OBRIGADO, MESTRE!
Sempre admirei Ariano Suassuna, antes mesmo de o “Auto da Compadecida” se tornar um clássico da TV brasileira. Não há como não tirar o chapéu para esse escritor genial, que, ao contrário do que alguns pensam, deixou vasta obra. Sua inteligência, seu bom humor, suas críticas, a maneira de se expressar, a voz, o sotaque... tudo isso lhe emprestava um contorno especial e prendia a atenção de quem assistia a suas palestras, suas “aulas espetáculo” e suas entrevistas. Tive o privilégio de assisti-lo por duas vezes. Bastava o homem falar que não tinha como não prestar atenção com admiração.
Atrás do criador de “Chicó” e “João Grilo” existia o criador de diversas personagens de grande significação para a brasilidade com ênfase à ‘nordestinidade’. Sua aparência, seu jeito aparentemente simplórios escondiam um filósofo que escrevia com a finalidade de instigar o homem ao pensar, sem poupar opiniões muitas vezes ácidas e incômodas a quem quer que fosse.
O “Auto da Compadecida”, por exemplo, carregado de humor, permite ao leitor (e telespectador) fazer sérias reflexões sobre diversos assuntos. Um deles é a hipocrisia de alguns religiosos.
Quando Ariano Suassuna publicou tal obra, teve problemas com a Igreja Católica pelo fato de mandar para o inferno justamente aqueles que, aparentemente, tinham lugar certo no céu – e mandar para o céu aqueles que, aparentemente, tinham lugar certo no inferno. Óbvio que ele precisou de ‘panos de fundo’ para ambientar sua criatividade, pois a forte carga de hipocrisia contida em muitos personagens é a mesma em pleno século XXI. E permanece obviamente em muitos religiosos, com exceções, independente de igrejas.
O paraibano radicado há décadas no Pernambuco é autor de ensaios, crônicas, artigos, romances, peças de teatro além de ter criado o “Movimento Armorial”, cuja proposta é interessantíssima. Em vida publicou 16 livros.
Alguns o criticam pelo fato de ele ser conservador e tradicionalista no que se refere às manifestações folclóricas e a Música Popular Brasileira. Não o vejo assim. É certo que vivemos num mundo globalizado e com influências instantâneas em tudo (moda, música, dança, linguagem, gestos etc), mas enquanto os demais países vivenciam tudo isso e preservam a sua própria cultura, nós, brasileiros, esquecemos da nossa, vivenciando apenas a cultura dos outros.
Tem muita gente que torce o nariz quando se fala de “Boi-de-Reis”, “Pastoril”, “Bambelô”, “Congada”, “Boi-de-Mamão”, Agnaldo Rayol, Maria Betânia, Caetano Velozo, Núbia Lafaiette, Nelson Gonçalves, Maysa etc etc etc. Ele nos levou a pensar que boa parte dos jovens brasileiros tem vergonha da sua brasilidade. O que não é novidade, mas quando um homem da sua dimensão atinge as massas e os ambientes mais acadêmicos com tal discurso, é ótimo. Grosso modo, era simplesmente isso o que Ariano Suassuna criticava de forma ácida.
Sobre boa parte do repertório da MPB (clássicos, bregas etc) ele não poupava ironias, levando as plateias ao delírio com colocações fantásticas, tipo “é uma esculhambação da mulesta”. Se ele dava uma exagerada em algumas opiniões sobre x ou y, é digno que o tenhamos relevado mediante tudo o que ele foi.
Até parece que ele queria que tudo tivesse parado no tempo, mas engana-se quem assim pensa. Ariano Suassuna criticava o fato de o Brasil negar a sua raiz e enaltecer o que veio de fora. Ele entendia que o Brasil deve valorizar o que veio de fora desde que tenha qualidade, mas sem que a “internacionalidade” sobrepuje a “brasilidade”. Esta deve estar em primeiro lugar.
Ariano Suassuna detonava o lixo colocado onde quer que seja. Ele fazia reflexões sérias e importantes sobre a linguagem chula, vulgar, pornográfica e sem nexo que chega ao povo através de diversas manifestações artísticas, alienando as pessoas ao invés de despertar nelas o espírito crítico. Ele dizia que “lixo não é arte”, “lixo não é música”, “lixo não é cultura”. Na concepção dele o “velho” deve caminhar junto com o “novo”, desde que esse “novo” seja algo que possa somar positivamente, e não enaltecer o lixo. O “velho” pode até sofrer mudanças, mas do tipo que você lerá abaixo.
Não há como evoluir sem sofrer mudanças - nem mesmo a arte - mas que as mudanças não interfiram na essência, nem agridam a estética. Era mais ou menos assim que ele pensava. E que boa parte de nós pensamos.
Dia desses eu conversava com uma pessoa sobre uma manifestação rara, ainda em voga em São José de Mipibu, chamada “Pau Furado”. No passado os brincantes se serviam de toras de uma madeira hoje em extinção, a qual era ‘ocada’. Essa peça fazia as vezes de um atabaque para batucar as canções. A pele era de raposa ou algo assim. A todo instante os dançantes esquentavam a pele de tal instrumento numa fogueira que faziam ao redor. Desse modo o som ficava mais audível.
Hoje, eles usam instrumentos musicais modernos, e nas raras vezes que fazem fogueiras, adquirem gravetos de mangueiras ou árvores frutíferas velhas, pois não se pode destruir as matas para fazer zabumbas ou fogueiras. E assim vai. Porém, a essência não morre, que são as canções, o bailado, a indumentária, a mesma alegria contagiante de séculos passados.
Ariano criticava a acanhada falta de políticas públicas em prol da cultura, principalmente em governos anteriores, a ausência de uma reeducação para a tal brasilidade a partir dos primeiros anos escolares etc.
Tenha certeza que esse genial intelectual era um dos pilares da nossa cultura, da nossa história, da nossa literatura, da nossa brasilidade. Torço para que com a sua morte não se definhe o patrimônio que ele tanto defendeu, e que, com certeza, deve estar dentro de cada um de nós, aliás, ele próprio era um patrimônio monumental. LUIS CARLOS FREIRE.
Sempre admirei Ariano Suassuna, antes mesmo de o “Auto da Compadecida” se tornar um clássico da TV brasileira. Não há como não tirar o chapéu para esse escritor genial, que, ao contrário do que alguns pensam, deixou vasta obra. Sua inteligência, seu bom humor, suas críticas, a maneira de se expressar, a voz, o sotaque... tudo isso lhe emprestava um contorno especial e prendia a atenção de quem assistia a suas palestras, suas “aulas espetáculo” e suas entrevistas. Tive o privilégio de assisti-lo por duas vezes. Bastava o homem falar que não tinha como não prestar atenção com admiração.
Atrás do criador de “Chicó” e “João Grilo” existia o criador de diversas personagens de grande significação para a brasilidade com ênfase à ‘nordestinidade’. Sua aparência, seu jeito aparentemente simplórios escondiam um filósofo que escrevia com a finalidade de instigar o homem ao pensar, sem poupar opiniões muitas vezes ácidas e incômodas a quem quer que fosse.
O “Auto da Compadecida”, por exemplo, carregado de humor, permite ao leitor (e telespectador) fazer sérias reflexões sobre diversos assuntos. Um deles é a hipocrisia de alguns religiosos.
Quando Ariano Suassuna publicou tal obra, teve problemas com a Igreja Católica pelo fato de mandar para o inferno justamente aqueles que, aparentemente, tinham lugar certo no céu – e mandar para o céu aqueles que, aparentemente, tinham lugar certo no inferno. Óbvio que ele precisou de ‘panos de fundo’ para ambientar sua criatividade, pois a forte carga de hipocrisia contida em muitos personagens é a mesma em pleno século XXI. E permanece obviamente em muitos religiosos, com exceções, independente de igrejas.
O paraibano radicado há décadas no Pernambuco é autor de ensaios, crônicas, artigos, romances, peças de teatro além de ter criado o “Movimento Armorial”, cuja proposta é interessantíssima. Em vida publicou 16 livros.
Alguns o criticam pelo fato de ele ser conservador e tradicionalista no que se refere às manifestações folclóricas e a Música Popular Brasileira. Não o vejo assim. É certo que vivemos num mundo globalizado e com influências instantâneas em tudo (moda, música, dança, linguagem, gestos etc), mas enquanto os demais países vivenciam tudo isso e preservam a sua própria cultura, nós, brasileiros, esquecemos da nossa, vivenciando apenas a cultura dos outros.
Tem muita gente que torce o nariz quando se fala de “Boi-de-Reis”, “Pastoril”, “Bambelô”, “Congada”, “Boi-de-Mamão”, Agnaldo Rayol, Maria Betânia, Caetano Velozo, Núbia Lafaiette, Nelson Gonçalves, Maysa etc etc etc. Ele nos levou a pensar que boa parte dos jovens brasileiros tem vergonha da sua brasilidade. O que não é novidade, mas quando um homem da sua dimensão atinge as massas e os ambientes mais acadêmicos com tal discurso, é ótimo. Grosso modo, era simplesmente isso o que Ariano Suassuna criticava de forma ácida.
Sobre boa parte do repertório da MPB (clássicos, bregas etc) ele não poupava ironias, levando as plateias ao delírio com colocações fantásticas, tipo “é uma esculhambação da mulesta”. Se ele dava uma exagerada em algumas opiniões sobre x ou y, é digno que o tenhamos relevado mediante tudo o que ele foi.
Até parece que ele queria que tudo tivesse parado no tempo, mas engana-se quem assim pensa. Ariano Suassuna criticava o fato de o Brasil negar a sua raiz e enaltecer o que veio de fora. Ele entendia que o Brasil deve valorizar o que veio de fora desde que tenha qualidade, mas sem que a “internacionalidade” sobrepuje a “brasilidade”. Esta deve estar em primeiro lugar.
Ariano Suassuna detonava o lixo colocado onde quer que seja. Ele fazia reflexões sérias e importantes sobre a linguagem chula, vulgar, pornográfica e sem nexo que chega ao povo através de diversas manifestações artísticas, alienando as pessoas ao invés de despertar nelas o espírito crítico. Ele dizia que “lixo não é arte”, “lixo não é música”, “lixo não é cultura”. Na concepção dele o “velho” deve caminhar junto com o “novo”, desde que esse “novo” seja algo que possa somar positivamente, e não enaltecer o lixo. O “velho” pode até sofrer mudanças, mas do tipo que você lerá abaixo.
Não há como evoluir sem sofrer mudanças - nem mesmo a arte - mas que as mudanças não interfiram na essência, nem agridam a estética. Era mais ou menos assim que ele pensava. E que boa parte de nós pensamos.
Dia desses eu conversava com uma pessoa sobre uma manifestação rara, ainda em voga em São José de Mipibu, chamada “Pau Furado”. No passado os brincantes se serviam de toras de uma madeira hoje em extinção, a qual era ‘ocada’. Essa peça fazia as vezes de um atabaque para batucar as canções. A pele era de raposa ou algo assim. A todo instante os dançantes esquentavam a pele de tal instrumento numa fogueira que faziam ao redor. Desse modo o som ficava mais audível.
Hoje, eles usam instrumentos musicais modernos, e nas raras vezes que fazem fogueiras, adquirem gravetos de mangueiras ou árvores frutíferas velhas, pois não se pode destruir as matas para fazer zabumbas ou fogueiras. E assim vai. Porém, a essência não morre, que são as canções, o bailado, a indumentária, a mesma alegria contagiante de séculos passados.
Ariano criticava a acanhada falta de políticas públicas em prol da cultura, principalmente em governos anteriores, a ausência de uma reeducação para a tal brasilidade a partir dos primeiros anos escolares etc.
Tenha certeza que esse genial intelectual era um dos pilares da nossa cultura, da nossa história, da nossa literatura, da nossa brasilidade. Torço para que com a sua morte não se definhe o patrimônio que ele tanto defendeu, e que, com certeza, deve estar dentro de cada um de nós, aliás, ele próprio era um patrimônio monumental. LUIS CARLOS FREIRE.
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