Como
a mata era fechada, tornava difícil a locomoção, obrigando-os a fazer uma
pequena clareira.
Nesse
recôndito perdido e esquecido eles construíram uma pequena casa de
taipa, aprendida com os portugueses que habitavam o lugar de origem.
A
casa foi engenhosamente coberta com palhas de coqueiro entrançada, de modo a
impedir a mínima infiltração. Arte típica dos ancestrais nativos. A floresta
era permeada por animais selvagens, que poderiam atacá-los se permanecessem
expostos principalmente à noite. A natureza era intocável, os bichos viviam em perfeito equilíbrio, mas era bom se proteger.
Ao
redor da morada fizeram roça de milho, macaxeira, inhame, batata doce, fruta-pão,
jerimum e ervas medicinais. A caça e a pesca eram
abundantes. Desse modo viviam felizes e com fartura.
Com
o passar do tempo eles tomaram coragem e avançaram um pouco mais nas matas
desconhecidas, vislumbrando reconhecê-la melhor. Nesse empreendimento descobriram que moravam numa vasta extensão de mangue, e que o lugar era um
labirinto de riachos e olhos d´água.
Conforme
venciam as matas, perceberam alguns sinais humanos, ora nas estacas cortadas, ora nas veredas com rastos humanos. Aos poucos deram conta da existência de moradias, ora
solitárias, ora associadas a outras. Até mesmo um acanhado povoado de três ou
quatro casas foi encontrado.
Eles
constataram que tais moradias pertenciam a mestiços, ora de índios com brancos,
ora de índios com negros, ora de negros com brancos. Desse modo ficou mais fácil tentar estabelecer
amizade.
Não
demorou muito iniciaram contato, ora acanhado, ora com certa familiaridade,
inclusive haviam outros fugitivos do massacre de Cunhaú nessas propriedades.
Eles também se arrancharam ali atraídos pelas riquezas naturais. Tudo era
farto. Cambadas de caranguejos desfilavam nos quintais como formigueiros,
forrando-os completamente. As águas eram infestadas de camarão pitu. Eles não
valorizavam muito a caça de aves e quadrúpedes, como tatus, capivaras, antas,
pacas, porcos do mato e outros bichos. Preferiam camarão com tubérculos, beijus e tapioca.
Os
novos vizinhos perguntavam ao casal o nome do local onde moravam, mas eles não
sabiam; apenas apontavam a direção e davam referências. Àquela época os
índios usavam os tipos de solo, os rios, determinadas árvores, cipoais e
acidentes geográficos para explicar a localização de alguma coisa.
Certo
dia Ubirajara disse a sua esposa que estava incomodado, pois se dera conta de
que o lugar onde viviam não tinha nome. “As pessoas perguntam onde moramos, mas
não temos resposta. Todos os lugares têm nome, menos o nosso”.
A
esposa Jaciara concordou e disse:
-
Ubirajara, olhe para essas matas. Veja que a cada passo que damos encontramos
um pé de “IGWANA’NDI”. A nossa oca foi feita com madeira de igwana’ndi; a nossa mesa é de igwana’ndi;
nossos tamboretes são de igwana’ndi; a
porta de nossa casa é de igwana’ndi;
o jirau que usamos para moquear é de igwana’ndi... até mesmo o remédio que nossos avós usam contra reumatismo é do igwana’ndi. Já temos o nome daqui. De agora em diante, quando alguém perguntar onde moramos, responderemos: moramos em igwana’ndi. Nome lindo! Não há
outro melhor!
Os
índios se respeitavam muito, inclusive a palavra da mulher tinha o mesmo peso
da palavra masculina. E assim nasceu o nome do lugar que, mesmo antes do batismo já
possuía ares de igwana’ndi por
excelência.
E
o tempo foi passando...
O
casal teve filhos, os quais, depois de adultos, se casaram com outros nativos.
Iguais a eles, outras pessoas se arrancharam em igwana’ndi. E o local foi tomando ares de um acanhado povoado.
Como Ubirajara era o índio pioneiro de Igwana’ndi
e o mais idoso – contando cento e vinte e cinco anos – transmitiu a cada
morador o ensinamento de plantar sementes de igwana’ndi toda vez que derrubassem um de seus pés, pois era a madeira mais apreciada em toda a região. E fizessem o
mesmo com outras espécies. Explicou que a riqueza natural daquele lugar vinha
da harmonia entre o homem e a natureza. "De onde se tira e não se põe, tudo se acaba", dizia.
Passados
cem anos, quando não mais existiam sequer vestígios da existência do casal Ubirajara
e Jaciara, os mais novos passaram a chamar o local de Guanandi. Muitos homens
brancos chegaram ao local com suas famílias e novos costumes. A maioria dos nativos já não seguia mais os
ensinamentos dos mais velhos. Abandonaram a tradição de replantar igwana’ndi. Os descendentes do
casal Ubirajara e Jaciara a essa altura dos fatos já não conservavam quase nenhum costume indígena. De índios traziam apenas os traços fisionômicos e se esqueceram da tradição de preservar o igwana’ndi. .
Mas,
por incrível que pareça, Guanandi permanecia envolta numa floresta imponente, graças
aos pássaros que se encarregavam instintivamente de reflorestá-la
juntamente com os morcegos e macacos.
Era
prática comum entre os senhores de engenho da região construir os
assoalhos de suas casas grandes e senzalas com a madeira do guanandi, pois era de qualidade nobre e de alta resistência. Eventualmente saiam dois a três
carros-de-bois gemendo nos estradões afora, transportando dezenas de toras
dessa árvore.
Os
construtores de navios mandavam buscar ali os mais belos exemplares dessa
espécie. Mesmo assim as matas permaneciam portentosas, emoldurando o povoado,
abraçando-o carinhosamente, como se dissessem: “somos superiores a vocês, homens...
pagamos o mau que vocês nos fazem com o bem”.
Como
dissemos anteriormente, o tempo não para...
Certo
dia apareceu no povoado – que já possuía um belo arruado de casas e até mesmo
uma capelinha. – um homem esquisito trajando roupas reais. O povoado parou. Os
moradores correram se aglomerando num descampado central. O homem montava um
imponente cavalo árabe. Com ele estava uma comitiva e algumas autoridades
da Vila Imperial de Papari, as quais se drebuçavam em pitorescas cortesias e deferências. Era um
representante do Imperador D. Pedro II. Houve o toque claudicante de corneta.
Em seguida ele desenrolou uma espécie de pergaminho e o leu em voz alta:
- “Em nome de deus e de Sua Majestade Imperial D.
Pedro II, informo a todos os moradores dessa localidade de Guanandi, que fica
proibida a partir de hoje, a derrubada de árvores da espécie Guanandi. Ficam
reservada para o Império Brasileiro, sob forte fiscalização, o uso exclusivo
dessa árvore para a confecção de mastros e vergas de navios. Essa determinação
provém da Lei de nº ... de 7 de janeiro de 1835, sancionada por Sua Majestade
Imperial D. Pedro II. E ficam todos informados que os possíveis infratores
serão presos e transferidos para a Corte de São Sebastião do Rio de Janeiro, e
lá serão encerrados nas galés, onde trabalharão como escravos até a morte”.
Após a espetaculosa anunciação, os homens
reais deram meia volta e desapareceram nas veredas, engolidas pelos guanandis.
Os nativos ficaram mudos, vendo-os sumir sem entender exatamente o que haviam
acabado de contemplar. Alguns permaneceram extasiados, sob o choque emocional de
terem ouvido a voz do representante do Imperador do Brasil. Outros comentaram
durante meses o episódio, alegando ter sido o mais belo e notável acontecimento
do local.
O
tempo continuou passando exatamente como as águas do riacho local, que serpenteavam as matas até
desaguar no Atlântico.
Carros
e mais carros-de-bois saiam diariamente, abarrotados de troncos de guanandis,
os quais eram embarcados em navios para São Sebastião do Rio de Janeiro, no
Porto de João Lustau Navarro, em Pirangipepe. Alguns nativos diziam – a boca de
siri – que as autoridades da Intendência da Vila Imperial de Papari faziam
vistas grossas àquele massacre da mata, pois recebiam muitos contos de réis
para fingir que não percebiam o exagero. Todos sabiam que era impossível tanta
madeira se eram construídos poucos navios. Mas ali valia a "lei do silêncio". Era melhor ficar quieto, diziam os mais velhos. Havia até um ditado muito antigo que dizia assim: "em terra de sapos, de cócoras com eles".
Um
estrangeiro que visitou Guanandi disse aos nativos que, na realidade toda
aquela madeira viajava para Portugal, onde servia para construção de assoalhos
dos palácios dos reis e pessoas lordes, e que extrapolavam as fronteiras
lusitanas, estendendo-se para Espanha, Áustria e França. Lá era vendida a peso
de ouro.
Essa,
que foi oficialmente a primeira madeira de lei do Brasil, era usada na Europa
para confecção de barcos, mastros de navios, vigas para construção civil, obras
internas, assoalhos, marcenaria e carpintaria. O estrangeiro contou que toda a
madeira usada para construir o Museu do Ipiranga, em São Paulo fora retirada
das matas de Guanandi.
O
tempo – teimoso – continuou passando como a brisa interminável.
A
derrubada desenfreada e sem reposição dos guanandis começou a trazer sérias
consequências ao lugar. Os pássaros, os macacos e os morcegos desapareceram nos estômagos dos nativos.
Junto, foi-se o ciclo de reflorestamento natural. A ausência das raízes desse
vegetal que umedecia e segurava a terra, afetou os mananciais, limitando os
peixes e crustáceos. Os pitus entraram em extinção. Os animais grandes, como
onças, raposas, caititus e capivaras sumiram como num encanto. O riacho, que antes cobria um adulto, tornou-se um fiapo de água.
Guanandi,
de rico, tornou-se pobre. Até mesmo o próprio nome foi alterado novamente.
Nessa fase era chamado de Golandi.
Por mais inacreditável que pareça, não restou sequer um exemplar dessa espécie
tão importante. Os próprios nativos desconheciam a árvore e o seu fruto.
Certa
vez apareceu em Golandi um homem de uma região longínqua, conhecida como “Jardim
do Éden do Brasil”. O lugar possui um dos biomas mais raros, ricos e belos do
Mundo, e tem o nome de Pantanal.
Cheios
de nostalgia, os nativos disseram a esse homem que, no passado, Golandi também era um
paraíso.
Então
o homem perguntou-lhes:
-
E
o que vocês fizeram?
Nov. 1995
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Conheça algumas curiosidades sobre o Guanandi, a primeira madeira de lei do Brasil. Veja o texto em PDF: http://www.ibflorestas.org.br/news/arquivos/materialguanandi.pdf
Curiosidades: a árvore golandi também é conhecida como: olandi, olandim, galandim, gualande-carvalho, guanandi-carvalho, guanandi-cedro, landim, gulandê, gulandi. Na Amazônia chamam-na jacareúba. Em São Gonçalo do Amarante, RN, há um lugarejo denominado Gulandim, que, obviamente é um derivado.
Nov. 1995
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Conheça algumas curiosidades sobre o Guanandi, a primeira madeira de lei do Brasil. Veja o texto em PDF: http://www.ibflorestas.org.br/news/arquivos/materialguanandi.pdf
Curiosidades: a árvore golandi também é conhecida como: olandi, olandim, galandim, gualande-carvalho, guanandi-carvalho, guanandi-cedro, landim, gulandê, gulandi. Na Amazônia chamam-na jacareúba. Em São Gonçalo do Amarante, RN, há um lugarejo denominado Gulandim, que, obviamente é um derivado.
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