Eu
e a minha mania de guardar coisas insignificantes, mas preciosas ao modo de
Tom Sawyer e Huckleberry Finn. Assim prefiro explicar essa mania plantada nas
terras dos meus nove anos. Creio que o jardineiro foi o meu próprio pai. Tudo
começou com um gigantesco baú ainda conservado a sete chaves no seu
quarto, sob o peso dos seus 95 anos. Baú desses que mais parecem uma cômoda gigante de dois metros e meio por um e vinte, tampa única e cheio de burundangas.
Moeda datada de 1753, conforme se vê. |
Moeda datada de 1733 |
Vez em quando ele abria o baú. Eu e meus irmãos
olhávamos a olhos de lua cheia, pois fomos educados a ficar longe dali. Num
desses dias ele deu-me algumas moedas antigas (as primeiras que estão nessa
postagem). Uma delas é datada de 1734, ou seja, possui 285 anos. É mais velha
que Tiradentes! O mártir nasceu em 1746. Veja a raridade!
Essas moedas têm um percentual de ouro e prata |
Ele disse que eu guardasse bem guardada. Não
sei porque meu pai fez aquilo, afinal era um bem pertencente ao seu baú. Creio
que ele percebia o quanto eu era cuidadoso com umas latas velhas de Leite Ninho,
onde eu conservava um monte de coisas insignificantes, tipo figurinhas de
jogadores de futebol, tampinhas de garrafa de uma promoção da Disney, selos
postais, bonecos em miniatura, um caco de vidro azul royal lixado (adorava ver
por ele). O Mundo ficava azul.
Mas
vamos ao que interessa. Um dia, ao visitar uma senhora, por nome Aparecida Veríssimo,
vizinha e dona de pensão (adorava tomar chimarrão com ela e sua irmã Maria
Bittencourt) deparei-me com um monte de moedas antigas em sua casa. Estavam largadas
no quintal, sobre uma mesa embranquecida de sol. Perguntei se ela me dava e
ganhei todas. Eram cinco. A partir daí comecei a colecionar. Assim percebi que existiam cédulas antigas também, faladas "dinheiro de papel". Eu não conhecia a
numismática, mas surgiu um numismata em mim.
Aos poucos tornei-me um perseguidor de
moedas e cédulas antigas. Certa vez fui a Xavantina, distrito de Brasilândia, berço
dos índios xavantes. Era local ermo, envolto por mata fechada. Com muito custo
ganhei de minha mãe o crédito de uma viagem para ficar na casa de conhecidos
(na realidade nem conhecidos eram; inventei). Nessa época meu pai estava em
Nobres, próximo de Cuiabá. Ficou mais fácil para a minha mãe dar tal permissão.
Vasculhei Xavantina.
Encontrei uma moeda do século XIX pregada numa porteira. Passei uma tarde cutucando-a
para retirá-la. Era quase uma obsessão. Para a numismática moeda furada não tem
valor, mas eu não me importaria com isso se soubesse. Eram cem réis.
Onde eu suspeitasse que
existissem moedas e cédulas antigas ia atrás. Ganhei muitas. Comprei muitas. Troquei
muitas. Perdi muitas. Juntei muitas. Era um sacerdócio. Fiz muitas amizades através dessa perseguição. Conheci muitos lugares através dessa obsessão. Adorava vê-las,
manuseá-las, mostrá-las para quem porventura gostasse. Fui roubado algumas
vezes, diga-se de passagem! Era como se tivessem arrancado um pedaço de mim.
Cada moeda/cédula tinha uma
história. Cada qual trazia uma lembrança, assim como a pessoa que me deu ou que
me vendeu, o episódio da permuta etc. Essas lembranças não contam para a
numismática, mas para mim valiam muito. Até hoje vejo o rosto de muitas pessoas
quando manuseio algumas peças.
Hoje, guardo-as mais
pelo valor estimativo. Mas quando criança, valorizava-me saber que aquelas
peças miúdas tinham passado por centenas ou milhares de mãos, recebido calor
humano, suor, ouvido histórias, testemunhado coisas boas e ruins, enfim essas
observações aparentemente banais tinham valor para mim. Elas humanizavam a moeda/cédula. Era mais ou menos isso.
Saber que tinham
pertencido à época de Tiradentes, de Dom Pedro, da Princesa Isabel, de Duque de
Caxias, de Luís Carlos Prestes, de Getúlio Vargas, de Floriano Peixoto, enfim
que tinham sido manuseadas por tanta gente, que tinham sido cobiçadas por tanta
gente, que tinha sido objeto de felicidade e infelicidade de tantos... tudo
isso agregava valor às peças. Pelo menos para mim.
E assim conheci livros de
numismática (época em que ainda não existiam computadores nos confins
pantaneiros). Conheci numismatas renomados, participei de eventos em Campo Grande,
em São Paulo. Antes de tudo isso tornei-me Filatelista. A obsessão era a mesma.
Costumo dizer que a
Numismática e a Filatelia foram dois grandes professores que tive, pois não há
universidade que tenha me transmitido tanta experiência. São ensinamentos que não se aprende
na escola. São ensinamentos que não se explicam. Pela numismática travei contatos com muitos idosos, conheci histórias incríveis...ela despertou em mim o gosto por múltiplas áreas como registrar histórias antigas, passar para o papel lendas, causos, enfim tudo o que me era novo. E hoje o que surpreende até a mim é saber que eu comecei esse empreendimento aos 9 anos. Até mesmo o gosto pela escrita surgiu motivado pelo contexto da numismática. Eu varava a noite escrevendo histórias e poemas...
Ontem, após anos sem
tocar nas minhas moedas, resolvi olhá-las. Foi então que veio a ideia de
fotografar algumas e deixar esse registro. Num tempo sem computador, não
queiram saber quão significativas e importantes eram tais peças. Meu filho,
vendo-me naquele mister disse: “papai, por que o senhor não vende isso?”
Respondi: “por que não há dinheiro que pague o significado delas”.
Essa moeda me lembra o livro"Doidinho", escrito pelo genial paraibano, José Lins do Rego, sua obra nº 2. Quando no Colégio Interno, ele recebia moedas do avô, enviadas do engenho. Certo dia ele recebeu exatamente esta, abaixo, de 400 réis.
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