Se eu admirava Anna Maria Cascudo Barreto desde o primeiro momento que a vi – e a conheci – em 1992 – ampliou-se em mim esse sentimento tal maneira que vejo-a como uma mulher realmente muito especial.
Seu livro Mulheres Especiais 2, lançado recentemente, difere do convencional, principalmente do comportamento muito comum ao povo norte-rio-grandense, que gosta muito de aparência e valorizar as pessoas segundo suas contas bancárias ou altos títulos, com poucas exceções obviamente.
ANA CRISTINA |
Em seu livro, Anna Cascudo desenrola um novelo de mulheres que destoa do que estamos acostumados a ver. Ela reúne entre pessoas cujos padrões culturais rotularam como “importantes” - com pessoas simples, que não nasceram em berço de ouro, mas nem por isso deixaram de construir histórias especiais. Digam-me quem antes dela biografou, num livro, pessoas tão comuns?
Digam-me, por exemplo, quem publicou um livro enaltecendo, por merecimento, uma mulher gari? É o caso de Ana Cristina, a qual Anna Cascudo a intitulou “sentinela da limpeza”. Cristina é carioca, mas mora em Natal há muitos anos. Vejamos um pouquinho do que a autora escreveu: “(...) é filha de Manoel Lourenço dos Santos, agricultor, peão, marceneiro, e Maria dos Anjos, uma lutadora. Foram onze os filhos do casal, e nossa biografada a oitava. Saíram de Valença e foram para Salvador, tentando uma vida melhor. Sua infância, apesar da pobreza, foi feliz. Brincava na rua, de tica, esconde-esconde, caiu no poço, banho de rio, de mar, de chuva, ida ao Parque da Cidade, andando a pé, cerca de cinco quilômetros. Pulava a janela, roubava frutas no quintal dos vizinhos, subia em árvores. Uma criança saudável (...)”.
“(...) Hoje casada com o pernambucano Carlos José Bernardo, segurança e dono de um sorriso encantador, ampliou sua casa e deixou à tona seu desejo de ter filhos. Gosta de dançar. Orgulhosa, registra sua passagem pelo Carnatal, sua parceria como destaque da Escola de Samba ‘Malandros do Samba’. Eleita ‘Rainha dos Garis’ em concurso realizado...”. E assim Anna Cascudo segue, biografando-a.
ANA CRISTINA |
Mais adiante, dentre tantas, ela traz à luz uma síntese biográfica da artesã popular “Luzia Dantas: consagração popular”. Nascida em São Vicente, em 1937. Quando aluno da USP, em 1991, tive o prazer de conhecer esse nome e estudar sua obra. Para mim Luzia é mais que artesã. É artista inata, que não deve nada às academias; citada, inclusive em livros, ensaios, dicionários folclóricos etc. Mas, por incrível que pareça, quando aluno da UFRN, nunca ouvi algum professor citá-la. Terá sido porque veio de lar pobre, diferente do lar que veio a gaúcha Ana Antunes, tão cortejada desde àquela época no RN?
LUZIA DANTAS |
LUZIA DANTAS |
STALINE |
STALINE |
MARIA DE LOURDES |
DA LUZ VIANA |
Finalizando, reforço um ponto que costumo ressaltar sempre: admiro demais as pessoas que valorizam aqueles que não tiveram tantas oportunidades, mas conduziram – ou estão conduzindo – os seus sonhos, fazendo o que gostam e colaborando – a seu modo – com as sociedades.
O livro também traz histórias de gente nascida em
berço de ouro, que teve todas as oportunidades de construir legados até de
repercussão internacional se quisessem, mas que se fizeram especiais com
histórias simples, traçadas na velha Natal.
Mas, como já disse, o grande trunfo do livro está no
respeito à pessoa humana, independente de suas origens humildes. Ela enxergou gente
que mal tinha o que comer, gente cuja mãe abandonou a casa, gente que perdeu
tragicamente pessoas que amava, dentre tantas histórias contadas pelas próprias
biografadas, os quais, se tivessem ficado esperando a coisa cair do céu, jamais
teriam construído histórias especiais.
Anna Cascudo, despretensiosamente, acabou dando uma
aula à sociedade potiguar, ensinando que devemos respeitar as histórias de
vida, independente de raízes pobres, reconhecendo seus legados cidadãos e
dignos de respeito.
Foi muito providencial o título “especial” que Anna
Cascudo escolheu para o seu livro. Ela não foi boazinha e nem fez favor a ninguém. Apenas foi respeitosa: como todos deveriam ser. Parece que ela quis lustrar essa palavra
para que Natal enxergasse o brilho e a simbologia ímpar de sua acepção, e
tivessem o privilégio de ver os outros com suas lentes de sabedoria e brilho.
Não é por ser simples que uma história e um legado não podem ser belos e
significativos.
Parabéns, Anna! Você sempre será especial!
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