IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DO Ó SOFRE REFORMA SEM PROJETO
DE ACOMPANHAMENTO DE PROFISSIONAIS DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Sexta-feira,
14.11.14, pela manhã, estive na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, movido por
um telefonema que recebi, na noite anterior, de uma nativa, preocupada com a
reforma do templo. O prédio é o exemplar mais antigo de Nísia Floresta. Peça
única do século XVIII, com sua arquitetura praticamente intacta. Depois desse
telefonema não dormi mais. Que país é esse onde um padre não tem o devido olhar ao patrimônio histórico. Imagine as pessoas que não estudaram... Desde 2009 denuncio a descaracterização dessa igreja, uma das mais ricas e originais do Rio Grande do Norte, mas ninguém faz nada.
Não
acesso as mídias de Nísia Floresta e São José de Mipibu (acaso o assunto aqui
tratado já tenha sido neles abordado), portanto foi surpresa tal “reforma”.
Chegando à “obra” fui bem recebido por um trabalhador que, não perguntei, mas
pareceu o mestre. Sem que eu o indagasse, ele explicou-me como estava ocorrendo
a retirada as telhas, do forro e do madeiramento.
Por
uma questão de educação, não entrei em detalhe sobre a indignação que senti ao
ver se descortinando aquele cenário absurdo . Até porque não havia muito o que
conversar com a equipe que conduzia os trabalhos etc.
Eles foram
contratados para fazer o serviço e estavam ali exercendo o seu mister. Não é regra
que devam entender peculiaridades da história, nem as metodologias exigidas
para reforma de patrimônios históricos. Nísia
Floresta tem muitas pessoas esclarecidas, que poderiam ter dado rumo diferente
a essa fatalidade. Senti falta delas.
Falamos
do prédio mais antigo do município, erigido em 1735 e sua parte mais significativa
concluída em 1755 (conforme um velho manuscrito que creio ainda se encontrar na
Matriz). Não estamos falando de uma casinha de palha construída no “leirão” do
engenho São Roque feita pelo “Seu Zé Preá”.
Para
os equivocados, a minha atitude pode denotar “estar atrás de confusão” etc. Nada disso! Revolto-me pela ausência
de providências essenciais, que deveriam ter ocorrido antes da retirada de
única telha. Faltaram reuniões com a participação de engenheiros civis e
arquitetos especializados em patrimônio histórico, museólogos, estudiosos da
história local e pessoas que sabem o valor daquela construção de 280 anos.
O
primeiro passo seria chamar uma equipe especializada no assunto, pois reformar
algo excelso como a Sagrada Matriz de Nossa Senhora do Ó, prediz-se cuidado
minucioso e extremado.
O piso, de azulejo
hidráulico, deveria ser revestido inteiramente por lona grossa para não ser
danificado; as imagens teriam que ser retiradas por equipe cuidadosa e guardada
em lugar seguro. Foi inacreditável ver imagens raras, dignas de atenção
minuciosa, ainda nos nichos, sob sol, vento, pó, fagulhos... e até mesmo
acidente, pois peças de madeira podem despencar e atingi-las.
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NICHOS PERMANECEM COM AS IMAGENS CENTENÁRIAS EXPOSTAS A TODO TIPO DE DANO |
Os nichos deveriam
ser guardados da mesma forma; as peças fixas de madeira de lei, com detalhes
folheados a ouro deveriam ser encobertas por plástico de bolhas de ar (para
impedir que partículas e entulhos agridam a película do referido metal). Há um
procedimento rigoroso que faltou aos trabalhadores que ali estão, os quais não
têm culpa, pois não existe acompanhamento competente por parte de especialistas
na área histórica.
Diante
da significação histórica desse templo, todos os elementos retirados da sua
estrutura, seja uma pedra, uma linha de ipê, um pedaço de viga, uma dobradiça,
um prego, uma telha, uma tábua de forro, devem ser minuciosamente inspecionados
por especialistas para análise sobre sua reutilização, restauração, e o retorno
- ou não - para o lugar original.
Pessoas
equivocadas, que veem algumas peças retiradas da Matriz como “coisa velha”,
“feia”, “descangotada”, “inválida” etc – portanto necessitadas de serem
“jogadas no lixo” – devem se conscientizar que são peças únicas, que não podem
ser manuseadas nem descartadas sem rigorosa análise (mesmo um pedaço
aparentemente inválido de madeira).
Tudo o que está ali são
pedaços de homens e mulheres, escravos, índios, enfim da comunidade católica
que há séculos, arrastou com as maiores dificuldades do mundo, peça a peça para
ser ali colocada, sem imaginar o que aconteceria no futuro.
É inacreditável que o
coração da história de Nísia Floresta esteja sendo flechado pelo instrumento
mais deplorável de um povo: a ignorância.
Observei
que existem pontos extremamente críticos na estrutura de madeira, podendo
culminar com futuro desabamento. As fotos comprovam. Mas nada justifica o que
está acontecendo.
Há muito tempo que as
estruturas da igreja revelam necessidade de reforma. Isso não é de se estranhar,
mas o grande segredo chama-se programação com devida antecedência. Nada deve ser acrescentado mais nessa igreja. Ela só necessita de manutenção e restauração. Mas não é o que ocorre. Cada um que passa por ali faz reforma ao seu bel prazer...
Não precisa muito
raciocínio para saber que mexer numa igreja desse porte exige mil olhares,
inclusive de autoridades em Patrimônio Histórico.
O
povo nisiaflorestense precisa da garantia de que os novos materiais ali
repostos – impossíveis de serem preteridos – sejam de madeira de lei. E para
isso necessita-se de uma programação muito antecipada, pois gera despesa
altíssima. A não ser que se queira substituí-los por pinus/eucalipto.
Nísia Floresta é um
município humilde. A maioria dos católicos não têm condição de custear despesa
desse porte. A dificuldade de arrecadação é grande, portanto precisa de
programação. Já participei de várias e sei como é.
Lembro-me,
em 1992, quando o Padre João Batista Chaves da Rocha convocou o povo de Nísia
Floresta para programar a reforma do citado templo.
Um ano antes de se
mexer em qualquer detalhe da Matriz, foram convidadas os mais respeitáveis
entendedores do patrimônio histórico.
Houve,
posteriormente, de forma deliberada e programada, a organização de eventos para
angariar fundos no próprio município, mas o grosso da reforma veio de
incontáveis empresas privadas do Natal, pois o referido sacerdote empreendeu
verdadeira via-sacra para arrecadar recursos muito antes de deflagrá-la.
Muitas empresas de
Natal, Parnamirim e São José de Mipibu fizeram consideráveis doações. Somado a
isso foram feitos pedidos de doações às famílias mais ricas do Rio Grande do
Norte.
A reforma também abrangeu
variadas restaurações, desde as portentosas linhas de ipê, colocadas ali há
mais de duzentos anos, pelas mãos cuidadosas de marceneiros que as esculpiram à
mão, aos moveis de cedro, mogno e outras madeiras nobres, além de restaurações
de diversos objetos, imagens, inclusive com banhos de ouro puro, recuperação
dos adornos de madeira de lei que embelezam as naves principais, cristais etc.
Aquela reforma significou
um marco devido à dimensão, e porque o povo participou e foi provocado a
participar. E todos os passos foram acompanhados por doutores no assunto. Cada
detalhe original ficou intocável. Não se modificou nada que não tenha integrado
a planta original de 1735.
Observei que a nave
central está totalmente descoberta. Está ao relento. Se acaso chover (que Deus
não permita isso), teremos uma tragédia histórica em Nísia Floresta, pois as
paredes são feitas com pedras, barro amassado com cinza e sangue de baleia. Não
há como a parede suportar o encharcamento, podendo ruir.
O procedimento
correto para a reforma do teto é destelhá-lo a cada três metros, recompondo-o
com os materiais pertinentes e assim sucessivamente, a cada três metros, tendo
disponível mediante chuva, um esquema de lonas especiais, muito bem amarradas
para não voar. Isso evita a infiltração de água pluvial. O espaço destelhado e
sem madeiramento – como se encontra hoje – dificulta a cobertura com lona. Diante
disso a igreja deve ser totalmente esvaziada, desde as imagens aos bancos.
Não me importo com
quem não vai gostar deste texto, alegando bobagens, tipo “ele queria que desabasse na cabeça do povo” ou o que quer que seja.
O meu ponto de vista está
explicitado acima, pois, diferente daqueles que são dados à apócrifos, costumo
assinar meus escritos. Não o faço por rebeldia ou heroísmo, mas por abominar a
forma equivocada dessa reforma. E não tenho medo ou receio. Ainda não nasceu
quem me faça senti-lo. Ademais, não ajo por qualquer razão má.
Há pessoas que se
rasgam em elogios de corpo presente – para agradar – mas, intimamente abominam
o que elogiam. Estas, elogiam apenas para cultivar, não diria uma amizade, mas
o poder de outrem.
Tenho impressão que
Paulo Heider, Hélio de Oliveira (ambos da Fundação José Augusto), o Departamento
de História da UFRN, e o IPHAN-Natal não estão sabendo dessa reforma.
Perguntei sobre o
administrador da Paróquia de Nossa Senhora do Ó, disseram que não estava no
município naquele momento.
Deixei a Igreja
Matriz de Nossa Senhora do Ó de Nísia Floresta, sábado passado, muito abalado,
pois nunca imaginei que uma das construções mais antigas e bem conservadas do
Brasil pudesse receber tratamento tão equivocado. Não pensem que vou agir com
apostasia meramente pelo fato de me sentir revoltado. Pelo contrário!
A reforma realmente é
necessária, mas é inconcebível – em pleno século XXI – se ignorar a metodologia
correta de se lidar com o Patrimônio Histórico.
Por falar nisso, o
que vão fazer com as telhas de mais de cem anos que estão no quintal da Matriz,
muitas já esmigalhadas? Em 1992 todas foram arriadas – uma a uma – deslizando
num mecanismo de tábuas, aparadas por um colchão velho.
O que farão com as
imensas linhas de ipê de mais de duzentos anos que inacreditavelmente dizem que
vão tirá-las? Espero que os nativos não saiam com eles nas costas para arder
suas trempes. Soube que mudarão a posição do forro! Essa decisão parte de que
tese? Todos poderiam concordar se tivesse fundamento histórico. Com a palavra
Paulo Heider (mas cadê ele?).
Não
acredito em má fé de qualquer pessoa ligada direta ou indiretamente à reforma,
mas o senso comum não pode sobrepujar o conhecimento e a cientificidade perante
uma peça de incalculável valor histórico. Não há o que se discutir diante disso.
O fato de quem quer
que seja não ter sensibilidade educacional, cultural e histórica, seja pedreiro
ou quem quer que seja, não pode ser justificar tamanha insanidade.
Penso que os
seminários pecam por não oficializar uma disciplina sobre o trato com o
patrimônio histórico. Se houvesse tal cuidado não veríamos tantos equívocos
praticados pelos próprios sacerdotes.
Foi nesses conformes que
uma igreja secular, muito maior que a de Nísia Floresta – e de extraordinária
beleza arquitetônica, foi demolida no início do século XX em Santa Cruz/RN para
dar origem a um templo tosco e frio.
A
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó de Nísia Floresta não pertence a um grupo
ou a uma pessoa. Ela é de todos, portanto todos devem ser convocados (seja
através das missas, das redes sociais, dos Correios, das emissoras de rádio
etc) para deliberar a forma correta de empreender reforma e restauração.
Onde
está o povo de Nísia Floresta?
Onde
está o Bispo de Natal?
Onde anda o
conhecimento?
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NICHOS PERMANECEM COM AS IMAGENS CENTENÁRIAS EXPOSTAS A TODO TIPO DE DANO |