ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO COMIGO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. O pelo formulário no próprio blog. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. O título NISIAFLORESTAPORLUISCARLOSFREIRE foi escolhido pelo fato de ao autor estudar a vida e a obra de Nísia Floresta desde 1992 e usar esse equipamento para escrever sobre a referida personagem. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto trechos com menção da fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Outubro: mês de Nísia Floresta, mês de pensarmos sobre uma grande dívida com Nísia Floresta Brasileira Augusta...

 

Imagem: Williams Rocha


Todo dia é dia de tudo, por isso, ao longo do ano, gasto os meus verbos com homenagens a Nísia Floresta e aos povos indígenas, principalmente, dentre outros assuntos que priorizo sempre. Faço textos que edificam e conscientizam, pois acredito que quem gosta da palavra deve sempre ter a palavra... Ontem, percebendo que outubro dava os últimos suspiros, e é o mês de Nísia Floresta,  meu juízo latejou pensamentos de sino, badalando texto como se tivesse domínio sobre o meu cérebro… Eu estava muito cansado mentalmente e não obedeci. Eis que hoje pego do lápis e do papel, e passo a gastar grafite, desenhando o que você lê. Só insisto que não vejam o resultado como garatuja, mas como a homenagem que faltam fazer a Nísia Floresta Brasileira Augusta daqui adiante. Não é nada extraordinário. É respeito. É civilidade...

 

A situação em que se encontra o monumento em homenagem a Nísia Floresta (1909) e o túmulo de Nísia Floresta (1955) no Sítio Floresta, é um fato que não pode ser exaurido pelo incômodo que causam.

 

A relevância da intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta para o mundo, exige, por excelência, a garantia de um espaço digno, que contenha atributos que combinem com o estado de pessoa visionária que ali está. O local, mesmo simples deve ser um cartão postal, e jamais um local macabro e sem zelo como se encontra.

 

O atual estado desses dois elementos reflete desprezo e desrespeito. Refiro-me às condições em que se encontram, sufocados por construções de alvenaria, e o silêncio de todos, como se não enxergassem isso. A impressão que tenho é que há uma intenção de esconder o túmulo e o monumento. As fotografias antigas revelam que originalmente havia um espaço maior que separava a cerca (inicialmente de varas e depois de arame farpado) e túmulo; bastante diferente do que vemos hoje. Cabe à Prefeitura de Nísia Floresta localizar o documento antigo de doação do terreno. E reivindicar o que foi avançado, até porque o terreno não foi doação da família Gondim. A história desse detalhe está no meu blog.

 


Nísia Floresta deixou de presente no seu município ter nascido ali. Mas muitos parecem não dar conta disso. O povo e as autoridades devem tratar esse bem como a mesma modernidade que ela coroou as suas ideias. Falta uma ação visionária a esse espaço. Uma cidade tem vereadores, secretários e prefeitos para vigiar e constatar os fatos, portanto todos viram quando teve início a construção do prédio que hoje sufoca o túmulo. O prédio não foi colocado ali, mas construído ali.

 

Houve tempo para as autoridades negociarem com os donos, com civilidade e respeito, propondo indenizar os gastos feitos com o alicerce, pedindo que eles construíssem de maneira a deixar uns cem metros afastado do túmulo, enquanto buscariam parcerias para levantar o devido valor do terreno, comprando-o, demolindo o prédio e construindo ali o que se deve. É simples. Não há nada de extraordinário. Não acredito que alguém seria contra algo tão necessário. Não se trata de reivindicar a proteção de um curral, mas proteger um espaço genuíno onde a semente Nísia Floresta nasceu. O local simboliza a memória de uma pensadora que atrai gente do mundo inteiro. Vale dizer que do outro lado está a residência da família Paulino, a qual também precisa ser revista com civilidade.

 

Confesso que sinto vergonha quando vejo, principalmente estrangeiros chegando ali. Recordo-me, em 2016, quando uma professora universitária sueca esteve no local, depois entrou em contato comigo, por rede social, e indagou horrorizada, questionando se eu sabia o porquê tratavam o espaço com tanto desprezo. Ela estudou a obra de Nísia Floresta e veio só conhecer o local. Saiu perplexa. É o que sinto. Quantos turistas saem dali revoltados sem que nada possam fazer?

 

As autoridades Rio Grande do Norte (do passado) são responsáveis por esse imbróglio. Quando ainda existiam os restos das ruínas da casa onde Nísia Floresta nasceu e viveu até a pré-adolescência, o Estado deveria ter comprado uma grande área, pois era só mata. Mas nem comprar, compraram. Ganharam. Foi doação do fazendeiro que, anos antes, comprou por procuração da mãe de Nísia Floresta.

 

Foi um vacilo muito grande, e o mesmo vacilo o Estado repetiu três anos depois, quando Henrique Castriciano localizou Lívia Augusta de Faria Rocha, filha de Nísia Floresta, na França e, novamente o Estado teve uma visão medieval sobre o episódio, ignorando a grandiosidade de Nísia Floresta. Ela já era a Nísia que vimos hoje – renomada – mas passaram por cima de tudo. Se o Estado tivesse olhado aquele momento como um ‘achado arqueológico’ (praticamente), teria presenteado o Rio Grande do Norte com um museu com móveis de Nísia Floresta. Aliás, como roupas, passaportes, documentos, canetas, cartas, livros, objetos pessoais de todo tipo, enfim, o que Nísia Floresta deixou.

 

A vida de Nísia Floresta teve muitos percalços e obstáculos. A morte também. Começou com a odisseia para descobrir onde estava o seu túmulo que, graças a Orlando Dantas houve a localização. Depois veio o traslado com o ataúde confundido com “mercadoria” pela alfândega. Imbróglio resolvido por Café Filho.  Depois veio o velório com o episódio visionário de Chicuta, que peitou autoridades e pais conservadores para render homenagens devidas à ilustre defunta em sua escola. Depois, tendo o cortejo se deslocado ao município berço do nascimento da falecida, não havia túmulo para repousar o caixão. Não bastasse tudo isso, o município não cumpriu a palavra de construir o túmulo e sobrou para a Academia. E o percalço atual é o estado deplorável do monumento e do túmulo.

 

O povo nisiaflorestense precisa perceber que o monumento e o túmulo de Nísia Floresta pertencem - em primeiro lugar a cada nativo - em seguida, ao mundo. Essa consciência continua em falta. Não adianta apenas meia dúzia de pessoas terem essa consciência, se boa parte não se compromete com  anecessária profusão. A consciência deve ser ainda maior por parte das autoridades, pois eles têm o poder nas mãos, eles têm o poder de fazer milagres, se quiserem. Mas algo é certo: Nísia Floresta deixou uma mina de ouro ali onde está o seu túmulo e o seu monumento. É só pensar. L.C.F. - 31.10.2021.

 

EM 2018 ESCREVI A SUGESTÃO ABAIXO E A REPRODUZO AQUI COMO CURIOSIDADE... ESTÁ VALENDO!

 

O QUE PODERIA SER CONSTRUÍDO AO REDOR DO MONUMENTO E DO TÚMULO DE NÍSIA FLORESTA?

Desde que ocorresse a compra dos terrenos laterais, é possível construir um ambiente de sociabilidade para o mundo. A primeira ideia é um projeto arquitetônico. O engenheiro faria uma réplica da casa onde morou Nísia Floresta para abrigar o museu que falaremos logo abaixo, e que essa construção ficasse em torno de uma réplica do “Jardim de Luxemburgo”, compatível com o tamanho da área total. Um bom paisagista enriqueceria o espaço com árvores locais, tipo abricó, gameleira, samaúma, baobá e outras espécies interessantes, sem esquecer uma alameda matizada com mangueira, abacateiro, coqueiro, como ela descreveu a sua “Floresta”.

 

O “Museu de Nísia Floresta”, diferente de ser “desomenagem”, seria um poema de respeito a ela, um sinal de agradecimento por ela ter sido luz numa época de escuridão. Ela deixou fogo para nós, e sua chama arde. O museu ficaria no centro desse complexo, de maneira que fosse construído uma réplica da casa que existiu ali, onde ela viveu com os pais e seus irmãos. Nesse espaço deveria estar apenas a sua família, e jamais quem quis destruí-la gratuitamente (como acontece no “museu” que existe no centro da cidade), pois assim seria um museu do horror, como se até nós a desonrássemos. 

 

Penso na reconstituição de um ambiente antigo, característico ao tempo de Nísia Floresta em termos de mobiliário, com escrivaninha, biblioteca, sala, quarto num primoroso estudo de especialistas, de maneira que, conforme o grupo de visitantes passeasse pelos cômodo - acolhido por pessoas caracterizadas com vestimentas de época - visse os retratos de Nísia Floresta, fotografias de lugares onde ela andou, réplicas das capas originais de suas obras expostas sobre os móveis etc. Tudo isso primorosamente permeado com riquezas de detalhes de época. Como se a casa estivesse congelada no tempo. A cozinha teria uma réplica original de fogão a lenha com os mínimos detalhes de uma cozinha.

 

A sala teria livros antigos que fizesse desaparecer as paredes, significando que só os livros nos podem nos elevar aos patamares que elevaram Nísia: “ver adiante do tempo”. No alpendre estariam pedaços de pedra sabão, destacando-se a réplica da peça que o pai de Nísia Floresta fez na sacristia da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó.

 

Ao lado da casa-museu, haveria uma edificação moderna, com auditório e salas amplas, de maneira que o visitante interagisse com Nísia Floresta, assistisse documentários, filmes, ouvisse o hino em homenagem a Nísia Floresta, conhecesse a letra, dentre outras músicas e poemas afins, numa proposta de inclusão. Uma sala especial contaria com hologramas https://olhardigital.com.br/2016/06/10/noticias/cientistas-criam-holograma-em-3d-capaz-de-conversar-com-pessoas/ permitindo que os visitantes estivessem cara-a-cara com Nísia Floresta, ouvindo-a declamar parte de seus poemas, frases clássicas e suas principais ideias, além de dialogarem com ela.  Esse espaço reuniria tudo o que existe até o momento alusivo a Nísia Floresta seja no município ou fora dele (uma imensa galeria de fotografias dos principais acontecimentos). Ou seja, seriam dois museus, o da casa (no passado) e o atual.

 

O local abrigaria uma grande biblioteca, onde os visitantes teriam acesso a todas as obras de Nísia Floresta principalmente. Somaria-se ao acervo obras de autores norte-riograndenses (do passdo e do presente) e franceses, como Auguste Comte, Flaubert, Victor Hugo, Simone de Benvoir, Jean Paul Sartre, Alexandre Dumas, Exupery e Voltaire. A biblioteca seria uma obra em parceria com o Governo Francês, cuja ponte seria a Aliança Francesa.

 

Ao lado teria-se o Teatro Municipal de Nísia Floresta com aulas de dramaturgia, cuja história de Nísia Floresta seria a atração principal, exibida ao longo do mês de outubro, com ampla divulgação em todo o país (tenha certeza absoluta que essa dramatização assumiria patamares imprevisíveis, podendo se tornar uma das grandes atrações do país). O teatro teria um anexo para aulas de dança em parceria com o balé de Bolshoi (esse detalhe é um processo construído a longo prazo. Santa Catarina conseguiu uma parceria com Bolshoi devido a muita qualidade; é a única extensão de Bolshoi em todo o mundo. Por que não em Nísia Floresta?). Esse espaço seria uma referência.

 

A área contaria com lojas que disponibilizassem artesanato e lembrancinhas da cidade, com destaque a cartões-postais com todos os retratos existentes de Nísia Floresta, dentre folders com retrato e biografia de Nísia Floresta em português e inglês.

 

Haveria uma sala com a reconstituição daquele retrato em que Nísia Floresta aparece de corpo inteiro, segurando um livro, levemente encostada num pilar clássico. Teria-se disponível réplicas do vestido e um livro, permitindo que pessoas do sexo feminino o vestissem e se fizessem se fotografar em reconstituição ao retrato, além de fazer fotografias em outros ambientes do complexo.

 

Os “Jardins de Luxemburgo” teriam muitas esculturas: dos pais e irmãos de Nísia Floresta, além de “Pepé” (uma espécie de ama, ou babá que Nísia Floresta teve), e de Augusto, o grande amor da homenageada, além de esculturas de indígenas locais. Numa das alamedas se perfilariam esculturas dos filósofos e escritores que Nísia Floresta conheceu na Europa, como Castilho, Alexandre Herculano, Auguste Comte. O complexo seria emoldurado por um estacionamento arborizado com Pau-Brasil.

 

O complexo abrigaria também três réplicas que evocassem o passado, sendo uma casa de farinha nos moldes originais (conforme tantas que existiram em Papary), um alambique (conforme tantos que existiram em Papary) e um engenho de cana de açúcar (conforme inúmeros que existiram em Papary).

 

O riozinho próximo poderia garantir a água para uma pequena lagoa artificial que oferecesse curso de mergulho e fotografias aquáticas para atrair turistas, aulas de natação para crianças e fisioterapia e lazer para idosos. Esse espaço seria uma alusão à lagoa Papary, reverenciada por Nísia Floresta. A partir do momento em que se criasse dispositivos contraditórios dentro desse complexo, com certeza teria-se gente o ano inteiro ali, considerando, também, que haveria uma política de cunho turístico, interligada a todos os hotéis e ambientes de gastronomia do estado.

 

Dia desses eu conversava com um nisiaflorestense, ocasião em que sugeri que ele apresentasse à Câmara Municipal de Nísia Floresta um projeto para a construção de um coreto em estilo francês na praça Coronel José de Araújo, de maneira que abrigasse a instalação de uma escultura de bronze, em tamanho natural, que poderia ser feita por um dos mais geniais escultores do mundo, que - pasmem! - é brasileiro, Ique Woitschach. Uma peça desse tipo permite a interação das pessoas com a escultura, ou melhor, com Nísia Floresta, pois se faz fotografias como se estivesse, de fato, com Nísia Floresta. Poderia-se reconstituir aquele famoso retrato de Nísia Floresta em que ela aparece de pé, segurando um livro. Vejam um exemplo nesses dois links:

https://www.campograndenews.com.br/lado-b/comportamento-23-08-2011-08/na-afonso-pena-24h-com-manoel-de-barros-mostram-que-poeta-virou-grande-amigo

  

https://www.campograndenews.com.br/lado-b/artes-23-08-2011-08/estatua-chegou-para-comemorar-os-101-anos-de-manoel-de-barros

 

Pois então… o grande começa pequeno. É necessário o início. É necessário parcerias. É necessário lançar as ideias, comungá-las. O que posso, no momento, é oferecer esse projeto e enviá-lo para todas as autoridades mais significativas do Rio Grande do Norte, em caráter de provocação. As pessoas precisam ser provocadas para, depois, se sentar, discutir e colocar as ideias em prática. Nísia Floresta está à altura das coisas visionárias, pois somente nesses conformes as coisas se tornam referenciais. Como se diz… é o pulo do gato. Entenderam a mina de ouro que eu falei? Sou absolutamente contra arrancarem o monumento e o túmulo de Nísia Floresta do local original – como há quem cogite –, pois ali está a semente dela. Ali ela rebentou-se em choro natalício (L.C.F.2018)


terça-feira, 22 de outubro de 2024

As mangueiras da viúva Machado...

Uma das dezenas de mangueiras do Engenho Pitimbu

Essas mangas e 'laranjas da terra' foram colhidas ontem à tarde no Engenho Pitimbu que pertence à família de Manoel Machado e a Amélia Machado (a "Viúva Machado). Todas as mangas são do mesmo tipo: "Tommy Atkins", também conhecida como "coração de boi". Nos supermercados eles escrevem "manga Tomi".


Originalmente, as mangas Tommy são imensas, maiores que a nossa mão. Ela chegou ao Brasil no século XVI, juntamente com a mangueira, trazida pelos portugueses. É originária da Ásia Meridional, principalmente da Índia, que é o maior produtor mundial da fruta. 

Fiz essas fotografias por uma curiosidade. Embora todas sejam mangas Tommy, são minúsculas. A manga maior - do meio - eu comprei no Nordestão. As demais vieram  do Engenho Pitimbu. Então por que as demais são tão pequenas? Por que as mangueiras são centenárias e, assim como nós, seres humanos, seu metabolismo diminui ao longo do tempo, de maneira que ela não produz mais as mangas gigantes que quase não conseguimos segurar. Do mesmo modo as "laranjas da terra", que são imensas, mas as do engenho mais parecem um limão porque são centenárias.

Tendo ido a esse engenho, hoje, em caráter de pesquisa, vi incontáveis pés de árvores frutíferas: jaqueiras, mangueiras, jambeiro, cajueiro, mangabeiras e outras, inclusive um pé de tamarindo que suponho ter mais de 200 anos devido à compleição do seu tronco muito deformado e com muitas partes ocas, além do diâmetro anormal. É uma árvore a se conservar, pois sem dúvida é um tesouro.

Para quem não sabe, Manoel Machado foi um empresário riquíssimo. Ele doou toda a área onde está a Base Aérea e a mata atlântica ali conservada até hoje, assim como grande parte da área onde se ergueu Parnamirim, município integrante da região metropolitana, aqui pertinho. 


Manoel Machado faleceu há mais de 60 anos. A viúva, Amélia Machado, uma simples dona de casa, teve que se virar nos trinta - numa época em que a mulher só vivia para o lar - e Amélia, de uma hora para outra, teve que administrar a fortuna que ele deixou, surpreendendo a todos por ter o feito com mãos de ferro.

O empresariado daquele tempo era composto somente de homens. De repente viram na morte do marido a possibilidade de dar o golpe do baú ou comprar a preço de banana tudo o que Manoel deixou. Mas a surpresa foi grande. Amélia geriu a riqueza como nunca, dando um show na administração. 

Resultado? Inventaram uma lenda terrível contra ela como vingança, pois não admitiam uma mulher empresária, lidando de igual para igual com quem aparecesse. Inclusive importando.

Amélia Duarte Machado, a "Viúva Machado"

Amélia foi a primeira empresária de Natal. Na verdade, apesar de originalmente ter sido uma simples dona de casa, ela sempre viajava com o marido para a Europa, e como era comum as damas daquela época, organizava jantares requintados em meio à alta sociedade natalense. Faleceu aos 100 anos de idade, em 1981. A casa do engenho era onde ela descansava. Sua residência está localizada no centro de Natal, na cidade alta. Um palácio que chama a atenção.

Pois bem, eis que, degustando as mangas de Amélia Machado, colhidas no pé em que ela também colheu, viajei na doçura de sua história, e até brinquei "estou chupando as mangas no mesmo pé da dona Amélia..."

OBS. Estou escrevendo sobre o Engenho Pitimbu e a qualquer hora posto o texto.

domingo, 20 de outubro de 2024

http

Uma frase de Nísia Floresta...

 

“Todos os brasileiros, qualquer que tenha sido o lugar de seu nascimento, têm iguais direitos à fruição dos bens distribuídos pelo seu governo, assim como à consideração e ao interesse de seus concidadãos.”


— Nísia Floresta

Em “Opúsculo Humanitário”, 1853.

O pai de Nísia Floresta foi o seu pilar intelectual...


Muito já foi escrito sobre Nísia Floresta Brasileira Augusta. Uns escreveram livros, outros a reverenciaram em pequenos textos ou frases breves, mas muito fortes. Dentre uma infinidade de intelectuais ilustres - brasileiros e estrangeiros - que a citaram em tempos mais remotos, encontramos o genial pernambucano Oliveira Lima (1867-1928). Como se percebe, ele defende que Nísia Floresta já saiu de seu berço, no "sítio Floresta", com notável instrução. O que nos faz acreditar que a participação de seu pai, Dionísio, consistiu num pilar dos mais importantes para a formação educação da filha, estruturando-a para que ela se deslanchasse. É como se a criança Nísia, depois a adolescente Nísia, tivesse se despertado como por um estalo, um 'insight' a partir da experiência com o pai - que era um intelectual - e de forma prodigiosa. Julgando pela precariedade que aqueles ermos ofereciam, nada se deveria esperar da nossa Nísia. O pai, em termos de sua ilustração, foi peça fundamental. Essa frase desperta a ideia que todos sabemos: pais leitores, pais que envolvem naturalmente os seus filhos na floresta dos livros, via de regra os desperta para os mais impensáveis insights do bem. Eis Nísia Floresta... eis a frase de Oliveira Lima.



Oliveira Lima



Nísia Floresta: Uma escritora de causas...



Toda a produção literária de Nísia Floresta foi orientada por um profundo compromisso com causas sociais, incluindo seus poemas, romances, contos e ensaios. Essa abordagem, embora comum entre escritores, era particularmente central na obra de Nísia, que concentrava seus esforços em tais questões.
Sua produção, além disso, possui um viés sociológico, jornalístico e filosófico, sendo que elementos filosóficos permeiam até mesmo seus "diários de viagem", considerados verdadeiras obras-primas. Nísia esteve sempre engajada em algum propósito social relevante.
Essa inclinação é compreensível, especialmente considerando que Nísia, desde cedo, demonstrou ser uma leitora ávida e versátil. Ao deparar-se com a obra de Mary Wollstonecraft (1759–1797), uma escritora que se destacou por estar muito à frente de seu tempo, Nísia provavelmente experimentou um insight profundo que a impulsionou a escrever. Esse impulso resultou na publicação de sua primeira obra em 1832, aos 22 anos: “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens”.
A realização de uma obra dessa magnitude nessa idade indica um histórico intelectual impressionante, reforçando a hipótese de que seu pai, um intelectual português, desempenhou um papel crucial em sua formação precoce. Ele a introduziu nas ciências que ela tanto admirava, e essa influência foi aprofundada por sua educação em um convento em Goiana - como supõem -, além de sua incansável dedicação à leitura.
A obra “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens” é descrita por Nísia e por estudiosos, como Constância Lima Duarte, a maior especialista na autora, como uma "tradução livre" de “A Reivindicação dos Direitos da Mulher” (Vindication of the Rights of Woman), de Mary Wollstonecraft.
Publicada originalmente em 1792, a obra de Wollstonecraft critica de forma incisiva o modelo educacional feminino do século XVIII e tornou-se um dos textos mais influentes na defesa dos direitos das mulheres na Inglaterra.
Do ponto de vista contemporâneo, Wollstonecraft pode ser considerada ainda à frente de seu tempo em outros aspectos, que fogem ao escopo central deste texto e da obra traduzida por Nísia. Alguns de seus posicionamentos poderiam ser chocantes para o leitor moderno, e Wollstonecraft, após se tornar mãe, revisou algumas de suas ideias, sepultando o que, neste texto, seria polêmico entrar em detalhes.
Nísia, ao deparar-se com “A Reivindicação dos Direitos da Mulher”, certamente identificou nesta obra uma fonte de inspiração fundamental, que orientou sua trajetória. Antes dessa obra, raras discussões tão avançadas haviam sido formuladas sobre os direitos das mulheres.
Nascida em um ambiente rural, onde até mesmo a capital da província oferecia poucas oportunidades intelectuais, Nísia se viu angustiada com o marasmo que a cercava. Seu olhar crítico estendia-se para além das limitações geográficas, observando a sociedade com uma perspectiva sociológica refinada, questionando costumes e práticas que presenciava em seu entorno.
As desigualdades e contradições que presenciou na Vila Imperial de Papary – com seus engenhos, escravizados, missas em latim e costumes portugueses impregnados de preconceitos – despertaram nela um impulso investigativo que a acompanharia ao longo de sua vida, alimentando sua vasta produção escrita.
Em seu livro O Brasil (1857), escrito originalmente em italiano, Nísia retrata um Brasil distinto das alegorias frequentemente apresentadas por viajantes estrangeiros, muitos dos quais descreviam o país de forma fictícia e desmerecedora. Nísia, ao contrário, destacou as qualidades de sua terra natal, enfatizando seu potencial de desenvolvimento, mesmo em comparação com nações mais avançadas, como a Itália, onde o livro foi publicado. Esta obra representou sua defesa do Brasil, contrapondo-se às críticas externas.
No ensaio A Mulher, parte de Scintille d’un’Anima Brasiliana (1859), publicado em Florença e posteriormente traduzido para o inglês, Nísia aborda a importância do amor materno e da amamentação pela mãe biológica. Este ensaio, que reflete o amadurecimento de suas ideias desde Opúsculo Humanitário, relata uma viagem a uma aldeia próxima a Paris, onde as mães enviavam seus filhos para serem cuidados por amas de leite. Nísia denuncia as condições deploráveis em que as crianças eram mantidas e critica duramente essa prática, defendendo o papel insubstituível da mãe biológica no cuidado dos filhos. Essa observação revela a preocupação de Nísia com o tema do amor materno, que, para ela, implicava diretamente na amamentação.
Ao longo de sua vida, Nísia se dedicou a várias causas. A EDUCAÇÃO FEMININA era uma de suas maiores preocupações, acreditando que somente através do conhecimento científico as mulheres poderiam alcançar a emancipação. Defendeu também a ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO, e sua visão anti-escravagista foi sendo construída ao longo dos anos, colocando-a ao lado dos principais abolicionistas brasileiros.
Outra causa importante foi a QUESTÃO INDÍGENA, na qual denunciou a destruição das terras e culturas dos povos originários, combatendo a visão romantizada dos viajantes europeus. Nísia também apoiou a CAUSA REPUBLICANA e criticou severamente os regimes autoritários de sua época, dentre outras discussões.
Sua defesa dessas ideias avançadas assustou a sociedade da época, o que levou muitas pessoas a desqualificá-la injustamente, acusando-a de loucura. Isabel Gondim, por exemplo, que nunca conheceu Nísia pessoalmente e nasceu quase 30 anos depois dela, produziu críticas destrutivas contra ela, perpetuando mal-entendidos e preconceitos. Contudo, o legado de Nísia Floresta como uma escritora engajada em causas sociais permanece incontestável. 9.10.2024.

Peça teatral " História de Nísia Floresta" - Divulgação feita pela TV Manchete em 1993, há 31 anos...


Em 1992 escrevi a peça teatral "História de Nísia Floresta" a partir do livro "História de Nísia Floresta", de Adauto da Câmara, originalmente publicado em 1941, pela editora Ponggeti, no Rio de Janeiro. Em 1993 a peça foi apresentada algumas vezes na UFRN, e fomos convidados, anos depois, para apresentá-la na Universidade Federal de São Luiz, no Maranhão, para onde fomos em 1996. À ocasião a TV Manchete fez uma reportagem sobre a peça, tendo em vista o seu ineditismo e a importância da personagem homenageada. Essas imagens retratam exatamente esse momento que parece ontem, mas faz 31 anos...
















ABAIXO: NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO LUIZ, NO MARANHÃO...


























1955- HÁ 70 ANOS OS RESTOS MORTAIS DE NÍSIA FLORESTA ERAM DEPOSITADOS EM SEU TUMULO...

 

Ilustração de autoria de Luís Carlos Peixoto, publicada no livro "A Menina do Vestido Roxo", de Sírlia Lima

No local já existia o monumento em sua homenagem, erguido em 1909, exatamente sobre os alicerces da casa onde ela morou. Os restos mortais chegaram em setembro de 1954, mas foram sepultados nove meses depois, em 1955. Nesse dia a cidade parou. As imediações do local se encheram de veículos, dentre eles, ônibus que trouxeram alunos e autoridades natalenses. Diversos militares se fizeram presente. Ao retirarem o caixão tradicional de dentro da imensa caixa de madeira, uma bela fazenda de cor roxa, que envolvia o ataúde de ébano, foi retirada. Era uma peça nova, intacta, e encheu os olhos da pequena Elisa, de seis anos. Dias depois ela desfilava pela cidade com um lindo vestido roxo... "veio da França", dizia a pequena Elisa...

O que Nísia Floresta diria sobre as crianças brasileiras nos dias de hoje?


Em tempos de comemoração do Dia das Crianças, é comum ouvirmos a expressão: "as crianças são o futuro do Brasil". Contudo, essa frase parece ressoar vazia diante da realidade que muitas dessas crianças enfrentam. Nísia Floresta, em sua incansável luta pela educação integral das meninas, certamente levantaria questões profundas sobre o presente e futuro das nossas crianças. O que tem sido feito para que essa afirmação se torne verdade? E o que, de fato, representa o futuro que desejamos?

Nísia, uma defensora apaixonada da educação feminina, viu na escola o caminho para a emancipação humana. Ela, que viveu em uma época em que as mulheres eram confinadas às tarefas domésticas e limitadas em sua educação, foi uma pioneira ao exigir que meninas recebessem uma formação completa e digna. Ao olhar para a situação atual das crianças no Brasil, é impossível não refletir sobre a continuidade da luta de Nísia. Décadas se passaram, mas as desigualdades educacionais ainda marcam a vida de milhões de meninas e meninos no Brasil, especialmente os que se encontram em vulnerabilidade social.


Se Nísia estivesse entre nós hoje, ao observar as crianças brasileiras, ela não silenciaria diante da precariedade de suas vidas. Muitas, desde a tenra infância, enfrentam a fome, a falta de moradia digna e a ausência de uma educação de qualidade. Elas, como Nísia apontaria, têm fome não só de alimento, mas de conhecimento, de esperança, de futuro. O que podemos esperar de um país que negligencia o direito à educação e à dignidade de seus pequenos cidadãos?

Nísia defendia que a educação era a chave para transformar a sociedade, e não há dúvida de que, para ela, a situação atual das crianças no Brasil seria alarmante. Ainda hoje, muitas meninas e meninos, desde muito cedo, são forçados a viver nas ruas, a trabalhar em semáforos ou a acompanhar suas mães na mendicância. Essa dura realidade perpetua um ciclo de desigualdade e exclusão, que rouba da infância o brilho da esperança e do futuro.

Assim como Nísia denunciava as injustiças de seu tempo, ela também nos alertaria para os perigos que nossas crianças enfrentam com o avanço das tecnologias e redes sociais. Enquanto a internet pode ser uma ferramenta valiosa, também tem alienado crianças, deixando-as expostas a conteúdos inapropriados e limitando o tempo para brincadeiras ao ar livre, para o contato com a natureza e para o desenvolvimento de laços sociais saudáveis. A infância, que deveria ser um espaço de crescimento e aprendizado, está sendo substituída por telas e superficialidades.

Nísia, que acreditava no poder transformador da educação, exigiria que repensássemos nossas políticas públicas voltadas para a infância. Precisamos de uma intervenção urgente, com escolas modernas, professores valorizados e um compromisso real com a formação das novas gerações. Para que as crianças sejam, de fato, o futuro do Brasil, é preciso garantir-lhes um presente sólido e repleto de oportunidades.

Ao comemorarmos o Dia das Crianças, é fundamental lembrar que a educação não pode ser vista como algo secundário ou opcional. Nísia nos lembraria que, sem educação, não há transformação. E sem transformação, não há futuro. Não podemos continuar adiando soluções, pois cada dia perdido é uma geração que se distancia das possibilidades de um amanhã melhor.

Para que possamos honrar o legado de Nísia Floresta e garantir que nossas crianças tenham um futuro digno, é necessário agir agora. Que este Dia das Crianças seja um convite à reflexão e ao compromisso com uma educação que verdadeiramente emancipe meninos e meninas, como Nísia sonhou. 12.10.2022

As músicas que ouvi na infância e adolescência...

 


Eu tinha apenas 13 anos quando lançaram o LP Amar é.... Para quem não sabe, LP significa "Long Player", o pai do CD, talvez avô do pendrive — se estiver certo. As canções desse LP marcaram a minha adolescência, em um tempo que, ao menos para mim e os que me cercavam, parecia mais humano, mais romântico, mais respeitoso. Ouvir música era uma experiência distinta do que é hoje. O som preenchia os ambientes, mas sem jamais invadir. Música alta? Somente nos bares distantes, ou em festas e bailes. Ninguém ousava abrir a tampa de um carro e explodir o som na frente de um hospital ou de uma escola... ou em qualquer lugar. O volume elevado tinha seu lugar certo.

Em casa, tínhamos uma grande estante de madeira na sala. Ali repousavam livros, a televisão da marca SEMP e a "radiola" — ou "vitrola", como alguns a chamavam. Ouvir música era um ritual de precisão e delicadeza. Colocava-se o LP no prato da radiola, ajustando com cuidado o pequeno óculo sobre um cilindro. Girava-se o botão para ligar e então se aguardava, quase como um ato de reverência, o LP começar a rodar. Em seguida, com a delicadeza de quem maneja algo sagrado, erguia-se a haste com a agulha fina na base, que repousava sobre o início do disco em movimento. E ali, como mágica, as músicas nasciam. Cada lado do disco trazia seis canções, e quando um lado terminava, era necessário virar o LP e repetir o processo. Somente muito tempo depois meu pai comprou um "som", que fazia tudo isso automaticamente. Nosso único trabalho então era colocar o LP uma única vez. Enquanto a música preenchia o ar, nós, em irmandade, nos reuníamos no sofá ou no alpendre, ouvindo e conversando. Curtíamos a música como se fosse uma parte de nós.

Confesso que já naquele tempo os primeiros vestígios de um “lixão musical” começavam a se formar, com os programas do Chacrinha e do Bolinha, em meio a belíssimas canções brasileiras. Mas, se for justo, aquele lixão era ainda inocente, distante anos-luz do que vejo hoje. Talvez nem devesse chamá-lo de lixão, comparado ao atual. Era algo que se esvaía sem deixar marcas, sem cheiro... E, assim como veio, desapareceu. O que restou foram as músicas que traziam poesia, reflexão, crítica, aquelas que acalentam, animam e fluem como o curso de um rio. Essas são eternas, nunca envelhecem. Por mais que estejam tímidas, ofuscadas no meio do fogo de palha que se alastra, resistirão, pois sempre haverá poetas, músicos, arranjadores e artistas dignos do panteão de Apolo.

Toda boa música que carrega o dom de tocar a alma será eternizada. Não importa o estilo — MPB, forró, sertanejo (exceto o universitário, perdoem-me), caipira, brega — o que vale é a qualidade. Muitos criticam as músicas bregas, por exemplo, mas há uma riqueza nelas, especialmente nas que surgiram antes dos anos 90. Afinal, há nomes como Agnaldo Timóteo, Núbia Lafayete, Odair José (um gênio), Paulo Sérgio, Diana, entre tantos outros.

Minha inquietude aumenta quando penso na partida de tantos monumentos da nossa música — Belchior, Ângela Maria, Cartola, Noel Rosa, Tom Jobim, João Gilberto, Cauby Peixoto... Mestres que fizeram escola e inspiraram gerações. Isso me incomoda porque, enquanto vejo esses gigantes partirem, não noto novos nomes surgindo na mesma magnitude. Claro, há algumas exceções entre os jovens, mas a florada dos anos 80 para trás gerou frutos de altíssima qualidade. Eram todos poetas, músicos de excelência, verdadeiros patrimônios.

Ah, quase esqueço de compartilhar uma parte interessante dessas lembranças. A cidade em que nasci, naquela época, tinha apenas 26 anos de fundação. Um município planejado, criado em 1954. Já imaginou uma cidade tão jovem? Meu pai é um dos pioneiros daquele "Grande Sertão Veredas". Meus primeiros sons foram os esturros das onças, distantes, nas densas matas, o grasnar das araras, que, ao entardecer, pintavam o céu com suas cores e sons, seguidas pelos papagaios tagarelando nos pés de goiaba e mamão. À noite, a floresta ao redor se transformava em um monstro tão grande quanto o céu, com milhares de olhos de fogo e sons indecifráveis. Guardava segredos que causavam certo temor a quem se recolhia em casa. E, para dissipar aquele medo ancestral, nada melhor do que ouvir o "bicho homem", ao som dos LPs.

Quando queríamos algo mais sofisticado, atravessávamos a ponte sobre o caudaloso rio Paraná e íamos para o interior de São Paulo. Aos 13 anos, já embarcava sozinha num ônibus rumo às boas lojas paulistas, sem que ninguém pedisse documentos — afinal, todos se conheciam. E sempre voltava com uma novidade. Quase sempre, um LP era a melhor das surpresas. Naqueles tempos, as mesmas músicas nos acompanhavam por longos períodos. Talvez porque não houvesse a atual variedade de meios para ouvi-las. Assim, os LPs tocavam por anos. O único desgosto era quando uma faixa riscava. A agulha, então, ficava saltando e repetindo o mesmo trecho, como o canto incessante de um grilo. Era hora de ir até a radiola, levantar com todo cuidado o “bracinho” do aparelho e colocá-lo na música seguinte. E assim, a vida seguia... Uma vida simples, embalada pelo som de uma adolescência quase infantil.

Confesso que sinto uma certa pena das crianças e jovens de hoje. O "lixão" musical atual é um mega-super-lixão, que encanta e seduz, apagando, pouco a pouco, a poesia dos gênios que não tocam com a mesma frequência.

Eis que, ao ouvir agora o LP Amar é..., este pensamento me veio à mente.

7 de maio de 2021.