Capela de Cururu - O que as ruínas contam
A natureza foi generosa com o velho
e abandonado povoado de Cururu, na antiga Papari, hoje Nísia Floresta. Mas a historiografia
lhe foi ingrata. Grande parte do que sabemos é fruto de “ouvi dizê”. E assim os
filhos e netos vão dizendo o que ouviram. Sobre essa modesta capela que já foi
radiante de louvores, missas, celebrações e fé, restou apenas ruína.
Mas o que as pessoas antigas dizem sobre ela? O que as
ruínas nos contam?
Se analisarmos os testemunhos de antigos moradores,
conforme um trabalho de história oral que fiz, em 1992, pressupõe-se que o
referido templo é quase tão antigo quanto o da Freguesia de Nossa Senhora do Ó,
iniciado em 1735. Pode, quem sabe, até ser mais antigo, até porque essa paragem foi lugar de viandantes vindos de outras províncias pela famosa
estrada Colonial, ofuscada pelas porteiras, pelos canaviais e pastos.
A fartura de peixes e crustáceos associada à caça
abundante no local, e à terra rica em húmus, garantia uma mesa farta num lugar
onde todos eram ricos. A agricultura de subsistência era próspera. As casas
eram iguais, ou de taipa ou de palha; todos comiam camarão, caranguejo, siri,
peixes, macaxeira, inhame, batata-doce, enfim, as pessoas eram ricas e não
sabiam. Cururu era lugar singelo e de belezas radiantes que ainda ficaram
pinceladas por ali. A famosa enchente de 74 não ofuscou de todo o cartão
postal. Apenas legou ao lugar um caráter aparentemente fantasma.
Sobre essa capela, ela nos revela uma série de dados. Comecemos pelas características dos alicerces e a dimensão das paredes da velha capela, não é difícil discordar do que nos contam os mais velhos. Tais características se aproximam muito do modelo como foi feita a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, no centro. Outro dado curioso é o tamanho da capela. Sua estrutura era portentosa comparada às demais capelas de todo o município de Nísia Floresta. Observe que todas são minúsculas e não tão antigas. As mais velhas são a de Pirangi (Nossa Senhora da Soledade: 1922) e a do Timbó (São Gonçalo: 1932). Mas mesmo assim a capela do Cururu as superava. OBS. Esse raciocínio é aplicado às capelas originais/antigas. Não se trata dos tamanhos atuais/modernos.
CAPELA DE SÃO GONÇALO - TIMBÓ: "NINHO DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE" -NÍSIA FLORESTA/RN |
CAPELA DE NOSSA SENHORA DA SOLEDADE - PIRANGI DO SUL: "PORTAL DE NÍSIA FLORESTA"/RN |
Com certeza foi muita ousadia dos nativos de Cururu erigir
um templo tão grande para servir apenas de capela. Esse feito também
nos diz muito, pois acaba revelando que a população do local não era tão
pequena. Se fosse não haveria motivo para fazê-la tão ancha.
Outro dado que essas ruínas nos revelam é sobre a
mentalidade da comunidade católica desse lugar, a qual a teria construído com
visão de futuro, adequando-a ao gradual aumento populacional.
As ruínas nos dizem que Cururu era um povoado muito
grande, próspero e predominantemente católico. De acordo com alguns
depoimentos, o protestantismo chegou ao Cururu depois da “Cheia”, ou seja,
quando a população se transferiu para a planície alta, na qual surgiu Campo de
Santana.
CRUZEIRO MODERNO NA ENTRADA DO DISTRITO DE CAMPO DE SANTANA - FEITO EM ALVENARIA, LEMBRA O CRUZEIRO DE MADEIRA EXTINTO |
Outro dado que evidenciava o grau de aprimoramento dos
nativos era o belíssimo cruzeiro existente defronte à capela. Trata-se de
verdadeira obra de arte, o qual destoava das demais peças feitas com tal
finalidade em outros lugares. Dizem os velhos moradores que o referido cruzeiro
superava o cruzeiro da Matriz de Nossa Senhora do Ó em riqueza de detalhes e
apuro. Havia nele cunho artístico, entalhe, arte, inteligência...
Mais outro dado que as ruínas, ou melhor, esse
conjunto todo nos revela é a escolha do local que os primitivos moradores
fizeram para a construção da capela. Com certeza eles nunca imaginaram que as
águas da própria natureza poderiam inundar o povoado e tampouco a capela.
A quantidade de portas e janelas – a parte reservada
no primeiro andar – consiste num dado que revela o nível econômico dos
moradores de Cururu. Jamais iriam construir uma capela tão sofisticada sem
recursos financeiros. Essa informação reforça a ideia de prosperidade do lugar.
Outras evidências vêm à tona quando olhamos para as ruínas do cemitério, onde jazem resquícios de elementos que integravam os túmulos. Há cruzes de metal e peças de alvenaria com certo apuramento na sua confecção, mesmo em péssimo estado de conservação.
Nesse mesmo blog o leitor encontrará uma postagem
sobre o Cururu, que escrevi há muito tempo. Ela o ajudará a entender porque tal
povoado foi tão próspero.
Seja como for, eu não poderia escrever esse pequeno
texto sem me sentir fortemente impelido a dizer algo aos nisiaflorestenses, em
especial aos que vivem nas imediações dessa tela viva: lutem por esse lugar, o
qual, apesar de ter sofrido tantos arranhões, conserva beleza suficiente para
ser confundido com o Jardim do Éden. Cururu é um tesouro, aliás, Nísia Floresta é um tesouro repleto de tesouros...
Quando olho o Cururu transbordante de belezas, imagino
o que foi o Cururu nos séculos XVII e XVIII e XIX.
O Cururu, com certeza é uma fonte inesgotável de
descobertas e significados. Luis Carlos Freire – agosto de 1996.
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