ESCOLA MUNICIPAL YAYÁ PAIVA – DA INGENUIDADE AO
ENTORPECENTE
Logo após a notícia da
apreensão de estudantes portando entorpecentes nas dependências da Escola
Municipal Yayá Paiva, uma ex-aluna, atualmente mãe e dona de casa, falou comigo
via facebook e, nostalgicamente, relembrou dos tempos em que fui professor e
diretor. Reconheço que não tenho e nem pretendo ter relação alguma com a referida instituição no aspecto profissional, mas, na condição de ex-diretor, julgo-me no direito de emitir a minha opinião.
A história das drogas
nas escolas brasileiras e mundiais é antiga. Quando fui estudante conhecia
apenas nos livros e de ouvir falar. Era algo pavoroso e evitado até mesmo de se
comentar. Lembro-me quando uma professora pediu que lêssemos o livro “O
Estudante”, de Adelaide Carraro. História real. Eu tinha treze anos. Idade
atual do meu filho. O livro conta a história de um garoto brilhante –
verdadeiro gênio – iniciado nas drogas dentro da escola, por traficantes. Ele
consegue destruir a família, a ponto de o próprio pai matá-lo por legítima
defesa. Fiquei impressionado e até hoje a história me causa desconforto. Até
comprei esse livro para Fídias.
Nos dias atuais isso inacreditavelmente
tornou-se comum, mas em 1980 assustava tanto quanto as lendas urbanas.
Muitos ex-alunos e
ex-alunas da EMYP, independente desse episódio do entorpecente, sempre entram
em contato comigo, cheios de saudades de episódios vividos na rotina
educacional-cultural da escola. A impressão que tenho é que eles acham que tive
uma fórmula mágica de educar, ou possuía a varinha de condão.
Enganam-se! Não
existe mágica na dinâmica escolar, nem o que impeça os problemas interligados à
evolução positiva de uma sociedade. Na realidade, o que tive foi apenas
seriedade, responsabilidade, amor e doação ao que fiz. Nada mais! E isso
qualquer um pode ter.
Mas não pensem que
tudo eram flores. Na minha época a maconha tentou entrar ali de fininho. Não
foi fácil. Fiz marcação cerrada, pois é algo muito delicado. Sempre tive um
olhar muito guiado para o assunto da droga, pois sempre a temi de forma
incomum.
Lembro-me de um rapaz
de São José de Mipibu que fazia uso desse produto e namorava uma jovem
estudante. Ele lutou para que eu o aceitasse como aluno e precisei lutar para
fazer o contrário. Eu já o observava há tempo, fora da escola, inclusive o seu
comportamento era deplorável. A aluna criava diariamente situações para sair e
se encontrar com ele.
Pessoas sabedoras de
sua fama – temerosas – vinham me avisar. Os pais da aluna me imploravam para
que eu resolvesse aquilo. Fui metódico e
trabalhei aquela situação até dirimi-la. Tarefa difícil e cansativa. Esse
rapaz, por incrível que pareça, tornou-se evangélico, casou-se com a referida
garota e mora nesse município. É incrível, mas até mesmo os problemas com droga
naquela época eram diferentes.
Escola é lugar de conflito
(o bom conflito), pois nela flui a inteligência, mas quando se entra na alçada
da criminalidade, da violência e da indisciplina deve ser exterminado logo no
início.
Os problemas das
escolas no passado atendiam às evoluções sócio-educacionais-culturais e
econômicas daquela época. Antigamente os problemas se resumiam a alunos que
agiam com indisciplina, de certo modo ingênua, como criar desculpas para ir
para casa assistir jogo ou ver o último capítulo da novela. Casos mais graves
eram os que tentavam “gazear” aula para ir para São José, outros tentavam fumar
cigarros comuns, bebiam cerveja na rodoviária e tentavam entrar para assistir
aula, dentre outras atitudes análogas.
O que faz a diferença
é a observação contínua. É a direção e equipe escolar sempre presente e
educadamente resolvendo antes que se agrave. Tal método, fácil e tranquilo, é solução
para qualquer problema. E para todas as ações arbitrárias deve haver medidas corretivas
de acordo com o Regimento Interno. Por mais aparentemente simples que fosse,
nada passava despercebido aos meus olhos. Tudo era documentado e levado ao
conhecimento dos pais.
Hoje, além dos
problemas acima, as escolas brasileiras têm outros. Além das drogas até mesmo
as motivações que convergem para a indisciplina mudaram. O celular usado de
forma irresponsável dentro da escola é problema sério. É celular tocando e
desconcentrando o professor, aluno usando o fone de ouvido quando o professor
fala, ligando para o outro ou mandando mensagem dentro da própria sala,
exibindo vídeos pornográficos para outros colegas. É aluno armado dentro da
escola. É aluno que não teve um bom berço e age com violência com o professor,
enfim são muitas atitudes diferentes das mais antigas. Mas nada se compara ao
tráfico de entorpecente dentro da escola.
As drogas ilícitas
adquiriram uma dimensão avassaladora e os traficantes fazem marcação cerrada,
como se dissessem “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Como se
dissessem: “um dia a escola têm que ceder”.
Recordo-me que, de
todo o meu período como diretor, uma única vez fui insultado por um aluno, o
qual disse que eu “fosse tomar no cu”. Ele já havia criado uma série de
problemas com professores. O fato foi presenciado por outras pessoas.
Documentei tudo e viabilizei a sua transferência, através de um primo meu que
também era diretor em São José de Mipibu (Tamires Peixoto – in memorian).
Lembro-me que veio
pai, mãe, gente que hoje está na política. Todos pediam que eu repensasse a
decisão, mas não cedi. Ele precisava responder por sua atitude. Se eu cedesse
estaria abrindo precedente.
Esse aluno tornou-se
um jovem comum, é trabalhador e tem grande respeito por mim. Até hoje, quando
me vê, relembra o episódio, se penitencia e pede desculpa. Certamente não teria
sido assim se eu tivesse cedido.
Quando fui diretor
servi-me de um costume que aprendi em casa. Diante dos problemas, chamava o
aluno para a diretoria, fechava a porta e conversava longa e brandamente com o
mesmo, fosse quem fosse. Olho no olho. Às vezes alguns chegavam profundamente
alterados, mas a palavra mansa e respeitosa desarmava (e desarma) qualquer
pessoa alterada (exceto drogada).
Muitas vezes até
mesmo a ausência da palavra resolvia. Um simples gesto convidativo para que se
sentasse já começava a “jogar água na fogueira”. Na maioria das situações eu
era monossilábico. Só ouvia. Deixava o aluno falar até se cansar, pois assim
podia captar as entrelinhas e a aura da situação (ali estava a verdade). A
partir dali eu sabia o que o aluno devia escutar. Interessante era constatar
que grande parte dos problemas que explodiam na escola tinha raiz externa. E
motivações múltiplas.
Outra coisa que nunca
admiti foi fazer vista grossa para aluno indisciplinado por ser filho ou
protegido de algum político, fosse branco, preto, católico, evangélico, “rico”
ou pobre.
Nos eventos culturais
da escola eu pedia ajuda daqueles que eram marginalizados por alguma razão,
principalmente por terem fama de gatunos, despudorados, maconheiros e algo
semelhante. Eu me acercava desses alunos exatamente para poder – através da
palavra – e de forma natural, reeducá-los.
Nas festas escolares
eram eles e elas que me ajudavam. Passavam o dia inteiro no batente. Eu pedia
que as funcionárias preparassem almoço farto, com refrigerante e suco. E eles
comiam comigo e com os funcionários. Nunca tive problema com esses alunos, os quais,
no fundo, eram revoltados com as injustiças sociais. Em nenhum momento eu lhes “dava
liberdade em excesso” como alguns insinuavam, pois sempre construí com eles a
ideia de espaço, e sempre os tratei com muito respeito e atenção.
Um diferencial muito
grande é a presença constante da direção dentro da escola.
Maria Joana, auxiliar
de serviços gerais à ocasião, é testemunha. Eu chegava diariamente às seis da
manhã, passava o dia na escola. Tomava café, e almoçava ali. Só não jantava. Saia
no encerramento do último expediente.
Não era fácil, mas eu
entendia que devia ser daquele jeito. Meu pai sempre disse que a gente deve se
dedicar totalmente ao que faz.
Tive um trunfo no
período que ali passei como diretor. Não diria que foi o maior, mas foi muito
importante: a HORA CÍVICA. Durante um dia aleatório de cada semana os alunos
dos três turnos se reuniam na quadra para ouvir mensagem, avisos, cantar os
hino nacional e os demais hinos nas ocasiões pertinentes. Esse momento a escola
aproveitava para transmitir-lhes reflexões importantes, sempre se baseando nos
acontecimentos nacionais ou locais. Desse modo ficava uma marca muito positiva
no coração dos alunos, pois eles se sentiam respeitados. Era a escola
conversando com eles.
Nos eventos lúdicos
da escola – inúmeros – por mais simples, não aconteciam meramente para recordar
datas, mas para se fazer releituras de valores e significados atrelados àquela
comemoração. Foi um tempo de muito nativismo, exaltação de valores morais,
cívicos e éticos, busca na qualidade da educação, e cuidado constante com a
disciplina. Não posso negar que é algo cansativo e desgastante, mas é essa a
tarefa de um diretor.
Por estarmos num
mundo tão individualista e cheio de apelações, algumas pessoas ironizavam tais
métodos, entendendo-os como conservadores. Mas se a escola não for construtora
de valores que só a ela compete, quem o será? A escola tem o seu papel, assim
como pais têm os deles!
Quando fui diretor em
Parnamirim, encontrei uma realidade que só vendo para crer, no turno vespertino.
Para se ter ideia, em um ano a instituição teve quatro diretoras. Uma delas
entrou em depressão diante do quadro caótico e das ameaças que recebia de
alunos integrantes de gangue.
As drogas haviam
entrado na escola na semana que a assumi. Houve caso de um aluno portando arma.
Outros levavam armas brancas, ameaçavam professores. A polícia fazia batida
quase diariamente na instituição. Vândalos de alguns bairros vinham para as
imediações da escola nos finais de tarde para bagunçar. Ninguém se entendia nas
salas de aula. A maioria dos alunos não ouvia os professores devido à bagunça.
Brigas aconteciam quase diariamente. Os raros eventos lúdicos da escola
aconteciam de forma desconfortável, pois os alunos não prestavam atenção. Era
uma indisciplina assustadora. Um dia uma bomba-bujão explodiu numa sala. Foi
horrível.
Empreendi uma batalha
sistemática. Convoquei pais, alunos e funcionários, expus a situação e
perguntei a todos qual era a escola que eles queriam, e o que eles poderiam
fazer para que a escola fosse a escola que eles queriam. Foi um ano inteiro de trabalho rigoroso e
medidas sérias. Investi-se muito em cultura, criou-se a HORA CÍVICA (tal qual a
da Escola Municipal Yayá Paiva), projetos de leitura, de reciclagem etc. Tudo
com o envolvimento de professores, pais e autoridades. Bem parecido com os
métodos acima comentados.
Aos poucos a poeira
foi baixando e a escola se tornou aquela que todos disseram ser a que queriam.
Óbvio que ainda com algum problema aqui, outro ali, afinal onde é que eles não
existem? Mas longe de ser provenientes de indisciplina, de droga e de
violência. Passamos a ter a paz necessária para que a educação, o conhecimento
e a cultura acontecessem. Quando entreguei a escola, por livre e espontânea
vontade, ela era outra.
Como disse no início,
não existem fórmulas mágicas, existem ações concretas e pautadas pelo prazer
naquilo que se faz. Não é fácil. De certo modo é um sacerdócio. Exige tempo e
presença constante da direção, envolvimento de toda a comunidade escolar e da
sociedade. E assim é possível que a escola caminhe bem em meio a essa evolução
contínua.
Na realidade, essa
enormidade de problemas mundiais que afetam as escolas, as igrejas, as famílias,
os poderes constituídos etc. estão no ar, decorrentes de uma série de fatores.
Por incrível que pareça, as escolas, as famílias, as igrejas, os poderes
constituídos etc têm grande parcela de responsabilidade por esse triste quadro,
pois uma parcela considerável está se omitindo – ou confundindo – o papel que
só a ela pertence.
Quem é o responsável
para dar educação de berço a uma criança? O professor? O juiz? O político? O
conselho tutelar? O delegado? Ou o pai e a mãe?
Quem é o responsável
– em primeiro lugar – para que uma escola funcione com seriedade? O seu João lá
de feira? O tabelião lá do cartório? O padre que está celebrando? Ou a
Direção-equipe e SMEC?
Mas, finalizando, as
drogas têm uma parcela fortíssima nessa degradação assustadora. Cabem aos
educadores repensarem tudo isso e agirem, cumprindo o juramento que fizeram. O
que não podemos fazer é empurrar com a barriga.
Boa noite, me chamo Arinaldo, exerci a profissão de PM em São durante 30 anos, inclusive em programas educativos sobre violência e drogas, li seu desabafo e somo com os que realmente estão preocupados. Essa luta é de Davi contra Golias, mas o pequeno venceu usando estratégia e apoio, sem isso seria impossível, assim como será em vão todo esforço que a sociedade fizer para diminuir essa desgrça caso não use um plano em que tods estejam envolvidos, sociedade, professores, autoridades e principalmente os pais, os responsáveis diretos na educação e fiscalização desses alunos.
ResponderExcluirAssim como a formiga, somo pessoas isoladas tentando fazer alguma coisa, ainda bem, senão já estaríamos no cáos. Já se perguntou quem é o dono dessa droga? Creio que errou, os patrões estão fimgindo que trabalham em brasília, o dinheirom é lavado tantas veze que é impossível acusar diretamente o grande traficante. Os assassinos também estão lá, com uma caneta sem tinta na mão e sem a mínima vontade de escrever uma lei voltada para beneficiar o povo, são indolentes e cães gulosos por dinheiro, não enxergam outra coisa.
Em todos nossa luta, se conseguirmos salvar uma dessa pessoas, fizemos muito. Resta saber se tem mais alguém disposto a se unir conosco,
Arinaldo Bezerra
Arinaldo, desculpe, mas só hoje vi o seu comentário. Com certeza você gosta de ler! Então, faço minhas as suas palavras. Pelo que percebi você foi policial: tarefa árdua, mas muito bonita - lembra um pouco a nossa, por incrível que pareça!. Pena que a maioria das autoridades não dão a essa categoria o que ela merece. Talvez por isso que alguns dos teus colegas de profissão partem para o outro lado, e por isso mancham o nome de pessoas sérias como você Infelizmente os "patrôes", como você disse, estão lá, fazendo o contrário do que prometeram. Mas é isso. Eu, você e outros podemos ser essas andorinhas e fazer muitos verões.
ExcluirObrigado pela apreciação!
Luis Carlos Freire