ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO COMIGO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. O pelo formulário no próprio blog. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. O título NISIAFLORESTAPORLUISCARLOSFREIRE foi escolhido pelo fato de ao autor estudar a vida e a obra de Nísia Floresta desde 1992 e usar esse equipamento para escrever sobre a referida personagem. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto trechos com menção da fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

domingo, 28 de setembro de 2025

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ACTA NOTURNA - O ASSASSINATO DE GESTEIRA EM 1892 – UM MISTERIOSO CRIME EM SÃO JOSÉ DE MIPIBU...



No final do século XIX, após a Proclamação da República (1889), o Rio Grande do Norte vivia tensões políticas regionais comuns no Nordeste brasileiro: disputas locais entre famílias agrárias, controle eleitoral por oligarquias, dificuldades de segurança e fragilidade institucional local. Em 28 de fevereiro de 1892, tomou posse como governador do Rio Grande do Norte Pedro Velho de Albuquerque Maranhão (popularmente “Pedro Velho”) para um mandato que se estenderia até 25 de março de 1896.

Na esfera municipal de São José de Mipibu, durante o início da República, o regime de “intendência municipal” vigorava: a câmara foi substituída por Conselhos de Intendentes, e o chefe local, denominado Intendente ou Presidente da Intendência, era geralmente nomeado com forte influência do governo estadual. O intendente de São José de Mipibu no período de 20 de janeiro de 1892 até 4 de outubro de 1892 era Manoel Feliciano de Souza.  Em 4 de outubro de 1892 assumiria Lyle Nelson como Intendente local. Curiosamente ele era natural do estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos da América e foi legalmente escolhido como gestor. Lyle Nelson seria autor de um gesto nobre no caso do assassinato que contaremos adiante.

Pedro Velho de Albuquerque Maranhão

No plano federal, o Brasil estava sob a presidência de Floriano Peixoto (1889–1891) até novembro de 1891, e então Deodoro da Fonseca (interino) e Prudente de Moraes assumiram em 1894 - mas o momento exato de 1892 foi de transição no poder federal, com forte instabilidade. 

Com esse pano de fundo, estabelece-se o cenário para o dramático episódio que marcaria a memória de São José de Mipibu na noite de 22 para 23 de agosto de 1892, em que Joaquim Henrique da Silva Gesteira, foi brutalmente assassinado, crime que, embora passados 133 anos do ocorrido, segue sem solução.


O corpo de Gesteira foi encontrado na estrada ao amanhecer, próximo à localidade denominada “Pituba do Salles”, local ermo, esquisito e de mata fechada, subúrbio de São José de Mipibu. Gesteira recebeu oito facadas e um corte profundo de foice.

Ele vivia em São José, mas havia se retirado para sua casa em Pituba do Salles naquela noite. Era descrito como “moço muito estimado e pacífico”, sem inimizades aparentes na cidade, pertencente a uma família local respeitada.


São José de Mipibu parou. A revolta era geral. O professor Elias Souto, abolicionista, político e jornalista local, fundador do jornal Diário de Natal, dirigiu severas críticas à autoridade policial local, acusando negligência do delegado Tiburtino de Azevedo Mangabeira (nomeado por decreto em 11 de agosto para a Comarca de São José de Mipibu, 13º batalhão de Infantaria). Segundo Elias, enquanto caiam os sinos fúnebres de consternação pública, o delegado cortava carne no açougue e soldados permaneciam inertes no corpo de guarda da cadeia, sem diligências imediatas para elucidar o assassinato. Não se viam da parte das autoridades qualquer ato proativo e esse estranho gesto revoltou a população.

Fonte: Loja Maçônica São José Nº 14: SÃO JOSÉ DE ANTIGAMENTE

Na tarde do dia 23, foram presos dois homens que haviam sido vistos com manchas de sangue em suas roupas. Um deles teria tomado emprestada uma foice no dia anterior, sem explicar para que serviria. Ao serem interrogados, juntamente com outras pessoas detidas em 24 e 25 de agosto, não houve confissão nem provas contundentes, e todos foram libertados. Até esse ponto, o desenrolar pareceu seguir uma investigação “justa e razoável”, segundo o relato original.

No dia 26, a polícia prendeu operários em Cajupiranga, que à época, antes do desmembramento de Papary (hoje Nísia Floresta), pertencia a São José de Mipibu, local associado à lavoura e engenhos de parentes próximos da família Leitão, de grande prestígio na região. Um indivíduo chamado Manoel Alves (que exercia influência local) teria instigado que os presos fossem interrogados publicamente, procurando forçar que denunciassem que o assassinato fora cometido por dois jovens primos da família Leitão, que eram amigos de Gesteira. O relato defende que esses moços, embora acusados sem base consistente, tinham reputações irrepreensíveis e eram próximos de Gesteira, sem motivo de conflito. Começa aí uma série de fatos esquisitos e que alçariam o bizarro, como veremos.

Paralelamente, surgiu outra linha de suspeita: um irmão de Gesteira teria tido uma disputa de terra com habitantes de um lugar chamado “Língua de Vaca”. Ele teria, segundo se dizia, tomado uma escritura de venda de terra dos indivíduos, sob alegação de que o vendedor (já falecido) não estaria autorizado para vender porque a terra pertenceria às suas filhas e ao genro. Isso suscitava uma hipótese de que o assassinato de Gesteira poderia ser consequência indireta desse litígio, talvez por engano ou vingança.

O assassinato poderia ter sido uma emboscada planejada “para mim” (no dizer do irmão de Gesteira), acusando um tal “Joaquim de Emília”, que residia em casa do Dr. Olintho Meira, o que segundo a denúncia o tornaria fisicamente incapaz de executar o crime na noite de 22 para 23, por estar longe de São José (cerca de 14 léguas).

A essa altura, devido à comoção popular, autoridades de Natal envolveram-se na investigação. Foi então instaurada uma devassa policial sob a chefia do Dr. José de Moraes Guedes Alcoforado, chefe de polícia de Natal. Ele recolheu indícios circunstanciais que recaíam sobre dois filhos e um cunhado de Dona Josefa, senhora dos engenhos de Cajupiranga, enviando-os ao Juiz de Direito da Comarca de São José de Mipibu para as providências legais.

Até 27 de outubro de 1892, concluiu-se o inquérito. O Dr. Guedes manifestou empenho em descobrir os responsáveis, mas sem apoio local sincero ou pistas concretas, culminou com boatos divergentes, apontando ora uns réus, ora outros, sugerindo que a acusação mudava conforme conveniências políticas. Havia uma força maior nos fatos. Talvez uma força de bastidores, e a roda patinava na lama.

Aos parentes de Gesteira foi concedida uma homenagem: no lugar onde ocorreu o crime foi erguida uma cruz de mármore com inscrições, ofertada por Lyle Nelson, Intendente de São José de Mipibu desde outubro daquele ano (A cruz é exatamente esta da fotografia). Em 4 de outubro houve cerimônia religiosa com benzimento da cruz, conduzida pelo reverendo Gregório Lustosa. São José de Mipibu inteira se deslocou para a Pituba dos Salles.

No fórum local, o promotor da Comarca denunciou Antonio Joaquim Teixeira de Carvalho (pai de Juvenal de Carvalho, que foi prefeito de São José de Mipibu), Antonio Leitão e João da Matta, residentes em Cajupiranga, entidade espírita, apenas conhecida nas evocações do espírito de Gesteira. Porém, após a fase de instrução, interrogatório de acusados, inquirição de testemunhas (mais de trinta), e oferta de cinco testemunhas adicionais pelo Ministério Público, o juiz de direito Luiz Manoel Ferreira Sobrinho julgou improcedente a denúncia e despronunciou os acusados, isto é, entendeu que não havia justificação legal para levá-los a julgamento. Segundo o relato, isso contrariou as forças políticas que queriam puni-los.

Um dado curioso desse episódio é que o espiritismo foi usado como base para a denúncia. Foi evocado o espírito de Gesteira, e houve quem afirmasse que falava com o espírito do infeliz morto, que dissera ter sido efetivamente assassinado pela família de Cajupiranga, sendo um dos executores o vaqueiro de Carvalho, de nome João da Matta, que aliás não existe. Mas, outra vez, não havia elementos suficientes para condenação sobretudo novo Código Penal da República pune o uso e prática do espiritismo com penas de prisão.

Enfim, o Juiz de Direito de São José de Mipibu julga improcedente a denúncia  do promotor daquela comarca, despronunciando os distintos cavaleiros Antonio de Carvalho, Antonio Leitão e Joaquim de Carvalho, residentes em Cajupiranga, e que estavam sendo processados no fórum de São José, como supostos autores do assassinato do infeliz Gesteira, lavrador e protegido daqueles cidadãos.

O processo chegou a recorrer “ex officio” para o Superior Tribunal do Estado, mas segundo o texto não se encontraram indícios de que houvesse confirmação da acusação: ficou como uma espécie de tragédia irreparável sem culpados.

Gesteira era descrito como jovem de família modesta, porém de bom senso e reputação honrada. Ele estaria endividado em 200.000 réis com seu primo Manoel Alves Vieira d’Araújo, e teria buscado socorro em parentes de Cajupiranga. Lá lhe concederam terra para plantar, apoio financeiro, moradia e sustento, de modo que ele pudesse pagar a dívida. Ele trabalhou tanto em Cajupiranga quanto em São José, onde mantinha seus pais e roças.

Gesteira tinha desavenças com um feitor do capitão Joaquim Silvino e um homem negro, ex-escravisado, chamado Pio, a quem acusava de furtos em suas plantações. Circulou uma carta polêmica, supostamente redigida em seu nome, que ofendia a honra de uma família de prestígio; ele teria mandado que não fosse enviada por não querer envolvimento em escândalos. Esse episódio foi usado pela polícia como elemento no inquérito.

No dia do sepultamento, prendeu-se o ex-escravisado Pio e outro suspeito. Boatos indicavam que Pio fora visto com roupas ensanguentadas e foice, indo lavá-las na lagoa Papary. Mas nas três dias de prisão não houve confissão.

Durante o processo eleitoral local (intendências municipais), surgiam boatos de que pessoas de Cajupiranga estariam envolvidas no assassinato. O senhor Manoel Alves dirigiu ações policiais para prender moradores de engenhos ligados à família Leitão, sob pressão para que confessassem o crime, ainda que não houvesse provas, mas o relato denuncia forte manipulação política, calúnia e uso da polícia local para fins pessoais, comprometendo a justiça.

Esse parece ter sido o crime mais misterioso de São José de Mipibu. Percebe-se que a culpa recaiu sobre pessoas aparentemente inocentes, do Engenho Cajupiranga. Mas notamos, pelo contexto pautado de imbróglios, que poderosos estavam por trás da execução, como mandantes.  As pessoas do Engenho Cajupiranga eram parentes do Gesteira. Também parece que a polícia de São José de Mipibu montou um ardil para livrar a cara dos poderosos.

O Gesteira assassinado era do lado "pobre" da família. No local foi erguido um marco com uma cruz doada pelo intendente Lyle Nelson, com inscrições em placas de bronze que, além de uma tradição, ficou como uma represália para doer na consciência dos verdadeiros mandantes do crime. A família fez questão daquele marco porque certamente tinha boa noção dos assassinos, ou dos mandantes e, com certeza, aquela cruz gritava...

Igreja Matriz de Santana e São Joaquim - São José de Mipibu 

Em 1992 os ricos eram sepultados dentro da Igreja Matriz de Santana e São Joaquim. O terreno atrás desse templo foi o primeiro Cemitério de São José de Mipibu. Isso se repetia em toda a província, inclusive em Papary (hoje Nísia Floresta), cujo cemitério era ao lado do templo, onde atualmente está a chamada “Praça dos Velhos”.  Certamente Gesteira foi sepultado na área externa, atualmente transformada num jardim e no prédio da Secretaria Paroquial da Igreja Matriz. Se houver no Cemitério novo algum túmulo antigo da família Gesteira, pode ser que tenham feito o traslado do ossário para aquele local. Não aparece o nome dos pais de Gesteira em lugar algum. Apenas é dito que ele vinha de família pobre, e só os pobres eram sepultados do lado de fora da matriz.

Passados 133 anos, o assassinato de Gesteira permanece como uma ferida aberta na história de São José de Mipibu. A cruz está lá, intacta. A mata que envolvia a região rasgada por uma pequena vereda desapareceu, transformada em canavial e pasto. Hoje o local, ainda que ermo, é abraçado por algumas casas. Mas a cruz marca a estrada da Pituba dos Salles, ecoando como símbolo de justiça não alcançada.

O local, ainda bastante misteriooso, entre memórias, lendas e silêncios, resume as tensões de um tempo em que a República nascente prometia igualdade, mas entregava, no interior, a mesma lógica de poder e impunidade. Um crime sem solução, que permanece vivo na tradição oral e no imaginário coletivo - como uma acta noturna que insiste em não se apagar.

Enfim, o crime nunca foi esclarecido...

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NOTA: Essa cruz sempre chamou a minha atenção. Há alguns anos passei a pesquisar e reunir material, até passara a tarde por aqui, construindo o texto que ora ofereço ao povo, especialmente de São José de Mipibu. Quem me contou algumas nuanças dessa história foi meu primo Tamires Ítalo Trigueiro Peixoto, mas a maior parte foi pesquisa em documentos de época e em jornais antigos. Já ouvi muitos mipibuenses ansiosos para saber sobre o que é essa cruz, quem foi morto ali e o porquê. Pois bem, para quem nunca soube nada, eis a história de Gesteira...


quinta-feira, 25 de setembro de 2025

ENFIM, REFORMA DO TÚMULO DE NÍSIA FLORESTA...


Hoje, em mais um ato de reparação à história e à memória da intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta e principalmente o município de Nísia Floresta, vivi um momento de grande importância como pesquisador e estudioso da vida e obra dessa intelectual. Prestigiei com alegria a solenidade da assinatura da Ordem de Serviço nº 13/2025, celebrada entre a Prefeitura Municipal de Nísia Floresta e a empresa H.J. Dantas Filho LTDA, que executará a obra de revitalização do túmulo de Nísia Floresta no prazo de três meses. O documento foi assinado pelo prefeito Gustavo da Silva Santos, Jorge Januário de Carvalho e Ivens Pereira dos Santos Sátiro (Secretário de Infraestrutura e Desenvolvimento Econômico do município).



O evento estava previsto para sexta-feira passada, ocasião em que o professor Jorge Januário de Carvalho, secretário municipal de cultura, havia me convidado para proceder uma fala, mas por uma questão superior, foi transferido para hoje, tendo acontecido com brilhantismo.

O ato se deu à partir das 09h00, nas imediações do túmulo e do monumento à Nísia Floresta, contando com diversas autoridades, como a sra. Natália Chagas, secretária adjunta de Cultura de Parnamirim, admiradores de Nísia Floresta e abrilhantado pela banda de música do município, sob as mãos amorosas do músico maestro Almeida. À ocasião, foi instalada no local a placa contendo os dados da Ordem de Serviço e depositado uma coroa de flores sobre o túmulo.

Prefeito Gustavo Santos  (acervo Secretaria de Cultura de NF)

Em sua fala, o prefeito esclareceu que sempre viu esse projeto como prioridade, tendo em vista a importância da intelectual Nísia Floresta para o mundo e a necessidade de se criar um espaço digno. Antes da solenidade, o gestor me falou que tem outros planos para dar ainda mais qualidade aquele espaço histórico e turístico, o que muito me agradou.

Convidado a falar, agradeci o convite, parabenizei o gestor pela nobre iniciativa, sintetizei brevemente a minha relação com o município de Nísia Floresta, o trabalho de história oral iniciado ali em 1992, os diversos eventos que realizei no município em louvor à história e à memória da intelectual Nísia Floresta. Aproveitei o momento para agradecer pelo convite para o "Ato de entrega da requalificação do Cemitério Frei Herculano", ocorrido no dia 31 de julho de 2025, ocorrido no município, mas que por motivo superior, não pude estar presente. Parabenizei por mais esse ato de reparação à história do município, tendo em vista que o cemitério de Nísia Floresta é uma aula de história, pois ali está sepultado Ferreira Nobre, autor do primeiro livro sobre a História do Rio Grande do Norte, o Coronel Trajano Leocádio de Medeiros Murta, 28º presidente da província (governador) do Rio Grande do Norte, Coronel José de Araújo, primeiro presidente da Intendência (prefeito) de Papary, Roque de Albuquerque Maranhão, terceiro presidente da Intendência de Papary (casado com Luísa Peixoto, prima legítima da minha mãe, Maria Peixoto), dentre outras figuras.

Professor Jorge Januário de carvalho, secretário municipal de cultura de Nísia Floresta  (acervo Secretaria de Cultura de NF)

Ressaltei que Nísia Floresta, na verdade, é um museu a céu aberto, tendo em vista que abriga uma das primeiras construções do Brasil, a casa de pedra do Pium e uma infinidade de elementos históricos de relevância, como a experiência das irmãs vigárias, único no mundo, o surgimento da Campanha da Fraternidade, dentre outros feitos notáveis, precisando que haja uma política de incentivo e revitalização desses patrimônios, assim como maior cuidado com a Igreja Matriz.

Vice-prefeita  (acervo Secretaria de Cultura de NF)

Não pude deixar de enaltecer a abnegação de Jorge Januário de Carvalho que, na condição de professor, diretor da escola Municipal Yayá Paiva e secretário municipal de educação, profissões que exerceu anteriormente e como verdadeiro baluarte, idealizou e encampou os mais belos e grandiosos eventos em memória de Nísia Floresta ao longo de quase meio século, os quais pude contemplá-los a partir de 1992.

 (acervo Secretaria de Cultura de NF)

Na oportunidade, li um trecho da minha árvore genealógica, tendo em vista a relação de parentesco que tenho com Nísia Floresta, pela parte de Francisca Clara Freire do Revoredo, irmã de Antônia Clara Freire do Revoredo, mãe de Nísia Floresta. Francisca é bisavó da minha bisavó Maria Clara de Magalhães Peixoto Fontoura, nascida em Goianinha, conforme destrinçarei no final deste texto. Falei sobre a minha intenção de publicar um livro sobre a genealogia da minha mãe, neta de Maria Clara.

 (acervo Secretaria de Cultura de NF)

O professor Jorge Januário fez um belo discurso, exaltando a filha mais ilustre do município (no final deste texto publicarei seu discurso - amanhã). Ele agradeceu à iniciativa do prefeito, ressalvando o seu contentamento quando, dentre os projetos que o gestor já trazia consigo desde que assumiu o mandato, um deles era exatamente a reforma do túmulo. No discurso de Jorge, tive o gosto de ouvir sua gratidão ao trabalho que desenvolvi naquele município desde 1992, sobre o resgate da vida e da obra de Nísia Floresta, função que desenvolvo há 33 anos.

Assinatura da Ordem de Serviço (acervo Secretaria de Cultura de NF)

O ato do prefeito Gustavo Santos foi mais uma reparação à história e a memória da intelectual Nísia Floresta, tendo em vista a situação precária em que se encontra o túmulo e monumento onde descansam os restos mortais de Nísia Floresta. Mais que isso, representa visão de futuro, consciência de sua função, respeito à história e ao povo de Nísia Floresta. A situação em que se encontra esse espaço envergonha a população perante a si e aos turistas, pois, infelizmente, desprestigia aquela que projeta o município para todo o mundo, numa inexplicável antítese. Na verdade – vale ressalvar – que a obra contempla o túmulo (1955) e o monumento (1909), sendo impossível dissociá-los.


Bandeiras do Brasil, de Nísia Floresta e da França, onde Nísia Floresta viveu a maior parte de sua vida  (acervo Secretaria de Cultura de NF)

Parabéns ao prefeito Gustavo Santos e a Jorge Januário de Carvalho! Parabéns ao povo! Parabéns a nossa Nísia Floresta Brasileira Augusta.

PARTE DA MINHA ÁRVORE GENEALÓGICA

8 - FRANCISCA FREIRE DO REVOREDO (1760-1840), irmã de Antônia Clara Freire do Revoredo (1780-1855), mãe de Nísia Floresta, casada com o seu primo FÉLIX FERREIRA DA SILVA II (1755-1814), são pais de: Anna Francisca Ferreira da Silva (1793 s/d.), também mencionada como Anna Francisca Freire da Silva.  

10 - ANNA FRANCISCA FERREIRA DA SILVA (1793 s/d.), também mencionada como Anna Francisca e Anna Francisca Freire da Silva, casada com MANOEL JOAQUIM GRILLO (1790 s/d.), filho único, primos carnais, são pais de: Maria Jucunda Belmiro (1835 s/d. – também mencionada em assentos como Maria Zulmira Fontoura, Maria Jucunda Fontoura e Maria Grillo)

11 - MARIA JUCUNDA BELMIRO (1835 s/d.), casada com CAPITÃO JOSÉ THOMAZ DE MAGALHÃES FONTOURA (1829-1913), citado acima por Câmara Cascudo na Acta Diurna acima, pais de:  - Maria Clara de Magalhães Fontoura (1861-1950)

12 - MARIA CLARA DE MAGALHÃES PEIXOTO FONTOURA (nascida em Goianinha: 1861- falecida em Natal: 1950), casada com ABEL GOMES PEIXOTO (1845-1946) são pais de: José Gomes Peixoto (1889-1958)

JOSÉ GOMES PEIXOTO (1889-1958), casado com MARIA GUEDES DE MOURA (1901-1957), casamento realizado no dia 22 de julho de 1924 em São José de Mipibu/Rio Grande do Norte, pais de: *A-6: Maria José Peixoto (1932).

13 - MARIA JOSÉ PEIXOTO (1932), casada com J. A. FREIRE (1925-2018), falecido aos 93 anos de idade, são pais de: - Luís Carlos Freire (20.11.1967).

14 - LUÍS CARLOS FREIRE (20.11.1967), casado com Alysgardênia de F.C.M.F, são pais de:

15 - F.A.C.M.P.F.
(26.1.2000)

OBS. Os dados abaixo são retirados de documentos cartoriais, parte deles provém de estudos genealógicos de Felipe Trindade, Ormuz Barbalho Simonetti e de textos cascudianos diversos. Esse material está sendo organizado em livro para posterior publicação, inclusive com a História de Francisca Clara Freire do Revoredo, bisavó da minha bisavó. OBS. Para que essa informação não ficasse longa, coloquei apenas o nome do casal e do filho – ou filha – que gerou a próxima família. Se fosse mencionar os nomes de todos os filhos, ficaria muito extenso, e não é esse o fito desta publicação.

Fonte: Fábio (SEMUC)

Autoridades presentes  (acervo Secretaria de Cultura de NF)


Dona Nailde, mora de frente ao túmulo de Nísia Floresta. É cunhada da dona Iracema que, por quase 50 anos, zelou do túmulo de Nísia Floresta. Delas ouvi os mais interessantes relatos sobre a experiência. Vendo-a contemplando o evento, de sua janela, não pude deixar de visitá-la.

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Antes do evento fomos visitar a Igreja Matriz de Nossa senhora do Ó e o baobá

Acervo: Fábio - SEMUC

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sábado, 20 de setembro de 2025

ACTA NOTURNA - SETEMBRO DE 1954 EM NÍSIA FLORESTA...


Setembro de 1954 desponta nas páginas da história como o mês em que o Brasil reparou uma dívida histórica com a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885) e com o município em que ela nasceu. 

O túmulo foi localizado 1950 em Rouen, após quase setenta anos em solo francês, pelo jornalista cearamirinense, Orlando Dantas (1896-1953), mas só em 1954 se efetivou o traslado. O intelectual Marciano Alves Freire, presidente do Centro Norte-Rio-Grandense do Rio de Janeiro, recebeu incumbência do Governo Brasileiro para essa missão, e no começo de setembro, começava-se o processo de devolução não só de um corpo mumificado – quase intacto –, mas de identidade, memória e reconhecimento.

A decisão de trasladar o corpo da escritora, nascida em Papary - município que em 1948 mudara oficialmente de nome para Nísia Floresta -, contou com forte articulação política, intelectual e diplomática desde meado da década de 30 do século XX, com destaque para Henrique Castriciano de Souza (1874-1947) e Adauto da Câmara Miranda Henrique (1898-1952), esse último, seu primeiro biógrafo (ambos morreriam sem ter realizado o desejo de ver o traslado). 

Em 1954 o governo francês autorizou a exumação, e autoridades brasileiras, respaldadas pelo Itamaraty, lideravam os trâmites para que nada faltasse na cerimônia de retorno, com apoio do presidente da república João Café Filho, coincidentemente norte-rio-grandense.

Na manhã de 5 de setembro, o navio Loide-Brasil aportou em Recife trazendo a urna funerária. Já ali se viveu tensão: autoridades alfandegárias demandaram documentação precisa, relutaram em liberar o ataúde, por entenderem-no como “carga especial”. Só a intervenção do presidente Café Filho (1899-1970) garantiu que o corpo seguisse sua marcha. A chegada foi anunciada com solenidade: representações literárias e acadêmicas, entre elas a Academia Pernambucana de Letras, estiveram presentes, cujo caixão foi velado nessa instituição; Nilo Pereira, importante figura intelectual pernambucana, foi um dos que o acolheu. 

Seis dias depois, em 11 de setembro, o poema do retorno tocou Natal, capital do Rio Grande do Norte. O caixão chegou pela Base Naval, aproximadamente nesse local foi exposto ao povo no instituto de Educação, aos cuidados da professora Chicuta Nolasco (1908-1995), vigiado por forças da Marinha e da Aeronáutica, com cortejo, bandas de música e manifestantes emocionados. O Rio Grande do Norte era governado por Sylvio Pedroza (1918-1998). 

O município de Natal, sob a administração do prefeito Wilson de Oliveira Miranda (1919-1988) participou de forma significativa por meio da Prefeitura Municipal, da Igreja Católica e de instituições culturais e de imprensa. Em Natal, celebrou-se missa de encomendação com Monsenhor João da Mata Paiva (1897-1965), e naquele mesmo dia foi lançado selo dos Correios como homenagem postal ao regresso de Nísia, gesto que expressava o cunho nacional que aquela devolução representava.

No dia 12 de setembro, o cortejo seguiu para o município de Nísia Floresta. A cidade que havia sido chamada Papary, agora definitivamente homenageava sua filha ilustre. A Prefeitura local, sob os préstimos do prefeito José Ramires da Silva (*16.6.1923+25.3.2000), junto com autoridades estaduais, vereadores, Igreja paroquial e cidadãos comuns, preparou recepção popular. O ataúde foi conduzido em procissão pelas ruas até a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, onde foi celebrada missa solene pelo jovem padre Rui Miranda (1928-2011), que contava com 26 anos à ocasião. 

Como o mausoléu definitivo ainda não estava pronto, os restos mortais ficaram provisoriamente depositados na Matriz, até que se concluísse a construção do túmulo no Sítio Floresta, em 1955, quase nove meses após a chegada, ao lado do monumento que havia sido erguido em 1909, justamente sobre as ruínas da casa onde Nísia residiu. Esse monumento foi erguido para se comemorar o centenário do seu nascimento, embora que adiantaram um ano, tendo em vista que ela nasceu em 1810.

Outras instituições fizeram-se presentes: a imprensa local e regional, jornais do Rio Grande do Norte e de Pernambuco cobriram o evento, relatos destacam o envolvimento de cidadãos, associações culturais e entidades religiosas. Aviões sobrevoaram o local do cortejo, em Nísia Floresta, despejando panfletos com o retrato de Nísia Floresta e sua biografia preparada por Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). 

A recepção não foi só de autoridades, mas de professores, estudantes, moradores das comunidades rurais próximas, que vieram às ruas para saudar o corpo da escritora que, décadas antes, havia deixado sua terra para viver entre realidades de ‘exílio’ e inovação intelectual.

Esse conjunto de momentos - a chegada conturbada a Recife, a consagração pública em Natal, a emoção em Nísia Floresta - representa mais do que uma simples cerimônia: simboliza o retorno de algo muito maior do que restos mortais. É o regresso da voz de uma mulher que falou de igualdade, liberdade e educação quando ainda poucos se atreviam, é a coroação de sua memória com o reconhecimento coletivo.


sexta-feira, 19 de setembro de 2025

QUEM SEMEIA ARTE, COLHE CORAÇÕES...

 


 Com alegria e admiração, registro algumas palavras para celebrar a trajetória da professora, escritora e artista plástica Ana Catarina da Silva Fernandes. Cada cidade possui profissionais que se tornam referências em diferentes áreas: na saúde, no direito, no comércio, na cultura, na educação, enfim, em diversas áreas. Ana Catarina é uma dessas referências, pois representa a essência de uma profissional que reúne em si vários potenciais e instrui pelo exemplo, inspira pela atitude e marca gerações pela sua dedicação e visão holística.

Seu trabalho vai muito além do magistério. Ao conduzir seus alunos a novos horizontes, ela os ensina a olhar o mundo de maneira ampla, despertando a capacidade de pensar com profundidade e sensibilidade, inserindo-os em campos diversos que saltam os muros da escola e percorrem os mais significativos espaços, ora em Parnamirim, ora em Natal. 

Como artista plástica, abre caminhos para que cada estudante descubra possibilidades no universo criativo, incentivando talentos e formando olhares atentos à beleza. Essa nova pegada no campo das aquarelas de café, em que ela se exercita há mais de um ano, é surpreendente, pois tanto ela como os alunos avançaram anos luz quando olhamos os primeiros trabalhos e os últimos. Há um avanço de técnica, de criatividade, de filosofia, de viagem que só mesmo o arista é capaz. Estudei aquarela e sei que é uma técnica que sangra. 

Ana Catarina vem tornando férteis as terras de Parnamirim ao "produzir" artistas. Sua prática é dinâmica, sempre inovadora com a característica nobre do voluntariado. Há nessa mulher a intenção admirável de oportunizar aos jovens sair do lugar comum e ver o mundo de cima, como águia. Com esse trabalho tão bonito, Ana Catarina se projeta no seio da sociedade por excelência, e isso se torna grandioso porque ela o faz de mãos dadas com os jovens.



Na área da Língua Portuguesa, sua contribuição também é notável. Autora de dois livros que merecem ocupar as prateleiras de escolas e bibliotecas, Ana Catarina oferece obras que dialogam com crianças, jovens, pais e educadores. Ler seus textos é mergulhar em uma escrita clara, amorosa, formadora e sensível, que tem valor duradouro para a formação de leitores e cidadãos.

Um traço marcante de sua personalidade é a humildade de reconhecer no outro uma fonte de inspiração. Ela está sempre buscando aprender com os mestres milenares, com os mestres dos livros e com os mestres do mundo real daqui e dali. Ao afirmar a colegas de profissão: “você me inspira, aprendi muito com você”, revela um espírito raro. Essa capacidade de aprender com o próximo lembra o pensamento de Sócrates, que dizia: “Só sei que nada sei”. A grandeza está em admitir a incompletude e, a partir dela, seguir aprendendo. Poucos têm essa disposição, mas Ana Catarina demonstra diariamente que a gratidão e o reconhecimento fazem parte de uma alma superior.

Em suas aulas, conduz os alunos como quem mergulha em águas profundas, oferecendo-lhes conhecimentos que os preparam para passos futuros. Assim como Paulo Freire defendia que ensinar exige coragem e generosidade, Ana Catarina assume essa missão com inteireza, mostrando que educar é, antes de tudo, acreditar no potencial humano.

Por tudo isso, afirmo que Ana Catarina da Silva Fernandes é uma das grandes sustentadoras da educação, da arte e da literatura dessa terra de Manoel Machado, de Salizete Freire, de Francisca Henrique e de tantas figuras especiais. Ao lado de outros profissionais que marcam história em suas áreas, ela se destaca como exemplo de professora, escritora e artista, inspirando não apenas seus alunos, mas todos aqueles que acompanham sua caminhada.


segunda-feira, 15 de setembro de 2025

domingo, 14 de setembro de 2025

UMA VISITA À "IGREJA DO GALO"...


Era exatamente 16h00 quando atravessei a porta da Igreja do Galo, na Cidade Alta de Natal na última segunda-feira. O sol ainda dourava as fachadas antigas como pode se perceber nas fotografias, e eu, com o coração aberto ao inesperado, não imaginava que estava prestes a ser tomado por uma emoção profunda. Até então eu não sabia, mas os fiéis, contritos, aguardavam confissão. Então, invisível e mudo, divaguei pelo templo.

Fundada em 1766 e dedicada a Santo Antônio, este templo é muito mais que um edifício religioso: é uma cápsula de tempo, um respiro da própria alma potiguar. Há um mistério na aura local. Ao entrar, senti um silêncio tão denso que parecia falar comigo. É como se cada pedra, cada madeira e cada tijolinho branco guardasse vozes e passos de séculos atrás. Eu estava dentro da terceira igreja mais antiga da cidade — e que o nome “Igreja do Galo” nascera de um detalhe quase poético: um galo de bronze, presente de um capitão-mor da capitania, colocado no alto da torre como guardião eterno da cidade.

Meus olhos se demoraram no piso antigo, ora de pedras – como fossem cantarias – ora de ladrilho hidráulico, ora de tijolinhos brancos. Eles parecem conter, em suas ranhuras, histórias de devoção e despedidas, orações e esperanças. Do lado de fora as pedras entalhadas parecem peças de museu. Caminhar sobre eles era quase como pisar sobre páginas de um livro escrito em silêncio. Os altares laterais – todos em madeira nua - me chamaram com intensidade: santos com expressões fortes e humanas, alguns sérios, quase austeros, outros com ternura no olhar, como quem oferece consolo. O dourado, longe de parecer velho, traz a beleza daquilo que resiste ao tempo — uma dignidade que só os séculos são capazes de dar.

A arquitetura barroca me cercou como um abraço feito de linhas e curvas que se elevavam, todas, na mesma direção: o céu. Não há excessos; havia música em pedra e madeira. O convento ao lado, hoje sob os cuidados dos Capuchinhos, fez-me pensar no curioso destino dos lugares: já fora quartel de militares, colégio, abrigo... e hoje respira oração e fraternidade. Quantas transformações cabem num só espaço?

No coração da igreja, outra revelação: o Museu de Arte Sacra. Ali, entre imagens barrocas e neoclássicas, pinturas, paramentos, pratarias e móveis antigos, senti como se tocasse não apenas objetos, mas memórias vivas. Cada peça aparenta guardar não apenas a beleza da forma, mas também a devoção daqueles que a usaram. Era arte, mas era também fé petrificada.

E foi então que, ao olhar pela lateral, vi o jardim, tal qual os jardins típicos dos mosteiros antigos, abraçado pelas grossas paredes caiadas, destacadas pelo azul royal. Um recanto singelo, mas de uma força arrebatadora. Entre flores e sombras brandas, vi fiéis confessando-se com os freis. Aquela cena me comoveu profundamente: as palavras ditas em voz baixa, inaudíveis, entrecortadas pelo canto dos pássaros, faziam do próprio jardim um confessor silencioso. Pensei, então, na delicadeza da fé — tão discreta, tão íntima, mas ao mesmo tempo tão presente.

Bem ao lado da confissão, uma parede guardava túmulos de gente que morreu há séculos. O local soou-me impregnado de mistérios.

Ali compreendi que a Igreja do Galo não é apenas um patrimônio tombado, um ponto turístico ou uma bela construção barroca. É um coração pulsante da cidade, guardiã de uma história que inclui mais de dois séculos da Trezena de Santo Antônio, festa que atravessou gerações e se fez tradição viva.

Saí, por fim, com a alma leve, tomado por uma sensação rara: a de que não fui eu quem visitou a Igreja do Galo, mas ela quem abriu seus braços para me acolher. E naquele fim de tarde, às 16h00, percebi que algumas experiências não se explicam com razão, apenas com encantamento.




Casarão do arcebispo metropolitano. Esse imóvel tem mais de 200 anos.