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CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

ENGENHOS DE PAPARI E O MERCADO DE ESCRAVOS DO OITIZEIRO

No centro, acima, logo após o Pelotão de Polícia, é possível ver o Oitizeiro referido no texto (Crédito da imagem: Restaurante Marina Camarões)


ENGENHOS DE PAPARI E O MERCADO DE ESCRAVOS DO OITIZEIRO

Em 1994, uma prima de minha mãe, por nome Dirce Maranhão, filha de Luzia Peixoto Maranhão, contou-me que sua bisavó falava que o local onde se comercializavam escravos, na Vila Imperial de Papari, era exatamente sob uma centenária árvore denominada oitizeiro, fincada na estrada que liga a referida vila a vila de Mipibu, hoje São José de Mipibu. Até hoje é  possível sombrear-se deliciosamente nela, inclusive construíram ao seu lado o Pelotão da Polícia Militar de Nísia Floresta. É árvore histórica e precisa ser preservada como monumento natural da história de Nísia Floresta. Meu primo Tamires Ítalo Peixoto, do Engenho Morgado, que era historiador, também me contou sobre esse local de comércio de escravos nas imediações dessa árvore.

Exatamente nesse ponto, fervilhava o comercio de escravos que eram vendidos para os engenhos das redondeza. Vamos torcer para que depois dessa publicação as autoridades não cuidem de derrubar o Oitizeiro, ao invés de colocar ali um monumento com as inscrições pertinentes.

Sabemos que a faixa litorânea que abrange de Canguaretama, Goianinha, Arês, Papari, São José de Mipibu, Parnamirim até Ceará-Mirim era permeada de engenhos de cana de açúcar. Alguns lugares com menos, outros com muitos. Era o caso de Mipibu e Papari. Em Mipibu contam que eram 47 e em Papari 27. Esses números precisam ser confrontados com algumas informações e contextos. Nem todo engenho era igual. Na realidade nem todos eram engenhos de fato, mas carregavam a denominação devido a semelhança de papéis. O engenho verdadeiro fabricava açúcar, rapadura, melaço e cachaça. Tinha âmbito comercial. As mercadorias abasteciam o comércio local e até mesmo de outros estados. Tudo funcionava a vapor com maquinários importados que vinham da Europa. Diferiam deles os “Banguês”, ou seja, engenhos entre aspas. Eram bem mais simples e produziam para o consumo próprio e vendas acanhadas para a vizinhança. Eram movidos à força de bois ou tração humana. Também o denominavam de “engenho trapiche”. Aqui no Rio Grande do Norte não existiram engenhos movidos à “roda d’água”, mas em estados com fartura hídrica, os banguês funcionavam o dia inteiro pela força da água. 

Engenho Morgado (é a casa mais antiga de São José de Mipibu - aqui hospedou-se o Dr. Miguel Carlos Caldeira de Pina Castelo-Branco, Juiz de Fora e Provedor, ocasião em que veio instalar a Vila de São José do Rio Grande foi instalada a 22 de fevereiro de 1762

O local onde se encontra a árvore de Oitizeiro é estratégico. A começar pela proximidade com a Estação Papary, inaugurada em 1881, ou seja, sete anos antes da abolição da escravidão. É fácil supor o quanto esse trecho era fervilhante de senhores de engenho, fazendeiros, sitiantes, comerciantes e outros homens de negócio, os quais tinham nesse local um ponto de referência para negócios. Na realidade existiam outras árvores, era local muito sombreado e funcionava também como ponto de venda de animais, justificando a sua grande movimentação. Quem descesse do trem e fosse homem de negócio, tinha ali o local certo para negociar e conversar com outros negociantes.

Engenho Mipibu (fica quase defronte ao Engenho Morgado - só restou a chaminé)

Fica a poucos minutos do engenho São Roque (de Roque Maranhão), pai de Mirtes Maranhão (pessoa que citei acima: filha de Luzia Peixoto Maranhão: a “Lula Maranhão”, filha de Ezequiel Peixoto). Num pequeno raio geográfico temos o engenho Descanso, (de Vicente Xavier de Paiva, atualmente em ruínas), o Engenho São Luiz (de José Inácio Ribeiro), conhecido como “Engenho do Dedo” devido a semelhança de sua chaminé com um dedo, Engenho Mipibu (José Henrique Dantas e Salles), Engenho Morgado (de Antonio Ezequiel Peixoto - pai de Luzia Maranhão: mãe de Mirtes Maranhão, mencionada acima, que ainda pertence aos antepassados de minha mãe - e segue até hoje na família), Engenho Canadá (família Araújo - próximo a fábrica Berckmans), e Engenho Sapé (de José Joaquim de Carvalho). 

Túmulo de Antonio Ezequiel Peixoto (Engenho Morgado)

Ainda nesse raio temos o Engenho Capió (da família Souza, onde nasceu o escritor e ex-governador Antonio de Souza) e Engenho Pavilhão (de Joaquim Januário de Carvalho - anteriormente pertenceu a Trajano Leocádio de Medeiros Murta, daquela história que já contei aqui, quando seu filhinho morreu e foi transportado de pé durante o cortejo). Quando você adentra Papari se descortina outros engenhos, como o Engenho Boa Esperança (de Accúrcio Marinho - no Porto), Engenho Tororomba (de Hermógenes Ribeiro da Silva). No local onde hoje é o centro de Papari havia o engenho do Coronel Alexandre de Oliveira de Oliveira, exatamente onde está a prefeitura atual, cuja propriedade ia até o casarão onde ele morava (não me recordo agora o nome de seus engenhos, mas posto depois). Essa casa - a mais antiga de Papari - ainda resiste. Nela mora o Senhor Arnaldo. Atualmente pertence à família Gondim. 


Nesse documento vê-se os nomes dos Engenhos Morgado, de Antonio Ezequiel Peixoto (explicado no texto: da família da minha mãe, e Entre a Cruz e o Braço Salgado, do meu avô Abel Gomes Peixoto) e "Sapê" e "Engenho Sapê". Observe que aparecem nomes de proprietários diferentes no "Engenho Sapê".

Em 1920, há exatos cem anos, Papari possuia 27 propriedades rurais com representatividade (eram muito produtivas). São as seguintes: Engenho São Cristovão (de Francisco Alcides Ribeiro), Sítio Pirangy (de José Dias Freire), Sítio Ilha (de Joaquim Augusto Freire), Sítio Viração (de Abdon Januário de Carvalho), Sítio Estrada da Ilha (de Pedro Paulo de Carvalho), Sítio Bom Jesus, de José R. de Oliveira, Sítio Estrada da Ilha (de Francisco A. M. de Carvalho), Engenho Sertãozinho (de Jovino de Oliveira Salles), Engenho Sertãozinho (de Manoel dos Passos Rosa), Engenho Pavilhão (de Joaquim Januário de Carvalho), Sítio Capió (de Anísia Souza), Engenho Descanso (de Vicente Xavier de Paiva), Engenho São Roque (de Roque Maranhão), Engenho Mipibu (de José Henrique Dantas e Salles), Engenho Belém (de Avelino Leocádio de Souza), Engenho Santa Luzia (de Francisco Duarte da Silva), Engenho Sapé (de José Joaquim de Carvalho), Sítio Sapé (de Manoel Feliciano de Souza), Sítio Sapé (de Alfredo Cunha), Sítio Golandy (de Joaquim Augusto Freire), Engenho São Luiz (de José Inácio Ribeiro), Engenho Tororomba (de José M. C. Costa), Engenho Tororomba (de Hermógenes Ribeiro da Silva), Sítio Tororomba (de Manoel S. Bezerra), Engenho Boa Esperança (de Accúrcio Marinho de Carvalho Araújo), Sítio Morrinho (de Targino da Silva Leite), Sítio Morrinho (de Joaquim de Vasconcelos). 

Casagrande do Engenho São Roque
 

Em caráter de curiosidade, vale informar que Accúrcio Marinho de Carvalho Araújo, dono do Engenho Boa Esperança, situado no porto, é irmão mais velho do Coronel José de Araújo Marinho (primeiro presidente da Intendência da Vila Imperial de Papari), função que equivalia a prefeito. Ele governou durante 47 anos, no período de 1873 a 1921, também senhor de engenho. Era filho de S. Martinho de Carvalho Araújo.

Sobre as propriedades rurais citadas acima, é necessário considerarmos contextos de época. Essas 27 propriedades são mencionadas oficialmente, em documentos, como pertencentes à geografia de Papari. Mas como? Escreverei sobre esse detalhe em outro momento, mas ressalvo logo que os limites geográficos entre São José de Mipibu e Nísia Floresta mudaram umas três ou quatro vezes antes da divisão de 1852, portanto ora um engenho é informado num documento como pertencente a Papari, ora como sendo de Mipibu. Depende do ano em que a informação foi impressa ou escrita é possível entender a partir do conhecimento dessas diferenciadas demarcações territoriais. 

Engenho Descanso (fiz essa fotografia, e as que seguirão no final, em 2003, mas hoje é apenas ruínas)

Percebe-se também que algumas vezes os próprios documentos oficiais trazem algumas informações erradas. Papari já fez divisa até com Natal, antes de surgir Parnamirim, que era um lugarejo de Natal, como se sabe. Então isso se explica quando vemos 27 propriedades citadas como pertencentes a Papari, e hoje sabemos que algumas delas estão dentro da área geográfica de São José de Mipibu, como é o caso dos engenhos Mipibu, Dedo e São Luiz. É válido saber de Papari pertenceu a Mipibu até o início de1852.

Dentre esses nomes citados, observa-se a existência de 12 estabelecimentos com a nomenclatura de "Engenho". Os demais são sítios, inclusive há engenhos e sítios com nomes repetidos, por exemplo Sítio Sapê, Sítio Sapê (novamente) e Engenho Sapê, e dois Engenhos com o nome de Sertãozinho. Há documentos que citam apenas o nome sem mencionar "Engenho" ou "Sítio". Um professor/Historiador de Nísia Floresta, por nome de Carlos Augusto Bezerra Dias, contou-me, em 1995, que o seu pai era mestre de engenho no Engenho Descanso, década de 1960.

Observe que está manuscrito "Vicente Elízio, 1936, Engenho São Francisco".

Quando escrevi a história de Vicente Elísio, em 2009, no curso de uma entrevista que demandou três meses de conversas com três de seus filhos, subsidiado por parcos documentos pessoais do objeto da pesquisa, constatei que a denominação "Engenho" carregava um status, ou seja, dizer que era dono de um engenho era muito melhor que dizer ser dono de um sítio. Era a ostentação do passado. Sobre isso os três filhos de Vicente Elísio me contaram que seu pai era proprietário de um pequeno sítio num trecho de Papari chamado Capió. O sítio se chamava "Taboão". Depois eles foram comprando terras ao lado e começaram a fabricar o famoso "Aguardente Potiguar". Assim surgiu o "Engenho São Francisco" na década de 1930. O engenho era movido à tração animal... “os empregados colocavam cangas em dois bois e engatavam na ‘manjarra’ (engenhoca feita de madeira, onde os empregados colocavam lentamente as canas para serem moídas). Eram quatro bois, sendo dois para a manhã e dois para a tarde”, informou-me Maria de Lourdes, filha de Vicente Elísio. Essa bebida era fornecida para toda a região, inclusive Mipibu, "Bagaceira" (hoje Monte Alegre), Goianinha e Arês. Esse era um engenho apenas de fabrico de cachaça. Seu nome não está mencionado nos vários documentos que li porque surgiu bem depois.


Nem todos os engenhos de Papari tinham uma demanda comercial ampla, como o Engenho São Roque, o qual fornecia açúcar e rapadura para vários municípios. Da mesma forma eram os engenhos do Coronel Alexandre de Oliveira (Cavaleiro da Rosa), cujos nomes de seus engenhos ainda não me chegaram. No bojo desses engenhos e sítios todos, suas produções se diferiam. Uns produziam apenas cachaça, outros rapadura e melado, outros açúcar. Os melhores produziam todas essas mercadorias. 

Sobre essas propriedades, tenho inúmeras interrogações a trazer. Talvez mais interrogações que esclarecimentos, portanto o leitor pode me ajudar a consertar a história com a sua colaboração. Não sei informar ao leitor a localização de alguns engenhos, pois os documentos não se detém a isso, nem os próprios nativos sabem a localização de muitos deles, pois nunca ninguém se debruçou no assunto para registrar tais detalhes. Repasso para você a investigação. Observe que não é mencionado a famosa propriedade de Joan Lustau Navarro (escrevi assim porque tal nome é mencionado com cinco maneiras diferentes). Refiro-me ao local onde ocorreu o Massacre de Barra de Tabatinga, cuja essa história eu trouxe pela primeira vez aos nativos nisiaflorestenses em 1993, quando passei a tratar o assunto, depois escrevi sobre o fato no meu blog em 2009.

Restos do maquinário (caldeira, moenda e pilares) do Engenho São Roque
 

Vejam como a história tem pontos engraçados e curiosos. Os nativos diziam que esse massacre era uma invenção minha. Se fosse minha invenção também seria de Olavo de Medeiros Filho, verdadeiro monumento da História do RN. Além de escrever sobre isso, ele me contou com mais subsídios, em 1997, quando passei 5 anos enfiado no Instituto Histórico e Geográfico e tive o privilégio de conviver diariamente com a simplicidade e sabedoria dele.

Esse sítio era muito importante. Não teria sido mencionado em razão de já não ter mais valor em 1920? Também falam de um engenho existente próximo de Boacica, mas nunca alguém me forneceu o nome ou detalhes.

O outro documento que pesquisei data do ano de 1912 ou 1913. Não posso precisar porque o documento não tem data. Estou elegendo essa data porque nele é citado o vigário Manoel Maria de Vasconcelos Gadelha a frente da Paróquia de Nossa Senhora do Ó. E como o referido padre atuou ali no período de 1912 a 1913, não pode ser nem antes ou depois desse período. O referido documento cita outros proprietários rurais de Papari, permitindo-nos conhecer quem representava a sociedade patriarcal daquele tempo. São as seguintes pessoas: Francisco Duarte da Silva, Joaquim Januário de Carvalho, José Ferreira Xavier, João da Silva Leite, José Ignácio Ribeiro, José Joaquim de Carvalho, José Dantas Salles, José Marinho de Carvalho Costa, Jovino de Oliveira Salles, Olyntho Ferreira de Mesquita, Roque Maranhão, S. Marinho de Carvalho Araújo, Vicente Xavier de Paiva, Antonio F. Accioly, Accurcio Marinho de Carvalho Araújo, Joaquim Januário de Carvalho, Dona Belmira, Joaquim Augusto Freire, Manoel José Gonçalves, Manoel José de Moura, João Batista de Albuquerque Gondim, Joaquim Augusto Freire, José Joaquim de Carvalho, José Augusto de Oliveira, Manoel José Gonçalves.

Fundos do Engenho Descanso 2003 (atualmente está em quase completa ruína)

 Embora esse documento seja anterior ao documento mencionado no início, optei por colocá-lo depois porque o primeiro menciona a propriedade e o seu dono, e o seguinte menciona apenas os proprietários rurais. Não menciona o sítio ou engenho. Outro detalhe bastante curioso é a menção da senhora Belmira, que é nada mais que a viúva do Coronel Alexandre de Oliveira - “Cavaleiro da Rosa” que se encontra sepultado nas paredes da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó. Como Belmira era bem mais nova que ele, seguiu cuidando das propriedades após a sua morte, em 1886.

Observe também que em Pirangi é assinalado o “Sítio Pirangy”, de propriedade de José Dias Freire. Precisamos entender se esse José Dias Freire é parente de Joan Alustau Navarro, pois sabemos que Manoel Laurentino de Alustau Navarro é descendente de Joan (só não sei precisar se é bisneto ou tataraneto), inclusive Manoel Laurentino é pai de Cândido Freire de Alustau Navarro (“Seu Candinho”, o “médico de Papari”, que percorria o município inteiro, de Pirangi a Jenipapeiro cuidando dos doentes). Seu nome dignamente batizou o Posto de Saúde do centro da cidade de Nísia Floresta (antiga Papari).

Ruínas do Engenho São Roque


Resumindo, percebe-se que a velha árvore de Oitizeiro, que esteve para Papari e Mipibu como o Valongo esteve para o Rio de Janeiro, fez sombra a pior página da história do Rio Grande do Norte. Ali eram vendidas as “peças”, cujos escravos eram comprados nos mesmos moldes de como se compram cavalos. Olhavam os dentes para ver se eram sadios e até as partes íntimas para não levar para a senzala a gonorreia ou sífilis, contaminando outras peças. Ali eram separados crianças dos pais, irmãos, enfim, o velho Oitizeiro testemunhou muito sofrimento.

Apesar de tudo, no Rio Grande do Norte o número de escravos não foi tão elevado. Nada se compara a São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais. Mas existiu. É fruto de um contexto - vergonhoso, mas é um contexto. Observando o Seridó e Sertão, por incrível que pareça, encontramos pessoas de pele muito alva e olhos azuis ou verdes. E quando percorremos Canguaretama, Goianinha, Arês, Papari, Mipibu até Ceará Mirim ainda encontramos pretos ainda retintos, comprovando a tese de que nessas áreas a escravidão foi muito mais forte. Isso não significa que outros lugarejos do Rio Grande do Norte não tiveram escravos. Pelo contrário há muitos registros que mencionam Luís Gomes, Mossoró, Macau, Currais Novos, enfim em  quase todo o estado.

Câmara Cascudo nos conta que o primeiro escravo negro chegou ao Rio Grande do Norte quinze dias após a fundação da cidade do Natal, em janeiro de 1600. No tocante à escravidão as informações de Cascudo se assemelham muito com as de Tavares de Lyra, mas uma coisa é certa: escravo sempre sofreu e foi humilhado. Seja aqui ou no Rio Grande do Sul. Essa história de bons senhores é como encontrar agulha em palheiro. Em 1850, auge dos engenhos, existiam 156 engenhos funcionando no Rio Grande do Norte, com predominância no trecho acima explicado. Porém, a partir de 1870, uma queda drástica do número de escravos aparece em todo o Rio Grande, embora os engenhos permaneceram a todo o vapor e força animal. Mas é certo que em solo potiguar a escravidão preta funcionou durante 288 anos.

Em Nísia Floresta há algumas famílias de cor preta que se casaram com outras famílias de pessoas de cor preta, preservando com muita autenticidade a cor original de sua etnia. Isso é muito visível no Porto. Já foi muito mais forte, pois o fenômeno do projeto “Minha Casa Minha Vida” desalojou as pessoas de seus lugares originais, tornando mais difícil essa constatação. Não que isso seja errado, mas me refiro a uma impressão que sempre tive, de que o Porto e o Timbó nasceram como uma espécie de “Mucambo”, após a abolição da escravidão, pois observei nesses dois locais a predominância do “preto-retinto”, principalmente entre 1993 a 1997, diferindo, por exemplo, da comunidade de Boágua, cujos moradores originais parecem holandeses e italianos.

Infelizmente as autoridades brasileiras foram cuidar muito tarde da cidadania dos povos pretos. Isso impediu que soubéssemos o que de mais precioso seria para todo antropólogo, e principalmente para o próprio povo preto. Eles perderam a identidade de suas tribos originais da África. Junto foi sepultado todos os saberes que seus bisavós trouxerem daquele continente. Até seus nomes de batismo tiveram que ser jogados nas fornalhas dos engenhos, substituídos por sobrenomes de origem portuguesa, copiados de seus senhores, ou catados a esmo para ter um sobrenome. Aqui chegavam, vindos de Recife, sem saber falar a língua portuguesa. E nem precisava, pois a linguagem falada era a linguagem do chicote. Detalhe deplorável.

Pois bem. Eis que mexendo em velhos papéis, deparei-me com esse material velho e o digitei aqui para não perdê-lo, como já aconteceu a alguns registros velhos e preciosos que poderão ajudar a tantos, e só são úteis se publicados. Como disse acima, talvez trago mais interrogações que respostas, mas essas insignificantes informações servem para pensarmos a história de Nísia Floresta e chegarmos a um denominador comum. É uma pena que nunca alguém aparece para contribuir com mais informações. Quem sabe é agora!



8 comentários:

  1. Primeiramente parabens pela pesquisa, Luis! Muito interessante, como aficionado por trilhas de engenhos e pesquisador, pretendo ir em breve a Nisia Floresta conhecer pessoalmente esses engenhos ou o que restou deles.

    Sobe o Cel. Alexandre Francisco de Oliveira e sua segunda esposa Belmira Francelina de Moura, de acordo com registros paroquiais eles residiam no Engenho Conceição. Tenho alguns registros mencionando esse engenho, como por exemplo no batismo do filho José Alexandre de Moura e Oliveira ocorrido em 07/10/1861.
    Os sogros de Alexandre de Oliveira, pais de sua primeira esposa Efigênia G. de Moura(1821-1859), residiam no Engenho Macaco, ora chamado de Sitio Macaco. Eram eles o Cap. João Patrício da Silva Juba(1788-1850) e Catharina de Moura Rolim (1790-1862).
    Infelizmente não tenho acesso aos inventários de Papary, teríamos muito a esclarecer com essas informações.
    O Joaquim Augusto Freire citado nesse texto é tio de minha Bisavó, Ana Augusta Freire. Até então eu não tinha o nome da propriedade dele, mas agora eu já sei.

    Abraços
    Valério Figueiredo

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    1. Olá, Valério! Que bom falar com você por aqui. Já nos falamos algumas vezes por e-mail. É o seguinte, essa região de Nísia Floresta e São José de Mipibu era permeada de engenhos, como você muito bem sabe. O problema é que não há uma harmonia quanto aos nomes e quantidade exata desses estabelecimentos que existiram por aqui. Os próprios parentes que existem por aqui - como Vavá, falecido há menos de um mês, por covid19, e então o parente do Cavaleiro da Rosa mais velho existente por aqui - não sabem de nada. Alguns até fantasiam. Vavá dizia ter objetos que pertenceram ao Cavaleiro da Rosa. Entrei em contato incontáveis vezes para produzir um texto reunindo as parcas informações que possuo, enriquecidas com fotografias dos tais objetos pessoais do Cavaleiro, mas todas em vão. Ele sempre desconversava.É muito difícil a pesquisa. Como já lhe disse, eu escrevo por paixão, por hobbye. Minha vida é pesquisando, de modo que tudo o que vou encontrando sobre Papari/Nísia Floresta, transcrevo e guardo para produzir textos neste blog. Nem sempre o que escrevo é o exato objeto de interesse da minha pesquisa. Faço mais para ajudar o povo local a entender a sua história. Mas, no seu caso em específico, com certeza é uma tarefa odisséica, pois você precisa garimpar sem saber onde estão exatamente as pepitas. Eu faço isso com relação a outros assuntos. Mas vamos em frente. Fico feliz em ter-lhe ajudado, embora com uma partícula de um grão de areia. Um grande abraço!

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  2. Oi Luis!
    Penso que seria louvável se algum herdeiro do Sr. Vavá permitisse a divulgação de tais objetos ou compartilhasse informações sobre o Cel. Alexandre Francisco de Oliveira. Receio que essa memória tenha se perdido junto com ele, o que serial lamentável. Acredito que devam existir fotos ou até mesmo a comenda da Ordem da Rosa, um objeto belíssimo e de valor histórico.
    Grande Abraço!

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    1. Justamente. Mas, sinceramente, pela maneira como os descendentes daqui lidam com isso, talvez seja uma fantasia. Não acredito que eles tenham alguma coisa. Se verdadeiro, já teriam publicado fotos desses objetos nas redes sociais, além de fotografias. Digo isso porque alguns falam sobre Cavaleiro da Rosa com ares de pabulagens. Se tivessem distintivos etc, já os teriam mostrado.

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  3. Tem algum inventário sobre os engenhos de São José de Mipibu e Nisia Floresta? Att, Valéria Araújo.

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  4. O senhor sabe a localização do Engenho Ribeiro, em São José de Mipibu? Valéria.

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    1. Em São José de Mipibu, RN, no caminho para Laranjeira do Abdias, distrito local.

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    2. Desconheço o local, se é que existem.

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