Aproveitando o momento da aproximação do pleito eleitoral em todo o Brasil, trago-vos uma passagem ocorrida há 118 anos em Papary, justamente na terra onde nasceu uma mulher que, se viva, hoje, muitas de suas ideias ainda estariam à frente do tempo, mas isso nem foi sinônimo de inspiração para o velho coronel “Zé de Araújo”, presidente da Intendência (Prefeitura) daqueles ermos e longínquos tempos.
O facto, aliás, fato, ora narrado aconteceu entre 1906 a 1907, ou seja, 74 anos após o lançamento de um livro visionário, de autoria de Nísia Floresta. A obra falava sobre civilidade para as mulheres, e isso servia para todos – no aspecto de cidadania –, independente dos sexos. Mas, infelizmente, não serviu para a Papary do passado. Convém lembrar que as barbaridades empreendidas pelo coronel José de Araújo perduraram por muito tempo. Não pararam em 1907.
Pois bem, o Diário de Natal, de propriedade de Elias Souto, outro visionário, perseguidíssimo por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão (já andei contando sua história aqui mesmo), trouxe essa informação assinada por “Zé Tribujú”. Vamos lê-la. Em seguida comentarei (conservei o vocabulário original):
“Papary
31
de janeiro de 1906
Realisou-se
hontem a farça eleitoral aqui. Constou-me que o monstro deu no livro de
presença como tendo comparecido 80 eleitores. Não pode ser verdadeiro esse
número, quando é sabido de comparecer os srs. Manoel José de Moura, Antonio
Gomes Torres, Innocencio Lopes de Macédo, José Marques de Carvalho e João
Batista Marques –, além de muitos outros que não vem ao caso mencionar os
nomes, entre os quaes Américo Januário de Carvalho que está residindo no
Amazonas. O eleitorado alistado no município é de 85 eleitores, dos quaes 2 já
falleceram. Constou-me também que estavam alguns que não foram alistados no
alistamento passado e que parece que serão incluidos na revisão que
occultamente devem estar fazendo o Zé Capenga. Depois de terminada a
bandalheira que fizeram lá pela Intendência, seguiu-se uma cachaçada em casa do
cujo durante o resto do dia, incomodando toda a vizinhança.
O “monstro” a que ele se refere é o coronel José de Araújo, presidente da Intendência de Papary durante muitos e muitos anos. Ele representava a oligarquia Maranhão em Papary, defendendo-a com unhas, dentes e bacamarte. Não tolerava opositores, inclusive mandou dar muita surra em gente, pôs muitos pra correr por força de ameaças. Ele sempre foi eleito pela força das “brejeiras” (eleições fraudadas a bico de pena). As cédulas eram colocadas nas urnas um dia antes da eleição com votos contados. No outro dia, faziam um teatro, impediam os adversários de votar (inventando mil objeções). Resultado: Coronel José de Araújo venceu! Viva!
Naquele tempo só votavam homens de negócios, “proprietários” (que eram donos de terras), comerciantes, senhores de engenho. Abaixo disso só os funcionários públicos, nem tanto pelas posses, mas pela conduta ilibada. Papary tinha 80 eleitores nesse perfil. Portanto, Manoel José de Moura, Antonio Gomes Torres, Innocencio Lopes de Macédo, José Marques de Carvalho e João Batista Marques (citados no texto) se encaixavam em alguma dessa categoria, mas mesmo assim foram descartados pelo velho coronel José de Araújo, pois eram seus opositores.
Observe a maneira depreciativa que o autor do texto se refere ao coronel José de Araújo. Além de monstro, ele usa “Zé Capenga”. Isso reflete uma revolta muito grande da oposição. Leia, abaixo outra nota:
Visitou-nos
hontem o nosso illustre amigo e correligionário Coronel Luis Roque
d’Albuquerque Maranhão, chefe do nosso partido em Papary”.
Esse, era dono do Engenho São Roque que, por milagre, ainda sobrevive a casa grande de sua propriedade. Ele foi casado com Luísa Peixoto Maranhão (prima da minha mãe) que, originalmente, morava num engenho mais adiante, O Morgado. Também foi intendente em Papary. Veja outra nota:
Corre...
-
Que Mara-Sujo está fazendo o povo pobre emigrar de Papary”.
“Marasujo” é mais um apelido depreciativo que davam ao coronel José de Araújo, em decorrência das suas atitudes. Aqui alguém se refere exatamente aos desmandos e às arbitrariedades cometidas pelo coronel, o qual não admitia adversários e os tratava com insultos e violência. A nota, abaixo, é mais uma alusão a essa postura do coronel.
“17 de fevereiro de 1907
Corre...
-
que o Marasujo está promovendo o despovoamento de Papary para ficar ele só como
dono d’aquella terra”.
Veja que a pessoa o ironiza, alegando que ele promove o “despovoamento” de Papary. E isso acontecia exatamente pelas perseguições e arbitrariedades promovidas pelo presidente da Intendência. Muitos adversários políticos se cansavam e Jogavam a toalha e desapareciam de Papary. Lutar contra “Zé de Araújo” era difícil, pois ele contava com o apoio de Pedro Velho (presidente da Província, hoje fala-se “governador”). Pedro Velho também foi assim. Não perdoava adversários, inclusive transferiu Elias Souto (dono do jornal Diário de Natal), de Natal para o sertão, e vejam a ironia: para dar aulas de “Calistenia” (Educação Física, hoje). Para quem não sabe, Elias Souto era cadeirante e professor concursado.
Elias retornou a Natal com muito custo e permaneceu com o seu jornal, apoiando toda voz adversária à Oligarquia Maranhão. Lembrando que o seu jornal surgiu em São José de Mipibu. Agora vejam que passagem bizarra empreendida pelo Coronel José de Araújo. Leiam a nota abaixo:
“24 de fevereiro de 1907
Facto
grave
Constou-nos
que em Papary, há poucos dias, se realisara o casamento civil do cidadão
Vicente de Tal que havia morrido quatro horas antes da realização do ato. Com
Rosalina de tal. E que isso assim se fez a mando do chefe local e para effeitos
de assegurar alguma herança. Se o facto é real, trata-se de um crime que deve
ser severamente punido para que não se reproduza. Para o caso, chamamos
attenção do honrado governador”.
Essa nota é impressionante e mostra o quanto o mandonismo era vigente na velha Papary. Mas não faltava quem procurasse o Diário de Natal para colocar a boca no trombone. Vejam um trecho da “poesia” que saiu sobre tal anomalia.
“26 de fevereiro de 1907
Em
Papary o chefe político está casando os mortos.
O
marasujo está fazendo naquele município.
Casou,
segundo dizem, uma mulher que fazia quatro horas havia morrido.
Não
há comentário; já é de tudo zombar.
Assim
de tudo zombando
Grande
crime comettera
O
marasujo casando
Uma
mulher que morrera”.
Neto
Essa “poesia” é bem maior. Achei melhor colocar apenas a introdução que fala por si. Ela é pautada de deboches e insinuações ao velho Coronel José de Araújo.
Pois
bem, eis que estando 2024 num contexto eleitoral, embora a velha Papary mudou
muito, espera-se que, enfim, em pleno século XXI os políticos da Hoje Nísia
Floresta, tenham evoluído e deixado para trás o passado de corrupção,
mandonismo e arbitrariedades. Espero que os políticos que estão em campanha
política, atualmente, sejam homens honestos e preocupados com o futuro das
crianças e adolescentes, construindo legados de justiça, cidadania e civilidade
com o povo de Nísia Floresta. 19.6.2024.
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