ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Família Ribeiro Dantas e o indigenista mipibuense... (Uma história desconhecida)

 


Recentemente localizei a senhora Lílian Ribeiro Dantas Calvão, carioca, 85 anos de idade, moradora em Copacabana, Rio de Janeiro, uma Ribeiro Dantas desgarrada do Rio Grande do Norte. Nasceu no Rio de Janeiro, onde também nasceu a mãe. O avô, Pedro Ribeiro Dantas (1880-1922), ao contrário, nasceu no Engenho Sapê, entre a Vila Imperial de Papary e São José de Mipibu.  Ele foi desses que não esquentou lugar em São José de Mipibu e, diferente da tradição das famílias de seu tempo, não se casou com parentes. Logo cedo deixou o seu berço e buscou outros horizontes, muito distantes, tornando-se indigenista no Serviço de Proteção ao Índio, hoje FUNAI. Sua história é instigante. Propus escrevê-la, mas a Srª Lílian, sua neta, informou-me que já havia organizado uma pequena biografia, já que os que vieram antes, na própria família, não cuidaram de registrá-la partir de contemporâneos dele. Ela, portanto, preocupada em guardar tantas narrações curiosas que falavam sobre o avô, se encarregou dessa missão nobre - que eu também sempre me encarrego - e saiu juntando retalhos com certa dificuldade. Seu trabalho é uma síntese, mas importantíssima, pois coloca mais um nome - até então desconhecido - no panteão dos nomes célebres de São José de Mipibu. Se analisarmos o tempo em que ele foi indigenista - há mais de cem anos -, num país cheio de lugares inabitados, não é exagero enxergar a sua saga, pois ele percorreu missões por lugares inimagináveis do Brasil. Por uma tremenda coincidência, num dos textos aqui compilados por sua neta, ele esteve em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, cidade próxima do município onde nasci, e que tanto visitei. Obviamente que naquela época o município engatinhava, pois é uma das cidades mais antigas. Eis o seu trabalho, que, inclusive, é um nobre trabalho e desde já tem a minha admiração......

 

 


PEDRO RIBEIRO DANTAS

Biografia por

Lilian Ribeiro Dantas Calvão

Pedro Ribeiro Dantas foi o décimo quarto filho do casal Antônio Basílio Ribeiro Dantas, o moço, e de sua mulher Maria Anunciada da Costa Villar. Nasceu em 1880, no engenho Sapé, pequena fazenda com engenho entre os municípios de São José e Vila Imperial de Papary, no Rio Grande do Norte, próximo aos rios Saboeiro e Bonito, onde, na infância, ia nadar com o pai e os irmãos. Fez os estudos preparatórios no Liceu do Rio Grande do Norte e, com 15 anos, a 25 de janeiro de 1895, assentou praça. Nesse mesmo ano, perdeu o pai.

Tenho algumas informações não muito confiáveis, datilografadas em uma folha de papel da qual desapareceu a metade inferior, que dizem que cursou em 1895 e 1896 a Escola Militar do Ceará e, no começo de 1897, foi para a de Porto Alegre; em 1898, já cursando a Escola Militar no Rio, teria sido desligado em junho e transferido para um batalhão com sede na Bahia, por ter participado de manifestações de apoio a Floriano Peixoto. Voltou depois ao Rio para se formar. É nesse ponto que o relato pára, pois a continuação sumiu.

Minha prima Cate diz que o que perturbou seus estudos foi uma doença da mãe. Seu genro Alfredo escreveu que seu curso na Escola Militar só chegou ao fim devido a sua invejável firmeza, tantos foram os acontecimentos que levariam qualquer outro menos seguro de si a abandonar a carreira. Tenho lembrança de Papai contar que o pai tirou ou fez questão de tirar ponto vago nos exames finais e respondeu brilhantemente a tudo o que lhe perguntaram.

Em 1º de setembro de 1900, uniu-se em Fortaleza à jovem cearense Alice Barroso dos Reis. Casaram-se na Igreja Católica, de acordo com o desejo dela, embora ele já adotasse o Positivismo como filosofia e religião. Enquanto cursava a Escola no Ceará, ficou hospedado em casa de Benvinda, prima irmã da mãe dela, casada com Floriano Xavier da Silveira, sem filhos. Provavelmente conheceram-se através desse casal, citado por ele em seu diário de viagem.

 Deve ter sido uma grande paixão, pois ele voltou para buscá-la depois de cursar a Escola em outros lugares. Vieram para o Rio, onde pensavam morar, fazendo escala em Natal, para visitar a família dele. Sentindo-se alvo dos olhares que procuravam lhe descobrir defeitos, Alice fazia questão de só sair do quarto já arrumada, penteada e passava um leve carmim no rosto para parecer corada e saudável. Suas “boas cores” espantavam a todos.

De volta ao Rio de Janeiro, Pedro procurou aproximar a esposa da Igreja Positivista. Lembro-me de meu pai contar que os dois, ao chegar, impressionaram o pessoal da Capela Positivista pela beleza. Só no dia 13 de janeiro de 1907 foram admitidos solenemente na categoria de positivistas completos, embora muito antes já freqüentassem regularmente os cultos. No final de 1910, foram apresentados à Igreja, em uma cerimônia que provavelmente eqüivalia a um batismo ou crisma, os filhos Clotilde, Branca, Beatriz e Francisco.

Em outubro de 1902, nasceu a primeira filha, Clotilde Anunciada. Alice estava grávida do segundo filho quando receberam a notícia da morte em serviço do maior amigo de meu avô, Francisco Bueno Horta Barbosa, no dia 3 de dezembro de 1903, devorado pelas piranhas em um rio de Mato Grosso. Foi um choque para os dois, pois Chiquinho, como era chamado, e sua família os tinham recebido de braços abertos ao chegarem ao Rio. Ofereceram-lhes até hospedagem em sua casa enquanto não se ajeitassem. Pedro prometeu que se o filho esperado fosse varão, se chamaria Francisco, como o amigo. No entanto, em maio de 1904, nasceu outra menina, Branca; em 1905, outra, Beatriz Alice ou Tizinha, que morreu em 1907 no Pará.

Em dezembro de 1908, nasceu ainda outra Beatriz. Só em outubro de 1910 pôde homenagear o amigo, ao nascer o primeiro filho homem, Francisco Annibal, também apelidado Chiquinho. O segundo filho varão – Paulo – nasceu em janeiro ou fevereiro de 1913, mas morreu pequeno e também no Pará, como Tizinha. Em julho de 1915, nasceu Marina Isa e, em 1920, o último filho, Pedro Godofredo. As duas filhas mais velhas e o filho mais novo morreram muito jovens, as duas já casadas e com filhos, ele, com apenas dezoito anos.

Creio que foi em 1907 que meu avô Pedro se integrou à Comissão Rondon, participando de várias descobertas geográficas, da instalação de linhas telegráficas de Mato Grosso ao Amazonas e da política de incorporação pacífica dos índios à comunidade nacional. Suas tentativas de contato com os Urubus (indígenas) do Maranhão, quando ali era o Inspetor do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais do Ministério da Agricultura, são citadas em artigos de jornais das décadas de 10, de 20 e mesmo posteriores.

Também é descrito, em um artigo publicado por ocasião de sua morte, seu encontro com os Gaviões (indígenas) da região do Tocantins-Araguaia, que ele mesmo conta no diário de viagem. Em sua homenagem, o posto indígena do Rio Verde, em Mato Grosso, recebeu o nome de Pedro Dantas e constava até de alguns mapas.

Recentemente descobri que foi mudado para Coronel Bezerra ou coisa assim. Chefiou a maior expedição que desbravou o interior esquecido do Brasil: partindo de Três Lagoas, atingiu Belém do Pará, depois de descobrir as cabeceiras do Araguaia, descer até Conceição do Araguaia, ir ao Xingu e voltar ao Araguaia, num percurso total de 4.800km, fazendo o levantamento de toda a região e estabelecendo as coordenadas geográficas.

Seu trabalho junto ao de outros companheiros permitiu a elaboração do mapa de Mato Grosso com grande precisão. Explorou também o rio das Mortes, em 1916, indo até suas cachoeiras intransponíveis. Deu sobre essa expedição uma entrevista, publicada no jornal “A Razão”, em 31 de janeiro de 1917, na qual relata que ali encontrou cruzes toscas e outros sinais de que aventureiros em busca da lendária mina dos Martírios haviam estado no local.

Em 1916, comprou com financiamento uma casa em Copacabana, na rua Anita Garibaldi 18. Foi muito difícil honrar as prestações e foi um dos motivos por que aceitou missões ainda mais arriscadas e insalubres, que pagavam mais. Além disso, algumas vezes alugaram a casa e foram para outra mais barata, para aliviar as despesas.

 A última dessas missões, a que o levou à morte precoce, foi em 1920/22, junto à Comissão de Limites do Brasil com o Peru, quando chegou às cabeceiras do rio Acre, região ainda desconhecida do homem dito civilizado. A árdua travessia somada à presença de insetos venenosos e à falta de alimentação adequada provocou em Pedro Dantas e seus companheiros uma série de moléstias. Poucos resistiram a tantas provações.

Foram três meses de doença desde a volta ao Rio de Janeiro, meses durante os quais o dinheiro que Alice economizara escondido durante muitos anos foi de grande valia. Ela fazia isso porque ele se comovia com qualquer um que lhe pedisse ajuda, principalmente as irmãs, e, no momento de distribuir dinheiro, não parecia pensar no futuro da família e dele próprio.

Meu avô Pedro faleceu em sua casa, em Copacabana, em 5 de maio de 1922, tendo o enterro  acontecido às quatro e meia da tarde seguinte. A filha mais velha tinha 19 anos e o mais novo apenas dois. Minha avó ficava viúva com 40 anos e seis filhos para acabar de criar, uma casa para pagar com o pequeno soldo que ele lhe deixara.

 Quando morreu, várias notícias apareceram nos jornais exaltando suas qualidades e a obra que legou ao país. Depois, seu nome foi sendo esquecido e até a última homenagem que lhe fizeram o tal Coronel Bezerra usurpou. Cabe a nós, seus descendentes, não deixar que sua lembrança desapareça ou que se torne apenas mais um nome em nossa árvore genealógica.

E, para isso, espero estar dando o primeiro passo.

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O Nome de Pedro Ribeito Dantas em Sites na Internet

 Em 1910, Pedro Ribeiro Dantas, funcionário do "Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais", trabalhava na região cortada pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) e acompanhava a situação indígena. Nesse ano, ele fez um relatório de serviço ao seu diretor, Cândido Mariano Rondon.

Pedro pôs em dúvidas o caso dos serradores mortos na mata. Segundo ele, não havia provas concretas de que as mortes foram de autoria indígena. Não encontraram "no local nenhuma arma ou indício característico" dos silvícolas, embora se soubesse da existência deles na região.

No relatório, Pedro Dantas comenta que no trecho entre Araçatuba e Três Lagoas não havia índios e, entretanto, ocorriam mortes violentas, inclusive com mutilação de cadáveres. Ele lembra que os ditos "civilizados" também cometiam esse tipo de crime, até mesmo nos grandes centros urbanos. Pedro não afirma, mas deixa implícito que algumas mortes poderiam ser de autoria de "civilizados".

O funcionário lembra que o ataque aos serradores ocorreu em 1908 e foi o primeiro deles. Entre 1905, ano de início das obras, e aquela data teria havido tranqüilidade. Até fim de 1910, o número de mortos atribuídos à ação indígena seria de oito. O funcionário argumenta que não era um número alarmante. Portanto, seriam infundados os discursos das empreiteiras ao afirmarem ser os índios empecilhos ao andamento da obra e se constituírem em grande ameaça aos operários da obra.

Segundo ele, os trabalhadores não tinham medo dos índios. O problema seriam os novatos, pois chegavam "com as cabeças cheias de phantasticas histórias". Pedro dá exemplos.

            "... relativo a uma turma de uns cinqüenta homens ali recém chegados de Minas. Estavão todos provisoriamente aboletados num grande rancho, especialmente designado para esse fim. Logo a primeira noite, por signal enluarada, sae fora um dos homens, urgido por qualquer necessidade. Como tivesse tido a esquisitice de estar completamente despido, e, ao voltar, involuntariamente despertasse um dos companheiros, este, vendo, ao reflexo da lua, aquelle homem nú, à porta do rancho, horrorizado deu o grito de '- Bugre no acampamento!'

Foi o bastante para se estabelecer o alarme geral e grande confusão. Muitos tiros partiram a esmo, resultando dahi vários ferimentos, inclusive um homem com o pulmão atravessado por bala.

De outra feita achavão-se trabalhando dois lenhadores no quilômetro dezenove da provisória de Itapura e Jupiá, e eis que lhes chega aos ouvidos estranho rumor de vozes em linguagem incomprehensivel. Por isso correrão cerca de duas léguas suppondo-se sempre perseguidos pelos índios. Tratava-se, porém, apenas de dois árabes, fugidos de Três Lagoas, onde havia um delles commettido um crime."

Talvez Pedro Ribeiro Dantas tenha exagerado ao afirmar que não havia, entre aquela população, medo de ataques indígenas. A questão central para o sertanista foi procurar pôr abaixo a estigmatização do índio e vê-lo sem preconceitos. Posteriormente, Lage de Andrade mitificou os pioneiros e bugreiros como instauradores da nova "civilização" e apresentou os índios como obstáculo a essa tarefa. Versões distintas que revelam posições sociais e opções políticas divergentes. Ambas expressando o conflito estabelecido.

As estradas de ferro invadem o interior

Nesse processo de ocupação sistemática das terras indígenas, as estradas exerceram um papel fundamental. Por onde corria uma estrada praticava-se a violência e a arbitrariedade. De triste memória foram os quartéis militares instalados em Minas Gerais, em Santa Catarina e na Bahia.

Em 1915, foi construída a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, para ligar São Paulo ao Mato Grosso do Sul. Os Kaingang eram senhores daquela região e por muitos anos defenderam com armas na mão seu território. Conforme o tenente Pedro Ribeiro Dantas, “um povo ocidental que defende o solo de sua pátria contra uma invasão esmagadora diz-se heróico. O índio, desprovido de armas eficientes, encurralado, chacinado, é considerado fera brava e traiçoeira e merece o extermínio”.

Foi o que aconteceu. Após muitos conflitos e ataques, os Kaingang resolveram propor a paz. Mas a esta altura estavam reduzidos a pouco menos de duzentos indivíduos.

A Estrada de Ferro Madeira – Mamoré, na Amazônia, foi inaugurada em 1912, quando já ocorria o declínio do ciclo da borracha. Trabalharam na sua construção nordestinos, bolivianos, ingleses, estadunidenses, pessoas do mundo inteiro. Foi tal a mortandade, em decorrência das doenças e das condições sanitárias, que na época dizia-se que cada dormente representava um trabalhador morto.

As estradas de ferro atenderam a interesses econômicos do governo, dos fazendeiros e das empresas de colonização e cortaram as terras dos povos indígenas, facilitando a penetração do capitalismo e trazendo consigo a doença, a violência e a morte de tantos povos.

A Pacificação dos Índios Urubu-Kaapor

Darcy Ribeiro

A Política Indigenista Brasileira (p. 82-95)

A pacificação dos índios Urubu-Kaapor teve início em 1911 e se prolongou até 1928, quando os primeiros membros da tribo confraternizaram com os servidores do S.P.I., no Posto de Atração da ilha de Canindéua-assu, no alto Gurupi, entre o Pará e o Maranhão.

A primeira tentativa de aproximação foi feita em 1911 pelo tenente Pedro Ribeiro Dantas que, à frente de uma pequena turma de trabalhadores, se internou na mata para tentar um contato com os índios. Fracassada a tentativa por falta de continuidade com a retirada do comandante, recrudesceram as lutas entre os Kaapor e a população local, formada de garimpeiros, madeireiros e trabalhadores da linha telegráfica, espalhada pelo imenso território dominado pelos índios, entre os rios Turiaçu, o Gurupi e o Pindaré.

Os Urubu-Kaapor atacavam sempre em represália a ofensas sofridas, e nos primeiros anos que se seguiram à tentativa do Tenente Dantas, as pequenas turmas de pacificação, que continuamente se revezavam na colocação de brindes em pontos percorridos pelos índios, não eram hostilizadas.

Os extratores de drogas da mata e o pessoal da linha telegráfica viviam, contudo, em contínuo conflito com os índios; sempre que sofriam baixas, os Kaapor revidavam com vigorosos ataques, deixando de retirar os brindes que os servidores do S.P.I. colocavam em tapiris, nas trilhas, e chegando muitas vezes a destruí-los.

Ao tomar conhecimento de um assalto por parte dos índios, os funcionários do S.P.I. procuravam aproximar-se dos atacantes, que retrocediam à mata sem poder ser abordados. Alternadamente, pois, renovavam-se as hostilidades e as manifestações pacíficas dos índios, com a retirada dos brindes e a colocação, em seu lugar, de imitações de tesouras ou terçados feitos de madeira, para indicar o que desejavam receber.

Em 1915, à falta de recursos, a atuação do S.P.I. exercida através do Posto Indígena Felipe Camarão, do rio Jararaca, cessou inteiramente. Esse Posto atendia a índios Tembé e Timbira e, simultaneamente, fazia esforços de aproximação com os Kaapor.

Três anos mais tarde foi criado o posto de vigilância do Turiaçu, para impedir os conflitos entre índios e o pessoal da linha telegráfica de ligação entre São Luis e Belém do Pará, que atravessava o território tribal. Estes se haviam especializado nas chacinas aos Urubu-Kaapor. Um certo João Grande, agente da linha, perseguia atrozmente os índios, organizando expedições contra suas aldeias e espetando as cabeças das vítimas, homens, mulheres e crianças, nos postes telegráficos, como advertência para que os índios não cortassem mais a linha. Os relatórios do S.P.I. da época mencionam ataques atribuídos ora a índios Urubu-Kaapor, ora a Timbira que, provindos do rio Caru, também se infiltraram na área, sem que pudessem ser precisamente identificados uns e outros.

No mesmo ano, (1918), índios Urubu-Kaapor atacaram o Posto Indígena Gonçalves Dias, do rio Pindaré, que assiste aos índios Guajajara. Era o primeiro ataque àquele posto, instalado havia cinco anos e foi assim relatado pelo encarregado:

“Estava o índio Guajajara João Totoriá pescando à margem do rio quando ouviu rumor de pisadas em folhas secas; olhando para o lado donde vinha esse rumor, viu dois vultos deitados ao comprido, no chão, e mais adiante três, de pé, e meio escondidos nos matos.

Reconhecendo que tinha diante de si índios bravos, o guajajara deitou a correr em direção às casas do Posto, gritando: “Aúou, Aúou” — o que corresponde a “índio bravo matador”! Ao alcançar o pátio das casas, já cansado, o fugitivo tropeçou e caiu; levantou-se, e nessa ocasião recebeu uma flecha na região frontal, que lhe produziu um ferimento de oito centímetros de extensão.

A esses gritos, os companheiros do assaltado, que se achavam a fabricar farinha, correram em seu socorro e ao avistarem os assaltantes que vinham saindo do pátio do lado do rio perguntaram-lhes o que queriam. Como resposta receberam uma descarga de flechas. Novos disparos de flechas foram feitos contra os guajajaras que tornaram a perguntar aos assaltantes o que queriam. Mas, vendo os atacados que os outros teimavam em não lhes dar resposta e iam apoderando-se do que havia pelas casas e terreiros, dispararam dois tiros para o ar, na esperança de assim amedrontá-los. No entanto, os índios bravos a nada atendiam e investiam com furor. Então, um dos guajajara fez fogo de pontaria contra o mais afoito dos atacantes, no momento em que este saía de uma casa que estivera a saquear. Nesse momento chegou ao local do conflito o encarregado do Posto, que ouviu seguir-se ao estampido do tiro um grito forte e o tropel de muitas pessoas que deitavam a correr pela margem do rio; entre os fugitivos, foi o alvejado, que mesmo assim não abandonou os objetos tirados da casa saqueada.”

Ano após ano, os relatórios do S.P.I. registram incursões dos Kaapor aos estabelecimentos de coletores de drogas da mata, garimpeiros e madeireiros, bem como a canoas que trafegavam o Gurupi e a pequenos povoados locais de que resultavam encarniçadas refregas.

A eficiência desses ataques, movidos muitas vezes pelo desejo de saque, — já que os índios utilizavam metal para as pontas de suas flechas, — levou a população local a acreditar que os Kaapor eram dirigidos por criminosos evadidos dos presídios do Maranhão, do Pará e mesmo de Caiena e por negros remanescentes de antigos quilombos. Era voz corrente, também, que aventureiros de toda ordem, atraídos pelas ricas minas de ouro do Gurupi, incitavam os índios ao saque e eram os maiores interessados em mantê-los aguerridos, para servir aos seus propósitos de traficância clandestina do ouro. A explicação servia, principalmente, para justificar as chacinas empreendidas ou tentadas contra os índios.

Versões deste gênero chegaram a ser veiculadas pela imprensa, como a que atribuía a um lendário Jorge Amir a chefia dos guerreiros Kaapor. Este indivíduo, que nunca chegou a ser identificado, teria negócios com o comerciante sueco Guilherme Linde, grande proprietário do Gurupi, que ali investira vultosos capitais na exploração do ouro de Montes Áureos. Outra lenda, corrente na época, descrevia os Urubu-Kaapor como mestiços de Timbira e negros quilombolas.

Por volta de 1920, a situação de insegurança em todo o vale do Gurupi se agravara de tal modo que as autoridades do Maranhão e do Pará foram instadas a decretar o estado de sítio em toda a região, para garantir a vida e a propriedade dos moradores civilizados.

Expedições punitivas contra as aldeias indígenas eram também periodicamente organizadas, como a de 1922, estipendiada por um deputado estadual e pelo prefeito de Peralva, composta de 56 homens fortemente armadas. Dirigiram-se ao Alto Turi; e após seis dias de marcha, assaltaram uma aldeia Kaapor e mataram no trajeto dois homens, o que alertou os demais, possibilitando a fuga. Na madrugada seguinte, reforçados por índios de outra aldeia, os fugitivos cercaram os expedicionários, despejando sobre estes saraivadas de flechas. Provocando nova fuga dos índios quando já tinham esgotado quase toda a munição, os invasores queimaram a aldeia e destruíram as roças, antes de regressar.

Em 1927 reiniciam-se os trabalhos de pacificação dos índios Urubu-Kaapor, com a instalação do Posto Pedro Dantas na ilha de Canindéua-assu, próximo ao local onde os índios faziam a travessia do Gurupi, da margem maranhense à paraense. O local fora escolhido por Miguel Silva, encarregado do Posto Indígena Felipe Camarão, que desde 1911 trabalhava para o S.P.I., na assistência aos índios Tembé e Timbira, do Gurupi, e na pacificação dos Kaapor.

A turma encarregada da instalação do Posto era constituída de 15 trabalhadores, do encarregado geral, Soeira Ramos Mesquita — que, medroso e incapaz, pouco influiu no empreendimento — de um carpinteiro, de um encarregado do material flutuante, do intérprete tembé, Raimundo Caetano, morto pelos índios em 1934, e do capataz Benedito Jesus de Araújo, o que mais contribuiu para a pacificação, sendo mais tarde morto pelos índios que chamara à paz, como adiante veremos.

Construído o rancho na ilha de Canindéua-assu, defronte da margem maranhense, os trabalhadores abriram uma picada de 15 quilômetros, mata adentro ao fim da qual colocaram o primeiro tapiri de brindes, na margem direita do Gurupi. Na margem paraense foi plantada uma grande roça e levantados outros tapiris para a colocação de brindes, hasteando-se em cada um deles uma bandeira branca e flechas indicando a direção do barracão central.

O primeiro tapiri foi encontrado pelos índios alguns dias depois de instalado o Posto. Quebraram o jirau e todos os brindes, exceto alguns medalhões, que levaram, com a efígie de José Bonifácio, que o S.P.I. fizera cunhar como homenagem ao seu patrono e para satisfazer o gosto do índios por moedas e medalhas de metal.

Em outubro de 1927 foi flechado e morto pelos Kaapor, quando tripulava o batelão do Posto, o índio Tembé Manoel Guamá e, pouco depois, também foi ferido a flecha o trabalhador Raimundo Pereira.

Os principais eventos de 1928, ano em que se deu a pacificação, foram registrados no diário do Posto Pedro Dantas, através do relato quotidiano dos acontecimentos, que abaixo resumimos:

“…A 17 de janeiro os índios se deixaram ver e fizeram sinais a José Martinho, caçador do Posto.

— A 18 de fevereiro chegou ao Posto, vindo de Itamoari, o Sr. Antônio Bernardino, que disse terem os índios atacado trabalhadores do Sr. Bogêa Filho, resultando a morte de um de nome Leôncio. Esse ataque se deu em Montes Áureos, onde imprudentemente o Sr. Bogêa Filho mandara extrair ouro. No dia seguinte os índios cercaram no igarapé Canindéua um trabalhador do Posto que estava caçando, mas que conseguiu escapar.

— A 13 de junho os índios deram sinais defronte do Posto e no mesmo dia acompanharam os pescadores desde o lugar Cajueiro até muito próximo.

— A sete de julho os Kaapor fizeram sinais aos pescadores do Posto. A 11, foi visto pela senhora de um trabalhador um índio do lado do Maranhão e à noite eles deram muitos sinais defronte do Posto, tendo os intérpretes falado longo tempo em timbira e tembé porque ainda se desconhecia a sua língua. A 29, apareceram defronte do Posto diversos índios que fizeram sinais aos pescadores perto da ilha do Camaleão. Outros apareceram no caminho do igarapé Canindéua e deram sinais ao capataz Benedito Araújo, ao intérprete e outras pessoas que andavam caçando.

 

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