Eu tinha apenas 13 anos quando lançaram o LP Amar é.... Para quem não sabe, LP significa "Long Player", o pai do CD, talvez avô do pendrive — se estiver certo. As canções desse LP marcaram a minha adolescência, em um tempo que, ao menos para mim e os que me cercavam, parecia mais humano, mais romântico, mais respeitoso. Ouvir música era uma experiência distinta do que é hoje. O som preenchia os ambientes, mas sem jamais invadir. Música alta? Somente nos bares distantes, ou em festas e bailes. Ninguém ousava abrir a tampa de um carro e explodir o som na frente de um hospital ou de uma escola... ou em qualquer lugar. O volume elevado tinha seu lugar certo.
Em casa, tínhamos uma grande estante de madeira na sala. Ali repousavam livros, a televisão da marca SEMP e a "radiola" — ou "vitrola", como alguns a chamavam. Ouvir música era um ritual de precisão e delicadeza. Colocava-se o LP no prato da radiola, ajustando com cuidado o pequeno óculo sobre um cilindro. Girava-se o botão para ligar e então se aguardava, quase como um ato de reverência, o LP começar a rodar. Em seguida, com a delicadeza de quem maneja algo sagrado, erguia-se a haste com a agulha fina na base, que repousava sobre o início do disco em movimento. E ali, como mágica, as músicas nasciam. Cada lado do disco trazia seis canções, e quando um lado terminava, era necessário virar o LP e repetir o processo. Somente muito tempo depois meu pai comprou um "som", que fazia tudo isso automaticamente. Nosso único trabalho então era colocar o LP uma única vez. Enquanto a música preenchia o ar, nós, em irmandade, nos reuníamos no sofá ou no alpendre, ouvindo e conversando. Curtíamos a música como se fosse uma parte de nós.
Confesso que já naquele tempo os primeiros vestígios de um “lixão musical” começavam a se formar, com os programas do Chacrinha e do Bolinha, em meio a belíssimas canções brasileiras. Mas, se for justo, aquele lixão era ainda inocente, distante anos-luz do que vejo hoje. Talvez nem devesse chamá-lo de lixão, comparado ao atual. Era algo que se esvaía sem deixar marcas, sem cheiro... E, assim como veio, desapareceu. O que restou foram as músicas que traziam poesia, reflexão, crítica, aquelas que acalentam, animam e fluem como o curso de um rio. Essas são eternas, nunca envelhecem. Por mais que estejam tímidas, ofuscadas no meio do fogo de palha que se alastra, resistirão, pois sempre haverá poetas, músicos, arranjadores e artistas dignos do panteão de Apolo.
Toda boa música que carrega o dom de tocar a alma será eternizada. Não importa o estilo — MPB, forró, sertanejo (exceto o universitário, perdoem-me), caipira, brega — o que vale é a qualidade. Muitos criticam as músicas bregas, por exemplo, mas há uma riqueza nelas, especialmente nas que surgiram antes dos anos 90. Afinal, há nomes como Agnaldo Timóteo, Núbia Lafayete, Odair José (um gênio), Paulo Sérgio, Diana, entre tantos outros.
Minha inquietude aumenta quando penso na partida de tantos monumentos da nossa música — Belchior, Ângela Maria, Cartola, Noel Rosa, Tom Jobim, João Gilberto, Cauby Peixoto... Mestres que fizeram escola e inspiraram gerações. Isso me incomoda porque, enquanto vejo esses gigantes partirem, não noto novos nomes surgindo na mesma magnitude. Claro, há algumas exceções entre os jovens, mas a florada dos anos 80 para trás gerou frutos de altíssima qualidade. Eram todos poetas, músicos de excelência, verdadeiros patrimônios.
Ah, quase esqueço de compartilhar uma parte interessante dessas lembranças. A cidade em que nasci, naquela época, tinha apenas 26 anos de fundação. Um município planejado, criado em 1954. Já imaginou uma cidade tão jovem? Meu pai é um dos pioneiros daquele "Grande Sertão Veredas". Meus primeiros sons foram os esturros das onças, distantes, nas densas matas, o grasnar das araras, que, ao entardecer, pintavam o céu com suas cores e sons, seguidas pelos papagaios tagarelando nos pés de goiaba e mamão. À noite, a floresta ao redor se transformava em um monstro tão grande quanto o céu, com milhares de olhos de fogo e sons indecifráveis. Guardava segredos que causavam certo temor a quem se recolhia em casa. E, para dissipar aquele medo ancestral, nada melhor do que ouvir o "bicho homem", ao som dos LPs.
Quando queríamos algo mais sofisticado, atravessávamos a ponte sobre o caudaloso rio Paraná e íamos para o interior de São Paulo. Aos 13 anos, já embarcava sozinha num ônibus rumo às boas lojas paulistas, sem que ninguém pedisse documentos — afinal, todos se conheciam. E sempre voltava com uma novidade. Quase sempre, um LP era a melhor das surpresas. Naqueles tempos, as mesmas músicas nos acompanhavam por longos períodos. Talvez porque não houvesse a atual variedade de meios para ouvi-las. Assim, os LPs tocavam por anos. O único desgosto era quando uma faixa riscava. A agulha, então, ficava saltando e repetindo o mesmo trecho, como o canto incessante de um grilo. Era hora de ir até a radiola, levantar com todo cuidado o “bracinho” do aparelho e colocá-lo na música seguinte. E assim, a vida seguia... Uma vida simples, embalada pelo som de uma adolescência quase infantil.
Confesso que sinto uma certa pena das crianças e jovens de hoje. O "lixão" musical atual é um mega-super-lixão, que encanta e seduz, apagando, pouco a pouco, a poesia dos gênios que não tocam com a mesma frequência.
Eis que, ao ouvir agora o LP Amar é..., este pensamento me veio à mente.
7 de maio de 2021.
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