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Coronel José Joaquim de Carvalho e Araújo, presidente da Intendência de Papary |
Por L.C.Freire (12.11.2012)
Era 1913 o cientista norte-americano Edwin Chapin Starks, então com 46 anos, desembarcou no Rio Grande do Norte com a curiosidade inquieta de um cientista e o olhar treinado de quem já atravessara oceanos em busca de respostas. Integrava a Stanford Expedition, financiada pela Universidade de Stanford e liderada pelo geólogo John Casper Branner, e tinha como missão desvendar a fauna aquática do Nordeste brasileiro. Mal sabia Starks que encontraria, em uma pequena vila do interior, um aliado sem o qual sua jornada teria sido muito mais árdua. E seu nome Coronel José Joaquim de Carvalho e Araújo ficaria escrito para sempre acervo da Universidade de Stanford e no Museu Americano de História Natural de Nova York.
Depois de semanas em Natal, investigando poças de maré e arrastando redes do porto ao estuário do rio Carnahubinha, Starks já havia enfrentado frustrações. As redes, importadas da Inglaterra, rompiam-se com a insistência das algas; os peixes eram escassos; o mercado local mal fornecia exemplares para complementar suas coletas. Havia percorrido o Lago de Extremoz, onde a água turva e cheia de matéria vegetal inviabilizava os arrastos, e seguira para Ceará-Mirim, onde garotos da vila mergulhavam com puçás, rindo entre um mergulho e outro, para capturar o que podiam. Mas as dificuldades persistiam.
— “Aqui, senhor Starks, a ciência não terá barreiras. Tudo o que depender de mim, terá.”
A partir daquele momento, Papary tornou-se o coração da expedição. O coronel mobilizou recursos, convocou pescadores, cedeu embarcações e abriu caminhos por onde Starks jamais teria acesso sozinho. Na Lagoa Papary, extensa e rasa, de margens pantanosas e canais bloqueados por aguapés, José de Araújo intercedeu pessoalmente junto às autoridades para liberar técnicas de pesca normalmente proibidas, como o uso de redes de emalhar. Lembra-se de ter reunido os pescadores ao entardecer, à beira do lago, instruindo-os com paciência sobre o trabalho delicado que fariam.
— “Não é só por ele, é por nós. Cada peixe que ele leva catalogado será a história de nossas águas contada ao mundo.”
Starks, que não dominava bem o português, entendia mais pela expressão do coronel do que pelas palavras. Em cartas à esposa Chloe Lesley Starks, ilustradora das espécies coletadas, descrevia aquele homem de 63 anos como “um pilar”, “um protetor silencioso da ciência”.
Graças ao empenho de José de Araújo, Papary se transformou em um verdadeiro laboratório a céu aberto. Foram dias de intenso trabalho: redes sendo içadas com esforço, meninos rindo com peixes ainda vivos nas mãos, o coronel observando tudo de braços cruzados, às vezes ajudando a puxar uma embarcação atolada na lama. Ao fim da temporada, Starks havia conseguido reunir uma das coleções mais expressivas de toda a expedição.
Dois anos depois, em 1913, Starks publicou os resultados: 15 espécies dulcícolas registradas no Rio Grande do Norte, algumas inéditas, além de peixes marinhos como Centropomus, Mugil e Gerres, indícios de que o Lago de Extremoz teria sido conectado ao mar em tempos recentes. No relatório, fez questão de nomear o coronel:
“Sem a hospitalidade generosa, a influência e o esforço pessoal de José Joaquim de Carvalho e Araújo, presidente da Intendência de Papary, não teria sido possível alcançar o sucesso que tivemos.”
As amostras coletadas foram incorporadas ao acervo da Universidade de Stanford, enquanto duplicatas seguiram para o Museu Americano de História Natural de Nova York. Até hoje, ao serem consultados, esses acervos guardam não apenas a memória científica de Starks, mas também o nome do Coronel José Joaquim de Carvalho e Araújo, imortalizado pelo desvelo e apoio irrestrito que dedicou ao pesquisador durante sua passagem por Papary. Cada desenho feito por Chloe Lesley Starks carrega, de certa forma, a presença desse coronel de espírito generoso, cujo cuidado abriu caminhos para que a ciência florescesse nas lagoas potiguares.
Mais de um século depois, permanece viva a lembrança daquele encontro improvável: um coronel potiguar, aos 63 anos, cuidando com devoção para que um pesquisador de 46 anos, vindo de tão longe, pudesse deixar um legado imortal.
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