Lembro-me, com saudade, dos indígenas Guarani-Kaiowá. Vê-los sempre em alguma diligência nas ruas da minha cidade natal significava um filme ao vivo. Passavam despercebidos aos urbanos por serem a própria paisagem. Eram arredios, desconfiados, iguais a alguns estrangeiros. (estrangeiro na própria terra?!).
Os Kaiowá falavam macarronicamente a língua portuguesa, pois o idioma mater deles é o guarani; não exatamente o guarani falado no Paraguai. Existe diferença tal qual o português brasileiro e o de Portugal. Eles também falam uma compilação de dialetos, dos quais muitos se extinguiram com a morte dos idosos. Alguns ainda resistem, arranhados pelos mais novos. Porém, fluente mesmo é o guarani. Na divisa doestado do Mato Grosso do Sul, onde nasci e fui educado, é comum o povo se comunicar em português, espanhol e guarani, por influência do Paraguai.
Eu adorava flagrar os kaiowá em conversação. Não sei explicar o motivo. Simplesmente gostava de vê-los proseando aquela língua de árvore, língua de água, língua de terra, língua silvestre. É gostoso ouvi-la. Em especial, é encantador apreciar as crianças conversando com os mais velhos. Seus nhenhenhens têm sotaque de passarinho. Para mim é encontro dos primórdios do Mundo com o tempo atual. É passado e presente frente a frente, vivos, fluentes, palpitantes, tal qual um coração.
O pensador Jean Jacques Rousseau nos contou sobre o mito do “bom selvagem” em sua obra. Defendeu a ideia de que o homem primitivo é bom por natureza. Disse que a sociedade o corrompe e o torna mal. Em partes. A nossa própria Nísia Floresta, em seu livro “A lágrima de um Caeté” retrata o índio pernambucano, há quase duzentos anos, chorando a sua derrota contra o homem branco. Mas vamos para frente que explicarei sobre os índios que conheci ao vivo e em cores.
Como cresci junto a muitos índios Kaiowá e os vi “in loco”, adquiri profunda admiração e respeito a eles. Não é à toa que possuo uma extensa biblioteca sobre os povos indígenas do Brasil, tema que me fascina desde que eu era quase um deles, pois cresci numa cidade emoldurada por natureza abundante, cujas araras e papagaios tapavam as nuvens à tardinha, em voejos inacabáveis.
Meu desenvolvimento se deu em meio às seriemas. Era fácil alcançá-las em tempo chuvoso, à custa de um desabalado galope de cavalo. Elas ficavam pesadas de água. Hoje, meninos brincam alisando dedo no vidro do esmarte. Cansei de ver onças saltando do braço de ingazeiras e caindo nos rios. Corri desabalado dentro dos túneis de capivaras com esta irmã da foto. Um dia meu pai atropelou um bando de tamanduás-bandeira na escuridão de uma estrada rural. Nunca esqueci o susto e a nossa tristeza. Foi inesperado.
Inúmeras vezes vi bandos sem fim de caititus barulhentos, rangendo os marfins mata adentro. Enfim eu era um branco índio. Creio. Por tal razão, entendo a personalidade dos nossos índios exatamente igual a qualquer pessoa que cresce afastada dos hábitos urbanos. Há muita inocência e simplicidade na maioria. O índio primitivo por questões culturais, espirituais etc, sob visão antropológica, também teve o que podemos afirmar como “lado mal”. Mas isso é outro tempo. Exige outras reflexões que não cabem aqui.
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