O texto foi
escrito em 1938. O autor inicia elogiando à exuberância da natureza em Papari
(hoje Nísia Floresta). Nenhuma novidade, mas algo chama a atenção. Ele usa a
lagoa Papari para explicar o atraso em que os
nisiaflorestenses já em encontravam naquela época. Vejam como isso é
curioso: “A
lagoa, que é uma tradição da alegria, do bom humor e da paciência resignada dos
habitantes, explica, em parte, o atraso de uma comunidade esquecida de que sua
prosperidade está na dependência imediata do trabalho agrícola mesmo pelos
processos rudimentares usuais”.
Ele segue comentando
sobre a decadência em que se encontra o município. É interessante como existem
vários textos antigos que retratam Papari de forma deprimente. Alguns, escritos
há mais de cem anos, mostram o município como lugar semiabandonado. O primeiro
livro sobre o Rio Grande do Norte, escrito por Ferreira Nobre mostra uma terra
desolada e parada no tempo.
Vamos ver o que o
autor diz mais adiante: “Em algumas visitas que tenho feito à terra natal de Nísia
Floresta, o que mais me surpreendeu foi a decadência implacável de um dos mais
antigos núcleos da população do Rio Grande do Norte, em contraste flagrante com
os elementos naturais favoráveis à produção de todas as sementes alimentícias
ou de plantas adequadas a fins industriais”.
Outro detalhe curioso
ocorre quando o autor comenta sobre a degradação da lagoa, cuja microfauna e
microflora veem-se depredadas pelas redes de pesca. O texto parece ter sido
escrito hoje, pois os nativos atuais têm os mesmos discursos. Todos falam do
passado de piscosidade dessas águas nas épocas dos avós. Vejam que, muito antes
de seus avós e bisavós, já se notavam essa decadência.
Esse texto é
importantíssimo porque retrata com realismo uma época. O autor elogia o
patrimônio natural de Nísia Floresta, mas não se priva de observar os sinais de
destruição da lagoa.
Esse trecho nos faz
lembrar um dos livros de Nísia Floresta denominado “A Lágrima de Um Caeté”, o
qual, diferente dos livros de cunho indianista, que mostravam um índio herói,
parecido com os cavaleiros medievais, mostra um índio derrotado e triste por
ver a sua natureza sendo destruída.
Revejam o que o autor
escreveu: “A própria
lagoa tem apresentado deficiências no tocante a quantidade de fauna
ictiológica, evidentemente prejudicada pelos métodos de pescaria impróprios à defesa
das espécies em concorrência, com a falta de limites do tempo em que podem ser
feitas. Se é certo, como ali se afirmaram, que a sua profundidade não diminuiu
nem modificou a potabilidade da água, não há como negar os prejuízos advindos à
produção e desenvolvimento dos peixes e saborosos camarões, hoje, menos famosos
do que em tempos idos”.
Adiante é possível
verificar um fato histórico, sobre a famosa cheia de 1924, comentado até hoje.
Nesse episódio está implícito um fenômeno que não se restringiu apenas a lagoa
Guaraíras, mas que abarcou a lagoa Papari, ou seja, a salinização de suas
águas.
Outro detalhe importante
– não contido no texto – deve ser trazido à tona para ajudar-nos a entender
melhor. Trata-se de outra famosa cheia, a de 1974, a qual deixou rastros
parecidos com os de 1924. Tudo isso influiu nas águas da lagoa Papari,
principalmente no que se refere ao seu assoreamento. Tenho slides de época. É
inacreditável como as águas chegaram até próximo ao quintal da casa onde hoje
mora a professora Ana Barros. Da Floresta ao Porto tudo ficou submerso.
Vejamos o que o autor
escreveu: “Enquanto
sua rival, lagoa de Guaraíras ficou inteiramente salgada, depois da cheia
catastrófica de 1924, que alargou a barragem de Tibau, numa extensão de
duzentos metros e os famosos camarões de Arês, primitivamente idênticos aos de
Papari, foram substituidos pela espécie Vila França, pertencente à fauna
marítima a lagoa lendária continuou a criar os mesmos e variados peixes, embora
diminuídos no tamanho, pela impropriedade das redes empregadas nas colheitas,
cujas malhadas são tão apertadas que, com peixes maiores, se acumulam piabas
minúsculas, na proporção de muitas centenas de quilos”.
Vejam como é
interessante o trecho abaixo, quando o autor dá uma puxada de orelha no povo de
Papari: “Não se
esqueçam os habitantes de Papari de que as suas terras agrícolas
proporcionalmente à área total, representam vantagens inatingidas nos mais
férteis municípios do Estado”.
Ele pede que as
pessoas sintam remorso por serem donos de terras tão ricas, que n’outros tempo
eram repletas de roças exuberantes, se resumir em pasto para gado. Curioso é
que hoje (2014), nem para pasto vem servindo. São muitas as áreas cujo mato se
reinstaurou. Boas partes das terras estão legadas ao nada. Isso é de causar
realmente remorso, principalmente por saber que são inúmeros os programas do
Governo Federal para incentivo à agricultura, inclusive para o pequeno
produtor.
O autor só falta
dizer que quisera o povo do sertão ser dono de tão férteis terras. Nenhum
município potiguar chega próximo de tamanho potencial.
Veja o que o autor
diz: “Reflitam
que a quase totalidade dessa área, é bastante irrigada graças ao milagre das
vertentes procedentes de camadas profundas de sub-solo. Contemplem com remorso,
essas terras, outrora de lavouras alimentícias e, hoje, transformadas em zona
de pastoreio em prejuízo da saúde da população e economia coletiva”.
Outra informação
histórica emerge no texto, quando ele se refere aos engenhos. É válida uma
observação. O município de Nísia Floresta já passou por várias mudanças em suas
divisas territoriais, não apenas em 1853, mas, inclusive, no início do século
XIX.
Por tal motivo não
estranhe quando ele lista os engenhos “Dedo” e “Ribeiro” como situados em
Papari. Naquela época realmente estavam em terras paparienses. Em caráter de
observação temos o “Monte”, o qual, com a última divisa territorial, ficou
metade de São José de Mipibu e metade de Nísia Floresta, conforme pode ser
constatado.
Constate o que ele
escreveu: “Não faz muitos anos que, no município de
Papari, safrejavam quarenta e quatro engenhos, embora, subordinados à forma das
almanjarras. Lá estão ainda visíveis, as ruínas dessas fábricas de açúcar
mascavo, substituídas, apenas, pelos engenhos a vapor “Dedo”, “Descanço”, “São
Roque”, “Monte”, e “Ribeiro”.
Uma curiosidade
realmente surpreendente ocorre quando – referindo-se a famosa “Cachoeira” o
autor diz: “Resta ainda acrescentar um fator importante
ao desenvolvimento econômico do município, objeto destas linhas apressadas. Quando
ali estive a última vez, um antigo papariense me informou, que na velha
propriedade denominada “Cachoeira”, pertencente ao Sr. Inácio Lopes de Macedo,
existe uma queda d’água que, devidamente aproveitada, pode produzir, num
mínimo, cento e vinte cavalos de força”.
Vejam como é animada
a suposição do potencial energético da referida cachoeira. Não podemos
desacreditar no informante, pois há muito o que se considerar. Assim como o
autor fala da degradação das lagoas Papari e Guaraíras, a “Cachoeira” também é
alvo de degradação digna, sim, de remorso.
Nativos mais idosos
me relataram que a vazão de água da mesma era incomparável à atualidade. Falam
do “ronco da Cachoeira”, ou seja, do barulho das suas águas. Há quem afirme que
a altura da queda d’água era três vezes superior a atual.
Hoje essa atração
turística está limitada a um pequeno filete, embora sua beleza natural é
inegável. Certamente o fato de o proprietário impedir a entrada de visitantes
tem contribuído ao menos com a manutenção do que restou
E assim o autor
conclui: “Essa cachoeira é formada por um pequeno rio,
tornado perene pela revência das lagoas “Urubu”, “Escura”, “Bom Água”,
“Ferreira”, “Ferreirinha”, “Redonda” e “Redondinha”, fontes estas situadas à
montante e à pequenas distâncias.
Vejam como são
animadas as expectativas do papariense que informou o fato ao autor do texto: “O volume do rio aumenta bastante no inverno e a força
prevista seria suficiente para iluminar Papari, São José, Arês e Monte Alegre. Não
respondo pelo otimismo do informante, mas a indicação é bastante para
determinar uma investigação concludente”.
Para encerrar,
analisem a decepção do autor quando finaliza:
Que falta, pois, para incentivar o progresso
de Papari? Espero dos seus próprios habitantes a resposta adequada, que não
pode ser outra senão: trabalho consciente, continuado e corajoso”.
Veja como é
inacreditável que passados 78 anos outras e outras pessoas, sejam nativos ou
não, quando escrevem sobre Papari – hoje Nísia Floresta – continuam finalizando
os seus textos da mesma forma. Todas estão erradas?
CONHEÇA AGORA A TRANSCRIÇÃO DO TEXTO
TERRAS DE PAPARI
“Papari é um
município de clima benigno e de sedutoras paisagens. A terra é dadivosa. O
vigor da vegetação constitue índice de fertilidade convidativa a várias
atividades agrícolas compensadoras.
A lagoa, que é uma
tradição da alegria, do bom humor e da paciência resignada dos habitantes,
explica, em parte, o atraso de uma comunidade esquecida de que sua prosperidade
está na dependência imediata do trabalho agrícola mesmo pelos processos
rudimentares usuais.
Em algumas visitas
que tenho feito à terra natal de Nísia Floresta, o que mais me surpreendeu foi
a decadência implacável de um dos mais antigos núcleos da população do Rio
Grande do Norte, em contraste flagrante com os elementos naturais favoráveis à
produção de todas as sementes alimentícias ou de plantas adequadas a fins
industriais.
A própria lagoa tem
apresentado deficiências no tocante a quantidade de fauna ictiológica,
evidentemente prejudicada pelos métodos de pescaria impróprios à defesa das
espécies em concorrência, com a falta de limites do tempo em que podem ser
feitas. Se é certo, como ali se afirmaram, que a sua profundidade não diminuiu
nem modificou a potabilidade da água, não há como negar os prejuízos advindos à
produção e desenvolvimento dos peixes e saborosos camarões, hoje, menos famosos
do que em tempos idos.
Enquanto sua rival,
lagoa de Guaraíras ficou inteiramente salgada, depois da cheia catastrófica de
1924, que alargou a barragem de Tibau, numa extensão de duzentos metros e os
famosos camarões de Arês, primitivamente idênticos aos de Papari, foram
substituidos pela espécie Vila França, pertencente à fauna marítima a lagoa
lendária continuou a criar os mesmos e variados peixes, embora diminuídos no
tamanho, pela impropriedade das redes empregadas nas colheitas, cujas malhadas
são tão apertadas que, com peixes maiores, se acumulam piabas minúsculas, na
proporção de muitas centenas de quilos.
Não se esqueçam os
habitantes de Papari de que as suas terras agrícolas proporcionalmente à área
total, representam vantagens inatingidas nos mais férteis municípios do Estado.
Reflitam que a quase
totalidade dessa área, é bastante irrigada graças ao milagre das vertentes
procedentes de camadas profundas de sub-solo. Contemplem com remorso, essas
terras, outrora de lavouras alimentícias e, hoje, transformadas em zona de
pastoreio em prejuízo da saúde da população e economia coletiva.
Não faz muitos anos
que, no município de Papari, safrejavam quarenta e quatro engenhos, embora,
subordinados à forma das almanjarras. Lá estão ainda visíveis, as ruínas dessas
fábricas de açúcar mascavo, substituídas, apenas, pelos engenhos a vapor
“Dedo”, “Descansço”, “São Roque”, “Monte”, e “Ribeiro”.
Resta ainda
acrescentar um fator importante ao desenvolvimento econômico do município,
objeto destas linhas apressadas.
Quando ali estive a
última vez, um antigo papariense me informou, que na velha propriedade
denominada “Cachoeira”, pertencente ao Sr. Inácio Lopes de Macedo, existe uma
queda d’água que, devidamente aproveitada, pode produzir, num mínimo, cento e
vinte cavalos de força.
Essa cachoeira é
formada por um pequeno rio, tornado perene pela revência das lagoas “Urubu”,
“Escura”, “Bom Água”, “Ferreira”, “Ferreirinha”, “Redonda” e “Redondinha”,
fontes estas situadas à montante e à pequenas distâncias.
O volume do rio
aumenta bastantes no inverno e a força prevista seria suficiente para iluminar
Papari, São José, Arês e Monte Alegre.
Não respondo pelo
otimismo do informante, mas a indicação é bastante para determinar uma
investigação concludente.
Que falta, pois, para
incentivar o progresso de Papari?
Espero dos seus
próprios habitantes a resposta adequada, que não pode ser outra senão: trabalho
consciente, continuado e corajoso”.
____________________________________________
REF. SOUSA, E. - O presente texto, dentre outros, foi encontrado num Sebo, pelo ex-governador norte-riograndense, Juvenal Lamartine, o qual teve o cuidado de recuperá-lo e trazê-lo para o RN.
____________________________________________
REF. SOUSA, E. - O presente texto, dentre outros, foi encontrado num Sebo, pelo ex-governador norte-riograndense, Juvenal Lamartine, o qual teve o cuidado de recuperá-lo e trazê-lo para o RN.
Basta ler a introdução para sentir um desconforto ao perceber que a estagnação é mais antiga que imaginávamos.
ResponderExcluirÉ verdade, Maurício!
Excluir