MUDAR O NOME, OS HOMENS... OU AS IDEIAS?
"O que é que há, pois, num nome? Aquilo a que chamamos rosa, mesmo com outro nome, cheiraria igualmente bem".
William Shakespeare
INTRODUÇÃO
O nome de uma pessoa é o seu primeiro patrimônio. Uma pessoa pode sofrer a vida inteira por carregar um nome que não gosta. Às vezes o não gostar tem uma aura de vaidade, como por exemplo, não gostar do nome de Antonio, Miguel, Pedro, João, Severina e outros (que estranho tem tais nomes?). Mas, muitas vezes a justificativa é forte. O que dizer de um cidadão com o nome de Ivândalo? Conheço um, por sinal pessoa idônea, a qual sente muita revolta. Nada mais justo que mudá-lo. Existe um protocolo para essa mudança junto à Justiça, o qual é possível num caso como esse.
E quando se trata do nome de um município, como é o caso de Monte Alegre, que originalmente era “Bagaço”? E “Pau Grande”, no interior de São Paulo, onde nasceu o célebre “Garrincha”?
Há poucos dias ouvi o professor José Maria na FM Executivo, 87,9 falando brevemente sobre mudança de nomes de municípios. Ele enaltecia o povo de Parnamirim por ter reivindicado o nome original do citado município, o qual foi mudado para “Eduardo Gomes” na década de 1980. Elogiava a beleza da toponímia indígena, inclusive referiu-se a original denominação “Papary”, trocada depois por Nísia Floresta.
O professor tem na sua emissora um quadro de propagandas intitulado “José Maria conhece Nísia”, no qual costuma contar em pequenos trechos a história dessa intelectual e do município homônimo.
Na realidade esse comentário não teve a intenção de depreciar o nome da filha mais ilustre do município. Pelo contrário, fez alusão a uma prática que tem ocorrido em muitos municípios, onde mudam o nome original em detrimento de homenagens oportunistas, movidas por conveniências politiqueiras.
No que se refere a Monte Alegre, creio que os nativos dali devem ter gostado, afinal é esquisito dizer “eu moro em Bagaço”. Dá impressão de destruição, coisa estragada, estropiada. Não se compara a beleza de “Monte Alegre”. Quanto a “Pau Grande” o nome continua lá, embora não exista mais o pau (árvore) que deu origem ao nome da cidade. Talvez o orgulho de ser o berço do nascimento do incomparável jogador Garrincha, ajude a manter o nome.
O município de Nísia Floresta já passou quatro vezes por essa experiência em contextos diferentes (tenho um texto sobre isso nesse mesmo blog), a saber: Papary, Vila de Papary, Vila Imperial de Papary, Papary e, finalmente Nísia Floresta.
O nome atual, diferente do original, que parece ter vindo de fora para dentro, pois foi dado por um deputado, em 1948 (Arnaldo Barbalho Simonetti), na realidade veio de dentro para fora, depois da insatisfação do povo com o nome original "Papary". Mais embaixo o leitor entenderá. Papary virou Nísia Floresta de um dia para o outro.
Num amplo trabalho de História Oral empreendido a partir de 1992, encontrei a senhora Leonísia, morta com quase cem anos, em 1994, a qual contou-me que não gostava do nome Papary e justificou uma razão de cunho puramente folclórico e até pitoresco. Disse-me que certa vez uma moça que veio a Papari passar umas longas férias, enviou um telegrama para o pai que se encontrava em Natal, o qual deu o que falar:
“Papai, me espere barriguda Papary”.
O pai quase teve um enfarto.
Trazendo para a linguagem comum a moça quis dizer o seguinte:
“Papai, o espero no baobá de Papary”.
Explicações: o velho baobá até poucas décadas era conhecido como “barriguda”, então ela o aguardava à sombra da “barriguda”, em Papary, ou seja, em Nísia Floresta. É sabido que “barriguda” é um vocábulo antigo usado popularmente até hoje para definir uma mulher grávida.
Ora, você é inteligente e já matou a charada sobre o que o pai entendeu.
“Papai, me espere grávida nos dias de parir, ou para parir (dar a luz)”.
(Foi isso que o pai entendeu). Há outras versões dessa mesma história, mas são quase a mesma coisa.
Voltando ao assunto inicial, o que estará pensando o leitor sobre o que estou querendo dizer. Estarei querendo mudar o nome da cidade ou não? Deixemos esse detalhe para as laudas abaixo (e para a sua consciência) e voltemos para o assunto da senhora Dionísia. Ela disse que “achava feio” o nome Papary, pois parecia com “para parir”. Outras pessoas antigas da cidade também me contaram a mesma coisa, como Jorge Januário de Carvalho, Nathália Nascimento, Vicente Marinho e outras.
Perguntei sobre o que ela pensava sobre o nome Nísia Floresta. Dona Leonísia disse que não gostava muito, pois “era uma mulher que as pessoas falavam muito mal”. A julgar pelo raciocínio da senhora Dionísia ela desaprovava os dois nomes. Significa dizer que para ela o lugar teria outro nome: “Belo Vale”? “Águas belas”? “Encanto”? “Paraíso”? “Terra Rica”? “Baobá” etc. (Obs. São nomes inventados por mim e não por ela).
Se um plebiscito fosse feito haveria muitas senhoras Dionísias atuais. Haveria, também, muitas opiniões pela volta do nome original “Papary” e, da mesma forma, uma parcela defenderia “Nísia Floresta”.
Particularmente entendo que nomes originais devem ser retomados, como aconteceu a Parnamirim (“Paraná-mirim”), principalmente quando a retomada, mais que vaidade, traduz um conjunto de valores, como o enaltecimento do nosso estado de descendentes de índios, e o respeito à história. A retirada do nome de Nísia Floresta e a devolução do nome "Papary" não tira o gigantismo de Nísia Floresta.
Diferente do exemplo de “Bagaço”, que pode causar desconforto em alguns habitantes, não vejo o nome “Papary” como um topônimo reprovável (“pás pari”: armadilha de pegar peixe – diríamos que é o covo atual).
A cidade em que nasci possui 57 anos e sempre teve o mesmo nome, que é a fusão dos nomes do fundador, um tcheco-eslovaco com a terminação guaçu, em língua guarani, que trazendo para o português é recurso gramático que serve como aumentativo.
O batizado desse município como “Nísia Floresta”, diferente do que ocorreu com “Eduardo Gomes” que teve vida curtíssima, deu-se há 63 anos, ou seja, mais de meio século. Um espaço de tempo longo para arvorar discussões pertinentes à mudança. São sessenta e três anos do batismo “Nísia Floresta”. Esse argumento é muito forte, mas ainda não é o bastante diante do democrático direito de os habitantes desse local opinarem.
Sobre a simbologia do nome “Nísia Floresta” creio que dispensa maiores comentários. Trata-se do nome internacional de um personagem da história do Brasil que lutou em prol de causas importantes, como: extinção da escravidão, implantação da república, respeito aos índios brasileiros, reforma na educação, liberdade de expressão, liberdade de culto, a importância da amamentação, emancipação das mulheres etc.
Entendo esse nome como algo que veio coroar a região como um vale rico e abençoado, que tem quase tudo para ser uma das maiores potências do Nordeste. O nome “Nísia Floresta” serviu para completar um patrimônio magnânimo, embora ainda não foi descoberto como tal devido a visão acanhada dos que, pela lógica, deveriam possuí-la.
O nome do personagem Nísia Floresta é o suficiente para alavancar o turismo no local, imagine isso somado ao seu patrimônio natural. O percentual de turistas que chega ao município atraído pelo nome da intelectual Nísia Floresta é imenso. Soma-se a isso os que vêm atraídos pelo patrimônio natural e histórico. O nome da escritora Nísia Floresta atrai pessoas de fora para dentro, diferente do nome “Papary”.
Mas algo é muito certo. Independente de o local voltar ao belo nome “Papary”, o personagem Nísia Floresta continuará atraindo pessoas de forma cada vez mais surpreendente e jamais perderá “essa glória é a tua essa glória...!", como diz o hino em sua homenagem.
A possível mudança de nome jamais arrefecerá a imagem da intelectual Nísia Floresta, até porque não se trata de um nome surgido num “plim” de varinha de condão, mas construído, lapidado e referendado. Por outro lado um nome criticado e depreciado, enfim um nome que tanto enobrece o lugar quanto causa desconforto, e nessa antítese, torna-se cada vez maior e mais atraente.
Embora o nome “Nísia Floresta” tem todos esses argumentos fortes a seu favor, como vimos acima, que são os seus 63 anos e sua carga simbólica, por outro aspecto, ainda há os que cultuam idéias deturpadas, conforme o que Isabel Gondim propagou ao longo de sua vida.
No caudal de tudo o que vale a pena refletir, a mudança do nome – embora possível – não é mais importante que a mudança das ideias das pessoas que vivem em sua geografia, a começar pelos que o conduzem, e perpassando por muitos habitantes.
O que precisa mudar no momento, ou melhor, se construir, é uma nova mentalidade, na qual as pessoas entendam que Nísia Floresta foi uma libertadora, filósofa e pensadora. Um ser responsável por conquistas que hoje o país está vivenciando. E, conhecedores disso, se apossem desse espírito libertador e deem asas às mudanças. E que sejam visionários, politizados.
É fácil falar, ou melhor, escrever. Mas também é fácil enxergar, inclusive as entrelinhas. A realidade está aí para todos verem e sentirem.
Existe muito o que mudar, e a justificativa para essa mudança não está num gentílico. Não seria a acepção nisiaflorestense ou papariense que daria cidadania e dignidade ao povo que as veem diariamente podadas. As palavras de Shakespeare, acima, ilustram bem isso.
Como disse a própria Nísia: “Voilá um title de gloire!”.
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