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Um dos pontos que mais me questionam sobre Nísia Floresta Brasileira Augusta – e que acho curioso – é sua vida particular, ou melhor, a vida fictícia e desairosa que outras pessoas criaram sobre ela.
Entendo que obviamente essa impressão seja fruto de uma carta escrita por Isabel Gondim, em 1884, um ano antes da morte de Nísia Floresta, e que deu origem a tais questionamentos e muito folclore.
Alguns acham mais importante falar da lenda, do mito, em detrimento da sua obra. Ai reside o pecado, pois deixa-se de falar da intelectual gigante que foi Nísia Floresta, cujos escritos devem ser conhecidos por todos.
Na realidade, entendo que deveríamos silenciar o assunto da difamação, pois a obra de Nísia Floresta é tão monumental e atual que a carta bizarra de Isabel Gondim não a torna menor. Mas quando me deparo com tantas perguntas sobre esse assunto, reafirmo a ideia de que é necessário esclarecer os fatos, do contrário, estaremos involuntariamente colaborando com toda a deturpação.
Como já escrevi em postagem anterior, neste mesmo blog: "A carta de Isabel Gondim e outros textos malditos", Nísia Floresta teve uma educação totalmente diferenciada das mulheres de sua época. Prova disso é que, em 1810, o inglês Henry Koster estranhou quando almoçou na casa dos pais de Nísia Floresta (antes de ela nascer) e sentou-se à mesa com as mulheres da casa, hábito que não viu nas outras províncias que percorreu.
Isabel Gondim – ao contrário do que alguns apregoam – não foi contemporânea de Nísia Floresta, pois nasceu vinte e nove anos depois, quando Nísia Floresta já havia escrito vários artigos em jornais e publicado o seu polêmico primeiro livro "Direito das mulheres e injustiça dos homens". Elas sequer se conheceram.
O pouco tempo que Nísia Floresta viveu na província do Rio Grande do Norte não fê-la aborver os preconceitos tão comuns que se tinham sobre a mulher. Já a nossa Isabel demonstra ter sido altamente conservadora e mantenedora de tabus, pois faz colocações muito pesadas, comportando-se como quem vigiasse Nísia Floresta ao longo da vida, supondo apenas difamações. Em momento algum ela a enaltece.
Não quero que o leitor entenda que desmereço Isabel Gondim. Pelo contrário, pois foi uma pessoa que se doou ao magistério como ninguém. Deixou uma obra de história que é citada por vários autores, mas sua vida se resumiu ao Rio Grande do Norte, sob uma formação cheia de rigores cristãos e plenos de tabus.
Nísia também recebeu educação cristã, mas numa linha crítica. Sua obra é permeada de críticas muito fortes à Igreja Católica, fato impensável à Isabel Gondim. Como bem escreveu Gilberto Freire, em Sobrados e Mucambos "(...) causa pasmo ver uma figura como a de Nísia". E também já foi dito que "Nísia Floresta era um gênio, e Isabel Gondim, geniosa".
Embora anônima e sem data, a carta aqui postada, provavelmente feita por pessoa contemporânea de Isabel Gondim, foi o primeiro documento escrito com finalidade de retrucar a difamação que ela fez sobre Nísia Floresta. É a primeira vez que este documento é digitalizado. Alguns supõem ser Joaquim Meiroz Grillo o autor. Mas é suposição.
A carta de Isabel Gondim foi publicada em 1884 e, assim como a carta aqui postada, traz um português arcaico. Isso nos faz supor que seja da mesma época ou quase. É mais um documento importante e que ofereço ao leitor em primeira mão.
Leia, abaixo, a transcrição que fiz da carta contestadora. Tive muita dificuldade nem tanto pela escrita arcaica, pois sou acostumado a transcrever documentos antigos, mas pela letra garatujada do autor. As poucas partes que não compreendi, deixo-as pontilhadas e com observação de quantas palavras estão ilegíveis:
"Carta a ".........................." (uma palavra ilegível) de Isabel Gondim, sobre Nysia Floresta.
Não é verdade ser d.
Antonia Clara Freire descendente de mestiços inferiores, como faz
crer d. Izabel.
O seu pai, Bento Freire do
Revoredo é filho legítimo de Diogo Marques do Revoredo e Ignácia
Carneiro, ricos proprietários, portugueses seus descendentes
imediatos, estabelecidos no sítio Tamatanduba, do então termo de
Villa Flor. Chamam-no de Capitão-mor de Villa Flor.
No livro de notas, de 1763
a 1796, ha notícia de sua forte actuação social no ...............
(uma palavra ilegível).
Está no cartório da
villa de Goyaninha.
Bento Freire do Revoredo
casou-se, por amor, com a mestiça Mônica da Rocha Bezerra, de
peregrina beleza, descendente da india a quem se refere dona Izabel e
da autoridade militar em Goyaninha, de que se ignora o appelido
Barbalho, pois é mais curial se atribuir pertença aos Rocha Bezerra
que deram á Provincia um dos seus primeiros presidentes.
A chronica da família diz
que os Barbalhos de Goyaninha vem de um Barbalho de Mamanguape,
casado com Maria Germana Freire, filha de Bento e Monica.
O casal Bento Freire do
Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra se estabeleceram na propriedade
Jundiá no valle do rio de igual nome, que banha o município de
Goyaninha e se lança no rio Jacú. Ahí florescem amplamente.
Bento e Mônica tiveram 14
filhos (8 mulheres e 6 homens). Conheço pelos nomes todas as
mulheres e 3 dos varões.
Esta é a família
appelidada – Jundiá – que domina em Goyaninha desde 1780, mais
ou menos.
D'ella descendem Nysia
Floresta, Francisco Altino Correia de Araújo (político e pianista
notável), Basílio Quaresma Torreão, desembargador no Maranhão, o
nosso velho João Tibúrcio, ha mais de meio seculo, professor de
latim e portuguez do Rio Grande do Norte, intellectual, outros e
outros, até Augusto Carlos Vasconcellos Monteiro, deputado Federal
por este Estado e depois Governador do Acre, posto em que faleceu.
Assim, Nysia tem razão
para não ser u'a plagiadora, como quer Izabel Gondim, menciona ainda
seu pai como .................... (uma palavra ilegível) e artista.
Outra cousa horrível é
afirmar d. Izabel Gondim que Nysia Floresta foi como uma meretriz
publica, em Natal, depois de separar-se do marido, havendo ido mais
tarde recomendada comotal para Recife, onde se estabeleceu foi fixar.
É pouco lícito crer-se
que haja quem recomende uma prostituta de um lugar para outro,
distantes, pois a tendência é o desejo de seus frequentadores, se
ella fosse, é attrahil-a cada vez mais, deixando-a como está.
Como remetterem de Natal
para Recife a Nysia Floresta com cartas de recomendações e
passa-porte de metertriz? Não creio, não se pode crer!
E os factos corroboram
para o descrédito dessa berrante premissa.
Ao tempo do desastre no
lar de Nysia, governava a província Antonio da Rocha Bezerra ou
Basílio Quaresma Torreão, seus próximos parentes, e tinha grande
influencia local na parochia de Goyaninha o seu primo legitimo Manoel
Joaquim Grillo que fez parte dos que elegeram a Junta Governativa
posterior a Revolução de 17 e tomou assento na primeira Assembléa
Provincial, depois do Acto que se adicionou a Constituição.
A melhor sessão é que
Nysia Floresta, envergonhada com a felicidade de sua caza, procurou o
Recife, afim de viver honestamente, embora o seu temperamento, a sua
belleza, talento e mocidade lhe tivessem determinado novos amores com
o estudante que se foi o seu mestre e maior companheiro
...................... (uma palavra ilegível)
Não era possível que
fosse uma mulher livre em Natal quem fazia parte da melhor sociedade
e vivia nas rodas palacianas na condição de prima legítima de dona
Anna ................................................. (duas
palavras-nome/sobrenome ilegíveis), esposa do ........... (uma
palavra ilegível) presidente Basílio Quaresma Torreão, que casou
em Goyaninha com ...................... (só uma palavra ilegível)
filha de Anna Rita Freire do Revoredo, irmã de Antonia Clara Freire
do Revoredo, mãe de Nysia Floresta".
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Veja, abaixo, as demais partes da referida carta
Veja, abaixo, as demais partes da referida carta
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