ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Quando o anjo vira demônio - a professora que traumatizou uma vida

 

Sala do Colégio Dante Aleghieri, em 1934, há 88 anos...


📷 QUANDO O ANJO VIRA DEMÔNIO - HISTÓRIA DE UMA PROFESSORA QUE TRAUMATIZOU UMA VIDA

Ao longo da minha vida, orientei inúmeros Trabalhos de Conclusão de Curso, os famosos TCC’s. Um deles me marcou muito por um detalhe contado pela universitária. Sua pesquisa era na área da Educação Infantil, portanto, num dos capítulos ela discorria sobre a relação de afetividade que as crianças desenvolvem com os seus professores, os quais são verdadeiros deuses, amados e idolatrados.

Ela contou-me um fato passado com ela no ano de 1981, quando cursava o 3º ano primário, aos nove anos de idade. Como é comum, sua professora era a sua deusa, quase uma mãe devido ao sentimento de amor e afeto que sua pureza de criança dispensavam à professora. Ela adorava imitar a professora, pegava um pente e demorava horas imitando o jeito que ela alisava os cabelos. Tudo o que a professora fazia era bonito.

Todos os dias, assim que a professora adentrava à escola, ela corria e procurava uma forma de ajudá-la... carregar sua bolsa, os cadernos, os livros,  ou qualquer coisa que a sua deusa trouxesse a mais. Ajudá-la era tão prazeroso que ela se realizava, como se aquele pequeno favor a tornasse uma espécie de filhinha da professora. Aquilo era-lhe uma espécie de proteção. Mesmo que não tivesse algo para carregar e ajudar a mestra, o simples fato de acompanhá-la era parecido com comer um doce dos mais deliciosos. 
 
Quando a sua deusa chegava à sala dos professores - local proibido para alunos -, ela se realizava, como se a tivesse trazido no colo e a deixado em seu panteão sagrado. Então ela se afastava, mas sempre atenta à campainha, momento em que a professora se dirigia à sala de aula. Outra oportunidade que a pequena menina tinha para se deliciar em sua companhia. Era esse xodó a vida inteira.

Na realidade outras crianças disputavam a mesma deferência para com a professora. Uns mais, outros menos. A maneira amorosa como a universitária me narrava isso me impressionou muito. Confesso que quase quis conhecer a sua professora, a qual, nesse interim, caminhava para a aposentadoria, creio. Lembrei até da minha, embora não fui assim. Meus mimos eram eventuais: levava flores e algumas vezes doces caseiros ou os deliciosos pães feitos por minha mãe. Exceptuando isso, apenas o respeito devido. Nada mais.

Pois bem, mas como dizem que nem tudo é perfeito, essa história não terminou bem. Foi justtamente por isso que insisti para que essa universitária contasse  essa sua experiência no seu capítulo de memórias escolares, pois ela viveu um trauma terrível justamente com uma professora primária. O fato a impactou ao ponto de, mesmo adulta, não suportar ver a autora do trauma que ela carregou para a vida. Disse que quando cruzava com ela em supermercados, igreja e ambientes públicos, se sentia mal. A cena vinha como o clipe de um filme...

Ela relutou em colocar tais memórias no TCC. Disse que a professora poderia ler, lembrar,  e se ofender, então estaria ressuscitando defunto e arrastando problemas para ela. Então expliquei que, muito embora fosse quase impossível a professora ler, isso não seria maior do que a importância do registro, pois  a sua história seria útil para muitas pessoas. Despertaria reflexões. Ela aquiesceu. Mas o que houve? Como uma história tão linda de amor ao professor se transformou num trauma, sentimento que foi ensinado na pática pela professora.

Eis o enredo. Como acontecia quase todos os dias, ao término das aulas os alunos saiam agarrados com os professores. Diariamente ela se sentia realizada ao acompanhar a sua professora até o portão da casa dela. Admirava o jardim e a varanda. Seu sonho de consumo era entrar naquele espaço que era meio o céu. Mas jamais ousou sequer pedir para ver o jardim. Mal se aproximava da casa a professora já ia se despedindo dela. Um dia o galho de uma planta ornamental sobraçou o muro, permitindo que a menina pegasse uma flor. Essa flor foi colocada dentro de sua bíblia e se tornou um objeto de adoração. Era como se a professora tivesse representada ali.

Com o passar dos meses ela ensaiava pedir para ver a casa da professora, pelo menos a sala. Queria ver como era o espaço onde sua adorável professora vivia. Queria comparar com a casa dela, ver os detalhes da sala, da cozinha, do alpendre... mas não conseguia nem gaguejar a proposta. Assim que se aproximava da calçada, ela tentava falar, mas não conseguia. O pedido soava como a violação de um espaço sagrado. Era a casa da professora. A professora era uma deusa, então a menina não podia decifrar aquele mito.

Ao aproximar-se o mês de dezembro, ela percebeu que o seu sonho não se realizaria, pois no ano seguinte iria para o 3º ano e teria outra professora. Foi então que num determinado dia ela comeu mais feijão que de costume e teve coragem. Vinha caminhando como sempre, ao lado da professora amada e idolatrada, sua deusa, quase uma mamãezinha. Assim que pisou na calçada, disse “professora, me dá um copo d'água" (foi a desculpa para depois pedir para ver a casa). Naquele tempo ela ainda não sabia dizer “copo com água”. Na sua cachola, pensou que a professora gentilmente entraria com ela e serviria o copo com água dentro daquele templo dos deusas sagrados. seria a oportunidade de esquadrinhar cada milímetro.  Mas que surpresa amarga… Mal ela fechou a boca a professora disse, aliás, urrou “NÃO!!!!!!! VÁ BEBER ÁGUA EM SUA CASA, MENINA!!!!!

Coloquei a frase em caixa alta para ajudar a amplificar a estupidez como a professora respondeu à criança, aliás, a monstruosidade como ela se expressou. Ela disse isso num rompante, com caras e bocas de gente má, com feição de ódio, como se um demônio tivesse entrado nela. A universitária explicou que além das palavras estúpidas, a fisionomia de maldade no rosto da professora a assustou. A atitude abrupta da professora fê-la travar. Seu coração quase saltou pela boca. Foi literalmente uma metamorfose instantânea. O anjo virou demônio num segundo. A pequena saiu em disparada para a sua casa. A horripilante surpresa a fez engolir o choro, o coração palpitava, as pernas ficaram bambas… ela não via a hora de chegar perto da mãe. Foi como fugir do demônio.

Ao chegar em casa não quis almoçar. Ao entardecer, não quis fazer a tarefa, pois tudo o que era da escola, de repente se tornou a face da professora. Face assustadora. Face mal. A mãe a viu amuada e não deu muito cartaz. Eram vários filhos e não tinha tempo para especialidade. Se contasse talvez apanhasse ou levasse um corretivo “não tinha nada que pedir água na casa de ninguém!”. Durante a noite não dormiu direito, pensando em se encontrar logo cedo com o monstro… aliás… com a professora. Foi torturante, segundo ela.

O dia amanheceu. Os deuses vaticinaram para que ela queimasse em febre, sendo poupada de ir para o inferno… aliás… para a escola. Mas no dia seguinte não houve como evitar. Teria que dar de cara com o demônio… aliás... com a professora. Segundo ela, foi uma das experiências mais amargas e difíceis de sua vida. Aliás, tudo mudou em sua vida. Deixava a casa no horário de sempre, mas ficava de longe, escondida atrás de um muro, aguardando que todos entrassem. Quando a campainha tocava ela se imiscuia com os outros e se espremia até a sala. Queria ser invisível.

Quando viu a professora, teve um choque. Desapareceu toda a aura doce e maternal. Era uma presença de espinho. A menina mudou o lugar de sentar. Escolheu os fundos e passou a ficar sempre de cabeça baixa, evitando ser vista e se envolver em qualquer atividade com a turma. Durante o recreio se comportava da mesma forma. Buscava formas de desaparecer. A menina feliz, cheia de vida, que brincava com o vento, se tornou amedrontada, opaca, triste, esquisita...

O ano passou, ela reiniciou a terceira série com outra mestra, mas ainda trazia o ranço da série anterior, pois sempre se reencontrava com a professora que incorporou o demônio e destruiu a sua infância. 
 
A universitária disse que nunca se esqueceu daquilo. Segundo ela, foi traumatizante. Ela iniciou a série seguinte com muita dificuldade, pois queria se aproximar da nova professora, mas sentia medo. Então se tornou uma aluna fria. Aquele seu espírito alegre, a vontade de se envolver em tudo, seja nos trabalhos escolares, nas gincanas, festas escolares... morreu. A imagem dos professores se tornou diferente. Como se a qualquer instante um demônio fosse vomitado. Ela temia dar vazão à sua alma alegre, extrovertida porque tinha receio de descobrir monstros escondidos nesses professores. Houve um bloqueio. Foi difícil.

Essa história me foi contada em 1998. Resolvi transferi-la para o papel porque ela serve de reflexão. Com certeza o TCC dessa universitária, que fica disposto na Biblioteca Universitária, foi lido por muitos e serve de termômetro. Essa universitária nutre até hoje um forte receio dessa professora, que hoje está aposentada e tem até netos. Ou seja, passaram-se mais de trinta anos e a estupidez da professora - que, diga-se de passagem, passou anos sendo ministra da eucaristia -, ainda ecoa nas lembranças de uma aluna, sem que ela sequer imagine o trauma que causou.

Como teria sido diferente se ela tivesse sido delicada com sua aluna e a chamado para entrar, mesmo que fosse até a varanda, tendo lhe servido um copo com água, dito que teria outras ocupações e dado tchau com educação. Era uma professora. Precisava continuar educando. Crianças são curiosas. Mas são crianças. Faz parte delas. Mas o gesto de um segundo destruiu quase toda a vida da criança que se tornou adulta e arrastou o trauma.

Depois, tendo conhecido a professora pessoalmente, percebi de fato se tratar dessas pessoas passáveis, que não vieram para fazer a diferença, e que jamais deveriam ter escolhido a nobre missão de professora. Ainda bem que ela é uma exceção. ELA NÃO ERA UMA EDUCADORA. O problema é que pode existir outras exceções por aí.

Essa universitária também explicou que até mesmo na universidade sentia uma espécie de receio das pessoas, principalmente professores e a equipe técnica. Ficava apreensiva, temendo que alguém pudesse assustá-la com rompantes estúpidos. Temia dar opinião, fazer perguntas, discordar, concordar... Procurava ‘pisar em ovos’ ao se dirigir às pessoas. Passou muitos anos com esse comportamento, que também se estendeu a outros segmentos da sociedade.

Percebi que a natureza extrovertida, cheia de vida e inteligência dessa universitária ainda sobrevivia, mas sob capas. 
 
Pois é... quem bem pensar, jamais fere uma criança. Essa história nos faz imaginar quantas pessoas existem por aí cheias de traumas, algumas até com desequilíbrios, seja em consequência de pais monstros ou professores monstros. Essa é uma história real. Fiz questão de publicar para que pessoas sem a convicção de que professor deve ser também um educador,  jamais devem chegar perto de uma criança.

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