ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO COMIGO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. O pelo formulário no próprio blog. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. O título NISIAFLORESTAPORLUISCARLOSFREIRE foi escolhido pelo fato de ao autor estudar a vida e a obra de Nísia Floresta desde 1992 e usar esse equipamento para escrever sobre a referida personagem. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto trechos com menção da fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

terça-feira, 8 de abril de 2025

NOTA DE REPÚDIO À PROPOSTA DO 'TÍTULO DE CIDADÃO NATALENSE' A JAIR BOLSONARO PELA CÂMARA DE NATAL


NOTA DE REPÚDIO

Na condição de brasileiro e cidadão comum, externo o meu REPÚDIO à concessão do título de cidadão natalense a Jair Bolsonaro, a ser votada amanhã, 9.4.2025, na Câmara Municipal de Natal. Essa afronta é um reflexo preocupante da falta de coerência e sensatez de alguns vereadores, a partir do (s) proponente (s). A proposta é de autoria do vereador Subtenente Eliabe Marques (PL) e foi subscrita pelos vereadores Fúlvio Saulo (SDD), Tony Henrique (PL), Preto Aquino (PODE) e Camila Araújo (União). A vereadora Brisa Bracchi (PT) foi a única a votar contra.

 VEJAM AS ALEGAÇÕES PARA ESSA CONCESSÃO DE TÍTULO:

1 - foi o presidente que mais visitou a nossa cidade;

2 - envio de R$ 200 milhões para aparelhar as forças de segurança;

3 - 18 ruas calçadas no bairro Planalto foram feitas no governo de Bolsonaro (Isso qualquer Secretaria de Obras resolve).

É o cúmulo! Visitar Natal, agora, pontua critérios para um título honorífico. Esse homem não visitou Natal. Ele veio atacar pessoas, fazer motociatas, promover pão e circo. Seus discursos são hostis e totalmente abstidos de diplomacia. Esse recurso destinado a Natal não cobre a metade da necessidade desse setor e se for comparado com margens matemáticas, não difere de investimentos do atual governo em outros setores.

Uma vereadora por nome de Camila também apoiou a proposta. Segundo o jornal AgoraRN ela declarou: “Subscrevemos e seguimos nas ruas, torcendo para que em 2026 ele retorne ao comando dessa nação que está aos frangalhos. É histórico o número de obras e recursos destinados na gestão Bolsonaro para Natal e para o estado”, disse. Essa senhora vê conforme o que ela tem dentro dela. Presidentes têm o dever de disponibilizar recursos para todos os estados do Brasil. Não é benesse, nem motivo de flores. Se assim o fosse, o ex-presidente Lula teria uma Holambra inteira despejada nele. Quem mais construiu IFRN no Rio Grande do Norte? Quem mais investiu na UFRN?


 Não desmereço a Segurança Pública tão necessitada. Verbas são bem vindas a todos os setores, mas acredito mais em quem investe na Educação (se bem que Lula investiu nas mais diversas áreas no RN, inclusive adutora e barragens). Quem investe em Educação prepara um povo altivo, e não verá no futuro vereadores – tampouco VEREADORA – enaltecendo um presidente que é fã do criminoso, torturador Ustra, (que colocava ratos vivos nas vaginas de mulheres vivas durante a horrorosa Ditadura Militar). Um ex-presidente que está a caminho da prisão, tendo em vista as provas audiovisuais que o colocam como mentor do ‘oito de janeiro’. Tenho parentes que foram torturados na Base Aérea de Natal e enquanto eu tiver vida, trabalharei contra os fãs de torturadores e quem diz que não estupra mulher feia).

E sobre o país em frangalhos, tire a venda dos olhos. Estamos, sim, com problemas. Problemas criados desde a arquitetura do golpe dado em Dilma Rousseff porque vocês têm dificuldades em aceitar um governo verdadeiramente civilizado e que dê dignidade aos pobres. Vocês não aceitam repartir o pão porque suas Bíblias são diferentes. Vocês têm horror às políticas públicas de cidadania porque não aceitam seus filhos lado a lado com o filho das vossas faxineiras na universidade. Tampouco fazendo doutorado em Moscou. Vocês não assumem a engenharia demoníaca que fizeram para – depois de Dilma – derrubar Lula a partir de um fantástico Power Point protagonizado por dois cidadãos que só entendiam do Vade Mecun universitário, analfabetos funcionais que nunca leram um livro de Literatura, nem de Arte, que tem o horror vocabular de pronunciar “cônge” ao invés de cônjuge. Eles, sim, prefaciaram esse tal “Brasil em frangalhos”. Depois deles vieram inúmeros outros, dentre eles os militares que nunca se conformaram por não conseguirem dar mais um golpe vitorioso como os três anteriores.  E esse grupo beligerante, asqueroso, sem projetos, cheios de armas nas mãos, encontrou um messias que deveria já ir há muito tempo para o lugar que passou a vida escapando. Vocês são boicotadores, não têm nada de patriotas. Se o fossem, teriam a civilidade de aceitar um presidente eleito legítima e democraticamente pela maioria dos brasileiros.

 É VERGONHOSA E AFRONTOSA A CONCESSÃO DO TÍTULO DE CIDADANIA A ESSE SENHOR QUE TEM TORNADO O BRASIL UMA FILIAL DO INFERNO – O QUE ELE VEM FAZENDO – ASSUMIDAMENTE OU DEBAIXO DOS PANOS – NUNCA FOI VISTO NA HISTÓRIA DO BRASIL ATÉ A DITADURA MILITAR INICIADA EM 1964. ESSA AFRONTA, INCLUSIVE, É, TAMBÉM, UMA TENTATIVA DE BANALIZAR O "OITO DE JANEIRO".


A gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro foi marcada por uma série de arbitrariedades que não apenas desrespeitaram princípios democráticos, mas também tiveram consequências nefastas, profundas e duradouras para a sociedade brasileira. Vejamos algumas das principais arbitrariedades cometidas durante seu governo, bem como suas repercussões:

1. Desrespeito às Instituições Democráticas: Bolsonaro frequentemente atacou instituições fundamentais, como o Judiciário e o Congresso Nacional, promovendo uma cultura de desconfiança e deslegitimação. Essa postura minou a confiança da população nas instituições democráticas, gerando um ambiente de instabilidade política.

2. Gestão da Pandemia de COVID-19: A condução da crise sanitária foi marcada por negligência e desinformação. Bolsonaro minimizou a gravidade do vírus, promoveu tratamentos sem comprovação científica e se opôs a medidas de distanciamento social e uso de máscaras. Como resultado, o Brasil se tornou um dos países com o maior número de mortes por COVID-19, refletindo uma tragédia humanitária sem precedentes. Como não bastasse, fez piada, imitando uma pessoa com COVID-19 agonizando, conforme vídeos reais dispostos na internet.

3. Desinformação e Fake News: O ex-presidente foi um dos principais disseminadores de desinformação, especialmente nas redes sociais. Sua propagação de notícias falsas sobre vacinas, saúde pública e questões sociais contribuiu para a polarização e a desinformação generalizada, prejudicando o debate público e a formação de opinião.

4. Desvalorização da Ciência e da Educação: A constante desvalorização da ciência e da educação, com cortes de verbas para universidades e instituições de pesquisa, comprometeu o desenvolvimento intelectual e científico do país. Essa postura prejudicou a formação de uma sociedade crítica e bem-informada.

5. Atentados aos Direitos Humanos: A gestão Bolsonaro foi marcada por discursos de ódio e ataques a minorias, incluindo LGBTQIA+, indígenas e grupos étnicos. Essa retórica alimentou a violência e a discriminação, resultando em um aumento de casos de agressões e assassinatos motivados por preconceito.

6. Desmatamento e Crise Ambiental: Durante seu governo, houve um aumento significativo no desmatamento da Amazônia e em outras áreas de preservação. A falta de políticas efetivas de proteção ambiental não apenas comprometeu a biodiversidade, mas também afetou comunidades indígenas e tradicionais, além de contribuir para a crise climática global.

6. Exploração hipócrita da Fé, do Patriotismo e da Família: um homem que durante todos os seus mandatos nunca morreu de amores por religião, de repente arrastou para si uma réplica do slogan de Hitler, pautada na ‘religião, família e patriotismo’. Nunca na história do Brasil se viu tanta confusão e ódio dentro das igrejas evangélicas (conforme abundam vídeos na internet), e isso parece ter vindo como consequência depois que esse público – com raras exceções – transformou as igrejas em comitês, comícios e palcos de campanha política bolsonarista. Vale ressaltar que ele se traveste de católico, judeu e agora, por último, inusitadamente, arrastou um pai de santo para o movimento pró-anistia na av. Paulista, SP. A bandeira do Brasil que sempre foi pautada de respeito tornou-se também símbolo de hostilidade, escudo que reveste cidadãos que atacam e agridem. Já houve até quem matasse. Patriotas: homens e mulheres de Deus que condenam o público LGBTQIA+, que se silenciam diante da notória misoginia desse senhor, que alegam que não devemos desenterrar os mortos da Ditadura Militar, que banalizam e subestimam suas atrocidades – pasme – em nome de Deus, justificando que Deus escolhe os idiotas para confundir. Não se enganem. Esse Deus não é o da Bíblia. Esse Deus passou a existir há pouco tempo como a famosa e alegada Besta de sete Cabeças que fez escola e criou uma legião de Mefistófeles.


As consequências dessas arbitrariedades são visíveis em diversos aspectos da vida social e política do Brasil. A polarização aumentou, a confiança nas instituições diminuiu e a sociedade se tornou mais vulnerável a discursos extremistas e à desinformação.


Diante desse cenário, a decisão da Câmara Municipal de Natal em propor o título de cidadão natalense a Jair Bolsonaro é – não apenas uma afronta à memória das vítimas da pandemia e as vítimas (mortas e desaparecidas) da Ditadura Militar que ele louva –, mas também uma demonstração de descompromisso com os valores éticos, morais, cristãos, laicos, democráticos e com o bem-estar da população. Essa concessão revela uma grave desconexão entre os representantes e os anseios da sociedade, que clama por respeito, justiça e dignidade.


É fundamental que a população de Natal se mobilize e exija responsabilidade de seus representantes, promovendo um debate crítico sobre as ações de figuras públicas que, como Bolsonaro, deixaram um legado de arbitrariedades e desrespeito aos direitos humanos e à democracia. A história deve lembrar que a decência e a ética são pilares essenciais para a construção de uma sociedade justa e igualitária, e jamais para promover esse desserviço.

Luís C. Freire 

sábado, 5 de abril de 2025

“O ABISMO SOB AS FLORES DA CIVILIZAÇÃO” E AS FESTAS JUNINAS NO RIO GRANDE DO NORTE, O QUE NÍSIA FLORESTA NOS ENSINA...

 


“O ABISMO SOB AS FLORES DA CIVILIZAÇÃO” E AS FESTAS JUNINAS NO RIO GRANDE DO NORTE, O QUE NÍSIA FLORESTA NOS ENSINA...

Antes de entramos no âmbito da reflexão, leiamos esse trecho do ensaio ‘O abismo sob as flores da civilização’ (Il L’abissotto i Fiori dela civilitá), escrito por Nísia Floresta, parte da obra ‘Cintilações de uma alma brasileira’ (Scintilled’um’anima brasiliana’, publicados originalmente Florença, Itália no ano de 1859.

"A música, esta celestial inspiração de almas poéticas e religiosas, mas tão profanada desde que se fez usar para matar alegremente os homens, e para depravar a mulher, atira e encilha os dois sexos numa dança desenfreada, à qual comanda o gênio da presente corrupção.

A desfaçatez, a luxúria, os excessos dos sentidos disputam o reino de dissolução, envolvendo num véu transparente a ruína dos povos; ruína que a civilização aprova e fomenta num contrassenso que horroriza o pensador, e lança nos ânimos gentis a dor e o desconforto!

Após muitas libações, a dança; após a dança, o passeio entre os verdores de inumeráveis alamedas. E depois, ainda, o infernal turbilhão de ‘valse’; onde extenua-se o vigor do corpo, quando aquele da alma já se dissipou.

Ali passeiam cabeças vazias; aqui lábios impuros pronunciam fugidiamente aquelas palavras tão poderosas sobre o pudico lábio da mulher. Um pouco apartado, ao lado de uma Megera enguirlandada, senta-se um jovem, ou melhor, um espectro vivente, que arrasta-se ele também à ‘Foire au plaisir’ (1), quando a morte já imprimiu o fatal sigilo sobre sua fronte. – O infeliz ilude-se! A sorte pôs ao seu lado, em vez de um anjo talvez abandonado, um demônio que o enfeitiça; precipitando-o para um fim prematuro, após ter-lhe desfibrado o corpo e a alma...” 1- Feira de diversões.

Nísia costumava jogar no papel muito do que testemunhava. Tudo era matéria prima para crônica. Ela presenciou a cena acima às margens do Sena, “para os lados de Asniére”.

Embora eu transcrevi o trecho completo, minhas observações se detém apenas aos quatro primeiros parágrafos, tendo em vista que o restante é óbvio demais. Para o bom entendedor...

Pois bem, já estão aparecendo os cartazes de propaganda do São João dos municípios do Rio Grande do Norte e isso traz muitas mensagens sublimares. É sobre isso que ontem eu conversava com uma pessoa que trabalha com cultura, inclusive citei essa passagem escrita por Nísia, tendo me lembrado dela. O assunto foi sobre a descaracterização das festas juninas do Nordeste. Aqui me atenho ao Rio Grande do Norte para falar com propriedade. Já ressalvo que não se trata de congelar o passado, engessando-o, tendo em vista que a civilização anda para frente.  Também não estou propondo que as festas sejam festas catequéticas. Refiro-me a conservar intacta a essência das coisas da terra (como os gaúchos fazem). Lá eles dizem “Mateus, primeiros os teus”. (Certíssimos!).

Você percebe que esse texto de Nísia Floresta parece escrito hoje. A postura de estranhar certos comportamentos modernos faz parte da história da humanidade. Antes de Cristo há registros de sábios criticando o comportamento dos jovens. Isso sempre existirá. O que farei agora, inclusive, é nada mais que isso. O que Nísia Floresta fez, foi nada mais que exercer o seu direito de estranhar o que viu.

Mas o que ‘O Abismo sobre as flores da civilização’ de Nísia Floresta tem a ver com isso tudo. O ensaio é dedicado aos jovens. Vamos entender isso tudo a partir da significação do título. “O ABISMO” se refere aos perigos aos quais os jovens estão sujeitos se se permitirem o mal (má companhia, por exemplo). “AS FLORES” são os próprios jovens. “AS FLORES” são as virtudes; tudo aquilo de bom que um jovem pode trazer dentro de si e praticar enquanto civilização. E a civilização? O que significa. “CIVILIZAÇÃO” é a humanidade.

Mas vamos retomar a conversa sobre Cultura. Festa Junina é uma tradição muito forte no Rio Grande do Norte. Ela está na alma do povo potiguar. As coisas juninas transcendem, estão no ar. As pessoas praticam as festas juninas dentro de casa, no quintal, na calçada, no bairro, no comércio formal e informal, nos festejos públicos. É uma fusão de tradições em que encontramos a gastronomia, os festejos, a linguagem, as bebidas, hábitos, religiosidade, musicalidade, enfim, uma gama de coisas. Mas mesmo assim não significa que a tradição mantém viva a sua essência.

Do mesmo modo que lá em cima Nísia Floresta critica a forma como a mulher é tratada nas músicas, o comportamento dos jovens nas festas públicas, cabe a mesma reflexão no presente. Vamos rever o que ela escreveu: “A música, esta celestial inspiração de almas poéticas e religiosas, mas tão profanada desde que se fez usar para matar alegremente os homens, e para depravar a mulher, atira e encilha os dois sexos numa dança desenfreada, à qual comanda o gênio da presente corrupção”.

É isso! Se há 166 anos alguém se horrorizou com o que viu em plena França, imagine hoje. Não vou entrar em detalhes. Basta ver os vídeos que têm em abundância na internet, pós-festas. Creio que pai algum gostaria de saber que sua filha ou o seu filho se submetem a tanto vexame (drogas, comas alcoólicos, estupros, brigas, acidentes etc).

O outro detalhe da minha conversa se deteve ao comportamento da maioria das prefeituras de Natal e cidades vizinhas, que tem a bizarrice de trazer cantores sertanejos para o São João do Nordeste. O que Gustavo Lima e Luan Santana têm – por exemplo – com o São João do Rio Grande do Norte? Esses artistas estão para a Festa de Peão de Boiadeiro, de Barretos, interior de São Paulo, como Elba Ramalho, Alceu Valença, Zé Ramalho, João Gomes, Jorge de Altinho, Petrúcio Amorim, Flávio José, Zé Vaqueiro, Dorgival Dantas e uma porção de outros artistas incríveis estão para o São João do Nordeste. São costumes e tradições muito peculiares a cada região.

Não é preconceito, bairrismo ou algo do tipo. É sensatez e preocupação com a valorização das raízes de um povo. As instituições públicas que promovem a Cultura (Secretarias, Fundações etc) municipal e estadual tem o dever moral de serem os primeiros a preservar a cultura do seu povo, ao invés de usar a máquina pública ao gosto pessoal de terceiros. Alguém já viu Dorgival Dantas, Elba Ramalho ou João Gomes se apresentando na Festa de Peão de Boiadeiro de Barretos? Eles já cantaram no Oktober Fest de Santa Catarina ou na Festa da Uva, no Rio Grande do Sul?  (Nunca!). São festas que refletem a essência deles. Da mesma forma é o São João do Nordeste que tem tudo a ver com a nata da música nordestina, o zabumba, ao pandeiro e à sanfona.

As festas do Nordeste tem lugar para todos os artistas, ritmos e gostos, MAS NO MOMENTO CERTO. Mas há uma exceção quando falamos de SÃO JOÃO NO NORDESTE. O problema é que as instituições públicas que promovem a cultura – salvas as raras exceções – precisam ter consciência disso.

Negar ao povo o fomento às suas tradições é com toda certeza  uma forma de corrupção, pois quando os gestores públicos – que tem todos os instrumentos possíveis para enaltecer as raízes culturais de um povo – deixam de fazê-lo, estão corrompendo a sociedade, alienando-a.

É muito injusto ver as nossas crianças e os nossos jovens perdendo a sua identidade cultural ou entendendo as festas públicas como espaços de degradação. Esse discurso parece careta, mas não é. A população deve resistir e reivindicar, afinal os homens que estão no poder, hoje, foram colocados ali para representar o povo, e se esses homens estão equivocados, a sociedade deve dizer “Alto lá!”

Pois bem, se você é daquelas pessoas que sentem saudade da beleza, da poesia, da amorosidade, da presença das famílias, da alegria da população junta e misturada, da satisfação de estar num evento seguro, desde a sua estruturação às apresentações artísticas, o que você faz para que isso aconteça?

Que tal pensar? Pensar e por em prática ideias e alternativas para que a nordestinidade volte aos bairros, às vilas, aos lugarejos, às cidades. Que os artistas da terra sejam valorizados e respeitados nas festas públicas, que sejam remunerados com justiça, assim como os sertanejos são.

Quando Nísia Floresta critica a falta de poesia na aura cultural, referindo-se às músicas que trazem letras e coreografias cheias de vulgaridade, quando ela critica os equívocos nos festejos públicos, quando ela fala de corrupção, ela se refere à ausência da qualidade nas letras das músicas, ela fala do desconforto que muitos sentem ao ouvir vulgaridades num espaço onde há crianças, jovens, adultos e idosos. Num espaço de sociabilidade que deveria servir para celebrar as suas tradições genuínas de um povo.

Não sou contra os sertanejos nem a outros ritmos, inclusive nasci num estado em que as emissoras de rádio tocam sertanejo o dia inteiro – sou fã de Milionário e José Rico e Tonico e Tinoco e uma porção de artistas sertanejos (de verdade) –, mas os sertanejos devem ter lugar em outras festas nordestinas (aniversário da cidade, destas natalinas). No São João, não! O São João é quando o povo nordestino deve recarregar as suas baterias culturais – dançando xote, baião, xaxado e todas as vertentes do forró genuíno do passado e do presente – renovando-as, transmitindo-as às novas gerações... 

Pois é, eis que trago justamente Nísia Floresta para uma discussão aparentemente desconectada, mas, pelo contrário, nada mais pertinente que a nossa Nísia para nos ensinar sempre...

Que tal pensar!

terça-feira, 1 de abril de 2025

Há lugares em Natal que mais parecem saídos de um filme de terror...



Hoje surpreendi-me quando vi essa fotografia antiga no grupo “Natal não há tal”, de João Gothardo Emerenciano. É o prédio da Fundação José Augusto, na sua versão original, quando funcionou ali o Grupo Escolar Antonio de Souza, na década de 60, na rua Jundiaí. Eu conhecia essa versão original do prédio em outras imagens antigas, mas essa fotografia colorizada saltou a beleza arquitetônica desse prédio de maneira muito especial, por sinal, belíssimo. 

Chamo a atenção sobre o que se tornou esse prédio, a começar pelo atual frontão horroroso e de extremo mau gosto. Sobre sua arquitetura atual, poderíamos dizer assim “Por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento”, mas não cabe aqui. Como palestrava a minha mãe, “O pão bolorento é por fora e por dentro”. O aspecto interno da Fundação José Augusto desde sempre é excelente para ambientar um filme de terror de Stephen King. Pense num prédio que deprime e entristece quem ali entra. 

Confesso que quando vou ali sinto uma coisa estranha. O que surpreende é que entra e sai governadores e ninguém arranca a morbidez de sua arquitetura interna. NÃO DIRIA DESCARACTERIZAR AINDA MAIS, MAS DAR A APARÊNCIA MERECIDA E PERTINENTE A UM PRÉDIO QUE É O PILAR DA CULTURA DO RIO GRANDE DO NORTE. Imagine se não fosse! 

Há pessoas equivocadas que entendem que restaurar, preservar elementos arquitetônicos antigos é engessar/congelar o passado. Nada disso! É História. É Memória. É Cultura! E é possível tornar um prédio aparentemente aterrorizante num joia atual. É só querer!

Até o presente, nunca entrou um governo que restaurasse esse prédio no aspecto de torná-lo um ambiente agradável aos olhos e ao espírito. E olhe que se trata de uma instituição em que 99 por cento dos que entram ali são artista ou trabalham com cultura, uma classe que nos liga à alegria, cores, dança, luzes, reflexos, festa, alvura... É um lugar que, pelo menos a mim, parece carregado. Parece aquele conto de Poe. Como se evolasse miasmas de suas paredes, como fosse ruir... 

Se eu fosse governador do Rio Grande do Norte devolveria as características originais dos mais significativos prédios da Natal do século XIX e XX que sobraram espalhados pela Ribeira e Cidade Alta, até porque muitos deles confundem arquitetura com um poema de concreto. Quando não fosse possível a alguns, devolveria as fachadas originais, tal qual foi no passado. Seria prioridade. Devolveria todos os coretos originais das praças. Devolveria as características originais do Atheneu, dos célebres cinemas do centro e de tantos poemas arquitetônicos que ainda resistem na Ribeira e na Cidade Alta, deteriorados, descaracterizados, mexidos por gente sem noção. É tão fácil. É só querer. 

Esses prédios precisam ser ocupados por pequenas secretarias municipais e estaduais. Basta de alugar prédios de pessoas particulares (é um vício desnecessário para beneficiar amigos de políticos). Logicamente que não há como restaurar sem inserir alguns elementos modernos como sistema de ar-condicionado, iluminação de led etc, mas há como fazer algo belo e moderno dentro do antigo. Engenheiros e arquitetos sérios fariam isso como quem compra goma na feira. E trago esse mesmo raciocínio no que se refere ao centro da Cidade Alta (outro filme de terror). 

Quem tem coragem de andar neste exato momento (20h06) na Praça João Maria? E na Ribeira? 

Tem que ser feito algo nesse aspecto. Nem que, de início, perfilassem centenas de postes altíssimos de luz de led nessas áreas, tornando tudo super iluminado, como se o sol fosse. 

Luz, depois da educação, é o melhor remédio contra bandidagem, portanto trago essa luz, a qual gostaria que jorrasse onde os miasmas resistem...


domingo, 30 de março de 2025

Memórias de Alysgardênia C. M.F. Durante o Golpe Militar de 1964


O Golpe Militar de 1964

Era uma tarde aparentemente comum de 1964. Sessenta e um anos se passaram desde então, mas a lembrança daquele dia permanece viva, tatuada na memória de Alysgardênia como um eco distante e doloroso de um tempo sombrio (Essa história foi vivida por minha esposa e sempre há contextos em que ela aparece. Até hoje ela sente desconforto ao contá-la, mas entendo que é necessário jogar holofotes sobre a mesma, para que os jovens, principalmente, conheçam e saibam quão aterrorizante foi a Ditadura Militar no Brasil, essa página deplorável e - absurdamente - reivindicada por algumas pessoas insanas nesse último governo em que vimos o ex-presidente elogiar o maior torturador do Brasil e seu filho reivindicar o AI-5, alegando que com um cabo e um soldado é possível fechar o Congresso acional)... Vamos à História...

Dona Maria J. Albuquerque. M. seguia sua rotina habitual: dirigia-se ao Colégio Lins de Vasconcelos, na Praça dos Três Poderes, no coração de João Pessoa, para buscar suas filhas, Alysgardênia e Geuma, de cinco e quatro anos respectivamente. A praça, imponente e serena, abrigava o Palácio do Governo, o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa. O centro nervoso da capital.

Palácio da Redenção (Palácio do Governo), João Pessoa, PB, onde elas se protegeram.

Nos dias em que o tempo permitia, a jovem mãe transformava essa obrigação diária em um momento especial (Coisa de mãe). Após a escola, levava as meninas à sorveteria. Em seguida, sentavam-se nos bancos de ferro torneado, à sombra da majestosa figueira que dominava o cenário, enquanto dividiam pipocas e risadas inocentes. Era dia de alegria e d. Maria J. tinha o hábito incomum de registrar momentos triviais de sua vida, portanto há imagens do dia em que se passou o episódio que será narrado  a seguir.

Dona Maria J. com as filhas Geuma (à esquerda) e Alysgardênia no fatídico dia que em João Pessoa estourou a Ditadura Militar, no mês de abril de 1964.

Naquela tarde, no entanto, a paz costumeira foi abruptamente rompida. Ao cruzarem a Praça dos Três Poderes, encontraram-se de repente no epicentro de uma tempestade política. Aquilo surgiu como um passe de mágica. Uma multidão, tomada por fervor e indignação, protestava contra a Ditadura Militar que se instalava no Brasil. Gritos ecoavam, palavras de ordem eram lançadas ao vento, e um caixão - símbolo da morte da democracia - ardia em chamas. Vidraças estilhaçavam-se, objetos voavam contra as fachadas dos edifícios, pessoas corriam para todos os lados e o caos se espalhava como um incêndio incontrolável.

O terror se instalou nos olhos de Alysgardênia e Geuma. As pequenas começaram a chorar, agarrando-se à mãe, que, por sua vez, sentia o coração pulsar descompassado. Para ela, tudo aquilo era um pesadelo acordado. Foi nesse instante que, como um anjo surgido do céu, apareceu um homem. Ele vestia o uniforme que ela percebeu se tratar de funcionário do Palácio do Governo. Percebendo o pavor da jovem mãe e das crianças, ele se aproximou rapidamente. Identificou-se, orientando-a a correr com as filhas para dentro do Palácio, que logo foi fechado às pressas.

Dona Maria J. com as filhas Geuma (à esquerda) e Alysgardênia no fatídico dia que em João Pessoa estourou a Ditadura Militar, no mês de abril de 1964.

Lá dentro, abaixadas atrás de um sofá no vasto saguão envidraçado, mesmo resguardadas, sentiram-se vulneráveis, expostas a um cenário de guerra. Lá fora, tiros ressoavam, gritos se misturavam ao som de sirenes e passos apressados. O medo era sufocante. Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, o funcionário retornou, chamando-as apressadamente, e saíram pelos corredores laterais. Desse modo aquele bondoso homem guiou-as até uma rua nos fundos do Palácio e ajudou-as a embarcar em um táxi, garantindo que escapassem daquele inferno.

Ao deixarem para trás a Praça dos Três Poderes, viram um cenário irreconhecível. O comércio fechava suas portas às pressas, pessoas corriam desnorteadas, policiais militares e soldados do Exército patrulhavam cada canto. Quando finalmente chegaram em casa, encontraram o Sr. Gustavo M., marido de d. Maria J., angustiado. Ouvindo tudo pelo rádio, ele acabara de chegar do trabalho e já se preparava para ir ao centro, desesperado para encontrar a família. O alívio tomou conta dele ao vê-las sãs e salvas.

Da esquerda para direita: D. Maria J., Geuma, Alysgardênia e Sr. Gustavo M., um dia festivo na escola.

Somente mais tarde compreenderam o que havia acontecido. Aquele dia fora o prenúncio de um novo tempo no Brasil: a Ditadura Militar se instaurava sob a justificativa de conter o avanço do Comunismo. Mas, como perceberiam ao longo dos anos, tratava-se apenas de uma cortina de fumaça. O real propósito era o controle do poder, a manipulação das leis para benefício próprio e a institucionalização da repressão. Usavam discursos de Deus, pátria e família para disfarçar a corrupção que se espalharia pelos corredores do governo.

Alysgardênia no dia do seus 15 anos, tempos de chumbo... tempos em que ouvia horrores narrados por seus pais, como a vizinha que sumiu, levada pelos agentes da Ditadura Militar

Alysgardênia também se recorda, já adolescente, de conversas bem reservadas - entre seus pais -, que naquele tempo não incluíam os filhos em tais assuntos, sobre uma universitária que morava no quarteirão próximo de sua casa e que eram pessoas conhecidas deles. Ela integrava algum movimento estudantil na UFPB, e desapareceu misteriosamente. Naquele tempo as pessoas contrárias ao regime militar eram chamadas de 'subversivas', então seus pais contavam que ela supostamente havia sido sequestrada por militares. Só se sabe que essa moça nunca mais apareceu. É uma das mortas e desaparecidas do período da Ditadura Militar na Paraíba. Durante toda a sua mocidade eles presenciaram o sofrimento dos pais dessa moça, esperançosos de reencontrarem a filha. Só não sabiam que morreriam velhos sem realizar o sonho.

Local onde se deu o episódio.

Seu pai também contava de um homem (com certeza um policial à paisana), que rondava o bairro eventualmente, se inserindo nas conversas de bares, lanchonetes, restaurantes, jogo de futebol. Um homem misteriosos, que mais ouvia que falava. Diziam se tratar de um olheiro dos militares. Eles ficavam ouvindo conversas e nessas sentinelas mapeavam possíveis 'subversivos', forneciam os endereços e o resto ficava para os militares. Certamente foi assim com essa vizinha que desapareceu. 

Dona Maria José com a filha Alysgardênia no fatídico dia que em João Pessoa estourou a Ditadura Militar, no mês de abril de 1964.

O episódio deixou marcas profundas em Alysgardênia. Mesmo tendo apenas cinco anos, o trauma a acompanharia para sempre. Até hoje, ao contar a história, ela se emociona. E, em meio às memórias dolorosas, persiste a lembrança daquele homem - um desconhecido que, como um anjo anônimo, carregou duas crianças no colo e as levou para um lugar seguro, enquanto o Brasil mergulhava nas trevas. Vem a imagem da vizinha e a história do olheiro dos militares... tempos de medo...

O tempo passou, já adulta, Alysgardênia foi cursar Teologia em São Paulo. Certo dia entrou na sala um dos professores de uma das disciplinas... Esse homem era o Cardeal D. Paulo Evaristo Arns, autor do Livro "Brasil Nunca Mais". Alysgardênia conta que suas aulas não eram aulas. Eram lições de sabedoria em todos os aspectos. No mesmo curso Alysgardênia ainda teve o privilégio de ter o padre Zezinho como professor.

Ainda em São Paulo, Alysgardênia participou do movimento DIRETAS JÁ, que surgiu em Alagoas e foi tomando conta do Brasil. Diretas Já foi um movimento político de cunho popular que teve como objetivo a retomada das eleições diretas ao cargo de presidente da República no Brasil, durante a ditadura militar brasileira. A possibilidade de eleições diretas para a Presidência da República no Brasil durante o regime ditatorial, se concretizou com a votação da proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira pelo Congresso. No entanto, a proposta foi rejeitada, frustrando a sociedade brasileira. Ainda assim, os adeptos do movimento conquistaram uma vitória parcial em janeiro do ano seguinte quando Tancredo Neves foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral

O movimento ganhou massa crítica e reuniu condições para se mobilizar abertamente. E foi em São Paulo que a investida democrata ganhou força com um evento realizado no Vale do Anhangabaú, no Centro da Capital, em pleno aniversário da cidade de São Paulo – dia 25 de janeiro. Mais de 1,5 milhão de pessoas se reuniram para declarar apoio ao Movimento das Diretas Já e no meio dessa massa humana, lá estava Alysgardência com alguns amigos. O ato foi liderado por Tancredo Neves, Franco Montoro, Orestes Quércia, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva e Pedro Simon, além de artistas e intelectuais engajados pela causa. A essa altura, a perda de prestígio do regime militar junto à população era grande. 

 Tempos bons. Tempos diferentes do que foi a terrível ditadura militar...

Evento ocorrido em João Pessoa durante a Ditadura Militar.

Para quem desconhece, este é um retrato singelo do que foi o Golpe Militar de 1964, que amanhã, 31 de março, completa 61 anos.

Nasci no Mato Grosso do Sul, numa cidade cortada por uma rodovia. Minha mãe costumava contar que, exatamente na época do episódio narrado acima, os caminhões militares cruzavam a BR em longas fileiras, carregando soldados e tanques. O golpe era o único assunto nas rádios, anunciado de forma solene pelo Repórter Esso, na Hora do Brasil, na voz grave que marcava os dias de medo.

O tempo passou, mas as cicatrizes da ditadura ainda estão abertas. E, como a história insiste em se repetir, é preciso lembrar: o golpe foi um golpe. A liberdade foi sufocada. O medo se tornou cotidiano. E a democracia, por longos anos, foi apenas uma lembrança distante. Foram tempos de chumbo, de mortes, torturas e muita corrupção encubada...

PARA QUEM DESCONHECE – NO CASO, OS JOVENS – EIS UMA SÍNTESE BREVE DO QUE FOI O GOLPE MILITAR DE 1964...

Na noite de 31 de março de 1964, as forças militares deflagraram um golpe que resultou na deposição do presidente João Goulart. O governo democraticamente eleito foi derrubado sob a justificativa de uma suposta ameaça comunista—uma narrativa fabricada e amplamente apoiada por empresários, latifundiários, grandes veículos de comunicação e setores da Igreja Católica.

Desde a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, os setores conservadores já se moviam contra Goulart. Somente em 1963 ele conseguiu retomar o regime presidencialista, mas sua postura progressista e suas propostas de reformas estruturais alarmaram as elites. O comício na Central do Brasil, em 13 de março de 1964, foi a fagulha final: diante de 150 mil pessoas, Jango anunciou medidas de reforma agrária e o controle das refinarias privadas. A resposta foi rápida e organizada. No dia seguinte, a oposição reuniu-se na “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, prenunciando o golpe.

Na madrugada de 31 de março, os tanques tomaram as ruas. João Goulart ainda tentou articular resistência, mas ao perceber que aliados estavam sendo presos e que os Estados Unidos apoiavam os militares, desistiu. Seguiu para Porto Alegre e, posteriormente, exilou-se no Uruguai. Antes mesmo de sua saída do país, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a presidência, passando o cargo interinamente para Ranieri Mazzilli. Mas o poder real estava nas mãos dos militares, que assumiriam o controle total do país.

O regime instaurado em 1964 perduraria por duas décadas. Durante esse período, opositores foram perseguidos, presos, torturados e mortos. A censura calou artistas, jornalistas e intelectuais. E os militares, como sempre, tentaram reescrever a história, disfarçando o golpe como uma necessidade patriótica. Alegavam estar salvando o país do comunismo, mas não havia comunismo algum—apenas o desejo de manter o poder sob suas botas.

 


domingo, 2 de março de 2025

Roubo em igreja...

 

OBS. Todas as imagens aqui postadas dizem respeito a essa reportagem. Não se tratam das igrejas mencionadas no texto.

Antes de ontem assisti a uma reportagem sobre roubo em igreja. O fato se deu no Rio de Janeiro. O ladrão é pessoa conhecida naquele espaço, pois costumava decorar o templo, portanto tinha total liberdade para transitar ali sem despertar suspeita. O criminoso é colecionador de obras de Arte e tem um acervo impressionante (se não fosse tão ladrão).


Ter obras de Arte sacra de 300/400 anos não significa ser ladrão. Os livros contam histórias de homens que, há mais de 100 anos, empreendiam longas viagens pelas províncias do Brasil comprando oratórios, santos de madeira (folheados a ouro) e peças sacras dos engenhos falidos e em decadência. E esse comportamento, por si, explica o porquê de - hoje - existir tanta peça sacra nas mãos de colecionadores sem que isso seja fruto do furto em igrejas.


Esses homens eram justamente colecionadores e comerciantes desse tipo de obra de Arte. Isso não se resumia aos engenhos e fazendas, mas às casas da cidade, onde os fazendeiros residiam e mantinham verdadeiros museus sacros. 


Esses homens, no caso, eram meramente oportunistas e espertos. Não eram ladrões. É certo que eles pagavam valores irrisórios, trocavam por outras coisas, mas, enfim, não havia ilegalidade naquela aquisição. Por mais que nos admiremos com o fato de um colecionador possuir objetos sacros de 200/300 anos ou mais, os mesmos não devem ser vistos como criminosos, mas é necessário os olharmos com reservas, pois, infelizmente, entre os honestos há os ladrões.


Isso explica o porquê de encontrarmos tantos tesouros em galerias de obras de Arte sacra principalmente nas capitais brasileiras, até porque os donos morrem, os filhos vendem, trocam, doam, até jogam no lixo (por ignorância). Dia desses um homem estranhou certa peça numa galeria de arte Sacra. Ele achou muito parecida com uma obra roubada na igreja de determinado estado há mais de 40 anos. Então ele fotografou-a. Na mesma hora recebeu o retorno de um especialista confirmando se tratar  da peça roubada. A polícia federal baixou no local instantes depois. Isso acontece eventualmente, pois muitos especialistas visitam essas galerias com tal finalidade.

Há pouco mais de um ano, vi uma postagen no no Instagran, em que uma figura muito conhecida e respeitada no Rio Grande do Norte mostrou um medalhão com a imagem de Nísia Floresta em bronze. É uma peça no diâmetro de um LP.  Ele a adquiriu numa galeria de Arte no Rio de Janeiro. Identifiquei aquela peça no mesmo instante, bastou bater os olhos. Ele, no caso, não cometeu nenhum crime, mas digo com certeza absoluta que é uma peça roubada. Creio que pertencia ao Centro Norte-Rio-Grandense, pois tenho fotografias de uma exposição sobre Nísia Floresta que ocorreu ali em 1954 e esse medalhão está sobre uma mesa envolta por figuras potiguares notáveis, dentre elas o ex-presidente Café Filho. Esse medalhão foi confeccionado na França em 1851. Entrei em contato com a pessoa, expus o fato e o orientei a doá-la ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, mas a pessoa me  ignorou. Nunca respondeu.

Excetuando esses colecionadores e comerciantes de obras de Arte Sacra, o único local que possui grandes acervos são as igrejas e, infelizmente, é o local preferido de colecionadores criminosos. Uns pagam para roubarem. Outros vão em pessoa. Há, inclusive, ladrões de obras de Arte em cemitérios também.



Na década de 70 houve um furto milionário na Igreja Matriz de São José de Mipibu, cidade da região metropolitana de Natal. Até hoje, lá pelas bandas do Pantanal, minha mãe guarda uma carta com o recorte de jornal dando notícia do episódio. 


Foram várias imagens portuguesas do século XVIII, em madeira, folheadas a ouro. Por sorte a Polícia Federal encontrou as peças muito tempo depois.


O maior acervo de obras de Arte Sacra no Rio Grande do Norte – na minha opinião – se encontra na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, em Nísia Floresta, município integrante da região metropolitana de Natal. Há um ostensório em prata pura e um relicário em prata e ouro puros, imagens portuguesas do século XVIII em madeira folheada a ouro, um lampadário de 20 kg em prata portuguesas maciça, crucifixos em madeira e Jesus Crucificado, crucifixos solitários – todos em madeira do século XVIII, candelabros de bronze, escultura em tamanho natural de Jesus Morto em madeira do início do século XIX, roupas clericais centenárias com galões de ouro e prata, toalhas, cálices, bandeiras de procissões da época que o município se chamava “Papary”, grandes móveis em madeira de lei (cômodas e roupeiros), livros manuscritos e uma infinidade de pequenos assessórios sacros.


Sabemos que a Igreja Matriz de Nossa Senhora já sofreu vários furtos (não é segredo para ninguém). Alguns atribuídos a determinados padres – ditos a boca de siri – e outros supostamente furtados a pedido de colecionadores. Particularmente, sinto falta de algumas imagens e peças valiosas e até móvel que conheci em 1992 e que fui percebendo estarem sumindo ao longo do tempo. “Quem disso usa disso cuida”, portanto, sem intimidade com aquele templo, pensava que a exposição dessas peças oscilava, de acordo com alguma orientação dos padres, numa espécie de reserva técnica como fazem nos museus. Muito tempo depois percebi que eu estava tremendamente enganado.


O fato de a igreja ainda não ter sido tombada nos impede de termos uma lista com todos esses elementos sacros, portanto só quem conhece a igreja de longas datas sabe sobre esses furtos. Vale ressaltar que esses furtos não se resumem apenas a obras de Arte de grande valor, mas até mesmo a peças em gesso (a exemplo do “Anjinho Deus lhe Pague”), uma peça aparentemente sem valor, mas só aparenta, tendo em vista que ela e outras que foram furtadas têm valor histórico pelo tempo que ali estão.

Pois bem, vendo essa reportagem, me voltei para a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, tendo em vista a dimensão do seu acervo e a falta de um esquema de vigilância eletrônica.



Entendo que lugares como Nísia Floresta, com um patrimônio dessa monta deve haver uma politica pública de proteção diferenciada, não por privilégio, mas por dever de salvaguarda. O verdadeiro privilégio é saber que a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, em Nísia Floresta, é um museu vivo, um elemento singular, inigualável, um tesouro da História da Arte e da Arquitetura Sacra. 


A Prefeitura Municipal de Nísia Floresta e a Câmara Municipal de Vereadores devem ao povo de Nísia Floresta a proteção desse tesouro. É hora de criar uma lei com edital para concurso, providenciando uma guarda especializada pela proteção 24 horas desse templo. Não se trata de privilégio, pois estamos falando da História do Brasil. Estamos falando de precaução.

Fica a reflexão e a sugestão.