filho de Cíniras e de Mirra. A autora procura evidenciar o grau elevado de beleza da pessoa citada comparando-o a Adônis, sem acentuá-lo.



28. Isabel parece esquecer que a carta que legaria ao futuro deixaria uma infinidade de contradições. Conforme vemos na nota nº 3 do primeiro parágrafo, a autora sugere que o nome de Nísia Floresta seja sepultado devido a sua vida indecorosa (que significa promíscua). Na 5ª nota do 2º parágrafo ela informa que ambas famílias mantinham estreitas relações, e nesse parágrafo diz, num tom de duplo sentido, que Nísia Floresta e seu pai eram amigos. Sem querem a autora coloca seu pai no rol de um homem promíscuo, quebrando, pois, todo o seu moralismo impresso na carta.



29. Lente: vocábulo em desuso que significa “professor”.



30. O Colégio Estadual do Atheneu Norteriograndense foi fundado no Século XIX, em 03/02/1834, época em que o Brasil era uma Monarquia, pelo então Presidente da Província: Basílio Quaresma Torreão, que também foi o seu Primeiro Diretor-Geral. O Colégio Estadual do Atheneu Norteriogradense é, assim, a mais antiga e tradicional Instituição Escolar, fundado antes mesmo do colégio D.Pedro II no Rio de Janeiro. Basílio Quaresma Torreão tinha como objetivo reunir em um único prédio, as chamadas Cadeira da Humanidade, as cinco Aulas Maiores (Filosofia, Retórica, geometria, francês e latim), antes autônomas com sedes independentes.



31. Nasceu em Recife (1.9.1806), filho de Joaquim Moreira da Silva Costa e de Joaquina Gonçalves da Cruz. Estudou na Academia Real da Marinha. Deixou a carreira militar em virtude do falecimento do seu pai, indo residir com a mãe e os irmãos em sua terra. Nesse período, trabalhou no comércio. Tempos depois veio para o Rio Grande do Norte. Associando-se a dois amigos, um dos quais Basílio Quaresma Torreão, instalou uma tipografia (1832) no centro de Natal ali passando a imprimir o primeiro jornal da cidade – “O Natalense” -, fundado pelo Pe. Brito Guerra. Em poucos meses foi inaugurado o Atheneu Norte-Riograndense e ele, por concurso assumiu a disciplina de Geometria.. Afastado do ensino dedicou-se às letras e ao jornalismo. Casou-se com d. Isabel Deolinda de Melo e Albuquerque Gondim, em 1836, de cuja união nasceram oito filhos. Faleceu em Natal em 24 de outubro de 1883, sendo sepultado no cemitério do Alecrim, em Natal/RN.



32. Pouco tempo depois de começar a dar aulas no Atheneu, o pai de Isabel Gondim desentendeu-se com o Presidente da Província de então, Silva Lisboa, levando-o à exoneração sumária



33. Com essa expressão, que conserva até hoje a mesma acepção, ou seja, vida promíscua, Isabel Gondim reforça mais uma vez a impressão vulgar que sempre nutriu acerca da sua conterrânea.



34. Aqui ela reforça a idéia da promiscuidade que atribuía a Nísia Floresta, deduzindo que sua conterrânea imaginava encontrar ambiente mais adequado para vivenciar a vulgaridade.



35. Planeta mais próximo da Terra. É o corpo mais brilhante do céu depois da Lua. A autora usa a comparação para demonstrar o quanto a imagem física e social de Nísia Floresta causava impacto, colocando-a como mais um astro dentre uma constelação.



36. Diferente do que Isabel Gondim informa, Manuel Augusto de Faria Rocha nasceu em Goiana (PE). Era filho de Manuel Gonçalves de Farias e Joana Sofia do Amaral.



37. Aqui Isabel Gondim tenta confundir o leitor, pois as novelas que Nísia Floresta escreveu foram desacompanhadas do marido, que havia falecido quando ela se enveredou por esse gênero textual. Supostamente Isabel Gondim traz uma concepção defendida há pouco tempo acerca de Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens (que não se trata de novela), na qual se afirma que tal livro era plágio de um plágio. Esse assunto o leitor poderá ver detalhes nesse mesmo blog, no artigo intitulado “Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens: Plágio?”.



38. A grafia original do rio é Beberibe.



39. Numa sequência de amantes atribuídos a Nísia Floresta, Isabel Gondim não polpa a apresentação de novos nomes, sempre de forma irônica.



40. Embora não existam registros desse casamento, sabe-se que realmente eles se uniram e foram para Porto Alegre (RS), acompanhados por Lívia, Maria Isabel e d. Antonia Freire, mas Joaquim permaneceu no Pernambuco para concluir o curso de Direito.



41. Aqui Isabel Gondim acusa Nísia Floresta de assinar livros escritos pelo marido, embora ele já estivesse morto.



42. Lívia Augusta de Farias Rocha, filha de Nísia Floresta, nascida aos 12 de janeiro de 1830, em Olinda, ou seja, antes de o casal ir para o Rio Grande do Sul.



43. Vocábulo em desuso para designar “vaga de professora”.



44. Embora sabe-se que Nísia Floresta reeditou e publicou livros e artigos jornalísticos em Porto Alegre/RS e atuou como professora de meninas na capital gaúcha, nunca foram encontrados documentos que comprovem sua atuação docente, embora seja uma afirmação de Roberto Seidl com grande possibilidade de ser verídica, tendo em vista sua abnegação a educação da mulher. É possível que ela tenha atuado em alguma escola para meninas, mas não há registros. Era comum na época professoras lecionarem em suas residências.



45. Isabel Gondim, que nasceu 29 anos após Nísia Floresta, se comporta como acompanhante de sua conterrânea, sabendo todos os seus passos, inclusive detalhes criados por ela,insistindo na idéia de uma Nísia Floresta de vida promíscua.



46. Não se sabe se essa sucessão de detalhes sobre o itinerário do primeiro marido de Nísia Floresta são verdadeiras, nem como Isabel Gondim as tenha obtido.



47. A carta original traz a palavra repetida



48. Naquela época as leis matrimoniais, muito diferentes das atuais, davam ao homem o direito de exigir que a esposa retornasse ao lar à força. É possível que Manuel Alexandre Seabra de Melo, o primeiro marido de Nísia Floresta, inconformado com a separação, tenha realmente tentado viver no seu encalço. A informação de “bigamia”, dita por Isabel Gondim faz supor que o segundo casamento de Nísia Floresta não se deu via cartorial.



49. Há uma sucessão de informações deturpadas ao longo desses parágrafos. Nísia Floresta viajou pela primeira vez a Europa em 1849 ao lado dos filhos, Lívia e Augusto, d. Antonia e sua irmã Clara. Na lista de passageiros não há registros do cidadão informado por Isabel Gondim. Foi num de seus retornos ao Brasil, quando vivia na Europa apenas com a filha, que Nísia Floresta visitou sua mãe, a qual faleceria pouco tempo depois vitimada pela cólera morbus, o que a motivou fazer-se de enfermeira em sua homenagem. Mas depois ela retornou para a Europa com Lívia. O fechamento do Colégio Augusto não se deu ao mesmo tempo em que a mãe de Nísia Floresta faleceu nem coincidiu com a sua primeira viagem ao Velho Continente.



50. Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (Montpellier, 19 de janeiro de 1798 — Paris, 5 de setembro de 1857) foi um filósofo francês, fundador da Sociologia e do Positivismo. A grafia original francesa é Auguste Comte, e aportuguesando escreve-se Augusto Comte, o qual manteve fortes laços de amizade com Nísia Floresta e Lívia Augusta.



51. Isabel Gondim reforça aqui a sua ideia de que Nísia Floresta publicava plágio.



52. Mais uma vez Isabel Gondim alimenta a idéia de que Nísia Floresta não era autora dos livros que escrevia. Aqui ela sustenta sua tese no fato de Nísia Floresta nunca ter estudado.



53. Nísia Floresta morreu aos 24 de abril de 1885, um ano e um mês após a composição dessa carta. Supostamente ela jamais tomou conhecimento que uma sua conterrânea, a qual jamais soube da existência, nutria por ela tamanho sentimento de repúdio, a ponto de significar o documento que daria origem a diversas calúnias que se seguiriam ao longo das décadas.
















CARTA


ESCRITA


POR


ISABEL GONDIM


AOS


2 DE MARÇO


DE 1884


Transcrição


ipsis literis










Com notas de rodapé por


Luis Carlos Freire










































Nísia Floresta/RN – 1994


Nysia Floresta Brasileira Augusta


Notícia de sua individualidade


(Ao Sen. J.L.F.Souto) (1)






Satisfazendo o pedido que me endereçara de apontamentos sobre a vida e familia de nossa comprovinciana Nysia Floresta Brasileira Augusta (2), devo a bem da verdade dizer que a história de vida dessa mulher é de tal modo indecorosa que seria conveniente ficar sepultada entre nós e jamais transpôr as raias do Rio Grande do Norte, nossa tão presada terra natal (3).


Como, porém m’o exige, e se poderá extrahir dessas despretenciosas notas somente aquellas que não temos o dever de silenciar, passo a expôr succintamente quanto a respeito sei, desde a infancia da referida norte-riograndense, não só por tradição (4), como em particular pelas estreitas relações entre a minha e a sua família (5), ambas domiciliarias em terrenos de Papary (6), que era então insignificante lugarejo, fazendo parte da parochia de São José de Mipibú (7) (Villa), onde eram agremiados e doutrinados os indigenas.


Ha nos suburbios daquella povoação, hoje villa com a denominação de Imperial de Papary – um pequeno sítio de nome – Floresta o qual demora entre o referido lugarejo ou povoado e outros sítios próximos às margens do grande e belissimo lago denominado – Lagoa de Papary – que deu nome ao mesmo lugarejo, sendo sua origem - pam – pary – salto do peixe na expressão dos indígenas, do que a curruptela fez-se Papary.


Esbulhando da propriedade do mencionado sitio Floresta a uma enteada, cujo marido a perseguira, a ponto de a fazer embarcar para fóra da capitania, alli veio fixar sua residência o portugues Dionysio (8) Gonçalves Pinto Lisbôa, artista em ceramica do que deixou especimen numa estatuêta de pequena tapuya, sustendo na cabeça a pia de baptismo na igreja ou capella do povoado de Papary, homem tréfego e de máus instinctos (9) com quem passara ás segundas nupcias Antonia Clara Freire, da familia de Barbalhos em Goianinha (10), vulgarmente apellidada de Jundiá (11), nome de um pequeno rio que alli serpeia.


A origem dessa familia fôra uma linda rapariga indígena (12) que, no lugar denominado Tamatanduba (13), á alguma distancia da Barra de Cunhaú (14) havia sido presa em um antro ou furna de pedra com o auxilio de cães “a dente de cachorro”, a qual assim apprehendida os encarregados do serviço de domesticar os indigenas trouxeram de presente ao seu comandante, funccionario militar Barbalho, da familia desse appellido, denominada de Aldéa Velha nas proximidades de Natal, cujo official então se achava em Goianinha (15) incumbido daquelle serviço de domesticar e dirigir os indigenas.


Bem accolhida pelo commandante Barbalho permanecceu a moça indigena em sua companhia, dessa promiscuidade resultando.


Desse consorcio de Dionysio Gonçalves Pinto Lisbôa com Antonia Clara Freire, em segundas nupcias fôra o primeiro fructo do principio do seculo passado [1810, segundo algumas opiniões) uma filha que, do nome do pae chamou-se Dionysia, em casa, porém appellidaram Nysia ou Nisea, segundo o costume entre nós de tratarem-se as creanças maxime do sexo feminino por diminutivo ou modificação abreviada do nome.


Tinha Dionysia attingido a puberdade, quando um acontecimento desastroso, (16) entre o pae dessa e um visinho induziu áquelle a sahir de Papary (Floresta) e vir com a familia para São José de Mipibú, á pequena distancia d’alli, onde installaram-se na rua da Cadeia (17) ou proxima a essa, deixando-a ahi, transferiu-se logo à capitania de Alagoas, (18) talvez para fugir a acção da justiça (19), sem que haja noticia de haver elle regressado;


...............................................................................................................................


o nascimento de uma filha, a quem os paes crearam como sua propria que era, e Barbalho tratava como tal.


Depois de alguns annos de permanencia ainda no exercicio em Goianinha, tendo o mesmo Barbalho de retirar-se, e estando a filha já adulta, casou-a com um tal Freire, como ella mestiço; porém de côr assaz escura, e antes de seguir o seu destino deu-lhes os meios sufficientes de se irem mantendo.


Daquella união nasceram oito ou nove filhos, entre os quaes Antonia Clara Freire, que foi a mãe de Dionysia Pinto, apellidada Nysia ou Nisia.


Não obstante ter ficado naquella villa a mesma familia, composta da consorte, da filha e de um filho menor. Tendo depois se transferido a Portugal, não consta tambem haver mais voltado (20). Entretanto a referida familia permanecera em São José.


Naquelles tempos as festividades do culto, celebradas alli com certa pompa, tanto quanto o permittiam os recursos do meio pouco desenvolvido, attrahiam da capital á mencionada villa moços ávidos dessas distracções, bem como da perspectiva de novas figuras que surgissem-lhes a apreciação.


Entre esses excursionistas vinha uma vez por outra o jovem Manoel Alexandre Gomes de Mello (21), filho illegitimo do capitão mor José Alexandre Seabra de Mello e de uma cunhada, infeliz moça que, á falta de recursos pecuniarios descurou da educação scientifica desse filho natural. Com tudo, juntamente aos irmãos legitimos frequentou as escolas primarias, indo pouco além dos conhecimentos nellas proporcionados os que podera adquirir.


Depois conseguiu empregas-se (22) como porteiro da Thesouraria da Fazenda, talvez por onde um dos irmãos legitimos se achava collocado em cathegoria superior, sendo a familia, aliás bastante numerosa e importante nesta cidade.


Em suas excurções a São José veio a attrahir-se Manoel Alexandre a Dionysia Pinto que, a sobraçar uma guitarra (23) e a exhibir-lhe os sons (24) constituira-se em grande parte o enlevo dos excursionistas e particularmente daquelle moço que logo a pedira em casamento, e com quem se desposara pouco tempo depois, mesmo em São José de Mipibú no decurso do terceiro decennio passado (25).


Apenas consorciados vieram os recem-casados fixar sua residencia nessa capital, vindo, também a mãe e o irmão de Dionysia se residir ahi.


Chegando aquella aquella (26) ao domicilio de seu marido com os créditos de elegante, sem dúvida a dedilhar sua guitarra, tendo maior numero de apreciadores, num meio mais culto e desenvolvido, não tardou muito a esquecer os votos feitos na asas do matrimonio!


Deixou-se attrahir pelos galanteios de Joaquim Xavier d’Almeida, bello Adonis (27) do seu tempo com a quem o infeliz consorte Manoel Alexandre surprehendeu-a em flagrante adulterio... Logo abandonou a casa.


Depois seguiu para o Maranhão, em cuja capital obteve, afinal modesta collocação.


Não deixava, entretanto de corresponder-se com alguns parentes e amigos em Natal, onde continuava em seus desvarios a esposa adultera, sendo um desses amigos meu pae (28), o lente (29) da Cadeira de Geometria do Atheneu Norte-rio-grandense (30) Urbano Egydio S. C. Gondim d’Albuquerque (31) com quem se havia Manoel Alexandre relacionado, desde pouco depois de ter vindo aquelle do Recife a appôr-se ao concurso da referida cadeira, no que sahiu-se distintamente triunphante (32).


Entretanto Dionysia Pinto, apos haver exhibido, sem rebuço na capital do Rio Grande do Norte a vida livre (33) que adaptara resolveu transferir-se ao Recife, phantasiando talvez se lhe deparar nessa cidade campo mais vasto as suas expirações (34).


Munidas de carta de recommendação de alguns dos seus mais dedicados e assiduos frequentadores especialmente de Marcos Antonio Bricio commandante da companhia de guarnição em Natal para um moço bastante rico e dissoluto, filho do milionario, comerciante naquella praça Bento José da Costa, fretou uma jangada, o mais facil e usado meio de transporte naquella epoca, entre os portos do Rio Grande do Norte e de Pernambuco, e embarcou-se com a familia, constante da mãe e irmão de menor idade, indo aportar no Recife onde foram bem accolhidas as recommendações que levava.


O referido moço Costa Junior immediatamente á apresentação por Dionysia das cartas que fôra portadôra alugou boa casa de sobrado para ella installar-se, e tudo dispos, do modo que após a chegada da sua recommendada ao Recife, surgiu na constelação de Vênus (35) ahi aquelle astro de primeira grandeza cercado de uma aureola de esplendor e de luxo deslumbrante, sob o pseudonymo de Nysia Floresta Brasileira.


Alli então sua ostentação e imponencia chegará, segundo á tradição a ponto de ter constantemente aos lados duas criadas vestidas com asseio, a fim de darem-lhe a mão quando queria levantar-se para receber as visitas que eram-lhe anunciadas.


Entre essas visitas, ao que deixava-lhe certa liberdade o moço Costa Junior a quem viera recommendada, tinha especial acceitação.


Marcos Antonio Briccio que, no seu caracter de militar havia sido transferido para o Recife, e que a nossa conterranea jamais deixava de distinguir, talvez pela importante parte que ella havia tomado em sua vinda e sucesso na referida cidade.


Depois fora Dionysia se attrahindo mais do que a outros frequentadores da casa ao jovem Augusto, natural do Rio Grande do Sul (36), estudante ahi na Faculdade de Direito, a quem se attribue o arranjo de uma novella ou antes plagio que então appareceu, como sendo de sua composição, e cujos trechos tomados de obras diversas, eram ligados entre si por soldas segundo diziam os criticos feitas pelo referido estudante Augusto (37).


Este depois passou a viver em sua intimidade numa poetica residencia proxima ao rio Biberibe (38), onde se havia installado Dionysia, deixando o bulicio da cidade por esse aprazivel suburbio, cujos attractivos constituiram-lhe um ninho de fadas (39).


Ahi, por auspicios daquelle estudante foi ensaiando algumas composições metrificadas ligeiras que accordaram serem em seu nome (40).


De dia para dia achava-se Augusto mais attrahido a essa mulher. Tendo completado os estudos e se bacharelado em Direito, de regresso ao Rio Grande do Sul, a provincia Natal, levou Dionysia em sua companhia e apresentou a familia, como sua esposa D. Nysia Floresta Brasileira Augusta que foi bem recebida no seio daquella, continuando assim a viver prestigiado o casal, sem que alguém suspeitasse de sua identidade legal (41).


Dessa união clandestina veio a nascer-lhes uma filha de cuja legitimidade não pairava duvida ahi (42).


Tendo podido obter uma cadeira (43) do ensino primario no interior da provincia para leccionar meninas, Dionysia Pinto, durante alguns annos exerceu alli o magistério público (44).


Então appareceu um livro sob sua responsabilidade de autôra com o título – Conselhos a minha filha – tendo também tratado ácerca do pouco desenvolvimento que dava-se no paiz a educação da mulher.

Deixando de ensaiar e coberta do manto de viuva, após o fallecimento do companheiro, supposto consorte, sob o mesmo pseudonymo de Nysia Floresta Brasileira Augusta, de que, desde quando o iniciou, jamais prescindira, veio acompanhada da filha, a quem reuniu mãe e irmão para o Rio de Janeiro em cuja capital abriu uma escola ou collegio, externato para educação de meninas.


Nesse caracter, embora ostentado a gravidade da viuvez, contudo não renunciou a irregular conducta, continuou nos antigos desvarios, a principio com certa velada reserva (45).


O infeliz Manoel Alexandre, o esposo ludibriado não havia, entretanto esquecido a affronta que desde algum tempo lhe irrogara essa mulher dissoluta. Do retiro no Maranhão, a que se tinha voltado indagava dos seus passos e vivia delles mais ou menos a par (46).


Tendo noticia do novo enllace daquella, aspirou oppor-lhe as disposições das leis contra crime da bigamia, então grandemente severas. Sempre, porem achando-se o referido Manoel Alexandre em difficuldades financeiras, não lhe foi possível, maxime pela longincua distancia do Maranhão para o Rio Grande do Sul emprehender a viagem á essa província, afim denuncias e provas a criminalidade da ex-consorte.


Na impossibilidade de superar taes obstaculos resignou-se a deferir sua resolução para depois, quando se lhe deparasse ensejo propicio.


Decorreram alguns annos, e Manoel Alexandre teve sciencia de achar-se Dionysia com o pseudônimo adaptado a residir no Rio de Janeiro, sob o manto de viuva a ensinar no externato que havia aberto para educação de meninas. Sem mais deter-se, veio do Maranhão á sua provincia natal, o Rio Grande do Norte no intuito de munir-se dos necessarios documentos, e mediante algum algum (47)) auxilio dos parentes em Natal, onde irmãos legitimos viviam vantajosamente collocados, obter os indispensaveis recursos para ir ao Rio de Janeiro dar a pretendida denuncia que havia longos annos o preocupava constantemente (48).


Dionysia Pinto, entretanto, tivera do Rio Grande do Norte aviso de estar o ex-consorte Manoel Alexandre para aquella capital onde provavelmente deveria trazer a idéa de offerecer a denuncia que tinha, sem duvida de criminar, e sobre tudo desmoralizar a mesma. Dionysia, perante a sociedade, a que preocupava impôr-se.


Se lhe antolhavam difficuldades que eram preciso superar.


Justamente por esse tempo a familia de um jovem filho do nosso poeta Luiz Guimarães também poeta e literato, a quem podera Dionysia attrahir, querendo afastal-o dessas relações dispos e conseguiu que embarcasse para a Europa, como addido ou secretario de nossa Legação na Italia, (Florença) cuja partida ia-se efecttuar em breve.


Então Dionysia Pinto que havia perdido a progenitora numa epidemia que grassara no Rio de Janeiro, após o que se fizera enfermeira em hospitaes nessa cidade, durante alguns dias, achando-se com a familia reduzida deliberou seguir tambem para aquelle Continente acompanhada da filha, a pretexto de cuja educação ahi onde somente existiam os preciosos meios de ministral-a convenientemente, despediu a alumnas e fechou o collegio, tomando em seguida passagem com os que partiam para a referida Legação (49).


Terminou a viagem, indo fixar a residencia em Roma, depois transferiu-se a Florença, durante algum tempo estabeleceu domicilio em Paris, onde relacionou-se, além dos outros litteratos com Augusto Conti (50), a quem si mostrava dedicada, e que a tratava com affectuosa familiaridade.


Viajou pelos diversos paises da Europa com poucas excepções, sempre dirigida ou assessoriada nessas excurções pelo jovem poeta e literato Guimarães Filho; communicou differentes cultores da lettras e sciencias, especialmente em França, Itália e Portugal; publicou como da sua composição em quase todas as linguas cultas da Europa diversas obras (51), sempre em estylo fluente, por vezes vigoroso e elevado, tanto em prosa, como em verso segundo respeitavel e esclarecida opinião de alguns de seus admiradores, talvez pouco escrupulosos na investigação da inexhaurivel fonte de tanta sciencia e illustração, sem que tivessem aquella que assim ostentava grandes conhecimentos feitos os precisos regulares estudos no torvelinho da vida agitada que levou dentro e fóra do paiz (52), quasi constante essa nossa conterranea, conhecida, como acima disse pelo nome de Nysia Floresta Brasileira Augusta – pseudonymo do seu verdadeiro nome Dionysia Gonçalves Pinto.






I.Gondim






Natal, 2 de março de 1884 (53)














1. Sen. J.L.F.Souto – Não se sabe até hoje sobre a identidade dessa pessoa.






2. Nessa introdução observa-se que Isabel Gondim está respondendo a uma carta, a qual solicitava “apontamentos sobre a vida e família” de Nísia Floresta.






3. Já no primeiro parágrafo Isabel Gondim demonstra desprezo à sua conterrânea, escrevendo que a sua história de vida era “indecorosa” e devia ficar sepultada no próprio estado.






4. Aqui a autora deixa claro conhecer a história de Nísia Floresta por “tradição”, ou seja, pelo “ouvi dizer” que foi construído ao longo do tempo, sob o tirano preconceito e os tabus que se instalavam sobre as mulheres. Certamente ela ouviu as piores opiniões.






5. As “estreitas relações” que Isabel Gondim informa existir entre a sua família e a de Nísia Floresta é uma incógnita, pois, como se verá mais adiante, na mesma carta, ela informa que o pai de Nísia Floresta era um “português de maus instintos”. O fato de Isabel Gondim ter nascido numa família conservadora e detentora dos típicos tabus e preconceitos da época torna-se incompreensível entender como duas famílias tão diferentes tinham “estreitas relações”. Outro detalhe é que a autora da carta nasceu 29 anos após o nascimento de Nísia Floresta e nunca a viu.






6. Papari: nome original do atual município de Nísia Floresta e de lagoa de nome homônimo, situada na região. Significa “salto de peixe” em língua tupi, segundo Luis da câmara Cascudo. Logo à frente a autora escreve entre parênteses “Villa”, pois a denominação do lugar era Villa Imperial de Papari.






7. São José de Mipibu, antes Villa de São José de Mipibu, dista 4 quilômetros de Nísia Floresta.






8. A grafia correta é Dionísio.






9. Esses adjetivos depreciativos descompatibilizam os fatos que acercam o Sr. Dionísio. A atitude de ele ser autorizado pelas autoridades clericais a colocar uma escultura de sua autoria na sacristia da Igreja de Papari revela a sua idoneidade. Seu assassinato, em Recife, em 1828, deu-se após ele ter vencido uma causa judicial, denotando o seu profissionalismo. Ao longo de seus livros, Nísia Floresta enaltece o caráter do pai e se derrama em saudades. Esses elementos factuais externam um homem idôneo, diferente do que diz Isabel Gondim, a qual denigre toda a família de sua conterrânea.






10. A família de d. Antonia Clara Freire era originária de Goianinha.






11. Topônimo vulgar que significa em tupi “a cabeça armada de barbatanas” (iu-ndi-á). Peixe de água doce platystoma spatula. (TS)






12. Numa de suas Actas Diurnas Câmara Cascudo tece o novelo genealógico da família de Nísia Floresta, apresenta os nomes dos avós de d. Antonia Freire e descobre que era seu parente. Embora não seja demérito afirmar que d. Antonia Clara Freire tenha descendência indígena, Cascudo não informa esse detalhe, o qual parece improvável diante dos traços fisionômicos de Nísia Floresta e de seu filho, cuja aparência lembra muito d. Pedro II. Isabel Gondim parece ter querido comprometer a história, pois até pouco tempo uma das formas de depreciar uma pessoa era compará-la a índios.






13. Povoação em Pedro Velho (RN). De tamatan-tiba, e lugar dos tamuatás, o peixe cataphractus callicythys. O município de Pedro Velho situa-se próximo de Nísia Floresta.






14. Povoação na foz atlântica, situada no município de Canguaretama. De cunha-u: bebedouro das mulheres.






15. Município muito próximo de Nísia Floresta, onde está situada a internacionalmente conhecida praia de Pipa. De guai-ana: abundância de carangueijos, e o sufixo português inha; a Pequena Goiana, distinguindo-a de Goiana Grande, de Pernambuco.






16. Nísia Floresta, que fez referências às perseguições de cunho político movidas contra seu pai, em Papari, e ao seu assassinato, em Olinda, faz outras alusões a ele e a sua “deliciosa Floresta”, inclusive menciona seus passeios na lagoa Papari. Pelo seu estilo é possível entender que ela teria explicitado o fato, acaso tenha ocorrido e, diferente do cunho nostálgico ufanista como se refere ao local, teria demonstrado ojeriza à região.






17. A Cadeia (Casa de Câmara e Cadeia, conforme a denominação da época), hoje demolida, situava-se no local onde encontra-se atualmente um sobrado de esquina, defronte à praça e à Igreja Matriz.






18. Dionísio Gonçalves Pinto nunca esteve em Alagoas.






19. Como era comum à Nísia Floresta, o leitor descobre muito da autora lendo sua obra e as entrelinhas. Em seus escritos ela comenta que seu pai era constantemente perseguido por questões políticas, mas na historiografia norte-riograndense não existe registro sobre tal informação.






20. Isabel Gondim comete mais um equívoco, pois o pai de Nísia Floresta nunca abandonou a família e jamais retornou para Portugal.






21. Trata-se de equívoco. Seu nome original era Manuel Alexandre Seabra de Melo.






22. A escrita original está dessa forma, cujo sentido é empregar-se.






23. Nísia Floresta nunca informou essa afinidade com a guitarra. Isabel Gondim, ao tecer esse retrato singular, parece querer dar uma aparência vulgar a sua conterrânea, pois sabe-se que esse comportamento, como retrataria mais tarde Chiquinha Gonzaga, passava uma imagem promíscua da mulher.






24. Após muitos anos alguns pesquisadores que escreveram sobre a carta de Isabel Gondim ajudaram a engrossar o caldo do preconceito e da má interpretação, pois transcreveram essa palavra como “seio”, em vez de “sons”.






25. A carta original traz a palavra repetida.






26. Ambos se casaram em 1823, tendo Nísia Floresta 13 anos. Esse comportamento era comum na época, embora não configurava uma união como as tradicionais, envolvendo “casamento acertado pelos pais”. Pelo que se percebe Nísia Floresta apaixonou-se, optou pelo casamento e obteve o apoio dos pais.






27. Personagem da mitologia grega, a qual possuía rara beleza. Filho de Cíniras e de Mirra. A autora procura evidenciar o grau elevado de beleza da pessoa citada comparando-o a Adônis, sem acentuá-lo.






28. Isabel parece esquecer que a carta que legaria ao futuro deixaria uma infinidade de contradições. Conforme vemos na nota nº 3 do primeiro parágrafo, a autora sugere que o nome de Nísia Floresta seja sepultado devido a sua vida indecorosa (que significa promíscua). Na 5ª nota do 2º parágrafo ela informa que ambas famílias mantinham estreitas relações, e nesse parágrafo diz, num tom de duplo sentido, que Nísia Floresta e seu pai eram amigos. Sem querem a autora coloca seu pai no rol de um homem promíscuo, quebrando, pois, todo o seu moralismo impresso na carta.






29. Lente: vocábulo em desuso que significa “professor”.






30. O Colégio Estadual do Atheneu Norteriograndense foi fundado no Século XIX, em 03/02/1834, época em que o Brasil era uma Monarquia, pelo então Presidente da Província: Basílio Quaresma Torreão, que também foi o seu Primeiro Diretor-Geral. O Colégio Estadual do Atheneu Norteriogradense é, assim, a mais antiga e tradicional Instituição Escolar, fundado antes mesmo do colégio D.Pedro II no Rio de Janeiro. Basílio Quaresma Torreão tinha como objetivo reunir em um único prédio, as chamadas Cadeira da Humanidade, as cinco Aulas Maiores (Filosofia, Retórica, geometria, francês e latim), antes autônomas com sedes independentes.






31. Nasceu em Recife (1.9.1806), filho de Joaquim Moreira da Silva Costa e de Joaquina Gonçalves da Cruz. Estudou na Academia Real da Marinha. Deixou a carreira militar em virtude do falecimento do seu pai, indo residir com a mãe e os irmãos em sua terra. Nesse período, trabalhou no comércio. Tempos depois veio para o Rio Grande do Norte. Associando-se a dois amigos, um dos quais Basílio Quaresma Torreão, instalou uma tipografia (1832) no centro de Natal ali passando a imprimir o primeiro jornal da cidade – “O Natalense” -, fundado pelo Pe. Brito Guerra. Em poucos meses foi inaugurado o Atheneu Norte-Riograndense e ele, por concurso assumiu a disciplina de Geometria.. Afastado do ensino dedicou-se às letras e ao jornalismo. Casou-se com d. Isabel Deolinda de Melo e Albuquerque Gondim, em 1836, de cuja união nasceram oito filhos. Faleceu em Natal em 24 de outubro de 1883, sendo sepultado no cemitério do Alecrim, em Natal/RN.






32. Pouco tempo depois de começar a dar aulas no Atheneu, o pai de Isabel Gondim desentendeu-se com o Presidente da Província de então, Silva Lisboa, levando-o à exoneração sumária






33. Com essa expressão, que conserva até hoje a mesma acepção, ou seja, vida promíscua, Isabel Gondim reforça mais uma vez a impressão vulgar que sempre nutriu acerca da sua conterrânea.






34. Aqui ela reforça a idéia da promiscuidade que atribuía a Nísia Floresta, deduzindo que sua conterrânea imaginava encontrar ambiente mais adequado para vivenciar a vulgaridade.






35. Planeta mais próximo da Terra. É o corpo mais brilhante do céu depois da Lua. A autora usa a comparação para demonstrar o quanto a imagem física e social de Nísia Floresta causava impacto, colocando-a como mais um astro dentre uma constelação.






36. Diferente do que Isabel Gondim informa, Manuel Augusto de Faria Rocha nasceu em Goiana (PE). Era filho de Manuel Gonçalves de Farias e Joana Sofia do Amaral.






37. Aqui Isabel Gondim tenta confundir o leitor, pois as novelas que Nísia Floresta escreveu foram desacompanhadas do marido, que havia falecido quando ela se enveredou por esse gênero textual. Supostamente Isabel Gondim traz uma concepção defendida há pouco tempo acerca de Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens (que não se trata de novela), na qual se afirma que tal livro era plágio de um plágio. Esse assunto o leitor poderá ver detalhes nesse mesmo blog, no artigo intitulado “Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens: Plágio?”.






38. A grafia original do rio é Beberibe.






39. Numa sequência de amantes atribuídos a Nísia Floresta, Isabel Gondim não polpa a apresentação de novos nomes, sempre de forma irônica.






40. Embora não existam registros desse casamento, sabe-se que realmente eles se uniram e foram para Porto Alegre (RS), acompanhados por Lívia, Maria Isabel e d. Antonia Freire, mas Joaquim permaneceu no Pernambuco para concluir o curso de Direito.






41. Aqui Isabel Gondim acusa Nísia Floresta de assinar livros escritos pelo marido, embora ele já estivesse morto.






42. Lívia Augusta de Farias Rocha, filha de Nísia Floresta, nascida aos 12 de janeiro de 1830, em Olinda, ou seja, antes de o casal ir para o Rio Grande do Sul.






43. Vocábulo em desuso para designar “vaga de professora”.






44. Embora sabe-se que Nísia Floresta reeditou e publicou livros e artigos jornalísticos em Porto Alegre/RS e atuou como professora de meninas na capital gaúcha, nunca foram encontrados documentos que comprovem sua atuação docente, embora seja uma afirmação de Roberto Seidl com grande possibilidade de ser verídica, tendo em vista sua abnegação a educação da mulher. É possível que ela tenha atuado em alguma escola para meninas, mas não há registros. Era comum na época professoras lecionarem em suas residências.






45. Isabel Gondim, que nasceu 29 anos após Nísia Floresta, se comporta como acompanhante de sua conterrânea, sabendo todos os seus passos, inclusive detalhes criados por ela,insistindo na idéia de uma Nísia Floresta de vida promíscua.






46. Não se sabe se essa sucessão de detalhes sobre o itinerário do primeiro marido de Nísia Floresta são verdadeiras, nem como Isabel Gondim as tenha obtido.






47. A carta original traz a palavra repetida






48. Naquela época as leis matrimoniais, muito diferentes das atuais, davam ao homem o direito de exigir que a esposa retornasse ao lar à força. É possível que Manuel Alexandre Seabra de Melo, o primeiro marido de Nísia Floresta, inconformado com a separação, tenha realmente tentado viver no seu encalço. A informação de “bigamia”, dita por Isabel Gondim faz supor que o segundo casamento de Nísia Floresta não se deu via cartorial.






49. Há uma sucessão de informações deturpadas ao longo desses parágrafos. Nísia Floresta viajou pela primeira vez a Europa em 1849 ao lado dos filhos, Lívia e Augusto, d. Antonia e sua irmã Clara. Na lista de passageiros não há registros do cidadão informado por Isabel Gondim. Foi num de seus retornos ao Brasil, quando vivia na Europa apenas com a filha, que Nísia Floresta visitou sua mãe, a qual faleceria pouco tempo depois vitimada pela cólera morbus, o que a motivou fazer-se de enfermeira em sua homenagem. Mas depois ela retornou para a Europa com Lívia. O fechamento do Colégio Augusto não se deu ao mesmo tempo em que a mãe de Nísia Floresta faleceu nem coincidiu com a sua primeira viagem ao Velho Continente.






50. Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (Montpellier, 19 de janeiro de 1798 — Paris, 5 de setembro de 1857) foi um filósofo francês, fundador da Sociologia e do Positivismo. A grafia original francesa é Auguste Comte, e aportuguesando escreve-se Augusto Comte, o qual manteve fortes laços de amizade com Nísia Floresta e Lívia Augusta.






51. Isabel Gondim reforça aqui a sua ideia de que Nísia Floresta publicava plágio.






52. Mais uma vez Isabel Gondim alimenta a idéia de que Nísia Floresta não era autora dos livros que escrevia. Aqui ela sustenta sua tese no fato de Nísia Floresta nunca ter estudado.






53. Nísia Floresta morreu aos 24 de abril de 1885, um ano e um mês após a composição dessa carta. Supostamente ela jamais tomou conhecimento que uma sua conterrânea, a qual jamais soube da existência, nutria por ela tamanho sentimento de repúdio, a ponto de significar o documento que daria origem a diversas calúnias que se seguiriam ao longo das décadas.































































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