Antonio
José de Melo e Sousa, o Polycarpo Feitosa, nasceu aos de 24 de dezembro de 1867
no Vale do Capió, quando Nísia Floresta tinha o nome de Vila Imperial de Papari.
É o filho mais velho do casal Antonio José de Melo e Sousa e Maria Emília
Seabra de Melo e Sousa, os quais eram católicos fervorosos.
Seu pai, apesar
de proprietário de grandes extensões de terras em Papari, e dono de escravos, inclusive os Engenhos Capió e São Luiz,
ocupava a função de tenente coronel da Guarda Nacional, espécie de secretário
de segurança do estado – se comparamos à atualidade. Possuía fazendas em outros
lugares, como São Tomé, Barcelona e no Pajeú.
O envolvimento
futuro de Antonio de Sousa na política certamente teve influência do seu pai,
pois o mesmo era chefe do Partido Conservador e foi presidente da Câmara
Municipal.
Ali mesmo, no
Engenho Capió nasceram os treze filhos do casal, sendo dez homens e três
mulheres: Antonio José, José Augusto,
Luís Augusto, Francisco José, Brás Florentino, Celso Victor, Anísio Otávio,
Tarquínio Bráulio, Cícero Franlin e Augusto César, Ana Luísa, Maria Amélia e
Isabel Emiliana. Os primeiros anos escolares foram feitos em Papari e São José
de Mipibu. Depois foram estudar em Natal.
Dr. Antonio de Sousa, o futuro
Polycarpo Feitosa foi único a estudar no Recife. É interessante ressaltar que
ele tinha um tio, por parte de pai, Dr. Tarquínio Bráulio de Sousa Amaranto, jurista,
cuja história estudaremos em outra ocasião. Era padrinho de Antonio de Sousa,
portanto achou melhor levá-lo para Recife, onde concluiria o curso primário e
só sairia de lá após se formar em Ciências Jurídicas e Sociais.
Era o ano de 1876, e no lombo de um cavalo e com dois
jumentos carregando a bagagem e comida, saíram tio e sobrinho rumo à terra de
Nunes Machado. Foram oito dias entre Papari e Recife. Viagem cansativa, mas
naquela época não existia a estrada de Ferro, a qual seria construída em 1881.
Era normal andar de cavalo, fosse rico, fosse pobre. Ao menos nisso eram iguais
os viajantes que cruzavam as estradas pelo Brasil a fora. Tio e sobrinho se
abalaram até Natal e embarcaram na Companhia Pernambucana. Chegaram em Recife
na tarde de 9 de novembro de 1876.
O garoto Antonio de Sousa, nunca havia
saído de Papari. A surpresa foi grande quando chegou em Recife e viu o
trenzinho de Caxangá (FOTO), apitando, no dia seguinte à sua chegada. O máximo que
ele conheciam eram os carros-de-bois, as carroças e as carruagens de Papari, todas
movidas a força animal. A admiração foi grande, pois Recife era uma das cidades
mais populosas e movimentadas do Brasil. Os bondes, o trem, as carruagens, as
seges se entrecortavam numa badalada movimentação.
Trenzinho Caxangá - Recife-PE. |
A saudade da família foi grande. De
repente, o menino esperto e inteligente, que já aos oito anos encantava a todos
recitando de cabeça os versos de Luís Gama, publicados no jornal Correio do
Recife, trazidos pelo tio, teria que
sobreviver em meio a pessoas adultas, diferente do ambiente cheio de calor
maternal.
Dr. Tarquínio era
jurista e vivia em trânsito constante por outras paragens e províncias. O
pequeno Antonio de Sousa foi matriculado no Colégio São Tomás de Aquino, onde
estudou apenas três meses. Em seguida foram para a Corte, no Rio de Janeiro. Ali
ele vivenciaria uma das suas experiências inesquecíveis, tendo conhecido
pessoalmente o Imperador Dom Pedro II, em companhia do tio durante um
importante evento.
Dom Pedro II e Imperatriz Teresa Cristina, sua esposa. |
Na corte Antonio de Sousa
frequentou três estabelecimentos de ensino, entre os quais, o São Salvador. Em
1877 retornou para Recife e foi matriculado no Ginásio Pernambucano e pouco tempo depois no Dois de Dezembro, em
1879.
No período entre 1881 a 1884 foi matriculado, em
regime de internato, no Colégio Sete de Setembro. Todos esses estabelecimentos
em que ele estudou mantinham regimes rígidos, muito comuns àquela época, como
isolamento, “bolos”, dentre outros castigos. Para quem não sabe, bolos eram
pancadas dadas nas mãos com um objeto chamado “palmatória”. Imagine um pirulito
gigante, todo de madeira, com uns sulcos no meio.
Bastava a criança errar que tomava bolos, ou
sejam, pauladas nas mãos. Mas o tempo foi passando e, agora jovem, Antonio de
Sousa conseguiu um verdadeiro feito nesse referido educandário: substituir o
professor no curso primário e ministrando aula de Português do curso
secundário.
Ginásio Pernambucano - Recife - PE. |
Palmatória original, usada até pouco tempo em muitas escolas - Era a forma "educativa" de punir o aluno que errava uma tarefa. |
Logo em seguida iniciou-se na Faculdade
de Direito de Recife, formando-se em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1889.
Retornando para o Rio Grande do Norte, ocupou o cargo de promotor público, na
comarca de Goianinha, de 1890 a 1892. De 1892 a 1895 exerceu o cargo de Diretor
Geral de Instrução Pública, ao lado do mandato de deputado ao Congresso
Legislativo do estado, 1892/1894. De 1895 a 1899, foi procurador da república,
seção do Rio Grande do Norte. Ainda em 1899, foi nomeado secretário do governo
do estado, ocupando, em 1900, o cargo de procurador geral, com assento no
Superior Tribunal Federal de Justiça.
Eleito governador em 1907, governou até
1908. Eleito senador da república, na vaga aberta com o falecimento do Dr.
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, voltou, mais tarde, a exercer o cargo de
governador, no período de 1920 a 1924, presidindo, portanto, as grandes festas
do primeiro centenário da “Independência do Brasil.
Deixando o governo, foi nomeado Consultor
Jurídico do estado, cargo em que se aposentou, em 1935. A Revolução de 1930,
com todo um processo de vindictas e violências, desmanchando reputações e
entronizando novos deuses, não dispensou os seus serviços, chamando-o a
colaborar nas Interventorias Federais do Comandante Hercolino Cascardo e Dr.
Mario Leopoldo Ferreira da Câmara, nas quais assumiu o governo oito
vezes.
Escola Normal - Mossoró-RN. |
Luís da Câmara Cascudo, resumindo a sua
ação à frente do Governo do estado, diz textualmente: “Criou a Escola Normal de
Mossoró, decreto nº 165, de 19 de janeiro de 1922, instalada a 2 de março do
mesmo ano e equiparada à de Natal pelo decreto nº 698, de 16 de julho de 1934
(Interventoria Mario Câmara); a Escola Profissional do Alecrim, (24 de abril de
1922), com cursos de serralheria, marcenaria, sapataria e funilaria; a Escola
de Farmácia de Natal, pela lei nº 498, de dezembro de 1920; e o primeiro Grupo
Escolar do estado, “Augusto Severo”, inaugurado a 12 de junho de 1908, mas
criado pelo decreto nº 174, de 5 de março de 1908. Em ambas as administrações
interessou-se intensamente pela saúde pública, imprimindo um desenvolvimento
notável a esses dois departamentos.
Grupo Escolar Augusto Severo - fica ao lado do Teatro Alberto Maranhão |
Criou a Diretoria Geral de Agricultura
e Obras Públicas, pela lei nº 568, de 19 de dezembro de 1923. Suas mensagens
são modelos de nitidez, coragem e fidelidade ao ambiente real, sem retórica e
disfarces.
Como governador do estado, durante as
eleições presidenciais, em que saiu eleito o Dr. Artur da Silva Bernardes
(FOTO), pleito disputadíssimo, manteve a mais absoluta imparcialidade e foi
talvez o único chefe de governo que não influiu e não teve candidatos.
São de louvar as suas ideias sobre o problema agrário, corporativo,
educacional, expostas nas “Mensagens”, documentos formalmente diversos da
literatura convencional desse gênero inútil de promessas e explicações e
promessas oficiais. Jornalista e escritor, tem publicado vários romances sob o
pseudônimo Polycarpo Feitosa.
Festejou condignamente o centenário da
Independência Nacional, inaugurando a estátua da praça sete de Setembro e
prestigiando a Semana da Pátria que foi imponente.
Elevou a vilas as povoações de Parelhas (lei 478, 26.11.1920), e a de Barriguda com o nome Alexandria (l n. 572, de 3 de dez. de 1923) e à cidade a vila de Lages (l. n. 572, de 3 de dez. 1923).
Elevou a vilas as povoações de Parelhas (lei 478, 26.11.1920), e a de Barriguda com o nome Alexandria (l n. 572, de 3 de dez. de 1923) e à cidade a vila de Lages (l. n. 572, de 3 de dez. 1923).
Alexandria - RN |
Lajes - RN. |
O elogio do Dr. Antonio de Sousa está
na verdade integral destes períodos com que se despediu dos deputados estaduais
(mensagem de 1º de novembro de 1923): “Nunca um magistrado recebeu pedidos da
administração nem mesmo quando interesses do estado se debatiam; nunca um
professor foi nomeado ou removido por exigência ou solicitação de políticos; nunca
o serviço de arrecadação das rendas esteve sujeito a conveniências ou
influências dessa espécie. Por isso algum dissabor deve ter havido, mas os
funcionários estavam seguros e os serviços se faziam com desassombro”. (Governo
do RN, pags. 70/71).
Intelectual dos mais brilhantes,
Antonio José de Melo e Sousa começou a sua vida de imprensa muito cedo. Ao lado
das primeiras leituras, veio infalivelmente o desejo de escrever. Iniciou-se
pelo logogrifo, em que era habilíssimo, ao contrário dos que começavam
fazendo versos. Estudante de geografia, comprazia-se em escolher nomes de
cidades russas e paulistas, por sinal muito longos, cheios de consoantes e
vogais, dos quais formava nomes de acidentes geográficos, rios, cabos, montes,
ilhas. Desse inocente exercício passou aos artigos, escrevendo no jornalzinho
do seu amigo Laurentino Vitoriano de Borba Cavalcanti, O Republicano, em
que se iniciou. Estimulado por esse, trabalho de iniciação literária, fundou
também o seu jornal, A Ideia, manuscrito, como o do seu colega. Daí
passou à letra de forma, colaborando no jornalzinho – O Tentamen, órgão
do Comício Literário, sociedade de calouros, que tinha como redatores e
colaboradores Macedo França, Gervásio Fioravanti, Pacífico dos Santos, Luís
Seráfico, Anísio Dantas, Pedro Paulo, além de outros. “Os primeiros artigos n’O
Tentamen, diz ele, eram, já se vê, referências, variações, presunções sobre
coisas lidas”.
Na sua província, colaborou na Gazeta
do Natal, - n’A República, no Almanaque do RN, na Revista do Rio
Grande do Norte, n’O Lavrador, na Revista do IHGRN, no Diário de Natal, além de
outros de reduzida e esporádica publicação.
Escritor, jornalista, poeta, jurista,
historiador, contista e romancista, Antonio José de Melo e Sousa dedicou-se
principalmente ao conto e ao romance de costumes, escrevendo e publicando
vários livros de ficção entre os quais se destacam Flor do Sertão, 1928,
Gizinha, 1930, Alma Bravia, 1934, Encontros do Caminho, 1936, Os Moluscos, 1938
e Gente Arrancada, 1941, além de outros.
Grande parte de sua obra literária,
publicada em jornais e revistas da província, permanece dispersa, à espera de
quem, amorosa, e diligentemente a recolha, dando-lhe feição duradoura e
permanente.
Este volume, que o Departamento de
Imprensa do estado faz publicar, em colaboração com a Academia
Norte-Riograndense de Letras e o IHGRN, na passagem do primeiro centenário do
seu nascimento, representa o primeiro passo, no sentido de resgatar uma dívida
que o RN e o povo têm com uma das maiores figuras da sua história política e
literária.
Antonio José de Melo e Sousa, “retraído
por índole e modesto por necessidade”, como costumava dizer, escreveu quase
toda a sua obra sob pseudônimo de Polycarpo Feitosa, utilizando ainda os de
Lulu Capela, Francisco Macambira, Johannes da Silva, Antonio Josino de Tal e
Coisa e a primeira inicial do seu próprio nome. Poucas vezes assinava Antonio
de Sousa. Nos atos oficiais assinava com todas as letras, Antonio José de Melo
e Sousa.
Rômulo Chaves Wanderley,
perguntando-lhe certa vez, desde quando e porque usava o pseudônimo Polycarpo Feitosa,
respondeu textualmente: “desde 1897 que escrevo com este nome”. E acrescentou,
fazendo blague (???): “É menos banal que o meu próprio. Há tantos Polycarpo Feitosa por aí... Os arquivos da
polícia estão cheios deles”...
Raimundo Nonato da Silva, fabuloso
contador de “casos” da história norte-riograndense, registrou, em uma de suas
crônicas, o conceito que o matuto Vitorino da Caeira fazia dos homens públicos
do estado, dizendo: “no RN só há dois homens: Felipe Guerra, pela inteligência,
e Antonio de Sousa, pela honestidade”...
Governador do estado, Antonio José de
Melo e Sousa era, como em tudo, de uma austeridade estarrecedora. Conta-se que,
chegando, certa vez, em casa, em dia de aniversário de uma de suas irmãs, esta
mostrou-lhe um presente que havia recebido de um alto comerciante de Natal. O
Dr. Sousa, olhando o objeto, determinou incontinente: “devolvo-o”!
Dois ou três dias depois, voltando de
Palácio, disse à irmã:
“Está vendo, aquele presente tinha endereço certo. O
seu generoso doador queria um favor do Estado que eu não lhe podia conceder.
Indeferi o seu requerimento”.
Era assim Antonio de Melo e Sousa, um homem de bem, um
cidadão da República, dos mais austeros, dos mais limpos, dos mais puros, dos
mais nobres, dos mais justos, dos mais clarividentes, dos mais argutos, dos
mais cultos, dos mais patriotas, dos mais amigos da sua terra e do seu povo.
Honras
lhe sejam dadas, na passagem do primeiro centenário do seu nascimento. E que os
seus atos, os seus gestos e as suas atitudes sirvam de exemplo à mocidade de
nossos dias para que assim possa servir também ao RN e Brasil.
Antonio J. de M. e Sousa faleceu na cidade do Recife,
no dia 5 de julho de 1955, sendo sepultado em Natal, no cemitério do Alecrim.
NOTAS AVULSAS
O texto abaixo foi publicado no Jornal do Comércio, em
Recife, em 1967, escrito por Nilo Pereira, o qual também deixou alguns escritos
sobre Nísia Floresta. Coincidentemente, ontem, dia 15 de março de 2014, à
tarde, estive no Cemitério do Alecrim – na tentativa de localizar o túmulo do
Dr. Antonio de Sousa e acabei encontrando o túmulo de Nilo Pereira.
“Há alguns anos falecia no Recife o Dr. Antonio José
de Melo e Sousa. Governou duas vezes o estado do Rio Grande do Norte. Conheci-o
governador – alto, hierático, extremamente míope, talvez um tanto cético,
retirou-se para Recife; aqui vivia recolhido como um asceta, lendo, meditando,
escrevendo. A morte o colheu no dia 5 de julho de 1955, leio uma anotação feita
no seu livro “Dois Recifes – com sessenta anos no meio”, Imprensa Industrial,
Recife – 1945.
Desse livro é que eu desejo falar. Daquele homem de
raras conversas – ora essa, pelo menos, a impressão que nos dava, à distância –
não se podia esperar um livro de bom humor, leve, irônico e sutil. Parecia-nos
que ele era severo demais para tanta leveza. E, no entanto, ágil na pena, essas
suas memórias quase nos lembram o Visconde de Santo Tirso.
Os dois Recifes são os da adolescência e da velhice.
Na adolescência cursou o colégio do Dr. Barbosa, do qual nos deixa uma forte
pincelada, quase impressionista. E da velhice, o retrato conventual do tempo
decorrido, porque ele o compôs com as tintas quase religiosas da lembrança.
Escreveu o seu livro como quem se recolhe para alguma oração em silêncio,
diante da lâmpada votiva.
O Recife do último quartel do século XIX é a sua maior
vivência. Sua descrição chegada de Nabuco, com um preto de joelhos, na rua a
louvar o tribuno da Abolição, é todo um Recife como o podemos imaginar agora. E
os vivas que foi obrigado a erguer a José Mariano – sob pena de severa
reprimenda – são alguma coisa que fica entre o fanatismo da multidão e o seu
terror inicial diante da política.
Veio depois a quietude no Espinheiro, onde residiu por
último, com as lembranças amáveis que estão no seu livro, hoje esgotado. Por
que não o reeditam?”
EM MEMÓRIA DE UM ESCRITOR
A Academia Norte-Riograndense de Letras, juntamente
com o Instituto Histórico e Geográfico, esteve em sessão solene (28 de
Dezembro), para comemorar o centenário do nascimento do Dr. Antonio José de
Melo e Sousa que, em 1897, adotou o nome literário de Polycarpo Feitosa. Em
entrevista concedida a Rômulo Wanderley, jovem repórter d’A República (17/3/40)
dizia que achava o seu nome próprio banal e muito conhecido, especialmente na
polícia. “Há tantos Antonio de Sousa por aí. Os arquivos policiais estão cheios
deles”. Declarou que escrevia por duas razões: não ter outra ocupação e para
estimular os moços. Já havia publicado
Jornal da Vila (1939), sexto livro depois de “Flor do Sertão”, 1928, “Gizinha”,
1930, “Alma Bravia”,1934, “Encontros do Caminho”, 1936 e “Os Moluscos”, 1938.
O Dr. Antonio de Sousa chamava os seus livros
“livrecos”. Suas notas literárias eram escritas em grego (informa o repórter)
para livrar-se dos curiosos. Nesse tempo, há vinte e nove anos, havia críticos
“tantos quantos os poetas, mas a maior parte é de café”. Insistia em dizer que
apenas “empurrava” os outros para a frente, pois a sua idade não era mais de
ambições. Achava que Ferreira Chaves e Alberto Maranhão em seus primeiros
governos foram exemplos para a “gente que lia e escrevia”, relembrando a época
do Grêmio Polimático e da Revista do Rio Grande do Norte. Referindo-se ao valor
da gente nova, citava Cascudo, “trabalhador como ninguém, que, além das suas
ocupações na secretaria de que é chefe publica livros e mais livros, mantem
seções na imprensa diária e traduz obras importantes”.
Polycarpo Feitosa rendia homenagens aos grandes artistas da pintura e
da escultura assim como os notáveis valores da imprensa ilustrada. Eram vistos
no seu gabinete de trabalho do “Retiro dos Cajuais”, bustos em longa de
Virgílio e Dante e telas de Leonardo da Vinci e de Murilo enviadas pela
L’ILLUSTRATION, de Paris, de que foi assinante por mais de trinta anos. A outra
face do mesmo homem, o político, o administrador, Antonio de Sousa esteve
efetivamente no governo do Estado duas vezes e, interinamente, oito vezes. Mas,
fugindo das ruas, procurava resolver no seu retiro os problemas da
administração pública e se entregava à leitura dos escritores antigos e novos e
tomando conhecimento das coisas da vida social, anotando o que lhe convinha
para os romances numa época em que um beijo público entre namorados provocava
escândalos (Gizinha) e o chique nos salões era o fox-trot, o tango e o maxixe.
Tempo em que os espectadores de cinema e teatro saiam uns antes de terminar a
sessão a fim de não perderem o bonde, quase como hoje com as lotações. O
crítico e escritor literário Esmeraldo Siqueira está
realizando um estudo de Polycarpo Feitosa através das anotações das suas
leituras e o escritor Manuel Rodrigues de Melo já
entregou para a divulgação literária do Departamento de
Imprensa do Estado um interessante trabalho sobre o velho escritor, cujo
centenário de nascimento foi brilhantemente comemorado pela Academia que
preside. (Danilo – Diário de Natal).
A
“VAIDADE” DO OBSCURANTISMO LITERÁRIO MATOU A OBRA LITERÁRIA DE MELO E SOUSA
(Publicado no “Diário da Noite” do
Recife, em 30/08/56 - Cópia de acordo com o texto original)
Um anúncio de jornal levou-nos à rua
Geraldo de Andrade, n. 159, no Espinheiro, residência das snras. Maria José e
Isabel de Melo e Sousa, irmãs de Polycarpo Feitosa, pseudônimo em que assinava
os seus grandes livros o escritor Antonio José de Melo e Sousa, personalidade
marcante da intelectualidade e da vida pública do Rio Grande do Norte.
A nossa presença ali, como acima
dissemos, fora sugerida por um anúncio alfabético onde se oferecia à venda uma
estante para livros, em madeira de lei, por preço de ocasião.
Assim, com a finalidade tão somente de
realizarmos, se possível, uma transação comercial, abalando-nos para o endereço
indicado, onde fomos recebidos cordial e urbanamente pelas simpáticas senhoras,
com as quais efetivamos o negócio em vista e, posteriormente, outro.
ENCONTRO
E HISTÓRIA
Amante contumaz e admirador inveterado
de livros, porém, não nos passara despercebido uma outra grande estante, com
livros artisticamente encadernados e lombarmente titulados, da qual, curiosa e
amorosamente nos aproximamos, vislumbrando, entre nomes de autores nossos
conhecidos, o para nós absolutamente estranho Polycarpo Feitosa, assinava os
seguintes volumes: “Flor do Sertão” (romance – 1928); “Gizinha” (romance –
1930); “Alma Bravia” (romance – 1934); “Encontros do Caminho”, (contos – 1936);
“Os Moluscos” (romance – 1938); “Jornal da Vila”, (poemas – 1939); “Gente
Arrancada”, (romance – 1941); E Dois Recifes, (memórias – 1945).
Confessamos, então, às senhoras
presentes, a nossa total ignorância sobre o estranho autor daqueles volumes, de
quem nunca ouvimos falar e indagamos-lhes quem era Polycarpo Feitosa. E ouvimos
entre comovido e emocionado, já agora com outras intenções e outros propósitos,
a bela história de um homem simples, generoso e sem vaidades literárias ou
políticas.
Polycarpo Feitosa, que encontráramos
agora espiritual e postumamente, pseudônimo de Antonio José de Melo e Sousa,
fora um expoente da intelectualidade de sua terra e lá exercera os cargos mais
representativos da sua vida pública. Estávamos nós, pois, diante de duas irmãs
do grande escritor e homem público-potiguar, já agora sob a emoção literária
que nos sugeria a sua vida e a sua obra, vida e obra que refletem um grande
espírito e uma alma de escol, servidos por uma inteligência privilegiada e uma
cultura pacientemente acumulada.
DADOS BIOGRÁFICOS
Dr. Antonio de Sousa repousa, hoje, no
Cemitério do Alecrim, por vontade sua, expressa nos últimos instantes de sua vida.
Vinte e seis anos de sua vida foram
vividos em Recife, representados por uma parte de sua mocidade, quando
estudante de Direito, e na velhice, quando voltou em busca de saúde. “Dois
Recifes” foi a sua última obra. Vejam o que os recifenses escreveram sobre ele:
“Antão Josino, (por certo Melo e
Sousa), velho funcionário público aposentado daquela deliciosa terrinha, que é
o ápice do Nordeste, (Nordeste por definição mesmo, pois só ela tem costas para
o norte e leste), viveu uma dúzia de anos no Recife, desde o último da Escola
primária até o da Academia, ali pela segunda metade do século passado. Depois
da conquista, a vida puxou-o para a sua terra, como a tantos outros; nela
vegetou cincoenta e tantos anos e agora, há uns meses, pela justificável gana
de viver mais um pouquinho, voltou à luminosa cidade em busca de saúde”.
VIDA PÚBLICA
Tanto realizou e providenciou em prol
da instrução e da educação, que foi cognominado dito período de “quadriênio
pedagógico”.
Morreu pobre, deixando uma “mincha”
pensão para as irmãs, com quem sempre viveu e que foram sublimes de abnegação e
renúncia, assistindo diuturnamente, insones e cansadas, os seus últimos alentos
de vida.
ANTONIO
DE SOUSA QUASE FEZ PARTE DE UMA ANTOLOGIA ESCRITA POR GRACILIANO RAMOS
Ninguém conhecia Polycarpo Feitosa. E, a propósito,
vale ressaltar, aqui, o depoimento de R. Magalhães Junior, o biógrafo de
Machado de Assis e de tantos outros sucessos da literatura contemporânea. Conta-nos
Magalhães Junior como, certo dia, por acaso, caiu-lhe nas mãos um livro de
contos assinado por Polycarpo Feitosa. Leu-o e achou-o um delicioso contista,
confessando ainda que não teria hesitado, se o conhecesse, em indica-lo para
uma antologia de contistas brasileiros que Graciliano Ramos organizava e para a
qual lhe solicitara alguns nomes. E continua Magalhães Junior nos contando
como, tendo encontrado em alguns de seus contos a existência de possibilidades
dramáticas, o que muito lhe interessava como teatrólogo, pois pretendia
proceder à dramatização de um dos seus contos que muito apreciara, precisando,
para isto, de sua autorização, pôs-se em campo, então, para indicar e descobrir
Polycarpo Feitosa, que inteiramente desconhecia, tendo-o localizado logo, em
virtude “das referências a nomes geográficos identificáveis no mapa da terra
potiguar” e encontardas nos seus contos, e por intermédio dos deputados e
senadores do RN.
ATITUDE
LOUVÁVEL
Bem significativa, afinal, fora a
atitude literária de Antonio de Sousa, sobretudo em uma época onde os primários
das letras, eunucos de espírito e de cultura, cínica e sencerimoniosamente,
surgem-nos fários e bestas nos suplementos literários, nas revistas e até mesmo
em livros. Chegamos à evidência, a essa altura, de que os limites de espaço que
nos foi reservado para estas notas não comportam considerações mais demoradas.
Assim, com grande pesar da nossa parte,
não abordaremos outros aspectos que julgamos significativos da vida pública e
literária de Melo e Sousa, deixando para fazê-lo em outra oportunidade, quando
talvez possamos estudar a sua personalidade individual e literária menos
superficialmente.
Tenta-nos porém, a solidão em que
sempre viveu o romancista da “Alma Bravia”, sugerindo-nos algumas linhas sobre
esse seu comportamento diante da vida. Era o autor de “Gizinha” um autêntico e
consumado solitário, um místico e contemplativo no lato sentido do termo como o
foram Anthero de Quental, Jean Jaques Rousseau e outros ilustres solitários.
O primoroso romancista e “conteur”
admirável que se escondia com modéstia excessiva atrás de um pseudônimo era um
introspectivo e, consequentemente, um volutuoso da solidão e do silêncio. E foi
na solidão e no silêncio, no seu solar do Espinheiro, onde construíra o seu
retiro e limitara o seu mundo, ao lado das irmãs queridas e dos seus livros
muito amados, que mergulhou, serenamente, em uma noite de julho, no abismo da
morte.
BIBLIOGRAFIA DO DR. ANTONIO DE SOUSA –
POR ORDEM CRONOLÓGICA
1902
– QUESTÃO DE LIMITES COM O ESTADO DO
CEARÁ – Empresa de A República – Natal.
1909
– EXPLICAÇÕES ELEMENTARES SOBRE A CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO RIO GRANDE DO NORTE
– Tipografia de A República – Natal.
1916
– À MARGEM DUMA CONFERÊNCIA – Tip. De A República – Natal.
1925
– DISCURSO DE PARANINFO DA PRIMEIRA TURMA DE PROFESSORES DA ESCOLA NORMAL DE MOSSORÓ,
a 15 de novembro 1924 – Empresa Tipográfica Natalense Ltda. – Natal.
1926
– DOM PEDRO II – Conferência pronunciada no Colégio Pedro II, de Ceará Mirim –
Tip. J. Pinto e Cia. – Natal.
1928
– FLOR DO SERTÃO (Costumes do Sertão do Rio Grande do Norte) – Tipografia de A
República – 1928 – Natal.
1930
– GIZINHA – Tipografia do Anuário do Brasil – Rio de Janeiro.
1934
– ALMA BRAVIA (História do Nordeste Antigo) – Estabelecimento Gráfico Apolo –
Rio – 1934.
1936
– ENCONTROS DO CAMINHO – Estabelecimento Gráfico Apolo – Rio.
1939
– OS MOLUSCOS – Oficinas Gráfica Renato Americano – Rio.
1941
– GENTE ARRANCADA – Estabelecimento Gráfico Friedrich Fuchs – Rio.
1954
– DOIS RECIFES – Imprensa Industrial – Recife – Recife.
Caro Luiz Carlos Freire, eu gostaria de dar-lhe os meus parabéns por estar tentando resgatar a nossa história norte-riograndense; louvável é a busca do passado, pois sem ele não enxergamos o futuro com a lupa do presente. Digo isso, por ser jovem e por desconhecer muitas coisas da nossa história e de personalidades como a do Antônio José de Melo e Sousa. No momento, venho pesquisando a respeito da vida do mesmo. Entretanto, gostaria de manter contato com você, se possível, pois estou trabalhando com o que de expressão francesa o exímio Antonio de Sousa havia adquirido durante sua jornada.
ResponderExcluirIorran Antonio, obrigado por sua abordagem. Percebi que pensamos igual acerca das coisas da história e da memória. Por isso, parabenizo-lhe também. Às vezes - não sei se são devaneios, mas penso que estamos em extinção. Meu e-mail é luizcarlos@geowellex.com e brasilcentauro@yahoo.com.br - Fone: 84 - 8162.9323. Se enviar e-mail, mande para os dois, por favor. Também tenho facebook. No momento estou no Mato Grosso do Sul.
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