Era exatamente 16h00 quando atravessei a porta da Igreja do Galo, na Cidade Alta de Natal na última segunda-feira. O sol ainda dourava as fachadas antigas como pode se perceber nas fotografias, e eu, com o coração aberto ao inesperado, não imaginava que estava prestes a ser tomado por uma emoção profunda. Até então eu não sabia, mas os fiéis, contritos, aguardavam confissão. Então, invisível e mudo, divaguei pelo templo.
Fundada em 1766 e dedicada a
Santo Antônio, este templo é muito mais que um edifício religioso: é uma
cápsula de tempo, um respiro da própria alma potiguar. Há um mistério na aura local. Ao entrar, senti um
silêncio tão denso que parecia falar comigo. É como se cada pedra, cada madeira
e cada tijolinho branco guardasse vozes e passos de séculos atrás. Eu estava
dentro da terceira igreja mais antiga da cidade — e que o nome “Igreja do Galo”
nascera de um detalhe quase poético: um galo de bronze, presente de um
capitão-mor da capitania, colocado no alto da torre como guardião eterno da
cidade.
Meus olhos se demoraram no piso
antigo, ora de pedras – como fossem cantarias – ora de ladrilho hidráulico, ora de tijolinhos brancos.
Eles parecem conter, em suas ranhuras, histórias de devoção e despedidas,
orações e esperanças. Do lado de fora as pedras entalhadas parecem peças de
museu. Caminhar sobre eles era quase como pisar sobre páginas de um livro
escrito em silêncio. Os altares laterais – todos em madeira nua - me chamaram
com intensidade: santos com expressões fortes e humanas, alguns sérios, quase
austeros, outros com ternura no olhar, como quem oferece consolo. O dourado,
longe de parecer velho, traz a beleza daquilo que resiste ao tempo — uma
dignidade que só os séculos são capazes de dar.
A arquitetura barroca me cercou
como um abraço feito de linhas e curvas que se elevavam, todas, na mesma
direção: o céu. Não há excessos; havia música em pedra e madeira. O convento ao
lado, hoje sob os cuidados dos Capuchinhos, fez-me pensar no curioso destino
dos lugares: já fora quartel de militares, colégio, abrigo... e hoje respira
oração e fraternidade. Quantas transformações cabem num só espaço?
No coração da igreja, outra
revelação: o Museu de Arte Sacra. Ali, entre imagens barrocas e neoclássicas,
pinturas, paramentos, pratarias e móveis antigos, senti como se tocasse não
apenas objetos, mas memórias vivas. Cada peça aparenta guardar não apenas a
beleza da forma, mas também a devoção daqueles que a usaram. Era arte, mas era
também fé petrificada.
E foi então que, ao olhar pela
lateral, vi o jardim, tal qual os jardins típicos dos mosteiros antigos, abraçado pelas grossas paredes caiadas, destacadas pelo azul royal. Um recanto singelo, mas de uma força arrebatadora.
Entre flores e sombras brandas, vi fiéis confessando-se com os freis.
Aquela cena me comoveu profundamente: as palavras ditas em voz baixa, inaudíveis, entrecortadas pelo canto dos pássaros, faziam do próprio jardim um confessor
silencioso. Pensei, então, na delicadeza da fé — tão discreta, tão íntima, mas
ao mesmo tempo tão presente.
Bem ao lado da confissão, uma
parede guardava túmulos de gente que morreu há séculos. O local soou-me
impregnado de mistérios.
Ali compreendi que a Igreja do
Galo não é apenas um patrimônio tombado, um ponto turístico ou uma bela
construção barroca. É um coração pulsante da cidade, guardiã de uma história
que inclui mais de dois séculos da Trezena de Santo Antônio, festa que
atravessou gerações e se fez tradição viva.
Saí, por fim, com a alma leve,
tomado por uma sensação rara: a de que não fui eu quem visitou a Igreja do
Galo, mas ela quem abriu seus braços para me acolher. E naquele fim de tarde,
às 16h00, percebi que algumas experiências não se explicam com razão, apenas
com encantamento.
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Casarão do arcebispo metropolitano. Esse imóvel tem mais de 200 anos. |
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