Dona Lurdes
Silva é uma poeta nisiaflorestense cujas suas poesias são carregadas de simplicidade e primitivismo. Para escrever sobre ela escolhi o meu conterrâneo Manoel de Barros para fazer contraponto e construir os cometários. Ela não traz a genialidade desse singular poeta sul-mato-grossense, pois infelizmente não teve as mesmas oportunidades. Dona Lurdes não escreve suas poesias no papel,
apenas cria mentalmente e declama. Já Manoel de Barros escrevia e não
declamava. Era avesso a entrevistas. Para justificar a sua mudez ele costumava citar Confúcio: “a palavra
falada não tem pudor, o silêncio é a casta flor do amor”.
Já dona Lurdes alega
algo que nos entristece “nunca tive a oportunidade de estudar, só de trabalhar
para fora” (abril/1997).
Mas ela também se identifica
com Manoel de Barros quando precisa ver para criar suas poesias. O meu
conterrâneo dizia que “poesias são visões”. Ele não entendia a poesia como
inspiração, mas como algo que exigia ser visto para ser transformado em poesia:
“Uso a palavra para compor meus silêncios:
Não
gosto das palavras
fatigadas de informar. Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes (...)” (O apanhador de desperdícios)
fatigadas de informar. Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes (...)” (O apanhador de desperdícios)
Dona Lurdes costuma visitar os locais que
pretende dedicar alguma poesia. Digo 'dedicar' porque suas criações poéticas são verdadeiras reverências ao lugar. Ela imprime muito respeito ao que vê. Às vezes visitas tais lugares à noite, principalmente onde há água, pois quer traduzir em palavras a sensação de ver a lua e as estrelas refletidas na água para, bem como ouvir os sons da noite. Muito
do que está na sua poesia é, literalmente, o que ela viu in loco. Interessante quando ela menciona os elementos que vê e, de
repente, transmuta-os. Isso é muito recorrente em suas declamações. No poema em
homenagem a Lagoa Carcará - por exemplo - ela cita uma bela turista que se banha nas areias.
Obviamente é uma turista de fato que ela viu por ali. Ao comparar essa mulher com uma
sereia da praia certamente se reporta às imagens que foi acostumada a reconhecer como sereia (como também somos) Ao dizer "bela" e relacioná-la a uma sereia, percebe-se a cultura imagética desse ser mitológico, o qual é mostrado com a pele muito branca e cabelos claros (imagens quase sempre típicas dos turistas). De repente a sereia é a própria lagoa/praia.
Manoel de Barros disse "minhas poesias são feitas de pedaços". Ele tinha o hábito de anotar frases em seus incontáveis caderninhos. Depois "editava", montava, juntava e jogava o que não lhe era interessante. Dona Lurdes faz exatamente o mesmo. Mas como, se ela não as escreve? Ela tem o hábito de, vamos dizer, "improvisar" suas declamações, dependendo o seu estado de espírito, misturando trechos de uma e de outra poesia, sem comprometer a sua fluência. Nunca elas são iguais, por mais que lembrem outras. São muito interessantes essas estratégias, essas transmutações, esses arranjos poéticos de d. Lourdes. Ela não possui a riqueza vocabular de Manoel de Barros, mas explora com maestria e elegância uma linguagem simples, nutrida em "Papari".
Manoel de Barros disse "minhas poesias são feitas de pedaços". Ele tinha o hábito de anotar frases em seus incontáveis caderninhos. Depois "editava", montava, juntava e jogava o que não lhe era interessante. Dona Lurdes faz exatamente o mesmo. Mas como, se ela não as escreve? Ela tem o hábito de, vamos dizer, "improvisar" suas declamações, dependendo o seu estado de espírito, misturando trechos de uma e de outra poesia, sem comprometer a sua fluência. Nunca elas são iguais, por mais que lembrem outras. São muito interessantes essas estratégias, essas transmutações, esses arranjos poéticos de d. Lourdes. Ela não possui a riqueza vocabular de Manoel de Barros, mas explora com maestria e elegância uma linguagem simples, nutrida em "Papari".
A poeta D. Lurdes. Nesse dia eu a chamei para ser homenageada enquanto o Coco de Roda dançava defronte à Matriz). Devagarinho ela perdeu o receio de enfrentar multidão. |
Nascida e criada na “Moita”,
área muito usada para agricultura, num sítio envolto por mata fechada, à época,
Dona Lurdes conviveu com natureza exuberante. Com certeza é por esse motivo que
sua poesia está povoada de pássaros, céus resplandecentes, águas, flores, fogões
a lenha, quartinhas, enfim tudo o que nutriu a sua infância e juventude. Segue,
abaixo, comentários sobre suas principais poesias. Ficarei devendo, por algum
tempo, outras fotografias, pois diante de um acervo gigantesco, ainda não digitalizei
as inúmeras imagens dessa pessoa que tanto admiro e tenho orgulho de tê-la
descoberto e incentivado-a a se apresentar nos locais públicos. Ela dizia sentir vergonha de declamar em público. Com muito custo, levando-a para se apresentar num local e noutro, ela foi perdendo a timidez.
Tive a oportunidade de trazer para Nísia Floresta inúmeros grupos folclóricos de outros municípios, convidando-a como platéia. E aos poucos ela foi para o palco. Às vezes convidava canais de televisão, intelectuais potiguares em eventos de outras naturezas e sempre a envolvia de alguma forma. Não precisou muito para que ela se tornasse uma poeta que declamava. Interessante que constatei esse comportamento com a dupla "Pirão Bem Mole", em 1992. Levei-os para a sala de aula para que suas protagonistas Raimunda e Salete sentissem que eram importantes. Chegou a esse ponto, pois tinham vergonha. A classe, após ter tido comigo diversas aulas sobre a importância da Cultura Popular, recebeu-as com louvor. Veja que mudança para duas pessoas que diziam exatamente assim: "os povo manga da gente, Luís Carlos... eles não dá valor". Essa experiência não tem preço.
Tive a oportunidade de trazer para Nísia Floresta inúmeros grupos folclóricos de outros municípios, convidando-a como platéia. E aos poucos ela foi para o palco. Às vezes convidava canais de televisão, intelectuais potiguares em eventos de outras naturezas e sempre a envolvia de alguma forma. Não precisou muito para que ela se tornasse uma poeta que declamava. Interessante que constatei esse comportamento com a dupla "Pirão Bem Mole", em 1992. Levei-os para a sala de aula para que suas protagonistas Raimunda e Salete sentissem que eram importantes. Chegou a esse ponto, pois tinham vergonha. A classe, após ter tido comigo diversas aulas sobre a importância da Cultura Popular, recebeu-as com louvor. Veja que mudança para duas pessoas que diziam exatamente assim: "os povo manga da gente, Luís Carlos... eles não dá valor". Essa experiência não tem preço.
D. Raimunda e Salete, em fotografia de 1997
Lagoa do Bonfim
Ela declama
reverenciando a natureza, ora como se ela fizesse parte dela, ora como se a
natureza contracenasse com ela. Nesse poema, dá-se a impressão que a lagoa
declama para um namorado. Ao mesmo tempo ela – a poetisa – parece reverenciar
um namorado. No corpo poético ela menciona o seio da lagoa, pois como se trata
de um substantivo feminino a lagoa se torna mulher. Há nesse poema uma
preocupação social quando ela diz que aquelas águas matam a sede de muitas
crianças do Seridó (a Adutora Monsenhor Expedito pois está instalada nesse manancial).
Lagoa
Boágua
No poema D. Lourdes
transforma a lagoa numa índia e depois numa morena. Ela chora o distanciamento
da lagoa, como se fosse uma pessoa abandonando um grande amor. Se isso é
intencional ou não ela mexe com quem a ouve. Mas logo em seguida o enredo muda.
Na verdade, ela está aludindo ao período do estio, quando suas águas diminuem
consideravelmente, aumentando a praia. Mas ela valorizou esse fenômeno. Nesse
poema ela coloca um curioso acento agudo no A de agua, transformando a palavra em aguá. Ela modifica
drasticamente a pronúncia. A brincadeira é marca recorrente de suas declamações.
Lagoa de
Carcará
É um poema surreal e cheio de sensualidade. Ela transforma a lagoa num homem que a possui naquelas águas, e que traz o nome de “carcará” (tupi: Karaka'rá), pássaro muito comum na região de Nísia Floresta. Nessa viagem ela nos lembra os mitos, os homens com corpos de animais. Na realidade ela cria um personagem mitológico e vela a relação sexual, citando o nado e o mergulho. Logo ela conversa com o pássaro. Ele pede que ela não se assuste com ele. Como o carcará é um substantivo masculino e lagoa um substantivo feminino ela transforma a lagoa em homem, pois tem nome masculino “carcará”. O homem deixa de ser a lagoa e é o pássaro. Adiante ela cita o resedá, uma flor que já foi abundante em Nísia Floresta, e que hoje quase não se vê. Compara essa flor aos nativos, chamando-os “mulatos”. Ao dizer que eles “cheiram ao resedá”, parece se referir aos nativos, certamente pelas características indígenas de muitos.
É uma poesia breve. Ela traça um retrato do que
viu naquele dia, permitindo ao ouvinte ter um retrato imaginário da Barreta. Ao
se deparar com dois pescadores, conduz o leitor ao evangelho, transformando os
dois nativos em Pedro e André, personagens bíblicos.
Também é uma poesia breve. Em Currais ela enaltece as belezas naturais dali, destacando suas águas e seus pássaros, enfim ela descortina lentamente a natureza, permitindo que o ouvinte veja e sinta o cenário. A poetisa compara o distrito de Currais ao beija-flor e ao mesmo tempo um bem-te-vi, sendo Golandi um deles, pois são dois lugares muito próximos. N. Floresta, 2004)
Nenhum comentário:
Postar um comentário