Próximo dali existia uma aldeia
comandada pelo cacique Ararê, que significa “protetor das
aves”, índio sábio, bondoso e querido por todos. Ele costumava dizer: “matar
um pássaro, é matar lentamente uma floresta”. Somente os índios sabiam os
segredos dessas selvas, de suas veredas e seus atalhos.
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A
tribo se servia dessa área para recolhimento de penas, inclusive algumas
espécies tinham plumagens florescentes, que acendiam à noite; outras traziam o
corpo tão brilhante que pareciam pequenos sóis bailando nos céus. Essas penas, que
se espalhavam indiscriminadamente, iguais a folhas de árvores, eram usadas nos
cocares, adereços corporais e nas flechas e petecas. Por onde andavam, pisavam nos montes.
Eles não matavam os pássaros, e nem era necessário devido a profusão como as
penugens plainavam dos céus.
Eventualmente
os índios se arranchavam numa pequena clareira, onde existia um Pirajá.
Ali passavam o dia em atividades. Traziam idosos e crianças e faziam disso um
momento de descontração entre as famílias. A meninada brincava, se balançava
nos galhos que sobraçavam o chão, banhavam-se e pescavam num pequeno riacho
local, enquanto os mais velhos assavam peixe e beiju.
Nesse
tempo não existia a lagoa. As crianças veneravam as tardes divertidas e nem
viam o dia passar. Tudo era regado a uma orquestra infindável de pássaros, os
quais trilavam alegres sinfonias, enchendo as matas de vida. Silêncio era uma palavra desconhecida naquele
vale sagrado, comparado ao Jardim do Éden.
Certo
dia apareceu um feiticeiro de uma região distante e desconhecida, atraído pela
fama do lugar. Ele ficou encantado e dedicou um dia a observar a passarada.
Embora não chegou a ver sequer um terço da avifauna, alegou nunca ter se
deparado com bandos tão monumentais. Eram muitas espécies diferentes. Eram
muitas cores brilhantes. Eram muitos cantares diferentes.
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Naquele tempo as aves tinham
significação e importância ainda mais preciosas. Valiam mais que o ouro. Os
índios diziam que os pássaros faziam as florestas, pois espalhavam as sementes
em todos os rincões, atraindo variados animais. Eles sabiam que as raízes das
árvores seguravam a umidade e conservavam os rios e os mananciais locais. Os mais
velhos contavam aos filhos e netos que os pássaros eram os “pais das florestas”
e valiam mais que o ouro, portanto eles deveriam dar prosseguimento a tal
ensinamento.
Na
região de origem desse feiticeiro os índios matavam os pássaros por diversão, para
se alimentar e para ornar suas indumentárias e materiais utilitários. Na
floresta daqui não havia essa necessidade, pois milhares de penas se desprendiam
deles naturalmente, suprindo a demenda que tinham.
Quando esse feiticeiro apareceu e
contou-lhes sobre o hábito deles, todos estranharam, dizendo que num lugar com
tanta fartura de animais quadrúpedes e tão grandes – como os caititus, que eram porcos do mato – soava
desnecessário matar animaizinhos tão pequenos, inofensivos, que só enchiam as matas de alegria
e beleza.
O
feiticeiro – matreiro – explicou que viera unicamente conhecer e apreciar as
riquezas naturais. Ressaltou que todos os viajantes que passavam em seu lugar
de origem contavam com deslumbramento o que viam aqui. Na cultura dos índios
não existia a mentira, portanto eles acreditaram com naturalidade, nas palavras do estranho visitante.
http://ipevs.org.br/blog/?tag=aves |
Certa manhã o cacique Ararê
entrou num trecho quase intransponível para retirar cipó “couro de sapo”, usado
para prender feixes, carregar caça e fazer outras amarrações. Conforme foi
vencendo lentamente o cipoal deparou-se com um cenário que o aterrorizou.
Haviam milhares de gaiolas feitas de cipó, cheias de pássaros vivos. Ele não conseguia
assimilar o significado daquilo, pois não conhecia a prisão, nem para eles, nem
para os animais. Até mesmo os bichos domesticados viviam soltos na aldeia. Mas
aquela incompreensão durou pouco. Após alguns passos viu índios estranhos transportando
as gaiolas para umas caravelas aportadas no mar. Na realidade o feiticeiro estava a
serviço dos portugueses. Ele trouxera centenas de índios e os escondera na
pequena clareira para ajudá-lo nesse empreendimento.
Após
a desagradável surpresa, o cacique Ararê correu para a aldeia e contou
o fato a seus irmãos, os quais ficaram decepcionados. No outro dia todos
correram ao local e flagraram os índios estranhos, os quais não se trajavam
como tais e falavam em português.
O cacique Ararê disse ao feiticeiro
que eles estavam promovendo um desastre ambiental. Convidou-os a devolver os
pássaros à natureza, sob pena de, em recusando, terem as caravelas invadidas
para recolhimento das gaiolas. O
feiticeiro se irritou e disse que não era possível atender o pedido, pois os
europeus haviam dado à tribo deles muitos presentes como pagamento.
O cacique Ararê perguntou-lhe se
ele não sentia vergonha de roubar a “mãe-terra”. Para eles a terra era mãe de
todas as coisas: mãe das águas, mãe das florestas, mãe da terra, mãe dos bichos
e mãe dos índios. Muito irritado o feiticeiro não
soube responder.
Nesse exato momento ouviu-se um
estouro. Todos se assustaram. Logo em seguida um cheiro esquisito impregnou a
mata. Quando perceberam cacique Ararê estava morto, atravessado por
uma coisa que eles sequer imaginavam o que era. Em segundos o seu corpo estava
envolto num mar escarlate. Houve pânico, pois desconheciam as armas de fogo e
nunca ouviram um barulho tão alto e seco. O máximo que escutavam era o trilar
dos pássaros, o esturrar das onças, o guinchar dos macacos e o grazinar dos
papagaios.
O
restante daquele dia os índios estranhos dedicaram ao embarque das gaiolas.
Levaram também muito sândalo, ébano, jacarandá e pau roxo, madeiras nobres e
comuns na região. Como não encontraram resistência dos índios locais, ficaram à
vontade para agir. Dizem que quando as pessoas se calam e não resistem diante
das arbitrariedades, os maus vencem.
http://www.pm.ms.gov.br/pma-autua-fazendeiro-em-r-175-mil-por-exploracao-ilegal-de-madeira-protegida-por-lei-em-bonito/ |
As
aves eram desacostumadas a ataques humanos, portanto não fugiam dos caçadores,
conservando a mesma inocência dos índios daqui. A ganância dos europeus era tão
descontrolada que naquele final de tarde encheram quarenta caravelas e
partiram. Levaram, inclusive, todos os ovos encontrados nos ninhos para alimentá-los
durante a longa viagem.
Naquela
mesma noite cinco índios corajosos retornaram ao local da morte do cacique e
retiraram o seu corpo. No outro dia, bem cedo, o depositaram numa urna funerária, feita de barro
e o sepultaram durante um ritual, aos cuidados do pajé “Enarê”, que em língua tupi significa “deus do rio”. Sob a cova
depositaram penas de todas as cores. A floresta estava paralisada e muda, como
se entendendo o triste acontecimento. Não se ouvia sequer as vozes de outras
espécies animais. Fazia pena a desolação até mesmo de crianças e idosos. Eram tantas lágrimas que originaram
uma gigantesca lagoa que cresceu lentamente, como magia, no sopé do morro.
http://nisiaflorestaporluiscarlosfreire.blogspot.com.br/2013/12/a-pedra-encantada-da-lagoa-papari.html |
Seis dias após o enterro do cacique,
o pajé Enarê teve um sonho. O Espírito da Mata apareceu-lhe e disse
que no local do sepultamento do cacique Ararê nasceria uma linda e frondosa
árvore, por nome de Oiti, que significa “massa espremida”. Ela seria responsável
por repovoar toda a mata com novos pássaros. Explicou-lhe que eles não se
preocupassem, pois o vale sagrado teria mais pássaros que antes, cuja lagoa
que nascera das águas choradas pela tribo seria responsável para saciar a sede
de todas aves e tudo o que tivesse vida naquelas imediações. E seria, ainda, a lagoa
mais rica em peixes e crustáceos de toda a região. Ela se chamaria Paraguaçu,
que em língua tupi significa “rio grande”.
O Espírito da Mata fez um pedido
especial: que a tribo aguardasse a floração, que aconteceria entre os meses de
junho e agosto, e seriam brancas para simbolizar o surgimento de um novo tempo
de amor entre a tribo; que os seus frutos surgiriam entre os meses de janeiro e
março. O grande segredo dos frutos dessa nova espécie seria emanar um perfume
mágico, responsável por atrair o maior número de pássaros, que também serviria
de alimento para as aves e outras espécies da região, e que sua madeira
serviria para a carpintaria. Orientou que cada índio se encarregasse de plantar
uma semente anualmente, pois ela também seria responsável pela preservação da
lagoa das lágrimas. O pajé ficou muito feliz e deu a
notícia para a tribo. A alegria contagiou a todos. Houve três dias de festa com
danças, competições esportivas e muita comida.
Após vinte dias germinou, enfim, o oiti. O tempo passou e tudo se cumpriu
exatamente igual a profecia do Espírito da Mata. Se antes os índios pensavam
ter uma floresta repleta de pássaros, se enganaram, pois o repovoamento da
avifauna tornou-se infinitamente maior. Nunca se viu tantos pés de oitis. Os próprios pássaros se encarregaram
de comer e espalhar as sementes. Nunca se viu uma tribo tão feliz.
Toda
vez que alguém sente o cheiro delicioso de oiti, lembra o sonho que o pajé teve
com o Espírito da Mata. E como o tempo não para, os anos continuaram passando.
Homens brancos chegaram ao local e batizaram aquelas terras de Oitizeiro,
para designar o lugar como floresta de oitis.
Tronco centenário de um oitizeiro http://es.treknature.com/gallery/South_America/Brazil/photo135408.htm |
Hoje, apesar de o homem branco permanecer
causando danos às matas, o distrito de Oitizeiro ainda conserva a fama de “terra
dos pássaros”. O lugar é símbolo de liberdade, pois os nativos não têm o hábito
de engaiolar pássaros. A fama do cacique estendeu-se até hoje, a ponto de eles
permanecerem fiéis às suas sábias palavras. A
lagoa das lágrimas, que teve o seu nome mudado para Papari, que significa “rio
encachoeirado”, apesar do assoreamento e do manejo irregular dos donos de
viveiros, ainda guarda rara beleza, e produz peixes e crustáceos. Não há lugar
em toda a região que tenha as espécies passarinheiras mais belas, coloridas e
variadas. Tudo isso graças aos oitizeiros.
jan. 1996 - Copyright L. C. Freire
FIM
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Agora que você conhece a lenda, que tal saber um pouco mais sobre o oiti?
O oiti (Licania tomentosa), também chamado goiti, oitizeiro e oiti-da-praia, é uma árvore da
família Chrysobalanaceae que pode atingir entre oito e quinze metros de altura.
Etimologia
"Oiti" e "goiti"
vêm do tupi uï'tï: massa prensada.
Características
Espécie originária da Mata Atlântica,
popular em Pernambuco é muito utilizada na arborização de várias cidades
brasileiras do Nordeste e do Rio de Janeiro. O seu fruto é uma drupa elipsoide ou
fusiforme, de casca enrugada marrom escuro quando madura, com cerca de doze a
dezesseis centímetros de comprimento e com caroço volumoso e oblongo. A polpa é
doce, pastosa, "areiada" feito uma pinha, enjoativa. Sua aparência
externa não é das mais atraentes, muito pelo contrário e a polpa tem uma cor de
ocre puxando para o amarelo fosco.
Fruto do oiti Adicionar legenda |
Ocorrência (lugares
onde é mais comum)
Na floresta ombrófila densa de Pernambuco até
o sul da Bahia e
na arborização de cidades brasileiras.
Fenologia (floração e
frutificação)
Floresce de junho a agosto. Seus
frutos amadurecem entre janeiro e março. No Nordeste encontramos Frutos maduros
de janeiro a agosto.
Usos (o que se
faz com o seu fruto, suas folhas e madeira)
É muito usada na arborização urbana
por sua copa frondosa, que dá ótima sombra. Seus frutos são muito apreciados
pela fauna em
geral. A sua madeira é de ótima qualidade para diversos usos, como postes,
estacas, dormentes e construções civis. Seus frutos são comestíveis, com
amêndoas ricas em óleo. Um aspecto notável desta espécie é sua reconhecida
resistência aos poluentes urbanos.
Referências
FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua
Portuguesa. Segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p.1 218
Fontes:
Lorenzi, Harri: Árvores brasileiras: manual de identificação
e cultivo de plantas arbóreas do Brasil, vol. 1. Instituto Plantarum, Nova
Odessa, SP, 2002, 4a. edição. ISBN 85-86174-16-X
Para finalizar, que tal plantar uma árvore?
Muito legal esse texto, gostaria de saber, de onde ele foi extraído, obrigado.
ResponderExcluirEsse texto é uma criação minha, conforme escrito no final.
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