Essas imagens traduzem retalhos que fizeram parte da história do meu tio Manoel Amaro Freire durante a Segunda Guerra Mundial. Ele atuava como enfermeiro em Recife, quando foi convocado. Era formado pelo Instituto de Química do Rio de Janeiro. Viveu os horrores da guerra acudindo os feridos. Aprendeu anatomia 'in loco', numa profusão inimaginável para quem até então aprendia dentro de uma instituição de saúde. Ele foi obrigado pelo destino a fazer escola vendo os corpos dilacerados em meio aos locais improvisados nas trincheiras, onde dava os primeiros socorros nos campos de guerra.
Manoel Amaro Freire tinha uma paixão ferrenha pela enfermagem. Até hoje ouve-se depoimentos de pessoas idosas sobre os seus vastos conhecimentos. Por todos os depoimentos que ouvi sobre ele, incontáveis diga-se de passagem, não é exagero afirmar que, por sua competência era um médico, e por formação profissional, era um enfermeiro. Não importava a hora.
Ao chegar da guerra, num tempo em que tudo era mais difícil, ele abriu o seu ambulatório em São José de Mipibu e findou praticamente como um médico naquela cidade, inclusive fazia pequenas cirurgias. Mas, dignamente, ele nunca se proclamou como tal. Durante décadas atendeu milhares de mipibuenses com conhecimento certeiro, vindo daí o grande respeito do povo local.
Quem batia em sua porta era atendido gratuitamente. Quantos partos feitos sob chuva, de madrugada, quando alguém da família chegava gritando seus conhecimentos. Ele atendia o seu município, Nísia Floresta, Lagoa Salgada e outros.
Quantas vezes vi homens e mulheres recorrerem a ele, já aposentados, velho e doente, em sua residência, no centro de São José de Mipibu. Essas pessoas vinham pedir-lhe a orientação de remédio. Chamavam-no de "Doutor Manoel Amaro". Ele refutava na hora o título "não sou médico". Ali mesmo, arfando pelo problema no pulmão, se sentava na velha mesa da sala, pegava qualquer papel, escrevia o nome do remédio e orientava como deveria ser tomado. A pessoa só voltava lá para agradecer. Lembrando que isso tudo era gratuito.
O povo mipibuense o respeitava admiravelmente, e assim ele atendeu sucessivas gerações. Um mês antes de sua morte o vi atendendo pessoas. Era uma mulher com uma coceira na perna que dizia que médico algum tinha dado jeito. Ele guardava inúmeros livros de medicina, onde estudou sempre.
Uma característica dele eram suas brincadeiras. O povo gostava de suas resenhas. Ele atendia as pessoas brincando, dizendo determinados "desaforos" associados àqueles sintomas. A velharada, principalmente, morria de rir, dizendo outras pilhérias, e assim seguia a sua vida. Vez em quando chegava alguém com um frango e outros agrados. Ele já alertava que não prestara o serviço pensando naquilo. Mas o povo ficava ofendido se não fosse aceito.
Era assim a vida de Manoel Amaro. Os mais velhos até hoje chamam a rua paralela à sua casa de "beco de Manoel Amaro". Se existisse no mundo um livro só com os nomes das pessoas que exercem uma profissão por amor incondicional, abnegadamente, Manoel Amaro deve estar ali por excelência.
Pois bem, hoje, dia 8 de maio, é o dia que se comemora a vitória sobre a Alemanha, onde a Força Expedicionária Brasileira estava no front, e ele era um dos incontáveis brasileiros que estavam lá. Ele teve o prazer de retornar vivo ao Brasil. Muitos nunca mais voltaram. Seu testemunho era emocionante. Ele encantou-se em 1993. As últimas fotografias mostram a chegada deles da Itália. Acolhidos pelo presidente Getúlio Vargas e uma massa de brasileiros que os saudavam emocionados. 8 de maio de 1996.
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