O
quintal é extensão da casa, mas às vezes somos tão ligados a ele que podemos
dizer, sem dúvida, que a casa é uma extensão do quintal. Mas o que tem um
quintal e por que é tão atraente?
Creio
que, assim como os gatos, parte considerável da humanidade tem forte apego ao
lar, com destaque ao quintal, por inúmeros motivos. Esse espaço tem uma carga emocional emanada
das inúmeras experiências ali vivenciadas, seja entre família ou amigos. É espaço de lembranças, de conversas nas beiras
de cerca com os vizinhos, das festas simplórias com amigos e familiares,
normalmente regadas a uma “caninha”, cerveja, churrasco, feijoada ou simples
almoço, enfim é um espaço de muito agradável.
Existem
muitos tipos de quintais. Nas cidades do interior normalmente são espaçosos,
cercados com muros baixos ou varas em meio àquela ‘areiazinha branca’. Alguns
nem cerca possuem. Costumam ter árvores frutíferas, predominando as mangueiras,
os abacateiros, as tamarineiras, as jaqueiras, as laranjeiras, os sapotis, os
limoeiros, as carambolas, enfim todo quintal tem uma variedade parecida de
frutas.
Quase sempre o quintal possui uma lavanderia de roupa ou um “comodozinho” que abriga o fogão de lenha e “braseiros” que fazem as vezes de churrasqueiras. Normalmente tais peças são feitas de latas de dezoito litros, cortadas ao meio com tijolos em sua base e grade na parte superior. Outros são de barro. Todo quintal tem um jirau como se fosse uma mini-horta sempre ali à altura da mão, cheio de coentro, cebolinha e outras hortaliças viçosas.
É
quase regra que todo tipo de bugiganga se encontre nos grandes quintais.
Comumente os nativos de interior não descartam certos objetos que se estragam.
O resultado disso tudo é torná-lo uma espécie de depósito eterno, normalmente
no fundão. Ali se acumulam bicicletas velhas, cadeiras, geladeiras, fogões à
gás, latas, peças de carro, pedaços de carrinho de mão, camas e tantas
quinquilharias que perdem a cor devido a sucessivos meses (e anos) expostos a
chuva e sol.
E existe um apego a
essas coisas aparentemente imprestáveis. Se alguém “der fim” a alguma peça,
arruma confusão principalmente com os mais velhos, pois mesmo que não se saiba
o que realmente existe ali (de tanta bugiganga), é para ficar guardado. “Quem
sabe algum dia serve para alguma coisa” – diriam.
Quintal também é
lugar de encontrar coisas antigas, que podem ser reaproveitadas pelos olhares
mais doutos. Essas descobertas são observadas quando os mais velhos partem
dessa para outra, e os mais novos “inventam” de fazer uma triagem. Nesses
empreendimentos os “ferros-velhos” saem abarrotados de “burundangas”.
Predominantemente
os moradores de interior gostam muito de plantas que dão flor e ervas
medicinais. Desse modo, logo na entrada da casa se encontram jardins
desordenados que se estendem por todo o quintal. Latas e mais latas cheias de
terra e adubo de gado fortalecem os “comigo-ninguém-pode”, as roseiras de todas
as cores e variedades, samambaias dentre uma infinidade de flores cheias de
nomes sentimentais: “beijinho”, “bom dia”, “boa noite”, “lágrimas de Maria”,
“copo de leite” etc.
Dividindo
espaço com as plantas de jardinagem se destacam as plantas medicinais. Tem
remédio para dor de cabeça, picada de inseto, febre, “dord’olho”, “ramo”,
“empachamento”, gripe, cansaço, prisão de ventre, má digestão dentre os mais
diversos sintomas.
Os
lugares interioranos, principalmente os de menor população ainda conservam
galinheiros e um mini curral, onde são trazidas uma ou duas vacas para se
alimentar e passar a noite. Logo de manhazinha, após a ordenha, os muares são
levados para o pasto. Ainda é possível encontrar chiqueiros de porcos em
quintais muito grandes, os quais ficam bem retirados devido ao cheiro
desagradável. Não há quintal que não tenha um gato preguiçoso, espichado em
lugar idolatrado em sombras escolhidas a dedo, ou melhor, a patas. Os cachorros
não ficam atrás. Muitos adoram cavar um buraco para esfriar a barriga e ficar
com o focinho na terra. Ali todos se entendem... gente e bicho!
Todo
quintal possui varal, normalmente colorido de roupa, mas nem sempre é feito de
arame, pois as varas da cerca são excelentes para se pendurar pesadas redes,
lençóis e calças. Cerca serve também de armário, guarda-roupa, varal etc. Por
isso é possível ver alumínios, pano de prato, pano de chão dependurados nas pontas
das varas.
Ainda
se vê muitos quintais com um puxadinho feito com diversidade incrível de
materiais. Ali se abriga um aconchegante fogão à lenha, onde se preparam as
comidas mais “pesadas” como o feijão e os doces. Normalmente a fumaça
branquinha assinala que algo está sendo preparado no quintal da casa.
Todo
quintal tem sempre uma velhinha e um velhinho. Todo quintal tem aquela senhora
caminhando para lá e para cá numa sucessão interminável de afazeres. Ora varrendo
o chão com varas de mato, ora lavando roupa, ora queimando uma coivara de
folhas secas, ora empurrando os meninos para o banheiro... E os maridos sempre
no “cercado” ou em outro lugar de trabalho.
A meninada passa o
dia em brincadeiras sem fim, dividindo espaço com cachorros, gatos, galinhas,
papagaios e saguis, pois quintal é lugar de tudo e mais um pouco... fonte
inesgotável de brincadeiras infantis. As águas que correm no rego da lavanderia
se transformam em rios dividindo fazendas. A velha enxada faz os traçados das
estradas. E os brinquedos fazem o resto. Nos quintais se misturam meninas e
meninos até o momento que alguém lembra que é hora de alguma coisa... banho,
escola, missa...
Diante de todos esses
elementos que constituem um quintal, nota-se claramente a forte carga emocional
emanada. Isso explica o apego a esse espaço de sociabilidade incomum. Objeto de
desejo até para ficar à sós, ouvindo os pássaros cantando depois de se deitar
numa rede dessas de vendedor das Casas Bahia. Quintal torna as pessoas
dependentes... Isso parece torná-las mais humanas.
Nada paga a sombra
deliciosa de uma mangueira, tendo debaixo uma família saboreando os comes e
bebes de sua preferência, ou conversando conversas sem fim. Quintais são parte
da gente... são extensões das nossas almas. LUÍS CARLOS FREIRE.
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